Alisson Barreto

ESTADOS UNIDOS E INGLATERRA ANTAGONIZAM DOIS MARTÍRIOS RELACIONADOS AO MATRIMÔNIO

Alisson Barreto 01 de outubro de 2015

ESTADOS UNIDOS E INGLATERRA ANTAGONIZAM DOIS MARTÍRIOS RELACIONADOS AO MATRIMÔNIO

O mundo se depara, 480 anos após, o testemunho de uma pessoa cristã acerca do Matrimônio. Mas o que tem a ver Kim Davis com Thomas More?

Em 1535, na Inglaterra, fora preso e morto São Thomas More (Thomas Morus ou Tomás Moro) por recusar-se a reconhecer como válido o segundo casamento do rei da Inglaterra, Henrique VIII. Em 2015, nos Estados Unidos da América, é presa Kim Davis por se negar a registrar um casamento homoafetivo.

Num primeiro momento, o leitor pode questionar a tabeliã estadunidense ou o Chanceler do Reino acerca de estarem certos ou não. O fato é que a sua concordância ou não tende, significativamente, à irrelevância. Isso porque, juridicamente falando, ambos os casos têm um ponto em comum: o direito humano à escusa de consciência por ideologia ou crença religiosa. Concordando ou não com o posicionamento de Kim Davis e de Thomas More, é fundamental à sociedade o respeito ao íntimo de cada ser, de modo particular, à sua consciência. Afinal, a sociedade é uma coletividade composta por indivíduos, com cabeça e coração humanos.

Como dizia uma biógrafa de Voltaire, “posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o direito de dizê-lo” [Segundo Ivan Bilheiro, Revista Filosofia, a frase não seria de Voltaire, mas de sua biógrafa. (Texto disponível em http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/44/a-falsa-citacao-de-voltaire-investigacao-afirma-que-a-300467-1.asp Acesso em 1º/10/2015)].

Trata-se, portanto, de uma questão que perpassa a questão civil em direção à questão constitucional, chegando a o que – para alguns – pode ser chamada de supraconstitucionalidade, a questão natural do direito humano. Sim, convém considerar os direitos humanos como direitos jusnaturais, pois perpassam as legislações positivas dos países. Não desconsiderando a soberania dos países; mas convenhamos: por ex., independentemente de soberania, sabe-se que não é certo um país degolar cidadãos por serem cristãos, em vez de muçulmanos. Por mais que se respeite a soberania de um país, também não se pode simplesmente fazer uma lei dizendo que cristãos podem ser degolados, ou que negro não é gente, ou que judeu deve ser eliminado. Em todos esses casos, percebe-se que há um direito que está acima das legislações positivas.

Assim, num dado ordenamento jurídico, por mais que os legisladores entendam por positivar um dado entendimento legal; não pode fazer do ato de positivar um ato de negar o suprapositivado, ou seja, o direito superveniente, natural. Desconsiderar o foro íntimo a ponto de punir com sanção quem agiu em conformidade com o direito natural é romper com a barreira da segurança jurídica perpétua para deixar os cidadãos às mercês de intempéries legislativas. O legislador não pode retirar o cidadão do amparo da segurança para jogá-lo às tempestades.

No que diz respeito a Kim Davies e Thomas More, antes de fazer um juízo de valor é rigoroso fazer a análise supra, mas também convém observar as razões das pessoas em tela. Ambos fizeram suas escolhas com base em valores morais religiosos cristãos: (1) Thomas More negou-se a concordar com o divórcio com base no entendimento de que “o que Deus uniu o homem não separe”. (2) Kim Davies negou-se a registrar o casamento homoafetivo pelo mesmo motivo que a cidade de Sodoma fora destruída: pecado de sodomia.

O primeiro agiu no intuito de não promover o pecado de adultério e a segunda o de sodomia, dois pecados que atentam contra a pureza, ou seja, contra a castidade. Obviamente, numa análise mais acurada, perceber-se-á que há muitos outros pecados correlatos a eles: escândalo (levar outrem a pecar); falso testemunho (dizer que algo é o que não é), pecando contra a justiça e contra a verdade; além de prestar testemunho contrário ao das Sagradas Escrituras, em decorrência de uma desobediência aos preceitos divinos. Essas são algumas considerações que norteiam questionamentos cristãos aos fatos, aos quais o leitor, concordando ou não, é convidado a respeitar por civilidade ou por valoração aos direitos de pensar e de crer.

Debruçando um pouco mais sobre as questões bíblicas, o martírio de São Thomas More (06/7/1535) se funda na obediência de, como homem, não separar o que Deus uniu; considerando que o cargo de Chanceler do Reino não lhe retira a natureza humana e esta, por sua vez, lhe retira a valorosa virtude do temor de Deus. No mesmo sentido, Kim Davies, posta entre a crença de um Deus que destruiu a cidade do pecado de Sodomia e o país que determina aos servidores públicos o dever de registrar o casamento gay, optou por agir de acordo com o que crê. Afinal, é um direito natural da pessoa humana crer que o amor de Deus nas normas da Sagrada Escritura é superior ao zelo do legislador nas normas nacionais. Também se pode dizer que o amor regional é menor que o amor nacional (patriotismo), o qual é inferior ao supranacional. Assim, como os feudos foram superados para engendrar a formação dos países, também os países são convidados a formarem uniões maiores e, como se é de convir, todos são convidados a imergirem nas realidades superiores, inclusive quanto ao tempo.

O direito positivo permeia realidades temporais em consonância com as conveniências e oportunidades das épocas e dos povos; já o direito natural é um constante descortinar para realidades atemporais e intrínsecas à sublimidade da natureza humana.

A palavra martírio significa testemunho. São Thomas More deu esse testemunho com a sua vida e morte; Kim Davies, com a liberdade e prisão. Lá na Europa ou aqui na América, exemplos de amor a Deus e fiel dedicação.

E assim, 480 anos se passaram e o homem insiste a querer coagir cristãos a agirem fora do estado de graça. Mas que graça haveria se amar não pudéssemos? O amor a Deus é um dom que ninguém pode tirar, nem prisões nem mortes, nem as maiores forças da Terra ou do Inferno. O amor de Deus impera universalmente e a Sua justiça não é submissa à lei dos homens.

Deus abençoe a Kim Davies! São Thomas More, rogai por nós!

E quanto a nós: até onde vai o nosso amor?

Dado em Maceió, 1º de outubro de 2015.

 

Atenciosamente,

Alisson Francisco Rodrigues Barreto*

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*Alisson Francisco Rodrigues Barreto é poeta, filósofo; bacharel em Direito, pós-graduado. Autor do blog A Palavra em palavras desde 2011.