
Dedos que enxergam: TouchBraille revoluciona educação musical para pessoas com deficiência visual
Criado por professor de música do interior de Alagoas, projeto que venceu etapa estadual e regional do Prêmio Educador Transformador 2024 tem grande potencial para virar startup de inovação, tecnologia e solução
Por Lucas França e Valdete Calheiros - Repórteres / Bruno Martins: Revisão | Redação
De um lado instrumentos musicais convencionais sem utilidade para jovens com deficiência visual. Do outro lado, jovens com deficiência visual com o sonho de tocar esses instrumentos. Entre ambos, o professor de Matemática e Educação Musical Leandro Freitas dos Santos, de 29 anos, natural de Limoeiro de Anadia, que nutria o desejo de ensinar pessoas com deficiência a tocar piano e teclado.
Com os ingredientes certos, a receita não podia ser mais perfeita. Às cegas, nascia, então, o projeto TouchBraille, um invento alagoano que revolucionou a educação musical para pessoas com deficiência visual.
O TouchBraille surgiu para minimizar o capacitismo e dar acessibilidade aos alunos que leem as partituras com os pés e ficam com as mãos livres para tocar os instrumentos.
Atualmente, são cerca de 30 crianças beneficiadas com a técnica nos municípios de Limoeiro de Anadia e Arapiraca. “Estamos mostrando ao mundo que todos podem aprender a tocar um instrumento. Estamos dando visibilidade a todos”, explicou o professor Leandro Freitas, que já está levando o projeto para outros municípios e está na expectativa de apresentá-lo a alguma startup, empresa em fase inicial que visa desenvolver ou aprimorar um modelo de negócio inovador, escalável e repetível.
Os primeiros frutos já foram colhidos. O TouchBraille ganhou o Prêmio Educador Transformador 2024, em Alagoas, na categoria Ensino Fundamental / Anos Finais, o que lhe rendeu reconhecimento também regional.
“Novamente, estaremos participando de mais uma edição do Prêmio Educador Transformador. Iremos levar o TouchBraille 2.0. Temos uns kits de robótica. Iremos robotizar todo o protótipo. Estamos começando os testes. Acho que vai dar certo”, comentou. A depender do entusiasmo da equipe, é sucesso certo!
O professor Leandro Freitas, cujo nome artístico é Leandro Tyller, explicou que o TouchBraille é um aparelho inclusivo, uma inovação pedagógica. “Trata-se de uma tábua de madeira com peças em alto-relevo no formato do braille musical, permitindo que os alunos leiam as partituras com os pés diante da falta de materiais assistivos para o ensino de música acessíveis em escolas públicas”, detalhou.
O aparelho tem como objetivo, acrescentou o criador, promover a inclusão social, educacional e artística de alunos com deficiência visual ou com baixa visão. “Através do TouchBraille, mostramos que a deficiência visual não limita os sonhos nem a capacidade de aprender música”, salientou.
Os alunos começam desenvolvendo a sensibilidade tátil dos pés, esmiuçou o professor, com atividades de percepção, antes de aprenderem a identificar as notas musicais no TouchBraille. Com treino e acompanhamento, eles evoluem para a leitura fluente, ganhando autonomia para tocar os instrumentos.
O projeto cresceu tanto que o inventor está trabalhando, em seu mestrado, na eficiência do TouchBraille na educação.
No Prêmio Educador Transformador 2024, sete alagoanos tiveram seus projetos selecionados em primeiro lugar na etapa estadual. A premiação, promovida em conjunto pelo Instituto Significare, Bett Brasil e Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) tem como objetivo reconhecer práticas de Educação Transformadora em todos os níveis de ensino.
A premiação nacional aconteceu em abril do ano passado, durante a Bett Brasil 2024, maior evento de Educação e Tecnologia da América Latina, realizado em São Paulo-SP, naquele mês. O projeto alagoano não venceu a etapa nacional, mas conseguiu ser agente transformador e alcançou bastante visibilidade.
Em sua segunda edição, no ano passado, o Prêmio Educador Transformador recebeu 3.460 projetos de educadores de todo o país, em todos os níveis de ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental – Anos Iniciais e Finais, Ensino Médio, Ensino Superior, Educação Profissional e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
O sistema Braille é um sistema de escrita e leitura tátil que utiliza pontos em relevo para representar letras, números e outros símbolos, permitindo que pessoas cegas ou com baixa visão possam ler e escrever. Foi criado pelo francês Louis Braille e é amplamente utilizado em todo o mundo.
Quem é Leandro Freitas?
Leandro Freitas é mestrando em Educação Inclusiva pelo Programa de Mestrado Profissional em Educação Inclusiva (Profei), vinculado à Universidade Estadual de Alagoas (Uneal). Possui graduação em Matemática pela Universidade Norte do Paraná (Unopar), em Música pela Faculdade Dynamus de Campinas e em Artes Visuais pelo Centro Universitário Internacional (Uninter).
É pós-graduado em Gestão Educacional, Educação Especial e Inclusiva com ênfase em Tecnologia Assistiva, Metodologia do Ensino de Música, Docência no Ensino Superior, Robótica Educacional e Metodologia do Ensino de Matemática.
Ele atua como professor de Musicoterapia na Rede Municipal de Ensino e exerce a função de Coordenador e Orientador de Música na Secretaria Municipal de Educação de Limoeiro de Anadia (Semed).

Leandro Freitas também atua como professor formador, contribuindo com a formação de docentes de Música no Ensino Integral e no Ensino Fundamental II.
É idealizador de projetos educacionais transformadores com foco na inclusão de estudantes com deficiência, utilizando recursos de tecnologia assistiva como ferramenta de promoção da acessibilidade, autonomia e desenvolvimento pedagógico e artístico. Entre os projetos desenvolvidos, destacam-se o Touch Braille, dispositivo que possibilita a leitura de partituras musicais com os pés por estudantes com deficiência visual, e uma ferramenta que utiliza o uso de cores associadas às notas musicais para auxiliar alunos com deficiência auditiva a identificar sons e ritmos, possibilitando que toquem seu primeiro instrumento de forma acessível e sensorialmente adaptada.
'Através do TouchBraille, mostramos que a deficiência visual não limita os sonhos nem a capacidade de aprender música' - Leandro Freitas, criador do TouchBraille

Oito alunos de turma de Educação Musical Inclusiva e o professor Leandro Freitas. Vários deles seguram instrumentos musicais como: guitarra, pandeiro, teclado, dentre outros. Além disso, os estudantes vestem uma blusa do Grupo LED (Foto: Arquivo pessoal)
Sebrae promove inclusão de pessoas com deficiência visual
O Sebrae promove a inclusão de pessoas com deficiência visual em diversos aspectos, desde a sinalização tátil em Braille em estabelecimentos comerciais, como lojas e restaurantes, para facilitar a orientação e a leitura de informações por pessoas com deficiência visual, até a oferta de cursos de Braille e a orientação sobre como adaptar embalagens e produtos para facilitar a leitura por pessoas com deficiência visual.
A instituição também incentiva a utilização de tecnologias assistivas e a adoção de linguagem inclusiva para garantir a acessibilidade, como aplicativos de leitura de códigos QR, para facilitar a navegação pela loja e a obtenção de informações sobre produtos.
A cartilha de acessibilidade do Sebrae fornece orientações sobre a instalação de sinalização Braille em locais como portas, elevadores e outros espaços.
É recomendado que a sinalização Braille seja instalada em locais estratégicos, como batentes ou painéis, no lado onde fica a maçaneta, a uma altura de 90 centímetros a 1 metro e 10 centímetros.
O Sebrae oferece orientações sobre como treinar funcionários para prestar um atendimento personalizado a pessoas com deficiência visual, oferecendo auxílio na escolha de produtos e tirando dúvidas.
É fundamental que os estabelecimentos ofereçam informações sobre produtos em formatos acessíveis, como Braille, áudio descrição ou fontes ampliadas.

O Sebrae destaca a importância da impressão em Braille em embalagens de produtos para que pessoas com deficiência visual possam ter acesso a informações relevantes sobre o produto.
A instituição também oferece orientação sobre como aplicar o sistema Braille em diferentes tipos de embalagens.
O Sebrae pode oferecer cursos de Braille para profissionais e empreendedores, promovendo a inclusão e o desenvolvimento de habilidades para lidar com pessoas com deficiência visual.
A instituição também pode apoiar a criação de cursos de Braille e outras formas de alfabetização para pessoas com deficiência visual, em parceria com outras entidades.
O Sebrae desempenha um papel importante na promoção da inclusão de pessoas com deficiência visual, oferecendo orientação e recursos para que estabelecimentos comerciais e empresas possam se adaptar às necessidades dessas pessoas, desde a sinalização tátil em Braille até a adoção de práticas inclusivas no atendimento e na comunicação.
TOUCHBRAILLE
No início, o educador musical Leandro Freitas desenvolveu alternativas para facilitar o aprendizado dos alunos. O professor chegou a criar um equipamento artesanal, feito com papelotes e sementes de feijão no formato Braille para o uso com os pés. A forma rudimentar, no entanto, colocou algumas limitações para os jovens identificarem as partituras mais complexas.

O aparelho como é conhecido até hoje foi criado no laboratório Maker no campus do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), em Arapiraca, com o apoio da professora de Eletrônica e coordenadora do Laboratório de Tecnologia, Renata Pereira.
Batizado de “TouchBraille”, o dispositivo foi criado a partir do corte a laser de fibra de madeira (Medium Density Fiberboard), popularmente conhecida como MDF, e os pontos em relevo do Braille, que representam as letras das notas musicais, foram feitos com impressora 3D do laboratório com plástico resistente.
A criação dos módulos individuais está permitindo agora uma performance jamais vista na educação musical de teclado para pessoas com deficiência visual.
Cada módulo permite o encaixe com outras peças, criando novas partituras musicais para o teclado, de acordo com a vontade do professor ou do próprio aluno.
A professora Renata Pereira reforçou a importância da criação da nova ferramenta pedagógica para a educação musical de pessoas com deficiência visual.
“Ficamos felizes em contribuir com esse projeto que o professor Leandro Freitas executa com tanta dedicação. Nosso intuito é expandir a ideia cada vez mais longe, para que a tecnologia chegue a quem precisa, trazendo esperança e autonomia às pessoas com deficiência visual”, idealizou.
Um detalhe que chama a atenção nas peças é a colocação das letras C, D, E, F, G, A e B nos diferentes módulos, essas letras representam as notas musicais na sequência: Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Si. O professor explica que os alunos fazem duas leituras nas peças.
“Na primeira, é a letra em Braille, e a segunda leitura é para o estudante identificar a letra ou nota de cada música na partitura. Tem, então, as sete notas musicais”, acrescentou Leandro Freitas.
“Com a tecnologia a serviço da inclusão social, os alunos ficaram muito felizes com a invenção. É tudo perfeito. Além disso, o kit vai gerar mais autonomia para eles. Aonde quer que vá, o aluno poderá colocar as peças em uma pequena maleta e montar a sequência dos módulos conforme a música desejada”, ensinou o professor.

Relacionamento do Sebrae/AL com o projeto
- A analista do Sebrae de Alagoas, Renata de França Silva, explicou que o projeto TouchBraille teve início por meio do Prêmio Educador Transformador. “O projeto foi vencedor da etapa estadual, conquistando o 1º lugar em Alagoas, além de obter o 2º lugar na etapa regional. Infelizmente, não avançou para a etapa nacional. Promovemos um evento de reconhecimento com os educadores destaques da etapa estadual, o que nos permitiu conhecer pessoalmente os professores premiados e valorizar tanto o trabalho deles quanto o das instituições às quais estão vinculados. Foi um momento especial de celebração e reconhecimento. Foi assim nosso contato com este projeto incrível”, contou.
- A analista explica que embora o prêmio não se restrinja a iniciativas já conhecidas pelo Sebrae, ele tem justamente como proposta ampliar o olhar e conectar a instituição a práticas educacionais transformadoras que ainda não fazem parte do portfólio da entidade. “Foi exatamente o que aconteceu com o TouchBraille: uma conexão valiosa que surgiu a partir do prêmio, reforçando o papel do Sebrae como incentivador da inovação na educação”, disse a analista.
100% de satisfação entre os alunos
Entre os alunos satisfeitos com a criação do invento, estão José William e José Xavier, de idades 13 e 21 anos, respectivamente. Eles já iniciaram os testes e aprovaram o dispositivo. Os dois jovens são alunos da Escola Estadual Francisco Domingues, na cidade de Limoeiro de Anadia.
Emocionado, José William expressa a alegria de, finalmente, conseguir tocar piano e sanfona graças à iniciativa do professor Leandro Freitas.
O invento permite que estudantes com deficiência visual tenham mais acesso à educação musical inclusiva de forma única e criativa.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que, no estado de Alagoas, 27% das pessoas têm algum tipo de deficiência. Entre as deficiências declaradas, a mais comum foi a visual, com 4,3% da população.
A cegueira é considerada a perda total ou a baixíssima capacidade de enxergar, e tal condição leva o indivíduo a precisar do Sistema Braille como um método de leitura e escrita.
Na avaliação do professor, o TouchBraille tem impactado a vida de diversos alunos, não apenas daqueles com deficiência visual, mas também de estudantes com outras necessidades especiais.
“Em Limoeiro de Anadia temos o grupo LED, que reúne alunos de diversas localidades. A gente tem impactado, de uma certa forma, estudantes de outras cidades. Somos de Limoeiro de Anadia, mas a gente já tem alcançado alunos de Arapiraca e de outras cinco cidades vizinhas. Atualmente, temos dois alunos com deficiência visual, um de Limoeiro de Anadia e outro de Arapiraca. A expansão do projeto foi possível por conta do TouchBraille realizado em Limoeiro de Anadia, permitindo que mais pessoas fossem alcançadas, como o William, de Arapiraca, que agora faz parte do nosso grupo. Fui motivado a ajudar depois que os alunos me disseram que não se sentiam capazes de tocar instrumentos musicais. Fiquei muito incomodado e, através da arte, cultura e música tentei dar mais autoconfiança a eles”, destacou o professor.
Conforme Leandro Freitas, José Xavier já desistiu muitas vezes de estudar por achar que não era capaz.
Xavier conheceu o TouchBraille através da escola em que estudava. O rapaz alimentava o sonho de aprender a tocar um instrumento musical, mas não achava que era possível. Até mesmo os estudos ele já havia abandonado por diversas vezes, até que ele conheceu o professor Leandro Freitas, com quem criou laços sólidos de uma amizade produtiva para ambos. A ligação entre os dois tende a se fortalecer. Já conhecedor do Sistema Braille, para José Xavier conseguir aprender a tocar os instrumentos e ser feliz com isso foi um sopre, tanto de felicidade quanto de mudança de vida.

“Antes deste método eu tinha que decorar as cifras, o que levava muito tempo. De um jeito inclusivo, agora consigo tocar música como qualquer outra pessoa. Antes de chegarmos ao atual modelo, tentamos com caroço de feijão, depois com caroço de milho, grão de bico, tentamos até com tampa de garrafa. Graças a Deus deu super certo. Hoje eu posso dizer que posso tocar qualquer música”, narrou, emocionado.
Como agente multiplicador, José Xavier comemora o envolvimento de William, recém-chegado ao projeto. “Ele está com a gente agora, um colega meu, também deficiente visual e que adora o projeto”.
Através da música, José Xavier tem conhecido pessoas e lugares em suas viagens para apresentações. Conheceu Maceió e Recife. E como as sete notas musicais, ele vai dominando a música e começa a escrever novos destinos, a exemplo dos amigos Maiara, Vinicius, Guilherme, Micael, Wiliam e o também professor Jeff.

O jovem tem a expansão como um desejo, para que mais jovens sejam abraçados pelo projeto. Com um futuro promissor, sonha em fazer faculdade de Psicologia e trabalhar com a profissão. Até lá, vai seguindo seu caminho com uma trilha sonora própria.
“Nosso grupo é de inclusão. Temos pessoas com deficiência, pessoas que não são deficientes. A deficiência não é um problema, é um desafio. E desafio todos nós temos na vida”, ensinou.
“Ninguém vive sem música, eu não conheço ninguém que diga que não escuta uma música. A música não é um hobby para mim. A música é tudo na minha vida. É através dela que me expresso e me tornei conhecido na minha cidade. Acho que sou o cara mais famoso de Limoeiro de Anadia”, concluiu, com um bom humor que apenas as pessoas felizes têm.
Um pouco mais jovem, mas com o mesmo entusiasmo, José William de Oliveira Silva, tem 13 anos e completa 14 em agosto, como ele fez questão de afirmar.
O garoto contou que sempre gostou de música. “O TouchBraille é muito importante para mim. Graças a ele, conheci pessoas novas e lugares diferentes. Graças ao projeto, posso mostrar às pessoas que todos nós podemos realizar os nossos sonhos. Na minha caminhada nem toda porta se abre na minha vida, mas essa se abriu e eu e minha família corremos atrás. Deveriam existir mais projetos como esse para que as pessoas se sentissem mais incluídas”.
Garoto tímido, de poucas palavras, mas muita sabedoria, José William também aguarda, com expectativa, que o projeto seja expandido e possa garantir o acesso de mais deficientes visuais à música.
Instituição apoia criação, expansão e a modernização das micro e pequenas empresas
Como o Sebrae é movido pelo propósito de transformar os pequenos negócios em protagonistas do desenvolvimento sustentável no Brasil, o TouchBraille é um projeto que pode virar uma empresa ou uma startup, por exemplo.
Por isso, a reportagem do portal Tribuna Hoje conversou com Washington Lima, gestor de Ecossistemas de Inovação do Sebrae/AL, que explicou como é possível transformar uma ideia inovadora em um negócio, ou melhor, como empreender com isso.
Washington Lima começou a entrevista respondendo um questionamento, sobre quais são os riscos de uma empresa emergente que começa do zero e que tem baixo custo em relação às startups. “As startups estão lidando com soluções que são inovadoras e parte delas nunca foram testadas no mercado, não têm histórico das soluções como uma empresa tradicional que vende produtos e serviços mais tradicionais. Então, o risco é gigantesco de não dar certo porque é uma solução aplicativa em uma plataforma, uma tecnologia que é um dispositivo que nunca foi testado no mercado, que está no processo de validação pela startup. Ele pode ou não dar certo. Então, o principal risco é esse, fora as questões da tecnologia. São questões regulatórias dos próprios agentes regulatórios do mercado, como, por exemplo, as startups da área da saúde, elas demandam muito processo de validação e aprovação na Anvisa por exemplo. Então, todas essas questões existem”, explica.
O gestor de Ecossistemas de Inovação disse que o empreendedor que tem a boa ideia pode buscar investimento em algumas instituições. “O Sebrae, Finep [Financiadora de Estudos e Projetos], as fundações de amparo à pesquisa, bancos e também algumas empresas de médio e grande porte possuem algumas iniciativas para fomentar as startups desde iniciativas de fato até de fomento, um recurso que é dado à startup, que precisa comprovar algumas outras questões, mas ela não precisa devolver como empréstimo, até recursos de investimento mesmo, além de fundo de investimento que investe especificamente nelas”, comenta Lima. Ouça o áudio abaixo, em que ele esclarece como funcionam esses apoios.
IDEIA E VALIDAÇÃO
Existem alguns estágios pelos quais a startup passa, desde a ideia até a validação, operação, atração e escala.
“São estágios de maturidade, como a gente diz, e aí cada nível desse ela vai precisar fazer algumas coisas da mesma forma que uma empresa tradicional para pesquisar seu público-alvo, entender quem é o seu cliente, seu potencial de mercado, o tamanho do seu mercado até onde ela pode chegar e tudo mais. Existe um processo também chamado de product market fit – que é quando a startup consegue de fato encontrar o seu mercado e fazer com que o seu produto esteja alinhado às demandas que os clientes têm. Então, isso é também um processo de validação que ela passa para entender se realmente está no caminho certo, se é um produto que tem mercado, se tem demanda para esse produto que ela está oferecendo. E quando eu falo produto pode ser um aplicativo, uma plataforma, um dispositivo, uma tecnologia diferente que ela esteja criando”, ressalta Lima.
DIFERENÇA ENTRE STARTUP E EMPRESA TRADICIONAL
A principal diferença entre uma startup e empresa tradicional é a velocidade que elas têm e as soluções que elas estão criando, porque a empresa tradicional tem uma estrutura que é um pouco mais robusta oferecendo soluções, com produtos ou serviços que já existem no mercado, que já são tradicionais, enquanto a startup tem uma velocidade muito maior para validar e para testar coisas, porque o que ela oferece é diferente, é novo, então ela precisa ter um ciclo mais rápido para lançar algo no mercado, testar para ver se realmente tem cliente para aquilo e se não tiver já cancelar e partir para a próxima, partir para um novo produto, fazer algum ajuste no produto que ela está desenvolvendo para que de fato ela tenha um mercado.
“Quando a gente fala de produtos tradicionais, um supermercado, por exemplo, ele não precisa ter essa velocidade para alterar o que ele está vendendo, porque são produtos que estão no mercado. É um ciclo diferente quando uma startup está desenvolvendo um aplicativo de inteligência artificial para ajudar cegos a enxergar em um ambiente, por exemplo. Se alguma coisa não der certo, ela precisa aprender rápido para poder consertar. Ajustar isso, seja na programação, seja na tecnologia, seja na interface, seja lá onde for a área que ela tem que mexer, ela tem que entender rápido e voltar para o mercado de forma ágil. Ou seja, essa velocidade que elas têm é o que faz com que elas sejam entendidas como startup”, pontua o gestor do Sebrae.
“Startups são negócios que possuem modelos de operação, modelos de negócio repetíveis e escaláveis. Ou seja, elas têm que resolver uma dor que acontece tanto no Brasil como no mundo. Não pode ser uma coisa local. Eu vou resolver um problema que acontece só em uma determinada comunidade em Maceió. Então ela não é global, então ela não nasceu para escalar. Ela precisa ter número, quantitativo de clientes alto, potencial alto de alcançar mercados diferentes. Se ela tiver essas características, ela pode ser considerada uma startup. Tem um produto inovador, diferenciado e ser um modelo de negócio repetível e escalável, ou seja, posso replicar isso em outras partes do mundo e consigo com a minha estrutura de custos ampliar o meu atendimento para o maior número de clientes possível, ou pelo menos mantendo ali uma estrutura de custo minimamente razoável”, expõe Washington Lima.
O especialista explica no áudio abaixo que nem toda startup é criada a partir de uma ideia 100% inovadora. Ouça:
Conforme Washington, qualquer pessoa que tem uma ideia inovadora, um projeto, pode abrir uma startup. “A gente tem startups aqui em Alagoas com os mais diversos perfis de empreendedor, de diversas áreas e elas são uma empresa como qualquer outra. Com processo de abertura do CNPJ, é a mesma coisa. O que vai mudar aí é uma CNAE [Classificação Nacional das Atividades Econômicas] ou outra que ela possa incorporar. Desenvolvimento de software, pesquisa com química, algo na área de saúde. O que vai mudar realmente é só a CNAE de onde ela vai atuar”.
Startups favorecem desenvolvimento econômico na medida em que incorporam tecnologia ao território, diz economista
De acordo com o professor de economia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Chico Rosário, as startups geram desenvolvimento econômico mais do que faturamento, mais do que participação no Produto Interno Bruto (PIB).
“Como muitos economistas tradicionais gostam de ver, mais do que tudo isso, as startups favorecem o desenvolvimento econômico na medida em que incorporam tecnologia ao território e às práticas de desenvolvimento tecnológico para empresas que antes não teriam acesso. Por exemplo, em Alagoas fica mais fácil o diálogo, mas infelizmente esse diálogo ainda não é muito desenvolvido ou estimulado. A gente já tem um polo aqui que pode dizer que está pronto, quase pronto para dar o salto, é questão de ter as políticas certas. Por enquanto, as políticas que estão vindo são apenas para financiar as empresas e as startups. A política agora precisa botar as empresas tradicionais para conversar com essas startups para alavancar seus produtos”, comenta Chico Rosário.
Ainda segundo o especialista econômico, entre os impactos das startups, o principal deles é a formação de gente e desenvolvimento tecnológico. “Formação de gente extremamente qualificada, mão de obra extremamente qualificada, com salário bem superior à média nacional, salário bem alto porque são pessoas qualificadas, são formadas às vezes com mestrado, doutorado, pós-graduação e você forma esse pessoal que trabalha e cria um ecossistema de prevenção de serviço também. Então não é só a startup em si”.
Rosário esclarece que muitas vezes as startups encomendam o serviço de designer, de equipamento, serviços eletrônicos e outros, o que já faz a economia local girar.

“Eles dominam a tecnologia e terceirizam a produção. Então você tem um ecossistema além das startups que incorpora valor aos negócios. Esse é um impacto, você tem uma geração de emprego qualificado, você tem uma capacitação de mão de obra de alto nível no ambiente em que está implantado os ecossistemas, as incubadoras. E isso gera uma dinâmica de desenvolvimento tecnológico necessária para o crescimento do PIB tradicional. Sem tecnologia a gente não avança”, avalia o professor.
RENDIMENTO PEQUENO, MAS DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO GIGANTE
“Os rendimentos das startups são muito pequenos. Muitas delas não têm faturamento, vivem de editais, até porque o Brasil não é uma economia desenvolvida o suficiente para absorver tecnologia. Esse é um ponto, pois startups, no mundo inteiro, não conseguem faturar imediatamente - levam tempo para se estabelecer e poucas são bem-sucedidas. Em Alagoas, por exemplo, quando se visita o polo tecnológico, é possível observar que muitas startups oferecem serviços para fora do estado e, em alguns casos, até para o exterior. O maior exemplo disso atualmente é a Trakto. Além dela, há também a UNE (antiga Ilha Soft), que trabalha para a ONU e outros clientes internacionais. Somente depois de bastante tempo atuando no mercado externo é que começaram a vender por aqui. Isso acontece porque a indústria brasileira e a alagoana ainda não são desenvolvidas”, explica Rosário.
O economista detalha que no Brasil as startups são estimuladas sempre por editais. “Você tem editais públicos, às vezes sem reembolso, sem devolução do dinheiro, você apenas presta conta do gasto e esse financiamento mantém muitas startups vivas por anos e anos, mesmo que algumas enfrentem dificuldades e acabem encerrando suas atividades. É comum que startups sobrevivam por meio desses editais, mas não se deve esperar que o governo, uma incubadora ou qualquer edital proporcione total independência financeira, seja com recursos públicos ou privados. Se houver 100 empresas, nem todas precisam ser bem-sucedidas. Se tiver uma, duas, cinco, o programa já foi muito bem-sucedido. É assim que funciona. Aí você me pergunta, e as outras 99? É aquilo que eu lhe falei, as outras 99 tiveram aprendizado. E às vezes os fundadores vão trabalhar mais bem qualificados em muitas empresas que demandam os serviços deles”.
Para finalizar, Chico Rosário comenta que uma indústria local bem desenvolvida, que incorpore tecnologia, que esteja atualizada com o desenvolvimento tecnológico mundial no setor em particular, consegue puxar essas empresas de tecnologia. “O problema é que em Alagoas e o Brasil, houve desindustrialização. O estado e o Nordeste em particular, as empresas que nós temos são empresas que trabalham com tecnologia antiga e estão vendendo, estão faturando, então eles não têm incentivo nenhum a atualizar suas tecnologias e o país desindustrializou, a gente perdeu muitas empresas no processo de abertura na década de 1990 e ao longo dos últimos anos com a ascensão da China e da indústria exterior. Hoje quem a gente tem que mais inova no Brasil, com investimento, que seria tipo de startup, é a Petrobras”, finalizou.