Jurídico com Alberto Fragoso

A (im)penhorabilidade de salários na Justiça do Trabalho

Jurídico com Alberto Fragoso 25 de abril de 2015
A (im)penhorabilidade de salários na Justiça do Trabalho
Reprodução - Foto: Assessoria

Com certa frequência, vem sendo observado, em reclamações propostas perante os Tribunais Regionais do Trabalho do país, crescente quantitativo de determinações judiciais de penhora e bloqueio sobre rendimentos de salários de empregadores que não satisfazem, espontaneamente, créditos originados em sede de execuções trabalhistas.

Nos casos concretos, os magistrados estão ordenando a constrição (ato de garantia da execução) diretamente sobre salários dos sócios, pela inexistência de bens desembaraços e passíveis de penhora após verificada a insuficiência patrimonial das empresas e determinada, em consequência, a desconsideração da personalidade jurídica.

A argumentação jurídica esposada nas decisões é amparada, na perspectiva, pelo caráter evidentemente alimentar dos créditos trabalhistas – que se destinam à subsistência do empregado, atenuando a absoluta impenhorabilidade sobre salários.

Nos contornos dispostos nas decisões, a ponderação de valores se situa como instrumento exegético de aplicação do direito, já que existente o conflito entre o direito subjetivo ao recebimento à verba trabalhista vindicada e o direito subjetivo à impenhorabilidade absoluta dos salários dos executados.

Segundo o art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente no processo do trabalho, são absolutamente impenhoráveis “os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal”. É a exceção legal.

Todavia, a tendência, em voga, empreendida pelos magistrados da Justiça do Trabalho está se reproduzindo pela admissibilidade de penhora sobre salários dos próprios executados, com fundamento na natureza jurídica prioritária dos créditos perquiridos, erigida, neste ponto, a partir da visão sistemática do ordenamento e da Constituição Federal (§1º, do art. 100).

O pior é que as decisões interlocutórias prolatadas no processo do trabalho são revestidas de irrecorribilidade, não podendo, assim, ser atacadas por manejo de recursos de revisão (§ 1º, do art. 893, da CLT). Assim, o executado se reserva, incondicionalmente, à limitação do cumprimento da determinação judicial – de duvidosa legalidade – sem a concessão de reexame da matéria por uma instância superior.

A fundamentação se consubstancia, para tanto, na tese de que o empregado não deve restar refém da indefinição temporal e patrimonial do executado na satisfação de seus créditos.

Partindo-se da premissa da vedação ao enriquecimento sem justa causa, signo basilar do Direito moderno, é justo e legítimo sim que seja dada a devida observância aos caracteres de privilégio ínsitos aos direitos e créditos decorrentes da relação de trabalho.

O problema reside no fato de que ninguém pode ser obrigado a fazer ou não fazer senão em virtude de lei, princípio não tão lembrando nas decisões que determinam de constrição patrimonial e bloqueio de salários, violando e afrontando, substancialmente, a impenhorabilidade prevista no aludido art. 649, inciso IV, do CPC.

Os cânones do Estado Democrático de Direito aglutinam os valores que são priorizados pela coletividade e, por tais razões, devem os mesmos ser conduzidos de modo que haja a efetiva observância e respeito aos direitos e garantias fundamentais. Não há dúvidas disto.

Com efeito, a ação hermenêutica do dispositivo que impede taxativamente a penhora não requer a aplicação de critérios aprofundados para extração do sentido axiomático-legal pretendido pelo legislador derivado, já que sua literalidade privilegia o caráter evidentemente alimentar dos rendimentos de salários.

Não é admissível, desse modo, que os proveitos financeiros decorrentes de salários, proventos, remunerações e as outras espécies previstas sejam embaraçadas em evidente arrepio à lei, hipótese esta somatizada pela imprevisão de recorribilidade das decisões no processo do trabalho. Este é o cenário, caro leitor, que vem sendo deparado.

Aliás, já existe entendimento jurisprudencial a respeito, inclusive do Col. Tribunal Superior do Trabalho, no qual conclui que o art. 649, inciso IV, do CPC, contém norma imperativa que não admite interpretação ampliativa, violando, assim, direito líquido e certo do executado caso assim seja determinada a penhora (Precedentes: Mandado de Segurança nº 10829, SDI do TRT da 2ª Região, Relª. Sônia Maria Prince Franzini. j. 26.11.2002, unânime, DOE 28.02.2003, Mandado de Segurança nº 10972, SDI do TRT da 2ª Região, Rel. Nelson Nazar. j. 21.11.2002, unânime, DOE 14.02.2003, Mandado de Segurança. Decisão n°. 000552/2010-PDI1. TRT da 15ª Região. Rel. MANUEL SOARES FERREIRA CARRADITA, TRT–19ª Região, MS nº 00732.2010.000.19.00-6, Rel. João Batista, DJ de 01/10/2010, TST - Subseção II Especializada em Dissídios Individuais. MS nº. RO - 62800-89.2009.5.05.0000. Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva. DJ de 20/08/2010 e Orientação Jurisprudencial da SBDI-2 nº. 153, do TST).

Ademais, é bom que se destaque que ilegalidade não origina direitos nem deveres e esse princípio é ideia essencial do estudo das Ciências Jurídicas.  A este respeito, o filósofo do Direito Miguel Reale brilhantemente aduz que atos ilegais são atos absolutamente nulos, pois “... carecem de validade formal ou vigência, por padecerem de um vício insanável que os compromete irremediavelmente, dada a preterição ou violação de exigências que a lei declara essenciais” e, em arremate, “recorrendo, com as devidas cautelas, a uma imagem de tipo físico, diríamos que os atos nulos já entraram nos domínios do Direito e dele devem ser expulsos, pelos vícios de que padecem” (Reale, 2001, p. 193 e 194).

Embora praticamente pacificado o assunto, ainda se veem decisões monocráticas proferidas por juízes de 1ª instâncias que acolhem a admissibilidade da penhora sobre salários, o que é uma pena.

O Direito não coaduna com abusos nem concebe a criação de obstáculos desarrazoados à satisfação do crédito pretendido pelo empregado.

Por outro lado, não é aceitável o próprio Direito perfilhe conivência com agressões aos direitos legítimos dos executados em não ter seus salários, indevidamente, enleados por atos (judiciais) desconformes com a lei, ferindo-se de morte – se assim os permitir – o sentido constitucional da dignidade de pessoa humana e da natureza alimentar dos rendimentos de salário.