Jurídico com Alberto Fragoso

O atraso injustificado na entrega de imóvel adquirido na planta gera indenização

Jurídico com Alberto Fragoso 06 de agosto de 2015
O atraso injustificado na entrega de imóvel adquirido na planta gera indenização
Reprodução - Foto: Assessoria

O atraso na entrega de empreendimentos tem se tornando corriqueiro nos tempos atuais, causando muita dor de cabeça aos consumidores que adquirem imóveis na planta para moradia ou mesmo para fins de investimento financeiro.

Com a estabilização e o processo de aquecimento da economia brasileira entre os anos de 2008 e 2012, houve um crescimento vertiginoso do setor da construção civil, incentivado, em muito, pelo governo federal, a fim de compensar o déficit habitacional percebido em alguns segmentos sociais.

Muitas oportunidades foram criadas, tornando mais fácil o acesso à casa própria, especialmente através dos financiamentos e subsídios financeiros viabilizados pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei nº. 11.977, de 07 de julho de 2009.

Apesar de todas as facilidades e da garantia da conclusão da obra pela gerenciadora dos recursos (no caso, a Caixa Econômica Federal), muitos empreendimentos acabaram não sendo entregues no prazo contratual, gerando desconforto aos adquirentes que se viram impedidos de usufruir o imóvel dentro de suas perspectivas.

Esse cenário também é visto hoje em dia embora por outro motivo (não único): quadro econônimo recessivo que pode ser traduzido, dentre outros elementos, pela perda do poder de compra, aumentos dos custos de produção e elevação da carga tributária.

Ocorre que os efeitos desse atraso injustificado devem ser reparados e compensados na forma de indenização, além do caráter pedagógico (sanção) esta que revela possuir sobre o comportamento da construtora.

É certo que a relação contratual do adquirente com a construtora é regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Essa lei, segundo seu art. 3º, define que atividade empresarial das construtoras se constitui pelo escopo de comercializar e oferecer, no mercado, produtos - que seriam os imóveis, aos consumidores, estes como destinatários finais.

Pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor no caso, as construtoras respondem pela demora na entrega dos imóveis, independentemente de culpa, ou seja, o simples fato do atraso enseja a obrigação de reparar e/ou compensar os prejuízos sofridos pelo consumidor.

É óbvio que há situações pontuais que são alheias à vontade das construtoras e que podem comprometer a conclusão das obras, a exemplo dos eventos que ocorrem na natureza (chuvas fortes, alagamentos, etc), da falta comprovada de matéria prima ou mão de obra no mercado ou mesmo por atos estatais de repercussão geral (aumento imprevisível de tributos, intervenção na política cambiária, etc). Nestas hipóteses, a causa do atraso está demonstrada e, logicamente, não há indenização a ser paga.

Assim sendo, como fornecedora de produtos no mercado de consumo, as construtoras assumem para si o encargo das eventuais perdas e danos causados em decorrência do desenvolvimento de sua atividade econômica, sendo essa ideia albergada pela legislação do país, especialmente a partir do que assinala a Teoria do Risco do Empreendimento.

Essa ideia é esmiuçada pelo estudioso do tema, Sérgio Cavalieri Filho. Contextualizando a teoria, o autor ensina que “todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 162/163)

Toda atividade empresarial pressupõe, portanto, a existência do risco do empreendimento que encerra no dever de indenizar em se verificando a ocorrência de danos.

É induvidoso que, em razão do atraso, os consumidores ficam impedidos de usar e fruir ao seu alvedrio a coisa adquirida, bem como de dar destinação econômica ao imóvel quando é o caso.

Muitas vezes, o planejamento feito pelo consumidor, levando-se em conta a prazo e as condições de entrega do imóvel, não possibilita a absorção de custos adicionais, como, por exemplo, pagamentos de alugueis.

Na prática, acaba o consumidor tendo que, além adimplir as prestações mensais do imóvel financiado, arcar com despesas extras relativas ao aluguel de um outro imóvel enquanto não se é entregue o adquirido, empenhando efetivamente o seu orçamento familiar.

Analisando a questão, os tribunais brasileiros entendem ser cabível a reparação pelos aborrecimentos experimentados e também o ressarcimento de todas das despesas contraídas por força do não uso do imóvel adquirido.

Eis aqui alguns julgados que impuseram indenização por danos morais: “Demora na entrega do imóvel que permite a caracterização de dano moral passível de indenização em face ao descaso com o consumidor” (BRASIL. TJRS. Terceira Turma Recursal Cível. Recurso Cível nº. 71003131588. Juiz Rel. Eduardo Kraemer. Data do julgamento 26/01/2012. Data da publicação 30/01/2012); e “Indenização por danos morais também devida, em virtude da angústia causada com o atraso injustificado e prolongado na conclusão da obra” (BRASIL. TJSP. 6ª Câmara de Direito Privado. APL nº. 10114221620148260114. Des. Rel. Francisco Loureiro Data de Julgamento 09/03/2015. Data de Publicação 10/03/2015).

Também há julgados que determinam a obrigação de reparar os prejuízos materiais: “A jurisprudência desta Casa é pacífica no sentido de que, descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é cabível a condenação por lucros cessantes. Nesse caso, há presunção de prejuízo do promitente-comprador, cabendo ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar, fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável. Precedentes” (BRASIL. STJ. 3ª Turma. Resp nº.1.202.506/RJ. Min. Rel. Sidnei Beneti. Data do julgamento 07/02/2012. Data da publicação 24/02/2012); e “Esta Corte Superior já firmou entendimento de que, descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é cabível a condenação por lucros cessantes, havendo presunção de prejuízo do promitente-comprador” (BRASIL. STJ. 3ª Turma. AgRg no Ag nº. 1319473/RJ. Min. Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva. Data de Julgamento 25/06/2013. Data de Publicação 02/12/2013).

Note-se que, neste último caso, o consumidor não precisa necessariamente quantificar o valor dos prejuízos, vez que tais danos são presumidos por conta simplesmente da não fruição do imóvel causada pela demora no término da obra à luz do prazo contratual.

Além disso tudo, o Superior Tribunal de Justiça ainda considera, como circunstância apta a ensejar também a indenização, a propaganda enganosa. Neste caso, ela se desenha pelo ato de confusão e/ou omissão na prestação de informações adequadas e claras sobre a regularidade do empreendimento ou qualquer outro fator preponderante que possa influenciar positivamente o consumidor na adquisição do produto ofertado.

Esse apelo propagandístico abusivo viola os princípios da informação, transparência, lealdade, confiança, e boa-fé contratual, implicando, assim, o dever de indenizar.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu: “O princípio da vinculação da publicidade reflete a imposição da transparência e da boa-fé nos métodos comerciais, na publicidade e nos contratos, de modo que o fornecedor de produtos ou serviços obriga-se nos exatos termos da publicidade veiculada, sendo certo que essa vinculação estende-se também às informações prestadas por funcionários ou representantes do fornecedor. Se a informação se refere a dado essencial capaz de onerar o consumidor ou restringir seus direitos, deve integrar o próprio anúncio, de forma precisa, clara e ostensiva, nos termos do art. 31 do CDC, sob pena de configurar publicidade enganosa por omissão” (BRASIL. STJ. 4ª Turma. Resp nº. 1.188.442/RJ. Min. Rel. Luis Felipe Salomão. Data do julgamento 06/11/2012).

Como se vê, os consumidores têm a sua disposição um sistema de leis com forte próposito protecionista e os tribunais do país vêm garantindo a integridade desses direitos em várias decisões.