
Faixa azul para motos: solução para reduzir acidentes?
Maceió e Arapiraca ainda estão na fase de discussões enquanto 11 municípios brasileiros já solicitaram autorização para implementação; projeto já é realidade em São Paulo e mostra resultados
Por Valdirene Leão - Repórter / Bruno Martins - Revisão / Foto da capa: Reprodução / TV Globo | Redação
Ela se tornou a alternativa de mobilidade no trânsito caótico das grandes cidades. Com ela, é possível gastar menos da metade do tempo que um carro levaria para percorrer o mesmo trajeto nesse cenário. Veículo ágil, barato, de baixo consumo e manutenção, a moto chegou, foi ocupando espaço e está cada vez mais presente no trânsito brasileiro.
Os dados comprovam. Em Alagoas, os veículos motorizados de duas rodas, incluindo motocicletas, motonetas e ciclomotores, saltaram de 60.893 em 2004 para 494.242 em 2024, representando 44,2% de todos os registrados no estado, conforme o Departamento de Trânsito de Alagoas (Detran/AL). Na capital Maceió, elas fecharam o ano com uma representatividade de 31%. Um total de 117 mil unidades, quase um terço de todos os veículos da cidade. Em Arapiraca, segunda cidade mais populosa do estado, elas são mais da metade dos veículos (57,8%).

No Brasil, elas saltaram de 7 milhões para 35 milhões em duas décadas. Eram 18% da frota de veículos automotores em 2004 e passaram para mais de 29% em 2024.
Os dados também apontam para o crescimento do número de motociclistas. O Brasil tinha 20,1 milhões de habilitados na categoria A, específica para motos, em 2014 e foi para 2024 com 33,1 milhões. Um salto de 49,7% em uma década.
Em Alagoas, o crescimento do número Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de categoria A foi ainda mais alarmante, de 141,7%. Eram 132.663 em 2014 e foi para 320.702 em 2024.
De acordo com dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), dos 10 estados que registraram a maior alta no número de habilitações no período de 2014 a 2024, nove estavam nas regiões Norte e Nordeste. Alagoas (141,7%) lidera o ranking, seguido do Amazonas (121%), Rio de Janeiro (108%), Bahia (97%), Piauí (93,9%), Maranhão (89%), Ceará (87%), Tocantins (85,8%), Sergipe (81,3%) e Paraíba (71,8%).
O mais preocupante é que, no país, metade dos proprietários de motocicletas não possui CNH para rodar com seus veículos, conforme uma pesquisa da Senatran, divulgada em setembro de 2024.

Dos 34,2 milhões de donos de motos, contabilizados no Brasil naquela época, 17,5 milhões (53,8%) não eram habilitados a pilotá-las. O estudo apontou ainda que a grande maioria (61%) com categoria A registrada na carteira não é dona de uma moto.
Todas as estatísticas apontam para números gigantescos. Também são colossais os índices de acidentes envolvendo motociclistas. Como medida para evitá-los, muitas cidades têm buscado adotar o corredor exclusivo para motos. Onze municípios brasileiros, além do Distrito Federal, solicitaram ao Ministério dos Transportes autorização para implementar a Faixa Azul. Em São Paulo, o projeto funciona há três anos e virou símbolo de avanço em mobilidade urbana e segurança viária.
Em Alagoas, as duas maiores cidades em número de habitantes e de veículos ainda estão na fase de debates sobre a possível implantação do projeto experimental.
Na capital, a Câmara de Vereadores realizou este mês uma audiência pública para discutir os desafios da mobilidade urbana da cidade. Intitulado “Diálogo pela Mobilidade: Conexão entre Motociclistas, Motoristas de Aplicativos, DMTT [Departamento Municipal de Transportes e Trânsito] e Seminfra [Secretaria Municipal de Infraestrutura]”, o evento foi espaço para dar encaminhamento às discussões que já vinham ocorrendo desde as primeiras sessões deste ano na Casa. Propositor da audiência, o vereador David do Empregos AL (União Brasil) disse que a iniciativa visa fortalecer a cooperação entre os envolvidos e fomentar políticas públicas inclusivas. “Precisamos ouvir aqueles que estão diariamente nas ruas, compreender suas dificuldades e construir, juntos, alternativas que melhorem a mobilidade”.

Em sessão, no dia 11, o também vereador Samyr Malta (Podemos) solicitou ao DMTT um estudo de viabilidade no trecho da Avenida Durval de Góes Monteiro à Avenida Fernandes Lima, principal corredor de transportes da capital, e falou da importância de ampliar o debate. “Estão ocorrendo muitas brigas de trânsito por conta do desordenamento, além de acidentes graves. Então é importante a discussão para encontrar uma solução”.
David do Empregos AL disse que, em São Paulo, já está comprovado que a motofaixa tem salvado vidas. “O que temos aqui em Maceió ainda é uma faixa imaginária, por onde os motociclistas transitam e causando acidentes. Então daqui vai sair essa ideia. A gente vai encaminhar essa ata [da audiência pública] e cobrar para que tudo levantado aqui seja realizado”, garante.
David do Empregos AL explica que, como o projeto precisa ter um pouco mais de um metro de largura, pode se tornar inviável em algumas vias da capital. “Isso já foi externado pelo diretor-presidente [do DMTT], André Costa, que pode ser que, a priori, o principal corredor de transportes não comporte. Mas há outras vias que alimentam esse corredor, onde pode ser implantado um projeto piloto”.

Isso será definido com o andamento do projeto de reordenamento do trânsito da capital, que prevê a implantação de um BRT [Bus Rapid Transit - Transporte Rápido por Ônibus, em tradução livre] nas avenidas Fernandes Lima e Durval de Góes Monteiro. Desse modo, a faixa exclusiva para ônibus do lado direito vai deixar de existir e o BRT ocupará a faixa da esquerda, junto ao canteiro central, onde serão instaladas as estações. “Todo o trânsito vai ser reordenado e estamos trabalhando para que os motociclistas sejam incluídos. Com o projeto piloto em algumas vias auxiliares, pode ser que o estudo constate uma viabilidade e posterior implantação nessas avenidas”, salienta.
O DMTT informou que avalia locais para a implantação de um corredor exclusivo para motos. “O órgão ressalta que o maior objetivo é preservar vidas e um dos principais pontos avaliados é a dimensão das vias, que precisam ter uma largura mínima que garanta a segurança de todos os usuários para que seja feita uma implantação segura e eficiente.”
Já a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT) de Arapiraca informou que adota muita cautela e analisa o impacto dessa implantação com a supressão de uma faixa de circulação de veículos gerais. “A SMTT está planejando grandes investimentos em tecnologia, como videomonitoramento e atualização da rede semafórica que possam contribuir na fluidez e segurança do trânsito, como alternativa de buscar soluções que permitam reduzir a área de circulação de veículos e com isso evitar congestionamentos em pontos de maior circulação.”
Faixa azul como proposta de campanha
A ideia foi proposta de campanha de alguns candidatos nas últimas eleições municipais em Maceió.
O então candidato Lobão, ao defender o projeto, já tinha conhecido a motofaixa em São Paulo, quando ainda era deputado estadual por Alagoas. Ele conta que, à época, solicitou ao governo do Estado que fizesse uma parceria com os municípios e buscasse autorização do Ministério dos Transportes.
“É um projeto que requer um estudo, mas sua implantação é barata. E tem um grande impacto na segurança do motociclista, porque ajuda a organizar melhor o trajeto, de modo a torná-lo mais seguro. E com isso a gente reduz acidentes, inclusive os fatais”, destaca.

Lobão não foi eleito prefeito de Maceió, mas continua defendendo a iniciativa. No início deste mês ele formalizou um pedido junto ao Governo do Estado para que colabore com a ideia.
Motociclista há mais de 15 anos, o então candidato Klebinho Show (Podemos) também defendeu a ideia como proposta em sua campanha para vereador de Maceió, depois de conhecê-la em São Paulo. “Hoje eu vejo essa necessidade aqui, porque a gente vê muitos acidentes acontecerem por falta de uma iniciativa como essa”, avalia.

Klebinho Show diz que Maceió já tem uma faixa azul imaginária. "O que falta é ser sinalizado. Aí vai dar mais distância dos veículos, não vai ter aquele zigue-zague, não vai ter os fechamentos e, com certeza, os números [de acidentes] vão melhorar".
'Então, a moto, a princípio, não é o problema. Se o transporte de massa não atende, se o carro é caro, se o combustível é caro e você não consegue bancar outro meio de locomoção, a fuga é a moto'- Antônio Monteiro - especialista em trânsito

Corredor de motos na Avenida Fernandes Lima (Foto: Adailson Calheiros)
Avenidas Fernandes Lima e Durval de Góes Monteiro concentram maior parte dos acidentes na região metropolitana
Na Região Metropolitana de Maceió, um dos locais apontados na audiência pública para a possível implantação de uma motofaixa é o trecho da Avenida Fernandes Lima, no bairro do Farol, e Avenida Durval de Góes Monteiro, no Tabuleiro do Martins. Juntas. Juntas elas ligam a parte alta à parte baixa da cidade.
Essas avenidas estão entre as vias mais críticas da Região Metropolitana de Maceió e de Alagoas, conforme aponta o Anuário 2023, do Detran/AL. Juntas, elas somaram 279 acidentes de trânsito naquele ano. Tanto em comparação com vias da Região Metropolitana quanto com outras do estado, o trecho é de longe o que apresenta mais sinistros. Na Região Metropolitana de Maceió, em seguida, vêm a AL-101 Sul (211) e a AL-101 Norte (152).


O fisioterapeuta João Victor Lino, de 28 anos, confirma o que apontam as estatísticas. Todos os dias ele precisa percorrer quase toda a extensão da Avenida Fernandes Lima para ir ao trabalho. Ele sai de casa em Cruz das Almas, no norte de Maceió, pilotando uma moto com o irmão José Luiz Neto, de 36 anos, na garupa. O irmão fica em um hospital no Centro da cidade, onde trabalha como enfermeiro, e João Victor segue para o bairro da Gruta, parte alta da cidade.
“Sempre pego um trecho da Fernandes Lima e é um caos total. Tanto carro quanto moto, todo mundo fica meio doido. Cada um com mais pressa que o outro. Não há empatia entre os condutores. É muita imprudência, motorista que não dá sinal para mudar de faixa, motoqueiro que fica costurando no trânsito”, diz João Victor.
Para o fisioterapeuta, o trecho Fernandes Lima-Durval de Góes Monteiro é realmente o mais crítico da cidade. “Quase todos os dias eu presencio algum acidente”. Para ele, uma faixa exclusiva ajudaria bastante a organizar o trânsito nessa região e, assim, reduzir os sinistros.
E os acidentes são realmente constantes nesse trecho, quase que um a cada dia, como mostra o Anuário 2023. Os dados de 2024 ainda não foram fechados, mas casos não faltam para comprovar que o trânsito segue fazendo suas vítimas.
No final da manhã de 13 de março de 2024, um acidente levou a óbito uma mulher que estava na garupa de uma motocicleta na Avenida Fernandes Lima. A bancária Pollianna Cardoso da Silva, de 43 anos, pegou uma carona com um colega. O veículo colidiu com um ônibus intermunicipal quando tentava acessar a via principal. Com a colisão, ela caiu da garupa e foi atropelada pelo ônibus envolvido no acidente. Pollyanna trabalhava em uma agência do Itaú e deixou uma filha de um ano e 11 meses à época. [confira o vídeo em destaque ao final do texto]
Uma semana após, outra pessoa na garupa de uma moto também morreu ao cair do veículo, que foi atingido por um caminhão no mesmo corredor de transporte. Desta vez na Avenida Durval de Góes Monteiro. A moto era pilotada por um homem de 30 anos, marido da vítima. Ferido, ele foi socorrido ao Hospital Geral do Estado (HGE). Já a esposa bateu a cabeça em uma contenção de concreto do canteiro da pista, não resistiu aos ferimentos e morreu no local.
Outra via apontada para receber o projeto é a Avenida Menino Marcelo, mais conhecida como Via Expressa. Foram 122 acidentes registrados em 2023.
As informações sobre as vias críticas não contemplam dados sobre o número de motociclistas envolvidos nos sinistros nem de óbitos entre eles.

Proposta é apoiada por representantes de motociclistas de Maceió
Representando a Associação dos Mototáxis e Motoboys de Maceió (AMMA) na audiência da Câmara, Erasmo Gomes diz que a faixa exclusiva é uma reivindicação da categoria. “Ela praticamente tiraria os trabalhadores do corredor e lhe daria mais segurança. Mas também é necessário educação no trânsito, para que haja mais prudência, respeito à sinalização e ao pedestre, e colocar fiscalizadores eletrônicos no percurso.”

Dey Matos, presidente dos Harleyros de Alagoas, um grupo que reúne motociclistas apaixonados por Harley Davidson, moto de design personalizado, é totalmente a favor da implantação da motofaixa em Maceió. Mas acredita que as vias da capital não dispõem de espaço suficiente, nem mesmo o trecho Fernandes Lima-Durval de Góes Monteiro, avenidas mais largas da cidade. “Já não cabem os carros que têm. Vai botar essa motofaixa onde?”.
Ainda assim, ele vê um possível projeto nesse sentido como uma boa iniciativa. “Para o mototaxista, para o motoboy seria excelente, porque eles não precisariam andar no meio do trânsito”.
Matos não costuma usar a motocicleta como meio de transporte na capital. Usa a Harley Davidson em viagens pela estrada, a passeio ou a turismo. Na capital Maceió, não teve boa experiência. “Sem faixa tem que andar como carro. É ruim. E andar no 'corredor' é muito perigoso. Então, uma motofaixa seria bom e a gente apoia, mas com ressalvas.”
Por outro lado, Dey Matos avalia a experiência como motociclista em São Paulo exitosa. “Andei na faixa [exclusiva]. Foi excelente, uma experiência muito boa. Só que lá há muitas faixas.”

Estudo experimental
A faixa exclusiva para motociclistas não está prevista no CTB. Porém, o artigo 80 estabelece que é permitido, em caráter excepcional e por período predeterminado, o uso de sinalização de trânsito que não esteja prevista na Lei ou nos regulamentos do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
Conforme o Ministério dos Transportes, a implantação de faixas voltadas para a circulação de motociclistas ocorre no âmbito de um estudo experimental sobre sinalização. Para participar, o município deve apresentar ao Senatran uma proposta com informações completas sobre a região onde se pretende implementar a sinalização e a identificação das estatísticas relacionadas à ocorrência de sinistros de trânsito.
Caso aprovada, a autorização é concedida mediante a publicação de portaria no Diário Oficial da União, com período determinado para o funcionamento.
Durante a fase de testes, o órgão de trânsito local deve fornecer relatórios técnicos periódicos com a avaliação do desempenho dessa sinalização e, ao final, a Senatran analisará os resultados, podendo propor a regulamentação do assunto pelo Contran, que poderá criar uma resolução normalizando a medida.
Proposta divide opiniões de especialistas
O engenheiro de Transportes e professor de Transporte e Mobilidade do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), Gregory Aguiar, vê a motofaixa como uma estratégia positiva para reduzir acidentes em Maceió. “Sou a favor, sim, nas vias que houver compatibilidade. Mas é preciso haver estudos preliminares: avaliar as dimensões, velocidade, quantidade de faixas, composição veicular, condições e volume de tráfego. Porque, dependendo da via, a implantação pode dar em nada ou piorar a situação”.
O especialista diz que seria necessário controlar a velocidade. “Porque, quando as motos são tiradas do mix de carros, os motociclistas ganham uma certa segurança, mas também mais fluidez e velocidade. Então é preciso controlar. Porque, se isso não for feito, vão continuar ocorrendo acidentes.”
Apesar de favorável, Aguiar, que também é conselheiro do Plano Diretor de Maceió, destaca que a motofaixa não vai solucionar por completo os problemas dos acidentes de trânsito.
Já para o engenheiro perito em acidente de trânsito e especialista em mobilidade urbana Antônio Monteiro, uma motofaixa em Maceió só iria aumentar o número de mortes. “Sou contra a questão do corredor exclusivo, porque ele dá a falsa sensação de segurança. O motociclista, por achar que está mais seguro, aumenta a velocidade e coloca-se em risco em situações ainda muito mais graves. E uma queda de moto em velocidade é praticamente fatal. Então eu nunca vou defender um elemento que vá levar o motociclista a andar em velocidade mais alta.”
Monteiro explica outros fatores que contribuem para os sinistros envolvendo motociclistas. “Algumas autoescolas ensinam a passar no teste e não a dirigir a moto. E aí você tem essa soma de problemas: pessoas que não sabem dirigir a moto, pessoas que não respeitam a fiscalização e pessoas que não têm a noção de percepção do risco. Acham que é vantajoso furar o sinal vermelho, passar pelo corredor em alta velocidade, pegar a contramão e andar pela calçada. E aí de novo você volta ao problema da falta de percepção de risco que gera o acidente e a morte no trânsito”.

Diante do crescimento vertiginoso do número de motocicletas, ele faz algumas ponderações. “A gente sai em 1990 de 5 mil motos para agora quase que 500 mil motos [em Alagoas]. Então é um crescimento absurdo e a gente não tem suporte para isso. E não é abrindo via, não é abrindo rua e não é fazendo faixa exclusiva que vai resolver o problema da moto. Agora, se colocar todo um conjunto de melhoria de treinamento, fiscalização eletrônica de velocidade e outras situações de fiscalização e controle, você pode até testar alguns formatos, que é isso que foi autorizado pela Senatran. Agora simplesmente botar faixa exclusiva para os caras correrem feito loucos só vai piorar e só vai crescer o número de mortes.” Para Monteiro, o caminho para a boa mobilidade seria investimentos em transporte de massa, melhoria das calçadas, ciclovias e ciclofaixas.
Na mesma linha contrária, o doutor em Planejamento Urbano, Renan Silva, não vê a motofaixa como uma ferramenta para reduzir acidentes, uma vez que ainda não há regulamentação específica nem comprovação da eficácia. “Temos algumas experiências implantadas e em implantação no Brasil, mas sem passarem por todo esse processo [do projeto-piloto à regulamentação]. Sem um processo de verificação da eficácia metodologicamente adequado, não há como saber se funciona ou não”, avalia.
Ele lembra que existem ferramentas consolidadas de melhoria da mobilidade e segurança, inclusive para motociclistas, tais como: controle de velocidade; sinalização, fiscalização e infraestrutura adequadas; oferta de transporte coletivo e não motorizado de qualidade, que reduz a quilometragem rodada em motos; políticas públicas de acessibilidade à CNH; equipamentos de proteção individual (EPIs); e regulamentações de ampliação da segurança das motos.
“O certo é que é uma redistribuição de um espaço caro e disputado, em um cenário em que há urgente necessidade de ampliar a oferta ao transporte público e ao transporte não motorizado, com faixas exclusivas, ampliação de calçadas e implantação de ciclofaixas, por exemplo. Essas sim, ferramentas regulamentadas e historicamente consolidadas como eficazes na melhoria da mobilidade e na segurança viária”, reforça Silva.
Motoristas veem ferramenta com desconfiança
A nutricionista Alcenyr Pereira, de 59 anos, cruza as avenidas Durval de Góes Monteiro e Fernandes Lima, cotadas para um possível experimento, todos os dias para chegar ao trabalho. Para ela, a ideia é péssima para os motoristas de automóveis.
“O congestionamento acontece em qualquer horário do dia. Não existe mais o horário de pico. A faixa azul dos ônibus coletivos já diminui o espaço para carros de passeio. Os caminhões trafegam mesmo nos horários proibidos sem serem multados. Com mais essa redução dos espaços e todo o fluxo vindo da parte alta seria um caos”, acredita Alcenyr.

Outro motorista que precisa passar todos os dias pelas duas avenidas de maior circulação de veículos é o empresário Aluizio Ferreira Júnior, de 60 anos. Ele até vislumbra ser uma boa ideia. “A meu ver o corredor já existe. Se for para sinalizar o espaço que eles já ocupam, excelente. Porque a gente tem que conviver. Ao cruzar de faixa, que eu acho o ponto mais sensível desse corredor, é que precisa de orientação.”
No entanto, na necessidade de supressão de uma faixa, Aluizio visualiza um possível caos. “Sem condições. Já existe uma carência de áreas de escoamento. Então suprimir uma faixa em favor da moto iria dificultar o fluxo de veículos, ficaria inviável.”
Em São Paulo, motofaixa completa 3 anos com redução de 47,2% no número de mortes
O projeto piloto completou três anos na capital São Paulo em janeiro e a Prefeitura já aponta resultados. No primeiro ano de funcionamento (2022), a capital registrou 426 mortes de motociclistas, porém sem registro nesse trecho. Já entre os anos de 2023 e 2024, de acordo com o Detran/SP, nas vias que têm a faixa azul, houve redução de 47,2% no número de mortes de motociclistas, caiu de 36 para 19 mortes.

O número vai na contramão do resultado em toda a cidade de São Paulo, onde houve crescimento de 20% no ano passado. Foram 483 mortes em 2024 contra 403 em 2023.
Diante dos resultados positivos nesses trechos de motofaixas, o município já projeta uma expansão da sinalização preferencial até 2028, quando pretende alcançar 200km adicionais.
Cinco municípios têm autorização para estudo experimental em 41 trechos
Até o momento, o Ministério da Justiça autorizou a implementação da faixa exclusiva para motociclistas em 41 trechos situados nos municípios de São Bernardo do Campo (SP), São Paulo (SP), Santo André (SP), Salvador (BA) e Recife (PE).
Conforme o órgão ministerial, Cuiabá (MT), Matão (SP), Distrito Federal, Porto Alegre (RS), Jundiaí (SP) e Osasco (SP) solicitaram autorização, mas seus processos encontram-se em análise, aguardando informações técnicas complementares dos municípios. O Rio de Janeiro também fez o pedido, que está em análise pela Senatran.
Na capital de São Paulo, o projeto piloto da faixa azul foi implantado em janeiro de 2022, em um trecho de 5,5km da Avenida 23 de Maio, uma das mais movimentadas da capital paulista. A iniciativa deu certo e já se expandiu para outros trechos. Atualmente, são 215,2km projetados em 46 vias. O último trecho a ganhar o espaço preferencial para motos fica na Avenida das Nações Unidas, a partir da Rua Professor Campos de Oliveira até próximo da Avenida Interlagos, onde já há continuidade da faixa azul na Avenida Miguel Yunes. Até o momento, São Paulo tem autorização para 325,5km.
Em Santo André, no ABC Paulista, o projeto da faixa azul também já está em funcionamento. Foi implantado em toda a extensão da Avenida Prestes Maia, em maio de 2024.

São Bernardo do Campo foi rápida, recebeu a autorização no dia 12 deste mês e começou as obras no dia 14. A faixa ocupará 2,1km de extensão da Avenida Lions, que conecta São Bernardo a Santo André, Diadema e às rodovias Anchieta e dos Imigrantes.
A cidade de Recife tem autorização para adotar o estudo experimental em quatro corredores de transporte. Foram liberados o trecho de 1,6km na Avenida Recife, 1,15km na Avenida Norte, 1,30km na Estrada do Arraial e 0,50km no Viaduto Capitão Temudo. São aproximadamente 4,6km para testes. No entanto, a medida ainda não foi implementada em nenhuma das vias.
O município de Salvador recebeu autorização da Senatran para a primeira motofaixa no dia 12 deste mês. O teste será feito na Avenida Mário Leal Ferreira, mais conhecida como Bonocô.
Apesar de ainda não ter autorização do Ministério dos Transportes, a cidade do Rio de Janeiro já colocou em funcionamento duas motofaixas. Uma na Autoestrada Engenheiro Fernando Mac Dowell, na Lagoa da Barra, em agosto de 2024. A segunda na Avenida Rei Pelé e na Rua Teixeira Soares, entre o Maracanã e a Praça da Bandeira, em dezembro.

Mais de 30 motociclistas morrem por dia no trânsito brasileiro, sendo um em Alagoas
Dados divulgados pelo Ministério da Saúde (MS) em abril do ano passado, por meio do estudo “Cenário brasileiro das lesões de motociclistas no trânsito de 2011 a 2021”, apontam que mais de 30 motociclistas morrem todos os dias vítimas de acidente de trânsito no país.
Em 2021, Alagoas registrou 10,4 mortes de motociclistas por 100 mil habitantes. O índice colocou o estado em 7º lugar no país. Foram 350 óbitos naquele ano, quase um por dia. Já no quesito internações, o estado registrou 3,10 a cada 10 mil habitantes, totalizando 1.043 no ano, e foi o quarto em menores registros de internação.
O número de mortes de motociclistas em lesões no trânsito apresentou estabilidade entre 2011 (11.485 óbitos) e 2021 (11.115 óbitos), mas ainda é preocupante. Isso porque eram 26,6% do total de óbitos no trânsito em 2011 e passaram a 35,3% em 2021. Ou seja, as mortes no trânsito diminuíram, mas não entre os motociclistas. Já em relação à proporção das internações houve aumento de 70.508 (50,6%) em 2011 para 115.709 (61%) em 2021.

Acidentes de trânsito causam custo de R$ 50 bilhões por ano ao país
O estudo estima que os acidentes de trânsito causaram um custo de R$ 50 bilhões por ano para a sociedade brasileira. Entre os motociclistas, a maior parte dele foi causado pela perda da produtividade das vítimas, seguido dos custos hospitalares, visto que os motociclistas são envolvidos em lesões de trânsito com consequências mais graves.
Conforme o MS, as lesões de trânsito são um importante problema de saúde pública global, estando entre as 10 principais causas de morte em países de baixa e média renda e a sexta causa de DALY - da sigla em inglês ‘Disability Adjusted Life Years’, que significa ‘anos de vida perdidos ajustados por incapacidade’.
“Essa perda da produtividade (41,2%) causa o empobrecimento das famílias e, em caso de morte, os custos recaem sobre a Previdência Social”, avalia a diretora do Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças não Transmissíveis, do MS, Maria del Carmem Bisi Molina.

Busca da população por mobilidade motiva crescimento do número de motocicletas
O engenheiro perito em acidente de trânsito e especialista em mobilidade urbana Antônio Monteiro explica que o crescimento vertiginoso dos veículos de duas rodas em Maceió e em outros municípios brasileiros acontece em razão da busca da população por mobilidade.
“Então, a moto, a princípio, não é o problema. Se o transporte de massa não atende, se não consegue outro meio de transporte para se deslocar para o trabalho e fazer as necessidades normais do dia, a fuga vai ser a moto. Se o carro e o combustível são caros, a fuga é a moto. Se você tem que se deslocar para o trabalho, para fazer as necessidades normais do dia a dia, da família, e não consegue bancar outro meio de locomoção e o transporte de massa não lhe atende, a fuga vai ser a moto”, avalia Monteiro.
E foi nesse caminho que seguiu o educador físico Thomaz Carnaúba, de 37 anos. Ele levava em média 1h30 para se deslocar de carro do bairro da Gruta de Lourdes, parte alta de Maceió, até a Ponta Verde, parte baixa, uma distância aproximada de 6km. Foi na moto que ele buscou a solução para conseguir sair de uma academia para outra e chegar no horário marcado para atender o cliente. O tempo de 40 minutos para chegar ao destino caiu para 20.
Segundo Carnaúba, a mudança lhe trouxe economia. “Eu gastava em média R$ 1 mil por mês. Agora, com a motocicleta, o custo baixou para R$ 300. A manutenção também é mais barata. A economia só com combustível chegou a uns R$ 9 mil em um ano”. Mas pondera os riscos. “Todos os dias vejo acidentes pelo percurso. Mas, sendo prudente, é um ótimo meio de transporte.”
A bancária Danielle Borges, de 41 anos, e o marido, o advogado Giordany Melo, de 44 anos, também fizeram a opção da moto como meio de locomoção para o trabalho. Eles moram no bairro Cidade Universitária, parte alta de Maceió. Para chegar ao trabalho dela, eles percorrem um único trecho de 19 quilômetros, que compreende a BR-104 e as avenidas Durval de Góes Monteiro e Fernandes Lima. O tempo de uma hora e 30 minutos que o casal levava para chegar ao destino caiu para 40 minutos.

“A intenção foi ganhar tempo e reduzir custos. Recomendo a moto, mas sabemos que não é a opção mais segura e confortável. Se tivéssemos transporte público ágil, seguro e confortável, com certeza, seria nossa opção”, diz a bancária.