Peixes-boi em risco: mortes em Alagoas e estudo apontam ameaças críticas
Pesquisa revela a vulnerabilidade dos peixes-boi-marinhos, destacando a degradação de habitats e a poluição como principais ameaças e estudo analisa o impacto da água no Rio Tatuamunha
Por Lucas França e Valdete Calheiros - Repórteres / Bruno Martins: Revisão / ICMBio: Foto de capa | Redação
O santuário alagoano dos peixes-boi-marinhos aguarda, assim como toda a comunidade científica e sociedade em geral, saber as reais causas das mortes dos animais Netuno, 34 anos, e Paty, 11 anos.
A preocupação recai ainda sobre a recuperação da saúde de Assu, peixe-boi que segue em recuperação em Itamaracá, Pernambuco, para onde foi levado em busca de cuidados específicos.
O peixe-boi continua na lista de espécies ameaçadas de extinção. Até 2018 se encontrava na categoria em perigo, contudo, na última avaliação realizada foi novamente listado como criticamente ameaçado de extinção.
Os óbitos e o adoecimento dos animais foram um balde de água fria jogado sobre os ambientalistas que estavam ainda comemorando a soltura de mais de 50 peixes-boi-marinhos no litoral brasileiro nas últimas três décadas. Boa parte dessa comemoração aconteceu em Alagoas, na Região Norte, mais precisamente no Rio Tatuamunha, em Porto de Pedras, onde fica localizado o santuário desses animais, uma das espécies marinhas mais ameaçadas de extinção no Brasil.

As equipes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) estão levantando todos os indícios. “Amostras de ambiente, da alimentação, coletadas durante as necropsias dos animais foram enviadas a diferentes laboratórios e o CMA (Centro de Pesquisa e Conservação dos Mamíferos Aquáticos) aguarda os resultados destas análises. Até o momento apenas resultados parciais de amostras de água do Rio Tatuamunha estão de posse do órgão e serão anexados a todo o processo investigativo”, detalhou o Instituto.
Ainda conforme a entidade, o peixe-boi Assu, transferido para o Cras (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres) do CMA na Ilha de Itamaracá, continua em tratamento nos oceanários e ainda exige cuidados veterinários. A equipe do ICMBio segue realizando monitoramento na condição do animal.
“Em toda a região denominada de Rota Ecológica dos Milagres que abrange municípios do Litoral Norte (Passo de Camaragibe, São Miguel dos Milagres e Porto de Pedras) existem peixes-boi reintroduzidos. Existem também animais nativos no município de Paripueira”.
Em outubro do ano passado, houve outra celebração para marcar os 30 anos da soltura do peixe-boi Astro, o primeiro a ser devolvido à natureza na cidade de Porto de Pedras, onde nasceram 21 filhotes nas últimas três décadas, todos frutos de animais reintroduzidos.
O trabalho foi iniciado em 1994 quando, além de Astro, Lua foi reintroduzida ao habitat. Quando reinseridos, os peixes-boi passam a conviver em ambientes de estuário, praias e manguezais.
Afinal, quantos peixes-boi há registrados em Alagoas? Conforme o ICMBio, atualmente, esta informação não é precisa, pois não existem estimativas populacionais mais recentes. Em Alagoas, de 1994 a 2022, foram liberados na natureza 38 peixes-boi.
“Atualmente não existe uma contagem dos peixes-boi que frequentam o litoral de Alagoas. Alguns indivíduos, após serem liberados na natureza, estabelecem sítios de fidelidade, enquanto outros se deslocam para outras áreas”, detalhou o órgão.
Todo esse processo traz para o trabalho de conservação uma das ações mais desejadas, que é a soltura desses animais e, sobretudo, vê-los adaptados às condições de vida livre, interagindo com outros peixes-bois-marinhos.
Ainda conforme o ICMBio, dentro do protocolo estabelecido pelo Programa de Soltura de peixes-boi da entidade, o monitoramento pós-soltura deve ser mais intenso até um ano que o animal é liberado. O acompanhamento é realizado por equipamento de radiotelemetria. Após esse período, se não for necessária nenhuma intervenção das equipes, é avaliado como um caso de sucesso, sendo considerado um animal adaptado ao ambiente natural, sendo observado esporadicamente.
Mortes abalaram Centro de Conservação em Alagoas
O Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Aquáticos (CMA/ICMBio), localizado em Porto de Pedras, no Litoral Norte de Alagoas, enfrenta uma grave crise após as mortes dos dois peixes-boi-marinhos, registrada no dia 27 de agosto deste ano.
Embora a causa oficial das mortes ainda não tenha sido confirmada, investigações preliminares apontam para uma possível contaminação ambiental, possivelmente relacionada à poluição química da água que abastece o recinto. Como medida de precaução, todas as atividades na base de Porto de Pedras foram suspensas temporariamente na ocasião, enquanto as autoridades investigam a situação.

A notícia gerou comoção entre pesquisadores, ambientalistas e a comunidade local. A base de Porto de Pedras desempenha um papel crucial no programa nacional de conservação do peixe-boi-marinho, uma espécie ameaçada de extinção. Desde sua criação, o centro foi responsável por 38 das 50 solturas realizadas pelo Governo Federal no Brasil e registrou 20 nascimentos em cativeiro, resultados significativos no esforço de recuperação da população de peixes-boi no litoral brasileiro.
Apesar do impacto emocional, os responsáveis pelo programa reforçam o compromisso com a preservação da espécie. Em nota oficial, afirmam: “cada vida salva, cada soltura bem-sucedida representa um avanço na luta pela preservação do peixe-boi-marinho. Reforçamos nosso compromisso com a transparência e com o bem-estar dos animais sob nossos cuidados. Novas informações serão divulgadas à medida que os resultados das análises forem concluídos.”
O Instituto Biota, parceiro nas ações de proteção dos mamíferos aquáticos em Alagoas, também está acompanhando o caso e colaborando nas investigações. O biólogo Eduardo Macedo, do CMA/ICMBio, explicou que as mortes ainda não têm relação com a morte de três filhotes de peixes-boi que encalharam mortos em janeiro deste ano na Praia de Riacho Doce, no litoral norte de Maceió.
“É cedo para indicar alguma causa das mortes em Porto de Pedras. A primeira fase é a realização das análises da água do rio. Vamos investigar diversos potenciais contaminantes. Também temos a necropsia e os exames clínicos de sangue. Quando os resultados saírem, acreditamos que teremos um norte para chegar às possíveis causas”, afirmou Macedo, destacando que não há ligação com as mortes dos filhotes registrados no início do ano.
'Cada vida salva, cada soltura bem-sucedida representa um avanço na luta pela preservação do peixe-boi-marinho. Reforçamos nosso compromisso com a transparência e com o bem-estar dos animais sob nossos cuidados' - CMA/ICMBio
Prefeitura de Porto de Pedras acompanha caso e garante continuidade de passeios turísticos
A Prefeitura de Porto de Pedras, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, divulgou uma nota oficial em que garante o acompanhamento da situação envolvendo os dois peixes-boi-marinhos encontrados mortos em agosto. O município, em parceria com o ICMBio e o Instituto Biota de Conservação, tem monitorado de perto os animais desde o primeiro registro de adoecimento, oferecendo o devido suporte técnico.
Apesar da triste notícia, a Prefeitura tranquilizou a população e os turistas, informando que os passeios de visitação aos peixes-boi, realizados no Rio Tatuamunha, continuam ocorrendo normalmente. A atividade segue sendo uma importante referência no turismo local, proporcionando aos visitantes a oportunidade de conhecer esses mamíferos marinhos em seu habitat, ao mesmo tempo em que contribui para a preservação da espécie e a geração de renda sustentável para a comunidade.
A gestão municipal reforçou que, assim que os laudos das investigações forem concluídos, serão tomadas as medidas necessárias em conjunto com os órgãos ambientais competentes para garantir a proteção dos peixes-boi e a preservação do seu habitat.
A Prefeitura de Porto de Pedras reiterou seu compromisso com a conservação do meio ambiente e com a proteção dos peixes-boi-marinhos, que são considerados patrimônios natural e cultural do município.
Laudo da Ufal: água do Rio Tatuamunha tem toxinas, mas que não explicam mortes de peixes-boi
A Universidade Federal de Alagoas (Ufal) divulgou o resultado da análise da água do Rio Tatuamunha, em Porto de Pedras, onde dois peixes-boi-marinhos morreram e um terceiro ficou doente. O laudo da instituição revelou a presença de duas substâncias tóxicas, mas os pesquisadores acreditam que essas substâncias, isoladamente, não seriam suficientes para causar as mortes.
O estudo, coordenado pelo professor Emerson Soares, analisou 110 compostos, incluindo parâmetros físico-químicos, microbiológicos, microalgas tóxicas e agroquímicos. Foram encontrados dois herbicidas comuns em áreas de cultivo agrícola, cujas concentrações estavam elevadas. Apesar disso, Soares acredita que esses compostos podem ter prejudicado a saúde dos animais, mas não foram responsáveis diretamente pelas mortes.

“Embora o aumento dessas substâncias possa ter causado danos aos peixes-boi, acreditamos que não foram elas as responsáveis pelas mortes”, afirmou o professor.
Além disso, os exames de sangue dos animais mortos indicaram uma diminuição nas plaquetas e leucócitos, sugerindo comprometimento imunológico, o que pode apontar para uma causa patológica não identificada.
O caso destaca a importância do monitoramento contínuo da qualidade da água e alerta sobre os riscos que práticas agrícolas podem representar para a fauna local e os ecossistemas de preservação.
Ministério Público Federal e atuação em prol dos peixes-boi
- O Ministério Público Federal em Alagoas (MPF/AL) tem atuado na proteção dos peixes-boi, principalmente através de ações de fiscalização e investigação de casos de contaminação, como a ocorrida recentemente no Rio Tatuamunha, que resultou na morte de dois animais e na doença de outro. Comunidades locais também denunciaram a situação ao órgão, exigindo a apuração de substâncias tóxicas na água do local.
- O MPF tem histórico de garantir a proteção do peixe-boi, incluindo o pedido por demarcação de corredores de navegação em 2013. O MP Federal em Alagoas, acionado pela comunidade da Rota Ecológica dos Milagres, segue acompanhando a morte de peixes-boi e a suspeita de contaminação química da água no Rio Tatuamunha.
Ocupação humana no litoral dificulta sobrevivência dos animais
A forte pressão da ocupação humana no litoral brasileiro tem dificultado a sobrevivência do peixe-boi-marinho. Atualmente, estima-se a existência de apenas 500 exemplares da espécie no país. No Nordeste, alguns estados já não registram mais a ocorrência do mamífero, como é o caso da Bahia e de Sergipe.
O ICMBio explicou que, na região, o peixe-boi vive em contato com as variações da maré e da salinidade e com outros organismos marinhos. “É uma fase de aprendizado para que eles aprendam novamente a viver na natureza e serem soltos”.
Na avaliação do ICMBio, além da ameaça de extinção propriamente dita, o animal sofre riscos também de colisão com embarcações a motor, poluição marinha, química e por plástico, destruição de manguezais, perda de habitats, captura acidental em redes de pesca e encalhe de filhotes. Esses fatores ameaçam a sobrevivência da espécie e dificultam sua saída da lista de fauna ameaçada de extinção no Brasil.
O Projeto Peixe-boi/ICMBio já realizou 38 solturas de peixes-bois-marinhos em 20 anos de atuação. Destas, 28 foram realizadas em Alagoas com uma taxa de sucesso de aproximadamente 75%.

A área chamada de “Santuário do Peixe-Boi” é a área de visitação ao peixe-boi na natureza, um trecho dentro da Zona de Conservação da Vida Marinha do peixe-boi, que vai da ponte rústica de madeira no Rio Tatuamunha até a “Pedra do Mero” (ponto no leito do rio onde existe uma laje submersa utilizada como abrigo por meros, espécie de peixe ameaçada de extinção).
O ICMBio explicou que as atividades na região são realizadas pelas equipes do NGI (Núcleo de Gestão Integrada) Costa dos Corais e pela equipe da Base Avançada do CMA em Porto de Pedras.
“Esta última se dedica ao processo de aclimatação de peixes-boi a serem liberados na natureza, o monitoramento dos indivíduos, tanto os liberados quanto aos nascimentos que ocorrem na região”.
O ICMBio trabalha em parceria com outras instâncias da própria instituição, como os demais centros especializados como o Cepene (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste), com instituições como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), IMA (Instituto do Meio Ambiente), Batalhão Ambiental e prefeituras municipais.
O terceiro setor também é grande parceiro das ações como é o caso da Associação Peixe-boi que atua no turismo de base comunitária com o passeio do peixe-boi no Rio Tatuamunha.
Associação Peixe-boi e a educação ambiental
A Associação Peixe-boi desempenha, de forma comunitária e organizada, o turismo de observação do peixe-boi-marinho, contemplando os ecossistemas de manguezal e recifes de corais. É o lugar ideal para se aprofundar na história do peixe-boi-marinho, conectar-se com a mata nativa do Rio Tatuamunha, em Porto de Pedras, e ter um encontro emocionante com a espécie curiosa e dócil.
Qualquer pessoa pode manter um contato “mais próximo com o peixe-boi-marinho”. Basta obedecer às regras. Com limites diários de pessoas e jangadas sem motor, vale tudo para não aborrecer o dono da casa, o peixe-boi-marinho.
Durante o passeio, o visitante é acompanhado por um condutor. O trajeto é iniciado com uma caminhada de aproximadamente 15 minutos pelo povoado até chegar à ponte sobre rio e manguezal.
Após a travessia da ponte, onde já se pode contemplar a beleza e riqueza da biodiversidade local, embarca-se em uma jangada, conduzida por dois remadores.
O passeio de jangada é bem tranquilo e com algumas paradas no leito ou nas camboas (arte de pesca fixa, que funciona como uma armadilha para capturar espécies de peixes em áreas costeiras, como praias e manguezais) do rio, além de uma parada para observar o recinto de readaptação dos peixes-bois-marinhos e, é claro, para contemplar os lindos animais livres que podem ser encontrados no percurso de aproximadamente uma hora.
Na recepção da Associação são disponibilizadas as regras específicas da Zona do Peixe-boi no Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, para que sejam seguidas todas as orientações com segurança. No local, há exemplares de diversos artigos como pelúcias do peixe-boi-marinho, sabonetes, camisetas, chinelos e souvenires diversos. Vale tudo para levar uma lembrancinha do animal.
O peixe-boi também pode ser visto, com sorte, nos passeios às piscinas naturais da praia do Patacho, ainda em Porto de Pedras.
Fundada em julho de 2009, a Associação Comunitária do Peixe-Boi já cuidou e mapeou mais de 100 animais e trabalha a educação ambiental nas escolas da região, levando estudantes e professores para conhecer o animal e o manguezal, além de atender turistas de todo o Brasil e de vários lugares do exterior, principalmente Holanda, França e Suíça.
A cada dois anos, o ICMBio realiza uma nova capacitação para o credenciamento dos condutores que acompanham os visitantes durante todo o passeio de observação do peixe-boi-marinho.
Para ver o animal de perto, é necessário fazer o agendamento antecipado. O custo por pessoa é de R$ 50. A Associação fica localizada à Rua Luiz Ferreira Dorta, 25, Centro, Porto de Pedras, Alagoas. Os telefones de contato são 3298-6247 e 99810-3021, ambos com DDD 82.

PEIXE-BOI-MARINHO
O mamífero brasileiro chega a pesar 600 quilos e medir quatro metros. Os animais chegam a comer, por dia, até 60 quilos de um tipo de capim que cresce embaixo da água. O gigante, apesar do tamanho, é conhecido por ser dócil e muito calmo. O animal vive em águas doces e salgadas e se alimenta de leite (nos primeiros anos de vida), algas e outros vegetais.
O peixe-boi-marinho é grande e robusto. Pertence à ordem Sirenia, juntamente com os dugongos e as vacas-marinhas. Possui um corpo cilíndrico, uma cabeça pequena, uma cauda em forma de remo e duas nadadeiras anteriores. Sua cor varia do cinza ao marrom, podendo ter manchas claras ou escuras. Sua pele é lisa. Eles possuem uma barbata na mandíbula inferior.
Os peixes-boi são animais herbívoros que habitam águas rasas, incluindo mangues, pântanos e lagoas, onde podem pastar em busca de alimentos, principalmente de plantas aquáticas, mas também pode consumir algas, frutos e invertebrados.
Ele pode ingerir até 10% do seu peso em alimento por dia. Ele respira ar atmosférico pelos pulmões e pode ficar até 15 minutos submerso. É um animal social e pacífico, que vive em grupos de até 50 indivíduos, destacando sua natureza comunitária. O animal se comunica por meio de sons, toques e posturas. A fêmea é capaz de reconhecer o seu filhote entre muitos outros apenas pela vocalização.
A gestação é de 12 a 14 meses e dá à luz um único filhote, que mama por até dois anos e vive até 60 anos na natureza.
Eles desempenham um papel crucial no controle do crescimento de plantas aquáticas e atuam como dispersores de sementes, contribuindo para a regeneração e manutenção dos ecossistemas aquáticos. Os animais são considerados bioindicadores da saúde dos ecossistemas aquáticos, pois sua presença está ligada à qualidade da água e à abundância de plantas aquáticas.
Os peixes-bois-marinhos são parentes próximos dos elefantes. São conhecidos como “peixes-bois-marinhos” devido à sua semelhança com um “boi”. Eles têm molares que se desgastam rapidamente devido à abrasão das plantas, mas os dentes são substituídos ao longo de suas vidas.
Os animais, quando em atividade, podem ficar de um a cinco minutos debaixo d'água, sem respirar. Depois disso, eles precisam subir à superfície para “reabastecer” os pulmões. Já em repouso, podem permanecer até 20 minutos submersos.
De cara arredondada, olhos pequenos, corpo roliço e com um carisma único, o mamífero aquático é “expert” em despertar o encantamento de crianças e adultos.
A espécie é listada como “vulnerável à extinção” em âmbito mundial pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, 2012). Nos Estados Unidos, é classificada como “ameaçada” pelo U.S. Endangered Species Act (1973). No Brasil, é a espécie de mamífero aquático mais ameaçada de extinção, classificada como “em perigo crítico” desde 1989.
Quando os portugueses chegaram ao Brasil, os peixes-bois-marinhos eram abundantes nos mares e milhares de animais foram mortos. Os holandeses também promoveram a caça e a exploração econômica da espécie no Nordeste, durante o período colonial.
Na Região Nordeste, 25% dos óbitos são consequência do encalhe de filhotes. No Norte, esse percentual cai para 1,7% (porém, a caça ainda é praticada). Com o assoreamento, as fêmeas não conseguem chegar ao interior do estuário na hora do parto e acabam parindo em mar aberto. Os filhotes são levados pelas correntes e encalham nas praias quando a maré baixa.
APA Costa dos Corais
Na APA Costa dos Corais, os peixes-bois-marinhos têm a chance de se recuperar e reaprender a viver na natureza. A maioria chegou ao centro depois de encalhar ou ser machucada. O estado alagoano é a última fronteira onde ele ainda é encontrado.
A APA é uma Unidade de Conservação Federal de Uso Sustentável, ou seja, é permitido o uso dos recursos naturais de forma adequada, seja através do uso direto (pesca) ou uso indireto (turismo).

Criada através do Decreto Federal s/nº de 23/10/1997, a APA tem como objetivos a conservação dos recifes de corais e manguezais, com suas fauna e flora; a proteção da população de peixe-boi-marinho; a ordenação das atividades econômicas dentro da unidade e a promoção da cultura local.
A APA Costa dos Corais está situada entre a foz do Rio Formoso (Tamandaré/PE) e o do Rio Meirim (Maceió/AL), contemplando ambientes de recifes de corais, praias, estuários, manguezais e a plataforma continental.
A área abrange um total de 413,563 hectares, distribuídos em 135 km de costa, compreendendo 13 municípios nos dois estados. É uma das maiores unidades de conservação marinha e a primeira criada para proteger os corais no Brasil.
Está inserida totalmente em área pública (mar e estuários), ecossistemas cujos recursos naturais (pescado e beleza cênica) são utilizados por uma grande parcela da comunidade local, para geração de renda e subsistência.
Nascimento de peixe-boi traz alegria a Porto de Pedras após período de luto ambiental
Na terça-feira (21/10), Porto de Pedras celebrou um momento de esperança e renovação: o nascimento de um novo peixe-boi marinho no Rio Tatuamunha, um dos principais santuários da espécie no Brasil. O filhote é descendente de Telinha, uma das moradoras mais conhecidas da região e figura querida dos passeios ecológicos que encantam visitantes e moradores.
O acontecimento trouxe um alento em meio à tristeza vivida nos últimos meses, quando dois peixes-boi morreram sem que a causa tenha sido confirmada por laudo técnico. Agora, o nascimento do novo filhote reacende o ânimo das equipes e reforça a importância da preservação ambiental na Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais.
Este é o primeiro filhote de Telinha e a gestação foi descoberta pelos membros da Associação Peixe-Boi, com confirmação do ICMBio, instituições que realizam o acompanhamento contínuo dos animais e promovem o turismo sustentável na região.
Telinha chegou à APA Costa dos Corais em 2011, após quatro anos de reabilitação. No dia 5 de abril daquele ano ela foi translocada para o recinto natural do Rio Tatuamunha, onde passou por um processo de adaptação às variações de maré, salinidade e alimentação natural. Em 2012, foi liberada definitivamente e, desde então, tornou-se símbolo da recuperação da espécie e do sucesso do programa de conservação.

O nascimento foi recebido com entusiasmo pela equipe da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Porto de Pedras, que acompanha e apoia as ações desenvolvidas em parceria com a Associação Peixe-Boi e o ICMBio.
A secretária de Meio Ambiente, Flávia Rego, destacou a importância do momento para o município e para o trabalho de preservação: “O nascimento desse filhote é uma notícia que enche o coração de alegria. Ele representa o resultado de um trabalho sério e comprometido com a natureza, e mostra que os esforços pela preservação estão dando frutos. Porto de Pedras tem orgulho de ser um dos berços do peixe-boi-marinho no Brasil, e de contribuir ativamente para a proteção dessa espécie tão simbólica e importante para o nosso ecossistema”, afirmou.

O novo filhote e Telinha seguem sob monitoramento técnico constante pelo ICMBio e pela Associação Peixe-Boi, garantindo que mãe e cria permaneçam saudáveis e seguras.
As autoridades ambientais reforçam ainda que é proibido qualquer tipo de interação com os animais, especialmente com fêmeas acompanhadas de filhotes. Durante esse período, os cuidados e restrições são redobrados nas visitações, para assegurar o bem-estar e a tranquilidade da nova família de peixes-boi.
IMA e atuação em prol dos peixes-boi
O IMA esclareceu que a gestão dos peixes-boi marinhos é de competência federal, sob responsabilidade do CMA/ICMBio, em Porto de Pedras. Ainda assim, reafirma seu compromisso em defesa do meio ambiente nos 102 municípios alagoanos e se coloca à disposição para colaborar tecnicamente dentro de suas atribuições.
O órgão ambiental multa empresas por danos ambientais perto do berçário de peixes-boi em Porto de Pedras. A fiscalização no município resultou em multas que somam R$ 368 mil.
A ação teve como objetivo coibir práticas irregulares e proteger os ecossistemas sensíveis do estado de Alagoas. Durante a fiscalização, foram constatados o lançamento de efluentes sanitários diretamente no mangue, a contaminação do solo por combustíveis e lubrificantes, a supressão de vegetação protegida por meio de aterramento de áreas de mangue, resíduos de concreto despejados no solo, o armazenamento irregular de materiais sem contenção ou drenagem adequada e a utilização de cinco poços artesianos, dos quais apenas um possuía outorga.
Diante das infrações, as equipes determinaram o embargo imediato das atividades do empreendimento imobiliário e da usina de concretagem e aplicaram multas que somam R$ 368.015,00.

O IMA explicou que as empresas autuadas têm 20 dias corridos para apresentar defesa e reparar os danos ambientais identificados. Nesse período, as obras permanecem paralisadas. Ao fim do prazo, nova vistoria será realizada para verificar a regularização.
O órgão destacou o rigor da fiscalização para garantir a preservação de ecossistemas sensíveis, reforçando que a biodiversidade é um compromisso que norteia todas as ações do IMA.
Atividades irregulares não podem comprometer áreas como o manguezal e o Rio Tatuamunha, fundamentais para a manutenção da vida silvestre e, em especial, para a proteção do peixe-boi marinho.
As irregularidades constatadas trouxeram sérios danos ao Rio Tatuamunha, um dos berços de conservação do peixe-boi em Alagoas. De acordo com os técnicos que estiveram no local, há indícios de que essas práticas irregulares também tenham contribuído para as recentes mortes registradas desses animais, o que acende um alerta ainda maior sobre a necessidade de fiscalização e cumprimento da legislação ambiental.
A iniciativa atende à solicitação da Associação Peixe-Boi e reforça a investigação das causas das mortes dos animais, a avaliação das possíveis fontes de poluição no Rio Tatuamunha e a adoção de medidas voltadas à proteção dos peixes-boi e à preservação do ecossistema local.
Ecologia do Movimento e Conservação de Peixes-boi no Brasil: pesquisa de doutorado mostra vulnerabilidade a ameaças antrópicas
Em julho de 2025, o biólogo Iran Campello Normande apresentou sua tese de doutorado, intitulada “Ecologia do Movimento e Conservação de Peixes-boi (Trichechus manatus) no Brasil: área de vida, seleção de habitat e vulnerabilidade a ameaças antrópicas”, que tem como objetivo a análise da ecologia espacial e da vulnerabilidade do peixe-boi-marinho no Brasil.
A pesquisa, orientada pelo professor Robson Santos, da Ufal, utilizou dados coletados entre 2011 e 2025 e investigou a área de vida e os padrões de movimento do peixe-boi através de telemetria por GPS (Global Positioning System, Sistema de Posicionamento Global em português). “A pesquisa demonstrou uma correlação positiva entre o tamanho corporal dos peixes-boi e a amplitude dos seus deslocamentos”, explicou Iran. Com base nessa análise, ele identificou uma tendência de seleção por habitats estuarinos e fontes de água doce.

Além disso, a pesquisa revelou que os habitats preferenciais dos peixes-boi se sobrepõem a áreas com alto índice de impactos antrópicos. “Essa sobreposição espacial crítica é um dos maiores desafios para a conservação da espécie”, afirmou o pesquisador. Ao mapear as ameaças, a pesquisa indicou que a degradação dos habitats, a poluição e a caça são as ameaças mais severas à sobrevivência dos peixes-boi.
A avaliação de vulnerabilidade cumulativa, realizada com dados georreferenciados, revelou que a maior parte da vulnerabilidade está concentrada nas regiões próximas aos centros urbanos. “Esse resultado reforça a importância de políticas públicas voltadas para a proteção dos habitats estuarinos e áreas críticas para a preservação do peixe-boi marinho”, destacou Normande.
O estudo resultou em três artigos acadêmicos em periódicos científicos, sendo que um já foi publicado, outro está em revisão por pares e o terceiro está prestes a ser submetido. “Os resultados dessa pesquisa fornecem uma base robusta para o desenvolvimento de estratégias de conservação específicas para os peixes-boi no Brasil”, concluiu Iran Campello Normande, que é também analista ambiental do ICMBio e doutor em Conservação da Biodiversidade Tropical pela Ufal.
A pesquisa de Normande traz um avanço significativo no entendimento da ecologia do peixe-boi-marinho no Brasil e, com isso, oferece subsídios importantes para a implementação de ações de conservação e proteção da espécie no país.
Ufal promove educação ambiental com o projeto "Maravista"
A Ufal está promovendo um projeto de educação ambiental inovador voltado para crianças, com foco na preservação do peixe-boi e no ambiente marinho. A vice coordenadora do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS), professora Dra. Ana Claudia Mendes Malhado, explicou a proposta: “criamos um desenho animado chamado Maravista, que passa na APA Costa dos Corais, com personagens como a Dona Nise, a mamãe Peixe-Boi, e o filhote Tutuca”.
O projeto inclui materiais educativos como cartilhas, gibis e livros de histórias com o tema do fundo do mar e, claro, o peixe-boi. Além disso, as atividades são realizadas nas escolas públicas da região, sensibilizando as crianças para a conservação ambiental.

A professora Ana Claudia destacou ainda a importância do cinema ambiental como ferramenta de sensibilização: “Este ano, estamos muito empolgados, pois vamos levar as crianças de escolas públicas do litoral, muitas em situação de vulnerabilidade social, para o cinema do Parque Shopping. Será uma experiência única”.
Com recursos garantidos, o projeto também vai promover sessões de cinema ambiental para as crianças, que, além de aprenderem sobre a reintrodução do peixe-boi, poderão vivenciar a experiência de assistir a um filme em uma sala de cinema comercial.
Conheça mais sobre o projeto no Instagram do Maravista.


