Jurídico com Alberto Fragoso

O direito à busca da felicidade

Jurídico com Alberto Fragoso 23 de março de 2022
O direito à busca da felicidade
Ilustração - Foto: Ilustração

Um assunto discutido, no Congresso Nacional, foi a proposta para reconhecer a busca da felicidade, erguendo-a à norma de envergadura constitucional, capitulando seu significado com a patente de um direito fundamental do cidadão.

Existiram duas Propostas de Emenda à Constituição de autoria do senador Cristóvam Buarque (PEC º. 19/10) e da deputada Manuela D’Ávila (PEC nº. 513/2010), já arquivadas, seguindo uma tendência, à época, que já vinha sendo debatida na Organização das Nações Unidas (A Assembleia Geral das Nações Unidas chegou a aprovar uma Resolução com o título "A Felicidade: para um Enfoque Holístico do Desenvolvimento”).

Pelas PECs, a proposição era alterar o art. 6º, da Constituição Federal, direcionando os direitos sociais à realização da felicidade individual e coletiva.

De fato, a felicidade é um sentido a que todos aspiram. A subjetividade intrínseca ao conceito de felicidade revela-se mediante um sentimento intimamente individual ou através de um estado de espírito interior. Como se percebe, a mensuração do que significa o Ser Feliz ou Estar Feliz é trabalho bastante dispendioso e – porque não dizer – praticamente impossível de preceituação geral ou genérica.

Considerando que a busca da felicidade pode redundar no alcance do bem-estar e prosperidade, até que a candidatura é apropriada. No entanto, a previsão explícita da expressão “busca da felicidade” no texto do art. 6º, da Constituição Federal, como pretendida, fazia transparecer, sem proveito algum, a confirmação de um propósito institucional, já existente: objetivo fundamental do Estado em fomentar condições basais de dignidade com a efetiva garantia à população do respeito de todos os direitos ali elencados (educação, saúde, trabalho, a moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados).

Talvez desígnio do legislador acabasse se restringindo à estética redacional ou, até mesmo, a sua pertinência individual à inovação legal (hipotético legado).

Assim, dentro desta perspectiva, como tutelar juridicamente a felicidade se nem outros direitos mais básicos são assegurados, em sua plenitude?

No brasil, o que muito se vê é a criação, mais e mais, de legislações que se cingem à contemplação singular de interesses invisíveis ao olho nu, sem nenhuma relevância. O país está cheio de leis perecidas ou que já iniciam sua vigência natimortas.

Os próprios fins do Estado Democrático de Direito condizem e reiteram, naturalmente, a exigência da firmação dos direitos subjetivos fundamentais mediante efeitos concretos, seja em se tratando do dever estatal de abstenção, seja da obrigação efetiva, direta, imediata e positiva de prestar assistência, institucionalizados na garantia do bem comum da coletividade e da felicidade.

A natureza abstrata e programática dessa inserção normativa apenas reviveria, de maneira inútil, a idéia já ordinariamente assentada no sentido transmitido pela égide do atual conteúdo constitucional, sobretudo quando se verificam o ínfimo grau de empenho e eficiência no que se refere à garantia e consecução dos direitos sociais no país.

Legislar por legislar, sem critérios bem delineados de aplicação normativa, como se presencia no teatro político brasileiro, é um flagrante desrespeito ao povo, além de retratar a indiferença dos mandatários, especialmente com os altos custos financeiros que os respectivos salários acarretam aos cofres públicos e aos contribuintes.

É incumbência do Estado assegurar, indiscutivelmente, o respeito e integralidade dos direitos sociais, promovendo o bem de todos, segundo o que prevê o inciso IV, do art. 3º, da CF, em especial.

À luz de tal premissa, seria, realmente, imperiosa a disposição expressa da felicidade no corpo do Texto Constitucional? O que se reverteria de concreto e benéfico à coletividade com tal inclusão? Será que a garantia absoluta de tais direitos traria, por completo, felicidade? É claro que não.

Felicidade é valor subjetivo, particularizado e circunstancial. Positivá-la seria um... “chover no molhado”.

Por razões exóticas, continuam os legisladores tentando inovar o sistema normativo com a produção repetitiva e sarcástica de um sem-número de leis totalmente desgarradas do mínimo de aptidão de atingir o seu fim (efetividade), numa clara ficção antijurídica e de muito mau gosto.

Disposições legais desta natureza, desta feita, apenas trazem à tona, na imensa maioria as ocasiões, o interesse evidentemente particular de promoção pessoal, de retribuição ou de uma sacal prestação de contas dos mandatários – ou quem ilegitimamente assim se intitule – à sociedade e aos eleitores por suas desprendidas e imparciais contribuições.