Alisson Barreto

Os poderes como instrumentos ao poder

Alisson Barreto 23 de julho de 2022
Os poderes como instrumentos ao poder
Os poderes como instrumentos ao poder - Foto: Alisson Barreto

O poder da lei é fundamental para a garantia da imparcialidade e da liberdade do agir na legalidade; mas também a lei pode ser utilizada para a garantia de perpetuação no poder autocrático ou oligárquico. A história comprova tais perspectivas.


Sem legislação, o servidor público e a população ficariam à mercê de quereres irrazoáveis, ilegais e imorais de ocupantes de cargos eletivos e de seus patrocinadores. Sem a força da lei, o cidadão comum veria estarem mitigadas suas formas de recorrer e a quem recorrer ao entender-se sob vítima de injustiça, quedando-se na dependência de seus anseios estarem alinhados com os “reis” detentores dos poderes estatais ou quem quer que pudesse impor suas vontades à coletividade, sejam eles militares, milicianos, narcotraficantes ou os chamados “coronéis” de suas regiões.


Ao mesmo tempo, os autocratas soerguem-se de ambientes políticos que conhecem e aprendem a manipulá-los a seu favor, fazendo uso de poderes democraticamente organizados para a perpetuação de suas ideologias e ânsias de poder. O que parece contraditório, na verdade, é uma prática comum: ditadores fazem uso da criação e modificação de leis para regularizarem seus desejos e imporem-nos à coletividade. Assim, um ditador faz uso de suas habilidades políticas ou militares para, por exemplo, legalizarem suas vontades de extrapolar tetos de gastos, evitarem impeachments, fomentarem xenofobias, autorizarem abortamentos ou mesmo esclavagismos, experiências científicas com pessoas ou bichos e tentativas de desconsideração da dignidade de etnias.


Engana-se quem pensa que isso só ocorre além-mar ou é coisa apenas do passado ou de um viés político oposto àquele com o qual se busca corroborar. Engana-se quem acredita que seria exclusividade de um dos poderes ou que sempre teria uma “cara” personificada, explicitamente identificável. Primeiramente, é rigoroso observar que qualquer um dos poderes pode realizar a implantação de suas ideologias predominantes e isso se torna muito mais factível quando um poder se une a outro em suas implantações. Aliás, uma dificuldade do presidencialismo é a frágil governabilidade quando não se tem maioria no legislativo. Também no judiciário, a repetição de entendimentos num viés ideológico fortalece a fomentação de uma jurisprudência garantidora do cumprimento daquela linha de pensamento. Ou seja, tendo ou não um nome diretamente identificável, a manipulação ideológica pode ocorrer em quaisquer poderes e perpetuarem-se no tempo.


Novas eleições aproximam-se, pergunta-se: há suficiente consciência de que o próprio voto pode fomentar a perpetuação de um viés ideológico que prejudique a própria democracia ou causar prejuízo ao respeito à dignidade da pessoa humana ou às conquistas humanas e sociais ao longo dos tempos?