Há uma ideologia vigente na famigerada “extrema direita”, a qual podemos chamar de trumpismo ou bolsonarismo, que é uma ideologia populista da força. Mas no que se realiza essa ideologia? Como ela alcança adeptos? Quais raízes históricas? Em que filosofia ela se baseia? É o que esse texto se propõe a apresentar.


1) Breves noções de marxismo.

É possível dizer e resumir que o marxismo é um método de análise socioeconômica desenvolvido por dois alemães: Karl Marx e Friedrich Engels com bases na filosofia de Hegel, em pensamentos socialistas ingleses e franceses e na análise da economia política inglesa do século XIX. Essas análises dão origem ao método que Marx chamou de materialismo histórico dialético[1]. E como se daria essa dialética e esse materialismo histórico?

Para Marx, “a produção dos bens materiais seria o fator condicionante da vida social, intelectual e política” e a luta de classes seria seu “motor histórico”.[2]
Nota-se, portanto, uma espécie de dialética fática, ou seja, a realidade histórica se delinearia na oposição entre forças, ideias e princípios. E esse pensamento focou muito na luta de classes: o proletário pobre contra o poderoso rico burguês.

Rússia, China, Hitler e a chamada de “extrema direita” atual, onde se encaixam?

A Rússia, sobretudo, a partir da Revolução Russa de 1917 tornou-se a referência mundial na implantação do marxismo e, a partir dela, passou-se a diferençar socialismo de comunismo. O comunismo seria a imediata repulsa ao capitalismo e o socialismo, uma ponte entre o capitalismo e o comunismo. Acontece que o comunismo prático nunca foi implantado, revelando-se talvez impraticável, e o socialismo assumiu várias vertentes, onde quase sempre o padrão foi uma autocracia dominada por uma elite do partido comunista altamente militarizada e um povo submisso e altamente doutrinado.

A China é uma civilização muito antiga e fortemente marcada pela filosofia do yin e yang. Uma filosofia dialética por natureza, que traduz uma ideia de coexistência eterna de duas forças antagônicas e, até certo ponto, mutuamente dependentes, segundo seus seguidores. Um lado seria o das trevas, ou outro o da luz; fraqueza e força, numa dinâmica em que nenhum lado seria absoluto e haveria um pouco do oposto em si. Portanto, o socialismo e o comunismo se inserem nessa perspectiva como um instrumento de oposição para a busca do equilíbrio. Vale observar que a China tem conseguido significativo êxito capitalista em seu comércio em meio a uma forte doutrinação do povo e sua substancial subordinação ao partido comunista.

Hitler foi um fenômeno autocrático iniciado no Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha, que o moldou e transformou-o no Partido Nazista. Na prática, diferentemente dos socialistas e comunistas, ele empregou a dialética marxista entre classes étnicas, não mais em classes socioeconômicas, rompendo, assim, com as linhas socialistas e comunistas até então empregadas. Contudo, como se observa, não rompeu com a luta de oposições. Ao contrário, elevou-a a nível além-fronteiras, tentando eliminar os judeus e fazer prevalecer a etnia alemã, a qual chamava, equivocadamente, de raça ariana. Mas não existem raças na espécie humana, biologicamente falando.

E onde entra a atualmente chamada “extrema direita”?


2) O bolsonarismo e suas nuances.

Nota-se que a chamada “extrema direita” é atualmente designada por expressões como bolsonarismo, o trumpismo ou, quem sabe até, “putinismo”. É uma ideologia de populismo da força que subsiste no antagonismo entre direita e esquerda, “bolsonarismo” e comunismo, patriotismo e globalismo, meritocracia e “solidarismo”.

O materialismo histórico dialético realiza-se no bolsonarismo por meio da enfática oposição entre esquerda e direita, na qual a direita é a perspectiva bolsonarista e tudo o mais é esquerdismo a ser combatido. O bolsonarismo empenha-se em usar a dialética com um único objetivo: fazer prevalecer os ideais bolsonaristas contra a pluralidade de ideias, ideologias e filosofias. Para o bolsonarismo “raiz”, a Constituição Federal é um instrumento comunista que, por meio da pluralidade de pensamentos, tenta subverter a ordem das coisas ou, ao menos, abre espaço à subversão.

Ou seja, na raiz do bolsonarismo não há espaço para a democracia. No bolsonarismo, nenhum posicionamento é aceitável se não o que defenda o líder do pensamento bolsonarista e, assim, todo aquele que possa a ele se opor deve ser combatido, humilhado e tornar-se motivo de chacota para que sua popularidade seja anulada e o projeto de poder do líder não seja ameaçado.

Um dos pontos onde se pode identificar a falácia da ideologia bolsonarista é a questão moral e ética. Na ética, tem-se que é uma infração moral a defesa de que os fins justificariam os meios, de modo que não se pode transgredir valores para alcançar o que se quer. Assim, não se pode passar por cima das pessoas, “puxar o tapete” ou diminuí-las para tentar crescer, nem se pode buscar lucro às custas da destruição do meio ambiente ou do extermínio de um povo, por exemplo.

Para o bolsonarismo ou boa parte dele, o Brasil poderia ou deveria apoiar uma nação agressora se puder lucrar economicamente com isso, ainda que isso seja imoral. A questão valorativa seria irrelevante ante o interesse pecuniário da Nação. Vale lembrar que para os nazistas, a invasão de países estrangeiros sob o pretexto de conquista de “espaços vitais” era aceitável, pois visava ao fortalecimento da Nação.

Na ideologia bolsonarista, isso não pode ser levado em consideração, pois buscar-se-á todos os meios possíveis para derrotar os que possam ser chamados de esquerdistas, ou seja, contra todos os que não forem apoiadores do sistema bolsonarista. Nessa toada, quaisquer meios de informação que não apoiem o pensamento bolsonarista são tachados de esquerdistas e devem ser absolutamente ignorados e combatidos, o que permite ficar com fontes de informação apenas as que corroboram com a ideologia desejada.

Vale notar que quem não apoiava Hitler era chamado de comunista pelos nazistas e todos os que não eram ou não são apoiadores de Stalin e Putin eram chamados de nazistas ou são assim chamados pelos russos defensores de Stalin e Putin. Para os “putinistas”, vale a máxima: “os fatos são baseados no que o nosso presidente diz”. Ou seja, há uma clara inversão lógica, em vez de interpretar a realidade pela observação dos fatos, passa-se a observar a realidade pela visão apresentada pelo líder ideologicamente seguido. No Brasil, máxima é traduzida pela postura de ver Bolsonaro fazer uma declaração e esperar os comentaristas defensores dele criarem uma versão que justifique quão certo ele está.


3) A quem interessa a polarização entre esquerdistas e direitistas?

Como se vê, a polarização só interessa aos defensores do materialismo dialético, ou seja, aos marxistas, ainda que não saibam estarem defendendo a bandeira marxista ou até mesmo digam combatê-la. É a dialética do dualismo do líder a ser defendido contra todos que dele discordem, ignorando argumentos que não corroborem com o líder do polo defendido. Como se vê, no marxismo, a “dança das tesouras” não é entre FHC e Lula, mas entre o bolsonarismo e esquerdismo. Afinal, é óbvio que a consequência prática do bolsonarismo foi soerguer o petismo. Por quê? Porque é preciso criar ou ressuscitar um vilão para poder governar: o medo do vilão faz de qualquer oportunista um herói e a cadeia indutora de informação sabe bem disso e faz bastante uso desse conhecimento. É preciso chamar de comunista ou esquerdista qualquer um que se oponha a Bolsonaro para que Bolsonaro possa continuar sendo o herói da nação, como dizem “o melhor presidente que o Brasil já teve”. Na verdade, tal análise revela que ele não passa de um mito que aqui é desmitificado. Um mito no sentido mais pejorativo do termo, um homo fake.

Por conseguinte, o bolsonarismo não passa de um autodenominado antiesquerdismo baseado na ideologia marxista, no que se pode chamar de marxismo reverso. Ou seja, o bolsonarismo se baseia na luta de classes ou luta de lados, na qual se busca fazer prevalecer a lei do mais forte, defendendo os ricos e o poder ao líder direitista com a oferta de riqueza aos ricos e a compra dos votos dos pobres.

Perigosamente, o bolsonarismo se realiza na divisão extremada entre direita e esquerda, e nisso parece ser diabolicamente orquestrada pelo Divisor (do grego Diabolos ou “Diabolos”). Nele, troca-se o respeito pela condenação sumária e troca-se a unidade na multiplicidade pela divisão estratégica. É por isso que ao bolsonarismo se estende para além do ambiente político e consegue alcance que promove divisões nos lares e nos ambientes religiosos.

Perigosamente, alguém pode achar que o marxismo esquerdista seria uma reação antagônica ao marxismo direitista (ou seja, bolsonarismo). Entretanto, tratam-se de doutrinas materialistas e de divisão, são dois lados de uma mesma moeda.

Para um cristão, portanto, é inaceitável trocar a centralidade em Cristo por uma busca por direitismo ou esquerdismo. Se o amor não vencer no coração de uma pessoa, não importa se ela é de direita ou de esquerda, ela estará errada. Porém, se se deixa o amor vencer, ainda que morra viverá, pois, ela saiba ou não, terá escolhido o caminho cristocêntrico.

Por fim, amado(a) leitor(a), se essa leitura doeu na alma, apaziguou o coração ou fez ranger os dentes, a proposta primordial aqui é lembrar a quem seguir: Àquele que nos une Nele ou ao divisor, o amor a Cristo ou a paixão a extremismos políticos? Recordo que Cristo acolhe a todos e seu amor transforma, afasta as divisões e promove a unidade.


Maceió, 3 de março de 2022.

==============
Twitter e Instagram do autor: @alissonbarreto1
==============

[1]
Fonte: Marxismo: o que é, características, críticas - Mundo Educação (uol.com.br). Acesso em 3-3-2022. Disponível em https://mundoeducacao.uol.com.br/sociologia/marxismo.htm

[2]
Fonte: Marxismo - Toda Matéria (todamateria.com.br). Acesso em 3-3-2022. Disponível em https://www.todamateria.com.br...