‘Foi a arte quem me quis’

Artesãos, pintores e escultores carregam um legado passado de geração em geração, influenciando comunidades e estimulando o crescimento cultural e econômico de Alagoas

Por Lucas França e Thayanne Magalhães / Revisão: Bruno Martins / Foto da capa: Edilson Omena | Redação

Desde criança, João das Alagoas molda o barro, criando animais do campo e cenas do cotidiano rural que traduzem a alma do estado. Nascido em Capela, na Zona da Mata alagoana, região originalmente coberta pela Mata Atlântica e fundada provavelmente no século XVIII. É nesse cenário histórico e cultural que João alimenta seu talento e inspiração, comandando um ateliê que se tornou celeiro da arte popular de Capela, reunindo a produção de alguns dos principais artistas do barro da região.

O artista contou para a equipe do portal Tribuna Hoje que, na década de 1980, quando ficou desempregado, decidiu investir de vez na sua arte — “foi a arte quem me quis”, afirma, ao ser questionado se planejava viver das suas obras. Começou vendendo suas peças no mercado de artesanato de Maceió e hoje suas esculturas são reconhecidas internacionalmente, enviadas para diversas partes do mundo. Com o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), João não apenas ampliou seu ateliê em Capela, mas também formou discípulos, perpetuando a tradição da cerâmica que celebra a cultura nordestina em cada obra.

“Eu tive tantos momentos bons que a arte me proporcionou. Nunca esperei ser patrimônio vivo, nem depois de morto, imagina vivo, né?”, comenta o artista, que recebeu o título de Patrimônio Vivo Cultural de Alagoas em 2011.

Mestre João das Alagoas segura uma de suas criações (Foto: Edilson Omena)

João das Alagoas é um mestre generoso. Transmitiu seus saberes a uma geração inteira de artistas, como Sil de Capela, que hoje têm projeção e reconhecimento nacional e internacional. Suas obras fazem parte de importantes coleções de arte popular, estão expostas em galerias no Brasil e no exterior, incluindo o Museu de Cerâmica do México, e receberam prêmios, como uma menção honrosa em Córdoba, na Argentina.

“Quando comecei esse trabalho, eu não entendia nada do barro. Fui sobrevivendo dele porque ele foi me levando. Ele quis se separar de mim, mas fomos seguindo a vida. Ele foi me ensinando”, relata João, artista autodidata que nunca teve um mestre formal. “Meu mestre foi o erro e o acerto.” Aprendeu a queima com uma senhora da cidade que queimava umas pecinhas para ele e seguiu fazendo suas próprias experiências com mistura de barros e diferentes técnicas.

Desde pequeno, João sempre se interessou por arte. “Com cinco, seis anos, já desenhava, queria ser pintor.” Na década de 1980, já pintava quadros quando foi convidado para sua primeira exposição, organizada pelo grande pintor popular Zé Cordeiro. Foi ele quem o batizou de “João das Alagoas”. Nem lembra como foi a transição da pintura para a cerâmica, mas conta que, ao ficar desempregado, passou a se dedicar totalmente ao barro. “As encomendas começaram a crescer e eu fui investindo na cerâmica”.

Reconhecido como um dos maiores escultores do país, João desenvolveu uma técnica própria que lhe permitiu recriar com maestria o bumba-meu-boi, bordando no barro grandes bois cobertos por mantos em alto e baixo relevo, com marcas do Brasil e histórias do povo, retratando brincadeiras de rua, casamentos, batizados, tradições e folclore nordestino.

O mestre da cerâmica explica todo o processo: o barro é retirado do quintal, duro como pedra, quebrado em pedaços menores e peneirado até ficar bem fino. Depois, é preparada uma mistura com barros de diferentes qualidades, que deve secar lentamente para curar, evitando rachaduras. “Tem que sair todo o excesso de água, toda a umidade da peça. Pode levar de uma semana até dois meses.” A etapa final, a queima, é a mais delicada. “Ele (o barro) quer lentidão.” A queima começa às 18h e segue até as 6h da manhã, mas o ideal seriam três dias. “A queima é uma ciência complicada, que requer muito estudo e tempo. Conheço artistas que passam uma semana só nessa etapa, como o português Antonio Poteiro”.

Mesmo com toda a experiência, João admite que às vezes arrisca e perde peças por antecipar a queima, pois a arte, para ele, é feita de riscos, erros e acertos.

Da foice na cana ao barro que conta histórias

Maria Luciene da Silva Siqueira, mais conhecida como Sil de Capela, tem uma trajetória marcada pela superação e pela arte que transforma. Nascida em Cajueiro, Alagoas, e criada na zona rural do município de Capela, ela passou a infância e adolescência trabalhando no corte da cana-de-açúcar para ajudar a sustentar uma família de 11 irmãos. O trabalho pesado, o cotidiano do campo e os desafios da vida rural moldaram não apenas sua história, mas também o tema de sua futura arte.

Aos 19 anos, Sil casou-se e teve sua primeira filha, Cristina, diagnosticada com autismo. Em busca de melhores condições de vida e mais oportunidades para a família, mudou-se para a cidade de Capela. Foi nesse novo ambiente que sua vida ganhou um novo rumo, graças ao apoio do Sebrae, que identificou nela um grande potencial artístico e a incentivou a participar de oficinas de cerâmica.

Apesar das dificuldades, ela sempre sentiu que havia algo mais para sua vida. “Eu não queria só trabalhar no campo, queria fazer algo que me deixasse feliz e que pudesse me sustentar com dignidade”, lembra. A virada aconteceu quando teve seu primeiro contato com o barro, um material simples, mas cheio de possibilidades.

“Foi um momento mágico. Quando coloquei a mão no barro, senti que tinha encontrado um jeito de contar minha história e a história do nosso povo”, afirma. Sil lembra que no começo aprendeu na base da tentativa e erro, observando outros artesãos e buscando melhorar a cada dia. “Eu queria captar as coisas simples que vi na infância, as festas, os animais, a natureza. Tudo isso está nas minhas peças.”

A partir da década de 2000, a vida de Sil mudou com o incentivo para desenvolver sua arte. “Foi quando o Sebrae me colocou em contato com o João das Alagoas, que me ajudou muito, me ensinou a trabalhar com o barro, a ter paciência e entender a técnica”, conta Sil. “Com ele, aprendi que o barro precisa de respeito, que não é só molde, é vida, é história.”

Sil é uma artista autodidata, que encontrou na cerâmica um caminho para expressar suas raízes e seu cotidiano. “Cada peça que eu faço tem um pedaço da minha alma, da minha infância na roça, da minha gente. Eu quero que as pessoas sintam a força da nossa cultura quando olharem minhas esculturas”, diz. Suas obras representam cenas do campo, festas populares e tradições do Nordeste, feitas com delicadeza e um olhar atento ao detalhe.

Artesã Sil de Capela (Foto: Edilson Omena)

“Eu moldo o barro e ele me molda também. É uma parceria que dura anos. Muitas vezes a peça não sai como eu espero, mas é no erro que eu aprendo e cresço. Esse aprendizado é o que me faz seguir”, explica. Sil conta que a queima do barro é uma parte delicada e que exige muito cuidado. “Tem que ter paciência, porque o barro é vivo, ele responde à forma como a gente cuida dele.”

Hoje, Sil de Capela é uma referência da arte popular em Alagoas, com trabalhos reconhecidos e admirados por colecionadores e amantes da cultura nordestina. “É gratificante saber que minha arte viaja o Brasil e o mundo, levando um pouco do nosso jeito de ser”, afirma com orgulho. Ela também se dedica a passar seus conhecimentos para outras mulheres da região, inspirando uma nova geração a valorizar suas raízes e transformar suas vidas através da arte.

“Eu quero que a gente nunca esqueça de onde veio e que a arte pode ser um caminho para a liberdade e a dignidade. Se eu consegui, qualquer um pode conseguir”, conclui Sil de Capela, com a força de quem já venceu muitas batalhas.

'A arte popular é sempre muito bem-vinda. Ela toca o visitante. E quando o turista conhece o processo, conversa com o artesão, entende a origem daquela técnica, ele se conecta com o lugar. Isso é turismo de experiência', afirma Renan Laurentino

Acima da esquerda à direita: João das Alagoas, Sil de Capela e Luciana Almeida (Fotos: Edilson Omena). Abaixo: Lucas Marcondes, Lara Gabrielly (Fotos: Allan Rodrigues) e Ed Oliveira (Foto: Arquivo pessoal)


As bordadeiras de Dona Peró – tecendo o legado cultural de Capela

Ainda em Capela, o bordado manual não é apenas uma técnica: é um elo vivo entre gerações que preserva a memória e a cultura local. A Associação das Bordadeiras e Costureiras Mimos de Dona Peró, fundada em 2012, mantém viva essa tradição graças à força e dedicação de suas integrantes.

Luciana Almeida, presidente da associação, conta que tudo começou com o amor e a preocupação de Dona Perolina, mestra bordadeira da região. “Ela via que os jovens não tinham interesse no bordado e temia que essa arte se perdesse”, lembra Luciana. Foi com o incentivo de Dona Peró que o grupo ganhou forma, reunindo mulheres da comunidade que desejavam aprender e preservar o bordado manual.

“Aprendi com Dona Peró quando tinha 17 anos. Ela era um exemplo de força e talento. Mesmo com a saúde fragilizada, nunca deixou de bordar e ensinar. Foi ela quem me passou a responsabilidade de continuar essa tradição”, relata Luciana. Hoje, como presidente, Luciana coordena um grupo de 22 bordadeiras que produzem peças que retratam cenas do cotidiano, festas populares e elementos da cultura rural de Capela.

As bordadeiras não só preservam as técnicas tradicionais, como também inovam ao criar roupas, acessórios e artesanatos que têm ganhado destaque em feiras e eventos nacionais, onde peças da associação foram apresentadas.

“Nossa missão vai além do bordado. Queremos fortalecer a identidade cultural da nossa comunidade, dar visibilidade ao nosso trabalho e mostrar que, com talento e dedicação, é possível transformar vidas”, destaca Luciana. “Cada ponto que damos carrega histórias, memórias e o amor pelo que fazemos”.

Para a presidente da associação, o bordado é também uma forma de empoderamento feminino. “Aqui, mulheres que enfrentaram muitas dificuldades se encontram, aprendem uma profissão e se valorizam. É um espaço de acolhimento e troca, onde cada peça é feita com carinho e orgulho”.

Com o legado de Dona Peró e a liderança de Luciana Almeida, as bordadeiras de Capela seguem entrelaçando fios, histórias e sonhos — garantindo que o bordado manual continue a ser um patrimônio vivo da cultura alagoana.

Tal pai, tal filha: com amor pela arte, hobby virou fonte de renda extra

Lucas Marcondes Menezes Dantas, 38 anos, nasceu em Paulo Jacinto, Agreste de Alagoas, filho de Maria Lúcia Menezes Laurentino e Marcondes Dantas da Rocha. É casado com Maria Glecikele Ferreira da Silva e pai de duas filhas (Lara Gabriely e Lorena Késsia). Vem se destacando há um tempo com sua arte. O artista plástico é referência local quando se fala em pintura e desenhos. Por sua capacidade de criar personagens que trazem em sua forma artística a realidade com temas diversos.

De acordo com ele, a mãe e a avó materna sempre o incentivaram. “Elas me incentivaram a buscar conhecimento e sempre me aperfeiçoar. Desde os trabalhos escolares até ser ilustrador de livros de alguns escritores. Além das telas, hoje realizo pintura em telhas, vasos etc. É um trabalho manual e artesanal que desenvolvo. E com isso, consigo adquirir uma renda extra”, ressalta Marcondes.

Lucas Marcondes e a sua arte (Foto: Allan Rodrigues)

Lucas acredita que feiras de arte e exposições fazem dos artistas protagonistas de suas criatividades, com o real reconhecimento de suas habilidades beneficiando o local no aspecto sociocultural.

O artesão e pintor usa as redes sociais para promover o seu trabalho. “Conto com amigos para divulgar e chamar a atenção. Pintar ou desenhar é uma forma de mostrar ao mundo a beleza oculta, dos detalhes das ações e dos acontecimentos do dia a dia. A arte inspira, ensina e transmite autoestima e criatividade. Cada arte ou desenho traz em si fragmentos da história, de sentimentos que provocam reflexão daqueles que os admiram”.

Quem quiser conhecer um pouco mais do trabalho de Lucas Marcondes basta acessar suas redes sociais no Facebook @lucasmarcondes e Instagram @lucas.marcondes32.

INSPIRAÇÃO VEIO DO PAI

Lara Gabriely da Silva Menezes, 13 anos de idade, filha de Lucas Marcondes, segue as referências artísticas do pai nas habilidades em desenhos e pinturas em tela. Começou a desenhar ainda muito pequena, com cores e traços expressivos. Seus quadros representam algumas paisagens da sua cidade.

De acordo com os pais, ela já pensava em ser empreendedora desde cedo, mas foi aos 11 anos que sugeriu a ideia de querer vender pulseiras de miçangas. “Ela começou a fazer essas bijuterias, claro, sob nossa supervisão e sempre sabendo que os estudos serão sua prioridade, vale ressaltar que ela é uma aluna presente e muito estudiosa”, conta Lucas, orgulhoso da filha.

Lara Gabrielly começou a pintar, além de produzir bijuterias com miçangas, que já rendem frutos (Foto: Allan Rodrigues)

Lara, que estuda no 8° ano do ensino fundamental II, na Escola Municipal Souza Barbosa, diz que as pinturas e confecção de pulseiras são feitas nas horas vagas. “Acredito que foi um dom mesmo, surgiu antes a vontade de pintar e desenhar e depois a ideia de fazer as pulseiras. Eu forneço estes produtos nos estabelecimentos locais. Tenho minha logomarca e com as vendas aos poucos vou juntando o dinheiro. Consegui arrecadar o suficiente para comprar a minha tão sonhada penteadeira e em seguida um notebook”, falou a empreendedora, acrescentando que se sente realizada pelas conquistas.

No vídeo ao final da matéria você confere a entrevista completa com Lucas e sua filha Lara, além de ver um pouco de seus trabalhos.

FEIRAS E EXPOSIÇÕES

  • As feiras e mostras de artesanato, como a Feneart, Artnor e o Salão do Artesanato em São Paulo têm um papel estratégico nesse processo de crescimento e valorização. Elas funcionam como grandes vitrines para os artesãos, proporcionando visibilidade, oportunidades de negócios e contato direto com o público consumidor, lojistas e curadores. Conforme a analista e gestora do Programa de Artesanato do Sebrae Alagoas, Marina Gatto, economicamente, essas feiras movimentam a cadeia produtiva local, atraem turistas e geram renda para o estado.
  • “Em 2024, o acesso às feiras desse porte que o Sebrae abriu mercado geraram mais de 400 mil reais em vendas diretas, sem contar com as encomendas com lojistas, que garantem a manutenção de renda durante todos os meses do ano. Mais do que pontos de venda, essas feiras são espaços de celebração da cultura popular e de reconhecimento do valor dos artistas alagoanos, consolidando Alagoas como um polo de referência no artesanato brasileiro. Mais do que um produto, o artesanato alagoano é identidade, é cultura, é resistência. E é nosso papel continuar apoiando e valorizando esse trabalho com orgulho”, afirma Marina Gatto.

Da pintura ao artesanato: autodidata desde os seis anos, Ed Oliveira passou por vários estilos

Mergulhado no universo de cores desde os 10 anos, Edmilson Silva de Oliveira, o Ed Oliveira, de 56 anos, pintou seu primeiro quadro aos 11 e de lá para cá não parou mais. Também natural de Paulo Jacinto, o artista plástico passeou por vários estilos, mas se considera um pintor contemporâneo.

Ed Oliveira pôde mostrar seu talento de maneira mais ampla aos 17 anos quando aceitou o convite do pároco de sua cidade natal para restaurar o acervo da Igreja Matriz de Nossa Senhora das Graças. “Comecei a me interessar pela arte aos seis anos, nessa época morava no Sítio Barro Preto. Ao lado da minha casa havia uma escola e minha mãe era a professora. Quando terminavam as aulas, eu ficava desenhando na lousa, esse era o meu passatempo favorito. Não havia explicação para isso, eu nem sabia o significado de arte. Foi quando meu pai um dia me viu desenhando e disse que eu seria um pintor. Aos 11 anos, pintei meu primeiro quadro e já ganhava uns trocados dos colegas fazendo alguns trabalhos”, contou Edmilson, que empreende com sua arte desde bem novinho.

ARTESANATO

Ed Oliveira também se considera um artesão, porque usa matérias-primas recicláveis para suas esculturas todas feitas à mão com garrafas pet, papelão, ferro e outros materiais. O artista contou que na época de escola, apesar de gostar de arte, ele foi reprovado na disciplina.

Ed Oliveira em ação com algumas de suas pinturas (Foto: Arquivo pessoal)

Ele também foi convidado por uma Organização Não Governamental (Nordeste Reflorestamento e Educação Ambiental) localizada em Quebrangulo, Alagoas, e com sede em Genebra, Suíça, a ensinar desenho e pintura para jovens na cidade. Depois disso, o artista realizou uma exposição em Palmeiras dos Índios e participou de outras três exposições coletivas em Maceió através do Projeto Alagoas Presente. O pintor e artesão também mostrou talento e criatividade fora de Alagoas. Em 2004 foi para o Rio Grande do Norte, estado em que montou um ateliê e confeccionou artes durante um ano. O artista difundiu seu trabalho em Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, Piauí, Maranhão e Tocantins, onde promoveu oficinas de pintura, reciclagem com garrafas pet, esculturas, entre outras.

Além do reconhecimento em terras brasileiras, o artista plástico também se destacou fora do país com uma exposição em Genebra no Salle Communale de Plainpalaisem, em comemoração aos 25 anos da Associação Nordeste. Em apenas um dia, ele vendeu 70 obras. Segundo o artista, estão sendo vendidos trabalhos seus em vários locais mundo afora. “Tenho vendido trabalhos para alguns países como: Portugal, Alemanha, Suécia, Estados Unidos, Itália e Suíça, onde realizei duas exposições em janeiro e abril de 2011”, informou.

RECONHECIMENTO

Atualmente, o artista vive em sua cidade natal, onde realiza seus trabalhos. Quem anda pelas ruas de Paulo Jacinto pode ver pinturas em alto relevo nas paredes de residências e prédios públicos feitas pelo artista. Obras dele também estão expostas em Quebrangulo. Lá é comum esbarrar com esculturas gigantes. As esculturas retratam os animais da reserva de Mata Atlântica: tatus, tamanduás, borboletas, corujas, além de uma variedade de pássaros. Ainda em Quebrangulo, existem dois bonecos gigantes do grupo folclórico Nega da Costa que ganharam vida nas mãos do artista.

Na capital, Ed deixou sua marca em vários cantos da cidade. Como é o caso do muro do prédio-sede do Ministério Público Federal (MPF), do viaduto próximo ao Aeroporto Internacional Zumbi dos Palmares e do muro do cais do Porto. No litoral, em Marechal Deodoro, também podem ser encontradas obras do artista.

TRABALHO RECENTE

Os murais em alto-relevo feitos por Ed Oliveira viraram o cartão postal da cidade de Paulo Jacinto. É comum moradores e visitantes fazerem fotos ao lado de suas obras e postarem nas redes sociais. Seu trabalho caiu no gosto da população e se expandiu para dentro da casa de moradores da cidade.

Painel em alto relevo de Ed Oliveira em Paulo Jacinto (Foto: Edilson Omena)

“A obra de Edmilson é belíssima. Não tem como não admirar. Ele é um talento, seus trabalhos têm uma perfeição. E eu pedi para que ele fizesse na parede de minha casa. Sou devoto de São Jorge, então pedi para que ele reproduzisse a imagem do santo em alto-relevo em minha parede”, disse o professor Antônio Lima.

Mas, apesar disso, o artista diz que ainda falta incentivo. “Não existe incentivo cultural no Brasil. Os editais que são lançados, devido a complicações burocráticas terminam desestimulando. O consumo da arte no geral ainda é pequeno. Mas a arte precisa ser democratizada. Posso enxergar claramente que qualquer manifestação cultural, seja ela música, teatro, dança, artes visuais, audiovisuais, como um grande e eficaz antídoto contra as adversidades que vêm se fortalecendo ao passar do tempo dizimando nossas crianças e jovens. Acredito que o estado tem esse poder transformador”, ressaltou o artista.

Para o pintor e artesão, as feiras são importantes para divulgação e ‘consumo’ da arte. “Não é apenas para o artista obter o seu lucro pela sua obra, mas também para todos conhecerem e adquirirem um produto feito à mão, único. Empresas que apoiam e incentivam isso estão de parabéns, pois valorizam a riqueza de seu lugar e promovem economia e turismo”, finalizou.

Alagoas Feita à Mão impulsiona visibilidade do setor e fortalece a economia

A Secretaria de Estado de Relações Federativas e Internacionais (Serfi) celebra os 10 anos do Programa Alagoas Feita à Mão, que atua na valorização do artesanato e da arte popular alagoana, conquistando reconhecimento no cenário nacional e internacional. Com a implementação de ações estratégicas, o projeto impulsionou significativamente a visibilidade do setor, gerando conexões que fortalecem a economia local.

Atualmente, Alagoas conta com mais de 18 mil artesãos, que têm acesso aos benefícios e oportunidades oferecidas pelo programa. Estima-se que, ao longo da década, mais de R$ 25 milhões tenham sido movimentados em vendas de peças artesanais, por meio das ações do programa.

Esse número, no entanto, é ainda maior, considerando as vendas fechadas após a participação dos artesãos em feiras, rodadas de negócios e em eventos promovidos pelo Alagoas Feita à Mão, que geram demanda o ano inteiro.

RELEVÂNCIA

A gerente de Design e Artesanato do Alagoas Feita à Mão, Anne Ferreira, lembra que ao longo desses 10 anos de atuação, a iniciativa consolidou sua relevância dentro e fora do Brasil.

“Em 2021, Alagoas tornou-se o primeiro estado brasileiro a levar sua produção artesanal para a Semana de Design de Miami, o que abriu portas para exposições em Nova Iorque e Milão”, recordou ela.

Gerente de Design e Artesanato do Alagoas Feita à Mão, Anne Ferreira (Foto: Arquivo pessoal)

“O programa iniciou suas atividades com a emissão da Carteira Nacional do Artesão e a participação em feiras locais e internacionais. Atualmente, o Alagoas Feita à Mão é referência nacional no apoio ao artesanato, promovendo capacitações e acompanhamento direto aos artesãos”, acrescentou Anne Ferreira, que também é coordenadora do Programa do Artesanato Brasileiro em Alagoas.

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

De acordo com ela, o programa apresenta, para este ano, um planejamento estratégico ambicioso, contemplando ações nos 102 municípios alagoanos.

Entre as iniciativas, estão previstas a participação em cinco feiras nacionais, eventos de design no Brasil e no exterior, capacitação de artesãos e a ampliação de espaços de comercialização, desenvolvendo oportunidades de negócios.

Anne Ferreira lembra ainda que, por meio da Coordenação Estadual, o programa emite a Carteira Nacional do Artesão, documento que formaliza a profissão e garante acesso a benefícios exclusivos.

“Todos os 102 municípios alagoanos contam com artesãos cadastrados, fortalecendo a identidade cultural do estado e ampliando suas oportunidades de mercado”, reforça.

“Os artesões de Alagoas têm papel fundamental como agentes da cultura e identidade alagoana, além de promover renda local”, diz analista do Sebrae/AL

Segundo Marina Gatto, os artesãos, sejam escultores, bordadeiras, rendeiras, pintores, dentre outros profissionais, desempenham um papel fundamental na economia local, não apenas como geradores de renda e emprego, mas também como agentes de valorização da cultura e da identidade alagoana.

“A produção artesanal movimenta comunidades inteiras, fortalece o turismo cultural e impulsiona pequenos negócios, sendo uma importante fonte de desenvolvimento sustentável. Além do aspecto econômico, o trabalho artesanal é uma poderosa ferramenta de preservação dos saberes ancestrais. Cada peça carrega técnicas, histórias e tradições transmitidas de geração em geração, mantendo viva a memória e o modo de vida de diferentes regiões do estado”, explica Gatto.

Marina Gatto, analista e gestora do Programa de Artesanato do Sebrae Alagoas (Foto: Ascom Sebrae/AL)

Segundo a analista, o Sebrae/AL tem atuado de forma contínua para estimular essa continuidade entre as novas gerações, incentivando a realização de oficinas de repasse de técnicas nas comunidades, oferecendo capacitações, consultorias, apoio à formalização e incentivo à inovação sem perder a essência das técnicas tradicionais. “Programas de empreendedorismo, oficinas e parcerias com artesãos são algumas das ações voltadas para garantir que esses saberes continuem vivos e se fortaleçam com o tempo”.

Marina faz questão de destacar o papel da instituição no apoio aos artesãos do estado. “A cadeia produtiva do artesanato gera negócios importantes e essa parceria coloca nossa arte popular ainda mais em evidência, não só aqui, mas também no Brasil e no mundo. Tudo isso impacta positivamente a qualidade de vida das pessoas que atuam no segmento, transformando a vida de muitas famílias e de comunidades inteiras, já que o artesanato propõe um diálogo coletivo, de trocas de experiências e saberes, contribuindo para o desenvolvimento local”, conclui.

Artesanato alagoano movimenta a economia, mas ainda carece de políticas públicas permanentes

Muito além do valor estético ou simbólico das peças, o artesanato alagoano tem papel real e estratégico na economia do estado. Representando 3% do Produto Interno Bruto (PIB) de Alagoas, a cadeia produtiva do setor movimentou, somente no último ano, quase R$ 600 mil em vendas diretas, segundo dados do Sebrae. Embora ainda modesto frente a outros segmentos, o impacto econômico do artesanato se revela significativo quando se observa sua capacidade de gerar emprego, atrair turistas, fortalecer pequenos negócios locais e manter viva a identidade cultural alagoana.

“O artesanato representa 3% do PIB alagoano. Então, tem sim um impacto interessante. Claro que existe muito a crescer e desenvolver, mas ele movimentou na ordem de quase R$ 600 mil só no ano passado. Não é algo desprezível”, analisa o economista Renan Laurentino.

Feiras como a Feneart (PE) e o Salão do Artesanato (DF), com apoio do Sebrae, têm sido pontos de virada na trajetória de muitos artesãos, abrindo mercado e garantindo faturamento para além da alta estação do turismo. Em 2024, essas ações de inserção em eventos nacionais já geraram mais de R$ 400 mil em vendas diretas, sem contar encomendas feitas por lojistas para fornecimento durante o ano inteiro.

“A feira é importante como um cartão de visita. Ela traz visibilidade, você fecha negócios, mas também tem um custo elevado: passagem, hospedagem, alimentação, estrutura de estande, tudo isso pesa. O artesão, geralmente, não tem uma renda fixa, vive de uma renda muito variável. Então, mesmo com o apoio do Sebrae, há momentos em que o próprio artesão precisa custear parte da ida e isso é um desafio”, explica Laurentino.

Apesar dos custos, a presença em eventos do porte da Feneart é vista como estratégica para ampliar o alcance da produção alagoana e reforçar a sustentabilidade financeira desses profissionais. Mas, segundo o economista, não basta apenas participar das feiras: é necessário investir em um processo contínuo de profissionalização.

“O artesão é um vendedor da própria arte. Então, quando instituições fortalecem o empreendedorismo, o atendimento, a qualidade das peças e da apresentação, isso enriquece o produto e o repertório de quem produz. Às vezes, ele se concentra só na peça e esquece do todo: embalagem, identidade visual, planejamento financeiro. Tudo isso conta. Por isso, capacitações são fundamentais.”

Para Laurentino, os cursos e oficinas oferecidos por instituições como o Sebrae ajudam a tirar o artesão de uma zona de conforto, provocando um pensamento mais estratégico sobre o próprio negócio. Ele destaca que o investimento em educação financeira, inovação e design também tem potencial de impactar positivamente a vida de famílias inteiras que dependem dessa atividade.

Economista Renan Laurentino (Foto: Arquivo pessoal)

Mas, se por um lado o capital humano está sendo fortalecido com apoio de capacitações e mentorias, por outro, ainda faltam ações estruturantes e políticas públicas permanentes que deem condições para o setor florescer de forma consistente. Um exemplo claro disso é a situação do bairro do Pontal da Barra, em Maceió, tradicional reduto de rendeiras e artesãos, que sofre com a falta de investimentos.

“O Pontal já foi um polo de shows, de gastronomia, de artesanato. Hoje, vive altos e baixos. Falta infraestrutura, falta atenção do poder público, principalmente o municipal. Fortalecem-se pontos de venda em outras regiões, como o Jaraguá, mas não se mantém os que já existem, como o mercado de artesanato na Levada, que já tem acesso difícil. É uma logística que não funciona bem. E o Pontal continua sendo pouco visitado. O turista não é levado para lá”, critica o economista.

A ausência de planejamento contínuo e de um calendário articulado com o setor de turismo é outro entrave. Laurentino observa que o próprio mercado local é abastecido por produtos artesanais vindos de fora, como de Pernambuco e do Maranhão, o que enfraquece a produção regional.

“É até contraditório: temos potencialidades, mas vendemos peças de fora. Enquanto isso, há regiões com produções autênticas e pouco exploradas, como Maragogi, Coruripe, Penedo, Riacho Doce. Faltam plataformas, sites, guias turísticos mais atualizados que valorizem o artesanato local. A gente conhece pouco das nossas próprias riquezas.”

O economista defende que o artesanato pode, sim, ser considerado uma estratégia viável de desenvolvimento econômico sustentável, mas para isso é preciso encarar o setor com mais seriedade, articulando ações com as secretarias de cultura, turismo e desenvolvimento econômico, tanto no âmbito estadual quanto municipal.

“É importante pensar em metas de longo prazo, traçar objetivos de crescimento, por exemplo elevar a participação no PIB de 3% para 4% até 2030. Quais indicadores queremos alcançar? Muitas vezes, o artesão é levado para uma feira, vende bem, mas depois fica sem suporte. A capacitação precisa ter continuidade, com acompanhamento. O artesanato não é um evento, é uma economia que pulsa todos os dias.”

Além da renda direta, o artesanato também gera um retorno indireto ao contribuir com a valorização da identidade cultural alagoana e o fortalecimento do chamado turismo de experiência. Quem compra uma peça de filé ou cerâmica leva consigo mais do que um produto: carrega uma narrativa, uma memória, um traço da cultura do estado. Esse valor simbólico atrai turistas e movimenta toda uma cadeia de serviços.

“A arte popular é sempre muito bem-vinda. Ela toca o visitante. E quando o turista conhece o processo, conversa com o artesão, entende a origem daquela técnica, ele se conecta com o lugar. Isso é turismo de experiência. E é nisso que Alagoas precisa investir mais.”

Para Renan Laurentino, as feiras continuarão sendo importantes vitrines, mas o verdadeiro salto de desenvolvimento virá com planejamento, estrutura e presença contínua do poder público ao lado dos artesãos. Ouça o áudio do economista abaixo.