O verbo funestar remete a funesto, que se trata de um adjetivo alusivo a presságio ou provocação de morte, desgraça, desonra ou crueldade. O que essa frase – que soa como se fosse componente alemã do decálogo bíblico – tem a ver com o Brasil?
Não tente relê-la em alemão, está em português mesmo. Nem vá procura-la no pentateuco, não a encontrará diretamente.
Alguém deveria perguntar-se “Por que, no Brasil, aparecem tantas calamidades? ”. E, algumas das quais, que tantas vezes soam distantes, acabam por acontecer tão perto. Seria essa Pátria tão azarada? Seria o povo deste país destinado a sofrer?
Às vezes o brasileiro acaba acreditando que algumas pessoas – como pobres, negros, sertanejos etc. – seriam destinados a sofrer. Parece absurdo, mas acaso o leitor nunca viu alguém tratar algumas pessoas como se fossem inferiores, destinadas à subserviência, ou superiores, às quais se deveriam prestar reverência?
O documento normativo máximo do ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal, preceitua que todos são iguais perante a lei. O pensamento lógico de que se precise de leis para tratar todos de modo a torna-los iguais contesta tal afirmação. Como o leitor defronta essas duas frases?
A resposta jurídica vem da interpretação primeira, segundo a qual se trata de uma afirmação onde a letra constitucional apresenta o verbo ser de forma ôntica (ser) para ser entendido em concepção não ôntica (ser), mas deôntica (dever-ser). Ou seja, lê-se “todos são” e entende-se “é dever que todos sejam”. Assim, as normas infraconstitucionais, todas, devem corroborar para que todos sejam iguais.
Ora, onde está a igualdade nos tratamentos interpessoais, nas oportunidades e na promoção da dignidade humana? Onde está a igualdade entre nascidos e não nascidos, entre ricos e pobres, políticos e cidadãos, filhos de empresários e filhos de pedintes?
Há ou não há algo de funesto na desigualdade econômica e sócio-política brasileira?
A indagação supracitada não se trata de uma questão meritocrática, pois é injusto dar uma bicicleta para um garoto apostar corrida, no plano ou em declive, contra um que vai a pé e depois, ao se deparar com a vitória do ciclista, dizer que o que ganhou a bicicleta teve mais mérito.
O Brasil desonra-se quando fornece subsídios a uma parcela da população em detrimento de outra. O Brasil destrói a si mesmo quando: em vez de promover, igualitariamente, a qualidade de vida desde o ventre materno, deixa para tentar equilibrar a balança social com fazes de conta, marketing ou sofismas.
O Brasil funesta a si próprio em sua corrupção diária. Quando um brasileiro atravessa fora da faixa de pedestre, um motorista queima o sinal vermelho, um motociclista pega uma contramão, um agente público ganha presentinhos ou despacha após benefícios particulares, uma empresa ou poder público ignora exigências jurídicas, um taxista ou frentista emite um recibo com valor acima da corrida, um agente político faz acordos com empresas etc., cada um desses é participante da corrupção e contribui para a funestação do país.
O título dessa reflexão remete, não por acaso, ao decálogo. O verbo funestar atenta contra o mandamento de amar [o qual resume toda a lei (e os profetas) e, por conseguinte, o decálogo], uma vez que é ato ou omissão a produzir desonra, desgraça, infâmia, infelicidade e morte.
Portanto, amados leitores, não funestar deve ser um imperativo na vida de cada cidadão. Pois quem ama honra, defende a vida, promove a felicidade, o bem comum, a justiça.
A todos um abençoado domingo e uma entusiasmante semana! Paz e Bem!
Maceió, 09 de fevereiro de 2019.
Alisson Francisco Rodrigues Barreto[1]
[1] Alisson Francisco é poeta filósofo; bacharel em Direito, pós-graduado. Autor de “A Palavra em palavras”, desde 2011, e do livro “Pensando com poesia”. Fundador dos Amigos Marianos Missionários da Eucaristia – Amme e administrador de páginas, no Instagram e Facebook, como @amme.33 , @apaixonadospormaceio , @apaixonadosporbebeseanimais. Twitter do autor: @alissonbarreto1.