Alisson Barreto

BREVE MANUAL SOBRE A ORAÇÃO - PARTE III

Alisson Barreto 03 de agosto de 2016

PARTE III - Da liberdade às expressões de oração

Por Alisson Francisco

1.       LIBERDADE ORANTE E POSSIBILIDADES DE ORAÇÃO

1.1.    O que rezar. O cristão é livre para rezar e convém manter-se livre em suas orações, ou seja, procedendo retamente em seus pedidos e intenções orantes. A forma mais eficaz de uma oração ser atendida é aquele que pede pedir para ser salvo, ou seja, meios e motivação para a busca da própria cristificação. Assim, há duas formas básicas de rezar: fazendo petições espontâneas ou utilizando-se de orações prontas. Dentre as orações prontas, destaca-se a oração que o Senhor nos ensinou: o pai-nosso. Mas também há jaculatórias e orações consagradas pela igreja. Os santos e a liturgia nos apresentam preciosas orações, que podem ser importante instrumentos da vivência da oração. Nisso, convém destacar a meditação dos santos da patrística, das encíclicas papais e dos santos de um modo geral.

1.2.    O valor da humildade e da vida virtuosa. A verdadeira oração cristã leva o fiel a mergulhar no mistério da fé, unindo-o ao Corpo de Cristo, que é a Santa e Eucarística Igreja. Essa união se delineia pelo caminho das virtudes e requer, portanto, cristificante virtude da humildade para a produção de bons frutos. Isso porque os bons frutos brotam das boas árvores. A árvore que dá os bons frutos é Cristo, os bons galhos dos quais os frutos são colhidos são os bons corações dos cristãos que se unem no Corpo de Cristo.

1.3.    A centralidade e o senhorio de Cristo. A fé cristã é cristocêntrica, ao mesmo tempo que é uma virtude teologal, portanto, vinda do alto e infusa no coração humano, ela direciona o crente para Cristo, fazendo d’Ele o seu Senhor. Senhor (Dómino) é aquele que exerce o domínio, de modo que o fiel é aquele que permite que se faz dócil ao querer de Deus, inclusive exercitando a virtude da justa obediência aos que verdadeiramente agem em nome de Cristo. Isso não significa obedecer aos que dizem “em nome de Jesus”, mas aos que foram escolhidos por Deus para agirem em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, não por um simples dizer, mas por tradição de fé oriunda de Nosso Senhor Jesus Cristo. A oração do cristão deve sempre voltar-se para Cristo e voltar o cristão para uma unidade cada vez mais cristificante e, portanto, eucarística.

1.4.    A solidariedade da oração e a misericórdia (união e intercessão). Como o sangue que nutre as diversas partes do organismo, a oração une e alimenta os membros do Corpo de Cristo. Assim, a oração aumenta a vivência na unidade do Corpo de Cristo e proporciona, como membro do Corpo de Cristo, a ajuda mútua, não apenas de forma física, mas por meio da oração de intercessão. Só temos um intercessor junto do Pai, mas os membros do Corpo de Cristo intercedem junto ao Filho e o Filho, Misericordioso como é, acolhe e cuida de cada um, concedendo o que nos é justo e bem salvífico. Nisso, destaque para a filiação mariana, pois a Mãe ocupa fundamental lugar no coração do Filho. E também convém recordar que os sofredores em oração, unem-se ao Jesus Cristo Sofredor, ao Crucificado, exercitando a fé, assim como Jó, e tornando-se importantes instrumentos de auxílio orante, inclusive, motivando os sãos a rezarem por eles. Quem ora exala o bom odor da oração, levando o conforto da paz aos que se permitem inspirar tal fragrância!

1.5.    A missionariedade e a chama da fé. O Senhor criou os homens pela Palavra e, soprando neles, deu-lhes vida. Esse sopro do Espírito Santo de Deus é o motivador da oração e de levar a chama da fé aos demais. A missa termina com o ite missa est, que hoje, no Brasil, é dito como “ide em paz e que o Senhor vos acompanhe”. Ir com o Senhor é levá-Lo aonde quer que se esteja; não como uma companhia oculta, mas como um amigo do qual o cristão nem se esconde d’Ele nem esconde Ele das demais pessoas, o cristão busca ser fiel a essa amizade, sabendo que Deus é fiel. De modo que a oração fortalece e guia pelo caminho da missionariedade de atos, de palavras, de silêncio e testemunho. A vivência da missionariedade é, portanto, também uma vivência orante, desde que feita em amor e comunhão com Deus, ou seja, não um fazer vazio sem busca de oferecer o ato a Deus e imergir em Seu amor.

 

2.       AS EXPRESSÕES DA ORAÇÃO

2.1.    Oração vocal. A oração vocal vai da vocalização interior à sua exteriorização. É por meio dela que o cristão se une verbalmente à assembleia orante e também é instrumento de evangelização e transmissão da fé pessoa a pessoa. Realizando o caráter missionário da transmissão da Palavra aos corações. Considerando que o ser humano é corpo e alma espiritual, por meio da oração vocal, o cristão verbaliza a oração levando seu corpo a orar juntamente com seu espírito.

Quanto à oração vocal, convém lembrar que não é o palavreado que se utiliza que faz a oração ser mais proveitosa. Não é o uso de palavras bonitas, mas a ação de um coração sincero e dedicado ao Senhor. Portanto, não é necessário abrir um dicionário, o fundamental é abrir o coração! Quanto à quantidade, convém lembrar que um mergulho no mistério da oração, unindo o coração do orante ao Senhor, é mais proveitoso do que uma multiplicidade mecânica. Mas a quantidade, por outro lado, torna-se importante aliada ao cristão que não sente a oração, mas sabe que precisa dela. Até a oração mecânica pode ser instrumento para trabalhar o coração daquele que não conhece a realidade da intimidade com Deus por meio da oração. A oração é uma busca, uma resposta e um meio unitivo no amor de Deus. A oração vocal é uma externação dessa realidade orante e uma união do corpo e da alma espiritual na busca por Deus.

2.2.    Meditação. A meditação cristã é bem diferente da meditação oriental pagã. Enquanto a oriental é um esvaziar-se, a cristã é um preencher-se do Todo, mergulhar integralmente n’Aquele que É conosco para nos levar a transcender para Ele. Enquanto a oração vocal une o corpo ao espírito em oração; a oração meditativa põe em ação, o pensamento, a emoção e o desejo, em oração. Veja o que diz o Catecismo:

Esta mobilização é necessária para aprofundar as convicções da fé, suscitar a conversão do coração e fortalecer a vontade de seguir a Cristo. A oração cristã dedica-se, de preferência, a meditar nos «mistérios de Cristo», como na «lectio divina» ou no rosário. Esta forma de reflexão orante é de grande valor, mas a oração cristã deve ir mais longe: até ao conhecimento amoroso do Senhor Jesus, até à união com Ele. (CIC 2708)

A meditação, portanto, é uma forma de oração que leva o cristão a transcender, através de uma busca por entendimento, por compreensão, aceitação e assimilação das coisas do Alto. Há várias formas de realizar a meditação, vários métodos, pelos quais o cristão pode meditar através de passagens bíblicas, de textos da patrística, de livros de santos, livros de espiritualidade etc.. As próprias orações vocais podem ser importantes oportunidades para realizar meditações e vice-versa.

2.3.    Contemplação. O coração é o lugar da busca e do encontro, na pobreza e na fé. A Contemplação é essa busca simples, sem arrodeios, toda focada no Senhor. É o momento em que todas as palavras, todos os cânticos, todos os sons encontram seu ápice no silêncio. Nas palavras do Catecismo da Santa Igreja:

a contemplação é a expressão mais simples do mistério da oração. É um dom, uma graça; só pode ser acolhida na humildade e na pobreza. É uma relação de aliança estabelecida por Deus no fundo do nosso ser (10). A contemplação é comunhão: nela, a Santíssima Trindade conforma o homem, imagem de Deus, «à sua semelhança».

2714. A contemplação é, também, por excelência, o tempo forte da oração. Nela, o Pai enche-nos de força, pelo Espírito Santo, para que se fortaleça em nós o homem interior, Cristo habite nos nossos corações pela fé e nós sejamos radicados e alicerçados no amor (11).

2715. A contemplação é o olhar da fé, fixado em Jesus. «Eu olho para Ele e Ele olha para mim» – dizia, no tempo do seu santo Cura, um camponês d'Ars em oração diante do sacrário (12). Esta atenção a Ele é renúncia ao «eu». O seu olhar purifica o coração. A luz do olhar de Jesus ilumina os olhos do nosso coração; ensina-nos a ver tudo à luz da sua verdade e da sua compaixão para com todos os homens. A contemplação dirige também o seu olhar para os mistérios da vida de Cristo. E assim aprende «o conhecimento íntimo do Senhor» para mais O amar e seguir (13).

2716. A contemplação é escuta da Palavra de Deus. Longe de ser passiva, esta escuta é obediência da fé, acolhimento incondicional do servo e adesão amorosa do filho. Participa do «sim» do Filho que se fez Servo e do «faça-se» da sua humilde serva.

(CIC 2713-2716)

A contemplação é uma oração de humilde entrega e escuta, é um voltar os olhares da alma para o Senhor, é uma dedicação em que todos os sentidos silenciam para se voltarem a Deus.

 

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Alisson Francisco Rodrigues Barreto é poeta e filósofo; bacharel em Diretio, pós-graduado. Missionário católico, autor deste blog desde 2011.

 

Próxima parte, em breve:  PARTE IV – A cristificante realização eucarística