BAILE DA CHITA

Veja como a festa que virou Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural e Imaterial de Alagoas deu origem à cidade de Paulo Jacinto

Por Wellington Santos e Lucas França (Repórteres) Edilson Omena (Foto da capa) | Redação

Tudo pronto. O município de Paulo Jacinto — encravado na Zona da Mata alagoana, distante 116 km de Maceió e com população de quase 7 mil habitantes —, já respira e se veste de chita por todos os seus recantos.

Sim, a cidade já deu as boas-vindas ao tradicional evento cultural de Alagoas, o Baile da Chita, que ocorrerá no próximo sábado, dia 19 de julho.

A reverência à Chita se dá em razão de o município produzir em série e em escala industrial nos anos 1950 até meados dos anos 1970 um tecido estampado com cores fortes e desenhos vibrantes, das velhas algodoeiras e galpões do centro da cidade.

Este ano, a Terra do Baile da Chita trará como atrações musicais na sua 73ª edição a banda Golden Time e a cantora Bete Nascimento (ex-vocalista do grupo de forró Mastruz com Leite). O evento começa às 23 horas, no Clube Cultural Recreativo Paulo-jacintense (CRPJ), no Centro da cidade. E conforme Renato Nascimento, diretor-presidente do CRPJ, está tudo preparado para receber a comunidade e os visitantes.

Renato Nascimento, presidente do CRPJ (Foto: Edilson Omena)

"Desde fevereiro que começamos a preparar, produzir e pensar nesta edição, pois fora este trabalho, há também as questões burocráticas e a gente segue à risca tudo isso para garantir a segurança do local e dos participantes. Eu e os demais diretores estamos empenhados para  a edição ser ainda melhor. Não  é fácil. Tenho 32 anos e realizar uma tradição de 73 anos é muita responsabilidade, porém como ressaltei, toda a equipe segue empenhada'', pontuou Nascimento. 



Uma das edições do Baile da Chita (Foto: Lucas França)

Para se tornar tradicional, o baile que hoje é referência em guardar as mais profundas raízes de um povo deve tudo isso a uma senhorinha que empresta seu nome a um dos locais mais visitados da cidade, a Praça Josefa Barbosa Barros, no centro do município.

Cidade nasce de um baile: como tudo começou


Paróquia de Nossa Senhora das Graças, em Paulo Jacinto (Foto: Edilson Omena)

O pesquisador Valney Erick conta que a figura de Josefa Barbosa Barros, carinhosamente conhecida como “Dona Zefinha”, se notabilizou não somente por ter sido a criadora do Baile da Chita, em 1951, mas, também, por sua capacidade de liderar, à época, um movimento político que desencadearia na emancipação política do Povoado pertencente à cidade de Quebrangulo, a 117 Km de capital alagoana.


Com a inauguração, em 1911, da estação da Estrada de Ferro da "Great Western", o Povoado passou a chamar-se Paulo Jacinto, homenagem a Paulo Jacinto Tenório, filho do município de Quebrangulo e que havia doado à citada Companhia uma área de terra destinada aos serviços da nova via de comunicação.

De acordo com o pesquisador, a origem, segundo a história contada por vários moradores mais antigos da cidade, tudo começou após várias reuniões, em quais Josefa Barbosa e José Aurino de Barros (também in memoriam) e outros, discutiram o que fazer para pagar o advogado da causa da emancipação política. “Foi aí quando a própria Josefa teve a ideia de promover um baile no povoado. Depois de tudo planejado, surgiu o nome de ‘Baile da Chita’’, diz Valney.

Pesquisador Valney Erick I Foto: Edilson Omena


O fato é que, à época, a chita era um tecido que tinha um grande poder de comercialização, então os organizadores resolveram dar origem a essa referência.

“Nos preparativos para o primeiro baile, Josefa teve a ideia de colocar uma rainha, uma vez que o baile ocorreria após os festejos juninos, no mês de julho. A rainha era eleita através dos fundos adquiridos e a que mais arrecadasse dinheiro na venda de rifas e bingos seria a eleita. Todos esses acontecimentos se deram no início da década de 1950”, relata o pesquisador.

Em resumo, todos os anos a cidade se veste de chita, sua gente e visitantes usam o tecido para anunciar que a tradição está na pele, no corpo e na alma do povo paulo-jacintense.


Dona Zefinha, musicalidade no sangue e na alma


Dona Josefa Barbosa, a dona Zefinha, criadora do tradicional Baile da Chita (Foto: Acervo pessoal)


Naqueles longínquos anos 1950, além da criação do baile, nascia também a ideia envolvendo a musicalidade da época, segundo conta o gestor cultural Joel Filho, uma das últimas pessoas a conversar com a criadora do baile, Dona Zefinha Barbosa (13/07/1910 -11/11/2010). Ela concedeu entrevista no ano de 2008 a Joel, que revelou a Tribuna: “Adotou-se uma música que seria uma espécie de hino do mais tarde famoso Baile da Chita. A famosa composição ‘Propriá”, de Luiz Gonzaga e seu eterno parceiro musical Humberto Teixeira, que foi abraçada por todos”, conta.


Segundo ele, os primeiros bailes contaram com a animação de Júlio Vaqueiro, um sanfoneiro famoso da região que residia no município de Quebrangulo, cidade de onde Paulo Jacinto fora emancipada naqueles dias.

Júlio tocou a música Propriá, sendo que esta estava em seu apogeu na época. A música foi rebatizada e os idealizadores passaram a chamá-la de “Rosinha de Propriá”.

E os versos de Propriá, do Rei do Baião, são cantados em uníssono pela população de todas as gerações de Paulo Jacinto, até os dias atuais, perpetuando a tradição, conforme um trecho da letra abaixo, entoada pela filha cantora de Dona Zefinha Barbosa, Leureny Barbosa:

O Rei do Baião, Luiz Gonzaga, também faz parte desta tradição, seja com a música ou com os boatos dos moradores mais antigos que dizem que ele passou pela cidade e fez show (Foto: Divulgação)


“Tudo que eu tinha deixei lá não trouxe não
Deixei a minha mãe, meu pai e meus irmãos
Deixei o meu roçado plantadinho de feijão
E com a rosinha eu deixei meu coração.

Por isso eu vou voltar pra lá
Não posso mais ficar
Rosinha ficou lá em Propriá
Ai, ai, ui, ui
Eu tenho que voltar
Ai, ai, ui, ui
A minha vida ficou lá em Propriá...”

“Senhores todos dancem com satisfação pela nossa vitória da emancipação e com fé em Deus ganhar nosso brasão pela liberdade de nossa população', PARÓDIA DA MÚSICA PROPRIÁ, DE LUIZ GONZAGA

Depois Dona Zefinha Barbosa e seus filhos tiveram a ideia de fazer uma paródia, formando, assim, um convite a toda população paulo-jacintense que canta os versos em uníssono até os dias de hoje. E o resultado da canooria foi o seguinte:

“Senhores todos dancem com satisfação
Pela nossa vitória da emancipação
E com fé em Deus ganhar nosso brasão
Pela liberdade de nossa população

Por isso vou lutar com fé
Não quero mais deixar
Nossa vila tem que cidade passar
Ai, ai, ui, ui
Nós temos que lutar
Ai, ai, ui, ui

As nossas vidas estão aqui nesse lugar”..., diz os versos.

Joel Filho, gestor cultural (Foto: Acervo pessoal)



A primeira edição do Baile da Chita ocorreu logo após as festas juninas com a quadrilha da própria Zefinha Barbosa, a qual dançava e depois desfilava pelas ruas da vila. A quadrilha era composta por vinte e quatro casais. A festa ficou tão popular que havia tempos que não comportava o grande número de visitantes nos salões dos armazéns da lagense.

“Os armazéns foram erguidos por ingleses que deram o nome de Sambra. Eles construíram seguindo o modelo arquitetônico europeu, pois estes imaginavam que caía nevasca na região, depois passou a se chamar Alsa – Algodoeira Lagense S/A, mais tarde apenas de Lagense até os dias atuais”, conta Joel.

Galpões das antigas algodoeiras, conhecidas como lagenses I Foto: Edilson Omena


Rainha da Chita, “a cereja do bolo”

9ª Rainha do Baile da Chita, Nelma Vasconcelos Souza - 1959 (Foto: Reprodução)

49ª Rainha foi Wanessa Barbosa Melo Silva (Foto: Reprodução)

72ª Rainha do Baile da Chita, Isabella Mendonça (Foto: Divulgação)


Ainda no primeiro baile, quando a festa chegou ao meio, houve um intervalo para que a quadrilha se apresentasse e está era narrada em francês pelo irmão de Josefa Barbosa. Por definição o baile surgiu através da quadrilha, segundo relatou a idealizadora a Joel Filho.

Durante os preparativos para o acontecimento, “Dona Zefinha” teve outra ideia bem criativa: a de escolher uma jovem bonita e apresentável obedecendo critérios de toda a diretoria e equipe organizadora do evento. Essa deveria angariar fundos para a independência. As candidatas ao título de rainha deveriam vender mesas e bilhetes aos fazendeiros e visitantes. A jovem que mais arrecadasse fundo seria eleita a rainha do baile.

A primeira rainha foi Valderez Barros, filha da idealizadora que concorreu com Cecília Barros, filha de José Aurino de Barros.


Valderez Barbosa, a primeira rainha (Foto Acervo pessoal)



A rainha eleita levava em seu peito uma faixa e conta-se que na hora da coroação da rainha uma mulher teria desmaiado de tanta emoção, pela coragem de todos se unirem em busca da emancipação e por que, de fato, o primeiro baile foi um grande acontecimento naquela região.
Ao termino do baile, no dia subsequente, todos saíam pelas ruas da cidade cantando a música Propriá e apresentando a comunidade a rainha que levava em seu peito a faixa de forma transversal.

E a rainha da edição 73 do Tradicional Baile da Chita edição 73 foi eleita no último dia 30 de maio em um concurso com outras quatro candidatas. A estudante de 15 anos Alice Danyella conquistou a maioria dos votos dos associados e diretores do clube que são os responsáveis pela organização do evento. E de acordo com ela, a emoção grande.

Alice Danyella, mantendo a tradição, é a Rainha da edição 2025 do Baile da Chita (Foto: Paulo Henrique/Divulgação)

"Fiquei emocionada quando anunciaram o meu nome. É uma honra imensa fazer parte deste evento tão gigante que faz parte da nossa história. Desde mais nova tinha este sonho de ser rainha do Baile da Chita e  ter sido escolhida pelos votantes foi muito emocionante'', disse Alice antecipando que seu figurino que será apresentado neste sábado ai seguir a tradição. "Será feito com certeza de Chita, para seguir a nossa tradição''. 


Leureny, ex-Rainha, se emociona ao lembrar legado da mãe

Na mesma praça defronte à Matriz de Nossa Senhora das Graças, encravada no centro da cidade de Paulo Jacinto, onde sua mãe ‘empresta’ o nome, uma senhora de porte elegante e voz altiva, chega rigorosamente no horário marcado para se encontrar e relatar à Tribuna um pouco da história do Baile da Chita, evento que é assunto obrigatório no seio da própria família...

Leureny Barbosa, filha de Josefa Barbosa e rainha do Baile da Chita de 1961 (Foto: Edilosn Omena)



Sim, ela é uma das filhas de Dona Zefinha, a criadora de uma tal Baile por aquelas bandas...

Emocionada ao olhar a placa onde está gravada o nome da mãe, ela olha e uma lágrima escapa, sem nenhum controle da emoção. “Lindo isso aqui, é fruto do legado dela, né?”, diz Leureny Barbosa, paulo-jacintense e uma das ex-rainhas do Baile da Chita. 

 

E o artista bateu asas; ele, passarinho...


Essa reportagem e documentário revela-se ainda mais especial por um fato marcante, histórico: foi a última entrevista do renomado artista plástico paulo-jacintense Edmilson Oliveira, carinhosamente conhecido como “Ed”, 56 anos. Com trabalhos reconhecidos em Alagoas, no Brasil e no mundo e, naturalmente, personagem obrigatório nos adornos artísticos e decorações do Baile da Chita por toda Paulo Jacinto, Ed faleceu no último dia 30 de junho, vítima de infarto.

Porém, dez dias antes do falecimento, o artista concedia à Tribuna um depoimento da relação de sua arte com o tradicional Baile da Chita.

Muito dos trabalhos vistos em Alagoas têm por trás as mãos e mente do artista plástico, com mais de 40 anos dedicados à pintura, quadros e esculturas.

Aos dez anos começou no desenho e, aos 11, teve seu primeiro contato com as tintas de forma autodidata. Mesmo no início, seu ingresso no mundo das artes já foi com tinta a óleo.

Ed Oliveira, artista plástico que tanto contribuiu para cultura de Paulo Jacinto (Edilson Omena)



Ed contou à Tribuna que, apesar de já manifestar a alma de artista, na época da infância, nos primeiros passos da escola foi reprovado, ironicamente, na disciplina de Artes. “Meus colegas de turma pagavam para profissionais fazerem, enquanto eu fazia sozinho. A professora me recriminava, não gostava das minhas criações. Achava diferente”, afirmou Ed à Tribuna. E, por tabela, aquele menino talentoso ainda era ironizado pelos coleguinhas e chamado, pejorativamente, de “Zé Picasso”, uma referência ao gênio espanhol Pablo Pícasso, co-fundador do Cubismo, movimento que revolucionou a arte.

E para aqueles que não acreditaram, ou melhor, não entenderam sua sensibilidade, relembramos um trecho do poema de Mário Quintana: ...”A amizade é uma espécie de amor que nunca morre.
- Todos esses que aí estão.
Atravancando meu caminho.
Eles passarão…
Eu, passarinho! “...

Sobre sua relação com o Baile da Chita, Ed descreveu:

“Tudo começou quando eu ainda estava aprendendo a pintar. Na infância, a gente fazia decoração junto com um amigo, no salão onde acontecia o baile e fazíamos várias decorações. A gente não cobrava nada. Eu sou sócio e para mim é um prezar imenso participar da decoração todo o ano”, disse Ed.

Última entrevista do artista Ed Oliveira foi para a equipe da Tribuna: da esq. para a dir., o jornalista Wellington Santos, Ed, o jornalista Lucas França e o repórter fotográfico Edilson Omena (Foto: Allan Rodrigues)



O artista passou por diversos estilos de arte até chegar ao Cubismo, seu carro-chefe. Sempre inspirado nas obras de grandes mestres, além de criador, Ed também tinha um coração bondoso, com espírito de solidariedade e o cooperativismo em seu currículo. Por 18 anos, ministrou aulas de pintura para jovens e crianças no município de Quebrangulo, a convite da Associação Nordesta – Reflorestamento e Educação, uma organização Não Governamental (ONG).

Com o da ONG, o artista expôs seus trabalhos em Genebra, na Suíça, em comemoração aos 25 anos da Associação.


Uma das criações de Ed foi na Literatura

Um dos legados de Ed Oliveira está nas páginas das obras literárias do amigo engenheiro civil e escritor da terrinha Diego Lima. Autor de obras como “Sanha das Águas” e “Aquarelas para Luiza”, Diego Lima diz que não tem como falar de Paulo Jacinto sem falar no Bale da Chita e, agora, sem o eterno amigo Edmilson Oliveira, criador das ilustrações do livro e que a técnica de aquarela.

“A aquarela versa sobre todo o ambiente da festa, principalmente a coroação da rainha, como o ponto alto do Baile”, explica. Já o Sanha das Águas trata da enxurrada que varreu boa parte da cidade em 2010.


Diego Lima e suas obras literárias com a técnica de aquarela feita por Ed Oliveira (Foto: Edilson Omena)



Nas artes de PJ, crianças seguem rastro do pai

O artista plástico Lucas Marcondes Menezes, 38 anos, também de Paulo Jacinto, brindou o tempo em que a Tribuna esteve produzindo esta reportagem sobre o Baile da Chita, e resumiu seu sentimento em uma pintura com os três ícones culturais que compõem a cultura de Paulo Jacinto. Acompanhado das filhas Lara Gabriely e Lorena Késsia, o artista plástico desenhou e pintou a Matriz de Nossa Senhora das Graças, e estação ferroviária e a Rainha do Baile da Chita.

O desenhista e pintor Lucas Marcondes com suas filhas Lorena Késsia e Lara Gabriely (Foto: Edilson Omena)

De acordo com ele, a arte vem passando de geração em geração na família, uma vez que a mãe e a avó materna sempre o incentivaram. “Elas me incentivaram a buscar conhecimento e sempre me aperfeiçoar. Desde os trabalhos escolares até ser ilustrador de livros de alguns escritores. Além das telas, hoje faço pintura em telhas, vasos etc. É um trabalho manual e artesanal que desenvolvo. E com isso, consigo adquirir uma renda extra e é uma alegria ver minhas filhas trilhando esse caminho”, ressalta Marcondes.

Baile surgiu após reunião de moradores

De acordo com o pesquisador Valney Erick, a origem, segundo a história contada por vários moradores mais antigos da cidade, tudo começou após várias reuniões, em quais Josefa Barbosa e José Aurino de Barros (também in memoriam) e outros, discutiram o que fazer para pagar o advogado da causa da emancipação política. “Foi aí quando a própria Josefa teve a ideia de promover um baile no povoado.

De coração de estudante para Projeto de Lei, Baile vira Patrimônio Imaterial


Sancionado pelo então governador Renan Filho em 2015, o Baile da Chita tornou-se Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural e Imaterial do Estado. O projeto foi aprovado por unanimidade e foi de autoria do deputado estadual Inácio Loyola.

“O tradicional e famoso Baile da Chita faz parte da história, do patrimônio e do orgulho do povo paulo-jacintense, consequentemente, da população alagoana”, observa o deputado Inácio Loiola, “Então, nada mais justo que transformar o Baile da Chita em Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Alagoas, com o reconhecimento e a aprovação do plenário da Casa de Tavares Bastos”, completou.

Jornalistas Roberison Xavier e Lucas França quando eram estudantes em 2014, apresentando o TCC sobre o Baile (Foto: Acervo pessoal)

Para o jornalista Roberisson Xavier, que é natural de Jacuípe, e um dos autores do TCC - "Baile da Chita: um registro de memória", valorizar a cultura de Alagoas é fundamental para enriquecer as futuras gerações. "A história e a cultura do nosso estado são fascinantes e valorizá-las é muito importante para todos nós. Mesmo sendo de uma cidade que fica a mais de 200 quilômetros de distância, ao conhecer um pouco mais sobre a relevância do Baile não só para os paulo-jacintenses, mas, para toda Alagoas, compreendi que um trabalho científico que registrasse o empenho de um povo pela emancipação política de sua região e tudo aquilo que se desencadeou até então era fundamental para engrandecermos ainda mais a garra e força dos alagoanos. Saber que o trabalho contribuiu para o reconhecimento do Baile como patrimônio e identidade de nossa sociedade me enche ainda mais de orgulho. É uma satisfação saber que também faço parte dessa história", ressaltou.

E para chegar ao legado de Patrimônio Imaterial da Cultura de Alagoas, a ideia originária até se transformar em Projeto de Lei (PL) e, posteriormente, em Lei, o Baile da Chita veio depois de um trabalho minucioso de pesquisa de dois jornalistas, à época ainda estudantes da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), de Lucas França, e de Roberison Xavier.

E como que embalados pelos versos da canção “Coração de Estudante”, de Milton Nascimento, que dizem: “Quero falar de uma coisa; Adivinha onde ela anda
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar; Pode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor...

Jornalista Lucas França, sentado na histórica linha férrea de Paulo Jacinto, sua cidade, relembra apuração para TCC (Foto: Edilson Omena)



Foi com esse amor à terrinha e caminhando pelo ar, como no registro fotográfico do repórter Edilson Omena para esta reportagem, que um deles, Lucas França, nascido na terra do Baile da Chita, caminha livre e solto pela velha linha férrea de Paulo Jacinto e fala sobre o trabalho: “Foi uma honra e emoção para mim, porque nosso trabalho foi anexado ao Projeto de Lei do deputado Inácio Loyola”, destaca o jornalista.

Questionado se seu ofício em relação ao Baile da Chita seria uma missão, Lucas responde: “Sim, porque como jornalista, sinto-me feliz em informar e a valorizar a cultura do meu povo através do meu trabalho, como nesse documentário que produzimos na Tribuna e que fica como legado”, completou o jornalista Paulo-jacintense.


Baile faz economia girar e abre oportunidades para todos no município


O Baile da Chita movimenta não só a memória afetiva da população, mas também o capital de giro da cidade. Durante esse período, há um aquecimento significativo na economia local que abre oportunidades para costureiras, bordadeiras, comerciantes, salões de beleza, artistas e toda uma cadeia de serviços passam a ser valorizados e procurados’

Para Dan Assunção, profissional da beleza que é responsável também por destacar ainda mais a beleza das rainhas, uma vez que embelezou as últimas 11 rainhas, destaca a ligação do Baile com a economia do município.

“Eu fico muito lisonjeado em ter uma ligação direta com essa festa que não só traz renda para nossa cidade, mas tem um valor histórico e afetivo para cada um de nós nascidos nessa cidade. Para mim é um prazer ser escolhido por essas jovens para realçar suas características e deixarem elas mais lindas nesta data tão especial. Há 15 anos estou no ramo de beleza, e nesse tempo fui escolhido por 11 rainhas para fazer seu cabelo e maquiagem, toda sua produção, além de registrar este momento em fotos e vídeos. Fora isso, muitos clientes já deixam agendado nosso trabalho. É de fato uma festa que movimenta toda a cidade’’, ressaltou Dan.

Dan Assunção, profissional de beleza (Foto: Edilson Omena)

E as palavras de Dan Assunção de fato se tornam reais quando outros seguimentos da economia destacam o crescimento durante o período de festa. O proprietário da Pousada Recanto dos Pássaros, localizada no Centro de Paulo Jacinto, a pouquíssimos metros do local onde é realizado o baile, afirma que devido ao crescimento da festa, a demanda aumentou e teve que construir quartos extras para melhor atender os hóspedes.

“O Baile da Chita é um marco no nosso município e a cada ano novas gerações participam da festa. Por ser um evento familiar atrai pessoas de todas as idades. A maioria dos frequentadores do baile é de conterrâneos que foram morar fora para estudar trabalhar, enfim e voltam a cidade nessa época para confraternizar, rever amigos e se divertir. E além disso acabam divulgando esse evento para outras pessoas que ficam curiosas e vem prestigiar, o que é bom para o comércio local. Aqui mesmo, a demanda aumenta nos dias que antecedem a festa e n dia do Baile. Por isso, precisei mandar fazer quartos extras para melhor atender os hóspedes, pois chegou em uma situação nos últimos anos que não tínhamos mais espaço’’, comentou o empresário Pedro Tarcísio.

Pedro Tarcísio, dono da Pousada Recanto dos Pássaros, em Paulo Jacinto (Foto: Edilson Omena)

A empreendedora e proprietária de uma loja de roupa e acessórios e sócia de uma loja de maquiagem Maria Mendes afirma que nessa época a movimentação de clientes aumenta bastante. De acordo com ela é um dos meses do ano que mais vende. ‘’Julho é o mês que temos a maior procura por roupas e acessórios. Inclusive nesse período a gente até chega a contratar mais uma vendedora para darmos conta da demanda. O aumento gira em torno de 70% e claro que atribuímos isso ao Baile da Chita’’.

Maria Mendes, empresária (Foto: Edilson Omena)

O mesmo relata a empresária Arlene Mendonça, que já começou a pensar na vitrine e araras com roupas mais sofisticadas, elegantes para chamar atenção de seus clientes que é bem diversificado. “É uma festa que movimenta toda a cidade. As pessoas querem se preparar para participar da festa com looks bem bonitos, sofisticados e a gente que trabalha com moda temos que oferecer produtos de qualidade. Então, quando passa o período de festa junina, a gente já muda nossa vitrine e as araras já pensando no baile da Chita. É uma época de muito movimento na loja’’.

Arlene Mendonça, lojista (Foto: Edilson Omena)




Chita também é sinônimo de afetividade

A costureira Maria Monteiro deu uma pequena parada em suas demandas para o período, mas se recorda do tempo que tinha roupas e mais roupas para fazer de clientes. E muitas delas especiais, as rainhas do famoso baile. “Já produzi muitos vestidos para rainhas, além de muitos moradores e moradoras da cidade que queriam ir elegantes ou com trajes típicos de chita para o baile. Além disso, perdi as contas, mas já confeccionei várias faixas das rainhas do Baile da Chita’’, contou relembrando que teve três faixas e dois vestidos feito deforma ainda mais especial. “Tive três das minhas quatro filhas rainhas. E eu que fiz as faixas delas. Também fui responsável por fazer dois vestidos – o da terceira, na época não deu tempo, então alugamos. E só não fiz o da quarta, porque ela não quis ser rainha, mas recebeu o convite’’, contou emocionada.

Maria Monteiro, costureira que confecciona faixa das rainhas do Baile da Chita (Foto: Edilson Omena)



Por falar em afetividade, a dona de casa Maria Célia França da Silva, mãe do jornalista Paulo-jacintense Lucas de França, é uma frequentadora assídua do Baile da Chita, mas segundo ela nem sempre foi assim. “Todo mundo que nasceu ou mora na cidade conhece a história do baile e seu valor para o município. Passei a frequentar a festa em 2015, depois que meu filho se formou em Jornalismo e apresentou seu trabalho de conclusão de curso com o tema sobre o baile. De lá para cá não parei mais de ir. Todos os anos compramos mesas e juntamos a família. Tanto eu quanto meus filhos sempre vamos vestidos com roupas feitas com o tecido de chita ou pelo menos um acessório para resgatar a tradição. É uma festa que reflete nossa história, a emancipação da nossa cidade. Eu não ia antes devido às condições. Nem sempre tínhamos o dinheiro para ingresso ou comprar mesa, mas já sabia o valor social e cultural do baile’’, conta Célia.

Maria Célia França mostra roupas usadas por ela e suas filhas nos últimos bailes (Foto: Edilson Omena)

E quem passou a também ter um laço ainda maior com a festa é a assistente social Danila Carlos, mãe de Alice Daniela, rainha deste ano do tradicional baile. Como toda mãe coruja, não esconde a felicidade de prestigiar este momento com a família.

“Foi uma emoção muito grande em saber que Alice foi a vencedora de um concurso que tinha outras quatros jovens lindas e merecedoras do título. Desde que ela decidiu entrar no concurso para a escolha da rainha, tanto eu, o pai e os irmãos, aliás toda a família, apoiamos. E no dia da votação foi uma emoção quando o resultado saiu e ela foi eleita. É a realização de um sonho, que passa não ser apenas dela, mas de todos nós’’, completa Danila.

Danila Carlos e sua filha Alice, atual rainha do Baile da Chita da edição 2025 (Foto: Edilson Omena)

Ressaca: Praça Zefinha Barbosa recebe público no fim de semana

Quem não for ao Baile fechado não vai ficar sem festejar: a Praça Zefinha Babosa será palco para shows de artistas nacionais e regionais no sábado (19), e atrações como Baby Som e Samya Maia farão a festa para os visitantes e moradores. Já no domingo (20), tem Jonas Esticado, Maciel Valente e outros artistas da cidade, como Rodolpho Pegação, Vera Santos e Fábio Costa.

A Festa da Chita criada pelos gestores faz referência ao antigo Baile da Chitinha - uma espécie de ressaca do Baile da Chita, que acontecia sempre um dia após o tradicional Baile e foi pensado para as pessoas que, por algum motivo, não tiveram como ir ao evento.  Com o passar dos anos, a festa foi se estendendo e atualmente acontece simultaneamente ao Baile. Ou seja, têm atrações para todos os gostos e perfis.

O secretário de Cultura de Paulo Jacinto, Everaldo Tenório, pontua que a festa na rua também mantém viva a cultura da cidade.
“A Festa da Chita é mais que uma celebração, é a alma cultural de Paulo Jacinto. Mantê-la viva é preservar a nossa história, a identidade do nosso povo e fortalecer a economia local. A cada ano, ela une gerações, movimenta o comércio e leva o nome da nossa cidade para além das fronteiras. Valorizá-la é valorizar quem somos’’, pontua Everaldo.

Praça de Eventos Zefinha Barbosa, em Paulo Jacinto (Foto: Edilson Omena)