Alisson Barreto
O POÇO DE CURIÓ
O poço do Curió
Certo dia, Curió estava a desfrutar do jardim de sua casa, quando percebe pequenos frutos em um pequeno buraco. Ele se sente atraído a experimentar… Ainda hesita um pouco...
Até que um dia ele prova do sabor daquele fruto, levemente ácido, mas doce, indizivelmente, saboroso. Ele prova mais outro e percebe que ficou ainda mais gostoso, que a cada fruto que ele prova melhor sabor sente... Pouco a pouco, Curió foi aumentando o tamanho daquele buraco donde brotavam aqueles saborosos frutos.
Logo, sem que se desse conta, Curió deixou de fazer as caminhadas que fazia por seu jardim. Sua atenção estava em sua alegria: saborear aquele delicioso fruto. Com o tempo, também passou a sentir que a lama da terra molhada, que circundava aquele saboroso fruto, tinha gosto achocolatado, tornando a mistura fruto e chocolate ainda mais gostosa.
O terreno foi cedendo pouco a pouco e Curió passou a sentir menos aquela brisa, a ver menos as amizades que circulavam pelas praças às quais seus jardins o levava.
Até que um dia Curió se deu conta que estava mais difícil de sair daquele buraco, que já não era mais buraco; mas um poço. Que já não era um poço qualquer, pois estava entre um poço que tinha um fundo e a parte externa do poço, por onde entrava a luz solar.
Passou a sentir a dificuldade de sair daquele poço e, quando saía, acabava voltando.
O poço de Curió passou a exercer um estranho domínio nele. Ele sempre achava que podia sair, mas sempre voltava ao poço. Mesmo sem sair achava que podia sair, mas nunca encontrava forças para fazê-lo. Curió passou a dormir no poço. Parecia o hino do Brasil: deitado eternamente em berço esplêndido.
Curió precisava de ajuda. Mas até que ponto ele precisava? A questão é que ele continuava no poço.
Ele começou a lutar para passar menos tempo no poço, mas ah! Aquele gostinho… Como era difícil ficar sem. Em dado momento, passou a se questionar se de repente não seria um bem pra ele, que deveria apostar nisso e ficar mais ali no poço, degustando mais e mais daquilo que tanto lhe apetecia.
Mas Curió estava deixando de ver o Sol sobre si, o canto dos pássaros estava ficando mais distante… A vontade de sentir as sensações daquele fruto lhe chamava tanta atenção que já nem conseguia fazer suas orações direito. Havia um anseio por aquele fruto que lhe tirava a paz e ocupava seu tempo.
Curió sofria sem perceber, definhava sem se dar conta, estava amarrado por laços invisíveis.
Certo dia, caiu sobre si uma bolha brilhante, chamada esperança. Essa esperança lhe reacendeu a chama da fé, a qual fez brotar dentro dele um novo fogo chamado amor de superação. Curió acordou de seu sono profundo e disse, lutarei para curtir a brisa do mar da vida! Dali em diante, ele não lutava desesperadamente, mas passara a lutar esperançosamente. Aquela bolha o esperançou!
Curió passou a subir poço acima, pouco a pouco, cada dia um pouco mais. A cada dia ele procurava consumir menos daquele fruto. Suas vitórias iam aumentando, dias tendiam a virar semanas. Aqui e acolá, Curió caia; mas voltava a lutar. Suas quedas tentavam-no a desistir. Todavia, ele não desistia.
Com o tempo, ele comia menos frutos e passava mais tempo sem comer. Às vezes conseguia chegar fora do poço e passava um certo tempo recebendo aquele ar puro. Depois via o fruto e caia no consumo novamente. Mas a cada dia, a cada semana, ele desfrutava mais e mais daquela brisa fora do poço.
Fora do poço, Curió pode erguer a cabeça, olhar os pássaros, ver as folhas das árvores agitadas ao vento. Uma folha voou à sua frente e ele percebeu que, como o vento conduzia aquela folha, seu desejo pelo fruto havia, muitas vezes, conduzido o seu agir.
Ao longe, som de uma bicicleta, conduzida por uma criança, lhe chamara a atenção… E um avião sobre as nuvens… Um gato caçando no jardim, por entre as folhas… Lembraram Curió que havia um jardim a desfrutar. E pouco a pouco, ele se desapegou do poço. Calçou o tênis e foi pedalar.
Um dia, mais velho, percebeu que havia muita gente que caia em poços, nem sempre iguais aos seus. Muitas vezes os frutos que buscavam eram prestígio, dinheiro ou outras coisas; mas a realidade era a mesma.
Da bicicleta Curió conheceu o aeromodelismo e passeios de helicóptero, ultraleve e asa-delta. Seus tempos passaram a ser preenchidos com várias obrigações, desafios e lazeres, mas nenhum deles o escravizava mais, como ocorrera com aquele fruto. Curió havia aberto os olhos e seus voos passaram a inspirar outras pessoas que estavam em diversos poços. Foi quando Curió recebeu um novo dom: ele passou a ser portador da bolha esperançosa. Com uma diferença: a sua não era brilhante, ela era invisível e ele chamava de amor.
Assim, Curió pôde esperançar a muitos. Pois ele reencontrou a beleza do jardim.
Maceió, 13 de setembro de 2016.
Alisson Francisco Rodrigues Barreto[1]
[1] Poeta, filósofo; bacharel em Direito, pós-graduado. Autor do blog A Palavra em palavras desde 2011.
Alisson Barreto
Sobre
Alisson Francisco Rodrigues Barreto é poeta, filósofo (Seminário Arquidiocesano de Maceió), bacharel em Direito (Universidade Federal de Alagoas), pós-graduado em Direito Processual (Escola Superior de Magistratura de Alagoas), com passagens pelos cursos de Engenharia Civil (Universidade Federal de Alagoas) e Teologia (Seminário Arquidiocesano de Maceió). Autor do livro “Pensando com Poesia”, escritor na Tribuna com o blog “Alisson Barreto” (outrora chamado de “A Palavra em palavras”), desde 2011. O autor, que é um agente público, também apresenta alguns dos seus poemas, textos e reflexões, bem como, orações no canal Alisson Barreto, no Youtube, a partir do qual insere seus vídeos aqui no blog.