
Violência infantojuvenil: quando quem deveria proteger comete o crime
Crianças e adolescentes são vítimas de crimes violentos letais e sexuais, muitas vezes cometidos por parentes e/ou pessoas próximas; em Alagoas, os órgãos de fiscalização, proteção e justiça criam projetos para combater os crimes e punir os suspeitos
Por Lucas França: Repórter / Bruno Martins: Revisão / Carla Cleto - Ascom Sesau: Foto | Redação
O que uma criança de apenas sete anos poderia ter feito de tão grave para que sua mãe, a quem com certeza ela tinha como uma proteção, tirasse sua vida? Ou um menino de apenas quatro anos ser vítima de envenenamento causado pelo próprio pai? Infelizmente, esses questionamentos não são sobre filmes ou ficção. Eles retratam histórias de muitas crianças e adolescentes vítimas de crimes violentos, que na maioria das vezes são cometidos por seus responsáveis legais.
Em Alagoas, conforme o Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, lançado no dia 13 de agosto de 2024 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), houve 522 óbitos e 2.570 casos de violência sexual. Em todo o Brasil, mais de 15 mil crianças e adolescentes, com idades entre 0 e 19 anos, foram mortos de forma violenta nos últimos três anos. No mesmo período, 165 mil meninos e meninas foram vítimas de violência sexual, compondo um cenário preocupante de violência contra crianças e adolescentes no país.
Laura Maria Nascimento Braga, de apenas sete anos de idade, uma criança cheia de vida e sonhos, que conforme os vizinhos e demais parentes era alegre, sonhadora e amigável, foi morta a facadas pela própria mãe no dia 7 de julho de 2024, na cozinha de casa em Rio Largo, região metropolitana de Maceió. A prisão da suspeita, identificada como Thamiris Oliveira Braga, de 35 anos, foi feita em flagrante por policiais militares do 8º Batalhão. Segundo testemunhas, foram ouvidos gritos de socorro vindos da casa após o pai da criança sair para o trabalho. Além dos ferimentos de faca, a menina apresentava hematomas. A mãe negou a autoria do crime, mas, diante do relato dos vizinhos, recebeu voz de prisão e foi conduzida à Central de Flagrantes, onde ficou sob responsabilidade das autoridades policiais.

O Instituto de Criminalística de Maceió, da Polícia Científica de Alagoas, divulgou o resultado do exame toxicológico de Thamiris 25 dias após a prisão. O laudo do exame revelou a presença de metabolitos da cocaína no sangue e na urina da mãe, indicando o uso da droga antes do crime. O resultado da análise toxicológica foi anunciado pelo chefe do Laboratório de Química e Toxicologia, perito criminal Thalmanny Goulart, responsável pelo exame.
"Foi identificada no sangue a presença de cocaína e um produto do seu metabolismo, que é a benzoilecgonina. A análise também detectou a presença desse mesmo metabólito na urina. Considerando que Thamiris estava custodiada, mesmo a coleta tendo sido realizada três dias após o fato imputado a ela, foi possível detectar a presença da cocaína e de um dos seus produtos de metabolismo, visto que a Polícia Científica dispõe de um equipamento de alta sensibilidade capaz de detectar essas substâncias", afirmou o perito criminal.
Outro caso que chamou a atenção dos alagoanos foi o de um menino de quatro anos, identificado como Anthony Levy, morto pelo próprio pai, de 24 anos, em Maceió, no dia 29 de maio do ano passado. A Polícia Civil de Alagoas (PC/AL) esclareceu o crime após uma investigação que resultou na prisão do pai. Ele confessou ter envenenado a criança com chumbinho, um veneno adquirido ilegalmente em uma feira no bairro do Jacintinho, um dos mais populosos da cidade. Imagens de câmeras de segurança mostraram o pai levando Anthony até uma creche municipal e, logo em seguida, se despedindo do filho e descartando um frasco com o veneno. A perícia confirmou que a substância encontrada no frasco foi a responsável pela morte da criança. O suspeito afirmou em depoimento que matou a criança por ciúmes da mãe, sua ex-companheira.
De acordo com o delegado-geral da Polícia Civil, Gustavo Xavier, o crime foi premeditado e planejado por mais de uma semana. O pai comprou o veneno por R$ 13 usando seu próprio cartão. Em confissão, ele relatou que misturou o chumbinho no mingau do filho enquanto a avó preparava a refeição. Após alimentar a criança, ele descartou o frasco no corredor da escola. Anthony apresentou mal-estar e foi levado a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde faleceu.
EM 2025
Menina morre após ser atingida por um tiro dentro de casa; outra desaparece e corpo é encontrado dias depois em área de vegetação
Maria Alice Oliveira da Silva, de apenas três anos, morreu na noite de sábado, 18 de janeiro de 2025, no bairro Ouro Preto, em Maceió, após ser atingida por um tiro. De acordo com informações do 13º Batalhão da Polícia Militar (BPM), acionado para a ocorrência, populares contaram que homens armados dentro de um veículo Fiat Mobi efetuaram diversos disparos de arma de fogo em direção à residência da vítima. A menina foi atingida dentro da casa. O alvo seria um adolescente parente da vítima.
Imagens de câmeras de segurança flagraram o momento em que criminosos dispararam e balearam a criança, que estava brincando na companhia de alguns familiares. No dia 22 de janeiro, dois suspeitos de envolvimento na morte de Maria Alice foram mortos durante um confronto com a Polícia Militar em Coruripe, Litoral Sul de Alagoas.

Já Anna Cecillya dos Santos Silva, de apenas nove anos, desapareceu no dia 21 de janeiro. Ela foi vista pela última vez brincando em uma rua do município de Branquinha. A PC/AL montou uma força-tarefa com apoio da Diretoria de Polícia Judiciária 2 (DPJ2), de equipes do 117º Distrito Policial (117º DP) de Branquinha, além da Diretoria de Inteligência Policial (Dinpol). O corpo da criança foi encontrado na tarde de domingo, 26 de janeiro, em uma área de vegetação no Conjunto Raimundo Nonato, na zona rural da cidade.
Na segunda-feira, 27 de janeiro, a Perícia Oficial de Alagoas divulgou que o exame cadavérico no corpo revelou que a criança apresentava lesões com indicativos de violência física. Um adolescente e um jovem foram pegos e disseram em depoimento que a morte foi motivada para esconder um crime de violência sexual.

Maria Alice e Anna Cecillya estão dentro das estatísticas do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, que aponta que em janeiro de 2025, o Disque 100 já recebeu 428 denúncias, das quais 218 são contra crianças e jovens entre 0 e 19 anos.
''A proteção de crianças e adolescentes é um dever de todos e as ações para isso devem ser feitas com prioridade absoluta. Essas são as determinações de nossa Constituição da República, repetidas no Estatuto da Criança e do Adolescente'' - Lucas Sachsida

Números de estupros contra crianças e adolescentes têm crescido constantemente
Nos últimos três anos, dos 165 mil casos de violência sexual reportados no Brasil, 46.863 foram registrados em 2021 e aumentaram para 63.430 em 2023 – o equivalente a uma criança ou adolescente vítima de estupro a cada 8 minutos no ano. Em Alagoas, o registro de casos seguiu o aumento, com 709 registros em 2021, 903 em 2022 e 958 em 2023.
“As violências impactam gravemente as crianças e os adolescentes no país. Meninos negros continuam a ser as maiores vítimas de mortes violentas. Já meninas seguem sendo as mais vulneráveis à violência sexual. Essas dinâmicas são ainda mais preocupantes com o aumento de casos dessas violências contra crianças mais novas”, diz Youssouf Abdel-Jelil, representante do UNICEF no Brasil, destacando a urgência de os governantes terem como prioridade acelerar o enfrentamento da violência letal e sexual contra crianças.
Nacionalmente, os dados alertam que crianças mais novas têm sido cada vez mais vítimas de violências sexuais e letais. De 2022 para 2023, as mortes violentas de crianças de até nove anos de idade aumentaram 15,2% no Brasil. Nos casos de violência sexual contra crianças de até quatro anos, o acréscimo foi ainda maior, entre 2022 e 2023, com um aumento de 23,5% nos registros e de 17,3% entre aquelas com cinco a nove anos.
Meninos negros seguem como principais vítimas em todas as idades
No país, a violência letal vitima, em especial, meninos negros. Nos últimos três anos, a maior parte das vítimas de mortes violentas no Brasil tinha entre 15 e 19 anos (91,6%), era preta ou parda (82,9%) e do sexo masculino (90%). E, apesar dos adolescentes serem os mais atingidos, isso é uma realidade em todas as faixas etárias. Dados do relatório mostram que um menino negro com idade entre 0 e 19 anos tem 21 vezes mais chances de ser morto do que uma menina branca na mesma faixa etária no Brasil.
Para Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os dados evidenciam a necessidade de os governos incluírem em suas agendas políticas públicas de enfrentamento aos crimes letais e também à violência sexual. “É importante que haja um protocolo mais claro das abordagens e do uso da força pelas polícias, tendo em vista que os principais alvos são os jovens pretos e pobres da periferia”, aponta a socióloga.
No caso de adolescentes, em especial entre os que têm mais de 15 anos, as mortes violentas remetem a um contexto de violência armada urbana: a maioria foi morta fora de casa, em via pública (62,3%), e por pessoas que não conheciam (81,5%). No caso de crianças mais novas, as mortes de meninas e meninos de até nove anos costumam ocorrer dentro de casa (cerca de 50%) e ser cometidas por pessoas conhecidas da criança (82,1% dos casos em 2023). Isto indica um contexto de maus-tratos e de violência doméstica praticados contra essas crianças pelas pessoas mais próximas a elas.
Violência sexual: da primeira infância à adolescência
Crianças e adolescentes do sexo feminino são a ampla maioria das vítimas no país quando se trata de violência sexual, representando 87,3% dos casos nos últimos três anos. Considerando ambos os sexos, a maior parte das vítimas (48,3%) tem entre 10 e 14 anos. Ainda assim, mais de 35% dos crimes foram cometidos contra crianças entre 0 e nove anos de idade. Ou seja, a violência sexual atinge crianças e adolescentes durante toda a vida.
Apesar da menor incidência, o relatório destaca que meninos não estão protegidos desta violência. Entre 2021 e 2023, foram reportados mais de 20.575 casos nos quais crianças e adolescentes do sexo masculino eram as vítimas de estupro. O número é maior, inclusive, do que o quantitativo de vítimas de morte violenta.

POR TODA ALAGOAS
Em absolutamente todos os 102 municípios alagoanos, houve registros de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. A informação foi extraída do Boletim Informativo 2024 sobre Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, produzido pela Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde (Sevisa), pela Superintendência de Vigilância e Controle de Doenças (SUVCD) e pela Gerência de Vigilância e Controle de Doenças Não Transmissíveis (GDANT). As informações têm como fonte de dados o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) da Secretaria de Estado de Saúde de Alagoas (Sesau), a partir das fichas de notificação individual de violência interpessoal/autoprovocada.
Maioria dos agressores tem vínculo familiar ou proximidade com as vítimas
Devido às estatísticas, para os especialistas que lidam com a questão da violência sofrida pelas crianças, o alerta é constante e a vigilância permanente. Os números continuam a preocupar quando existe a constatação de que a maior parte dos agressores tem vínculo familiar (30%) ou são amigos/conhecidos (30%) da vítima. A residência é o local de maior ocorrência da violência sexual contra crianças e adolescentes (76%).
O sexo feminino é o mais acometido pela violência sexual contra crianças e adolescentes (89% das notificações), sendo de 10 a 14 anos a faixa etária mais vulnerável. Para o sexo masculino, a faixa etária mais vulnerável é a de 0 a nove anos. As estatísticas mostram ainda que em 39,4% dos casos, o crime já havia sido praticado mais de uma vez.
Escuta especializada busca capacitar entidades e órgãos do poder público
A Secretaria de Estado da Primeira Infância de Alagoas (Secria/AL) afirmou que mantém a iniciativa de Escuta Especializada e busca capacitar entidades e órgãos do poder público sobre a Lei 13.431, que trata das formas de violência contra crianças, sejam elas vítimas diretas ou testemunhas de violência.
“Esse processo de escuta envolve entrevistas específicas realizadas por profissionais qualificados, visando entender e abordar adequadamente as situações de violência enfrentadas pela criança perante os órgãos da rede de proteção”, destacou a pasta.
Na avaliação da Secria, ao capacitar os profissionais e promover esse tipo de escuta, não apenas se fortalece a aplicação da legislação de proteção à infância, mas também se proporciona um ambiente seguro e acolhedor para as crianças, onde elas se sintam ouvidas e compreendidas em suas experiências de violência.
“Isso pode contribuir significativamente para o processo de recuperação emocional e social das crianças, além de facilitar a identificação precoce de casos de violência e a intervenção adequada para garantir sua proteção e bem-estar”, aponta a secretaria.
RAV
A Rede de Atenção às Violências (RAV) foi instituída pelo Decreto nº 89.437, de 28 de fevereiro de 2023. A RAV tem caráter intersetorial e é pautada na prevenção, identificação, assistência, monitoramento e avaliação das violências às populações vulneráveis, no âmbito do Estado de Alagoas. As ações governamentais da RAV são executadas com vistas ao enfrentamento das violências, de forma a facilitar o acolhimento seguro, assistência qualificada, escuta especializada, eficiente, eficaz e não revitimizadora.
DISQUE DENÚNCIA
Em caso de suspeita de violência sexual contra crianças e adolescentes, disque 100, procure o Conselho Tutelar da localidade ou denuncie pelo aplicativo da Seprev “Violência Zero”, disponível para aparelhos Android.
RAV: 670 crianças e adolescentes são atendidos entre janeiro e setembro de 2024
De janeiro a setembro de 2024, a RAV, vinculada à Sesau, atendeu a 670 crianças e adolescentes alagoanos vítimas de violência sexual. O número é a soma dos registros em todas as portas de atendimento, localizadas no Hospital Geral do Estado (HGE), Hospital da Mulher (HM), Hospital Regional do Norte (HRN), Hospital de Emergência do Agreste (HEA), Hospital Regional do Alto Sertão (HRAS), bem como no Complexo de Delegacias Especializadas (Code).
Durante o atendimento às vítimas de violência sexual, são disponibilizados serviços de profilaxia das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), anticoncepção de emergência e coleta de vestígios. Também é assegurado o aborto previsto em lei, exames laboratoriais, assessoria jurídica, grupos de apoio e acompanhamento médico e psicossocial, que se estendem por até seis meses após a violência.

A gerente operacional da RAV, enfermeira Thaylise Brito, destaca a importância de um acolhimento especializado desde os primeiros atendimentos. “Quando uma criança ou adolescente vítima de violência sexual chega até a RAV, tem acesso a psicólogos, psiquiatras, pediatras, ginecologistas, enfermeiros, exames com peritos do IML [Instituto Médico Legal] e até o apoio da Polícia Civil. Toda essa rede garante que o dano sofrido seja minimizado durante o ciclo de vida dessas pessoas”, pontua.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
- A Lei nº 8.069/1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), impõe ao Estado e à sociedade obrigações e deveres com as crianças e adolescentes, assegurando-lhes “todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.
- Quando se fala em políticas públicas para crianças e adolescentes, é fundamental reforçar todos os direitos previstos no artigo 227 da Constituição, que na área da infância e juventude vai envolver todas as ações do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA), previstas no ECA. “E para o desenvolvimento dessa criança ou adolescente é imprescindível garantir todos os direitos”.
- O SGDCA foi implantado em 2006, com o objetivo de fortalecer a implementação do ECA e garantir uma proteção integral à infância e adolescência. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o Sistema articula e integra vários atores sociais – de instâncias públicas governamentais e da sociedade civil – que atuam para garantir que os direitos humanos se concretizem na vida das crianças e adolescentes em todo o território brasileiro.
Ministério Público de Alagoas tem projetos premiados voltados para proteção da criança
O Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL) afirmou que os casos são acompanhados em cada município. Cada promotor tem autonomia para atuar em sua comarca. “Cada promotor que atua na Infância e na Juventude, em seus respectivos lugares [municípios], adota as providências. Não há um banco de dados, pois cada promotor faz os procedimentos onde atua e os casos são tratados à medida que acontecem”, pontuou o MP/AL.
No entanto, o órgão afirma que há projetos desenvolvidos voltados à primeira infância. Em Alagoas, o programa “Notificar é Preciso”, orientado pelo órgão, por exemplo, se tornou lei estadual em 2021. A Lei Estadual 8.424/2021, de autoria da então deputada estadual Jó Pereira, sancionada à época pelo ex-governador Renan Filho, determina que maternidades, hospitais e cartórios encaminhem ao órgão fiscalizador notificações de registro de nascimento de crianças cujos pais sejam menores de idade.
Para o promotor de Justiça Lucas Sachsida, coordenador da Comissão Permanente de Educação (Copeduc), que faz parte do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), órgão auxiliar do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG), a lei é importante para toda a sociedade alagoana.

“A proteção de crianças e adolescentes é um dever de todos e as ações para isso devem ser feitas com prioridade absoluta. Essas são as determinações de nossa Constituição da República, repetidas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Por essa razão, há muito o Ministério Público tem implantado, na 59ª e 60ª Promotorias de Justiça da Capital, o projeto ‘Abuso Sexual: Notificar é Preciso’, que tem por objetivo a conscientização de órgãos de primeiro contato (escolas, hospitais, maternidades etc.) sobre a importância de comunicação aos órgãos de proteção de abusos e exploração sexual de crianças e adolescentes. O projeto foi o vencedor do Prêmio CNMP 2019, na categoria combate à criminalidade e, de fato, os números que temos nos mostram que a atuação conjunta e sistêmica de todos esses órgãos, gerada pelo projeto, foi responsável pela proteção de centenas de crianças em nossa capital. Fruto da sensibilidade do legislador alagoano, essa forma de atuação e proteção é, agora, lei. Como se vê, a sociedade alagoana, como um todo, através dos vários órgãos públicos, está lutando contra o abuso sexual de crianças e adolescentes”, declara o promotor Sachsida.
RECONHECIMENTO
Mostrando a importância do projeto, além do prêmio, o “Notificar é Preciso” foi implantado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. A promotora Dalva Tenório acredita que o projeto possa servir de modelo para muitas outras promotorias Brasil afora.

“Notificar é Preciso combate à violência sexual, que é uma realidade perversa em todo o país. É um modelo simples que pode ser aplicado em qualquer cidade ou município com a mesma eficácia. Acreditamos que muitos outros municípios utilizarão o modelo criado em Maceió/AL, por sua eficiência e capacidade de diminuir a criminalidade”, ressalta a promotora Dalva.
APRENDER A PROTEGER
MP/AL firma Termo de Cooperação Interinstitucional para combate à violência
No dia 19 de junho de 2024, o MP/AL firmou um Termo de Cooperação Interinstitucional com a União dos Dirigentes Municipais de Educação de Alagoas (Undime/AL) e a Secretaria de Estado da Educação de Alagoas (Seduc) para que o aplicativo “Aprender a Proteger” seja implantado em todas as escolas da rede estadual e municipal de ensino de Alagoas.
O promotor de Justiça Humberto Bulhões ressaltou a importância do termo de cooperação. “A iniciativa auxiliará significativamente os profissionais de educação na identificação e enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. É uma iniciativa crucial para promover um ambiente escolar seguro e de confiança”, afirmou. Ele esteve no evento representando o procurador-geral de Justiça, Lean Araújo.
Claudio Malta, promotor de Justiça e um dos idealizadores do aplicativo, abordou a necessidade de enfrentar a crescente violência sexual contra crianças e adolescentes. “Esse tipo de violência interfere diretamente no desenvolvimento educacional das vítimas. A educação precisa repensar suas práticas para se adequar a essa realidade alarmante e proteger os direitos das crianças”, afirmou.
APLICATIVO “APRENDER A PROTEGER”
O aplicativo “Aprender a Proteger” é uma ferramenta educativa desenvolvida para promover a conscientização sobre a proteção de crianças e adolescentes. A idealização do aplicativo foi coletiva, envolvendo a colaboração de diversas instituições, incluindo a União Nacional dos Conselhos Municipais da Educação (UNCME), Undime, Conselho Estadual de Educação de Alagoas (CEE/AL), Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Alagoas (CEDCA/AL), Seduc e o Ministério Público de Alagoas. Além dessas entidades, a consultora Rita Ippolito desempenhou um papel crucial, sendo não apenas uma das idealizadoras, mas também a responsável pela criação de todos os conteúdos disponíveis no aplicativo.
FITINHA DA PROTEÇÃO
A campanha Fitinha da Proteção foi uma iniciativa do MP/AL em parceria com a editora carioca Caqui, que teve como foco principal distribuir nas escolas e nas comunidades a fita que contém informações importantes sobre como denunciar um abusador.
A campanha foi lançada em 2021 pela 1ª Promotoria de Justiça de Rio Largo, que sempre atua de forma significativa no combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes naquela cidade. Na fitinha da proteção, distribuída em escolas e bairros de Rio Largo, há o número do Disque 100, além de informações importantes para que crianças e adolescentes saibam como agir diante de um caso de violência sexual.

O projeto “Fitinha da Proteção” foi idealizado pela escritora e pedagoga Caroline Arcari a partir de estudos que identificaram a baixa utilização do Disque 100 por crianças e adolescentes.
PREMIADO
O projeto “Fitinha da Proteção” recebeu em setembro de 2022, das mãos da coordenadora do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, Karina Figueiredo, o Prêmio Nacional Neide Castanha, uma honraria concedida a quem defende os direitos humanos de crianças e adolescentes, em especial dos direitos sexuais.
Defensora pública: “apesar de impressionantes, números não são surpreendentes”
Luciana Vieira Carneiro, defensora pública que atua na vara especializada em crimes praticados contra crianças e adolescentes, analisa que os números crescentes de casos refletem uma cultura patriarcal, na qual as crianças e adolescentes são a população mais vulnerabilizada, em especial as hipossuficientes e de pele negra.
“Essas crianças costumam ficar fora da escola, ou cuidadas por terceiros que não sejam seus principais cuidadores. Muitas das vezes, ficam aos cuidados dos avós para que os pais possam trabalhar, refletindo, em última análise, a falta de políticas públicas de cuidado, como creches em período integral e trabalho compatível com a tarefa do cuidado. Desta forma, são mais sujeitas ao abuso, sem contar a falta de educação sexual nas escolas, como forma preventiva”, pontua Vieira.

Para a defensora, os números citados, apesar de impressionantes, não são surpreendentes. “Infelizmente. A falta de estrutura das famílias de baixa renda, as altas taxas de violência doméstica, a falta de escolas e creches em período integral, a falta de educação sexual nas escolas e centros de atendimento médico resultam nessa estatística alarmante. Ressalte-se que a maioria dos casos sequer chega à contagem, em razão da vergonha e da culpa que as vítimas sentem, e na desconfiança na punição/medo de represálias no seio familiar. Deve-se pensar na economia do cuidado seriamente, com apoio às famílias e comunidades, com educação sexual e em direitos; preparo dos profissionais da área para lidar com a escuta ativa e sem danos; construção de escolas e creches em período integral; disseminação dos caminhos institucionais a serem trilhados caso ocorram fatos desta natureza; e acompanhamento psicológico das vítimas”.
OAB/AL implementa projetos na área de educação e esportes para crianças e adolescentes
Embora a Ordem dos Advogados do Brasil seccional Alagoas (OAB/AL) não seja um órgão governamental, mas uma entidade de classe, é uma das mais representativas da sociedade. A Ordem tem instituída uma Comissão da Criança e do Adolescente e acompanha alguns casos. No entanto, as comissões ainda estão sendo nomeadas na nova gestão, empossada na segunda quinzena de janeiro. Mas a entidade afirmou que atuam com projetos voltados para os menores.
“A OAB/AL tem atuado para garantir que todos os direitos de crianças e adolescentes sejam respeitados. Para isso, projetos voltados para a educação e o esporte estão entre as iniciativas implementadas pela Ordem, assim como a participação em grupos que discutem ações de proteção e campanhas de conscientização contra os mais diversos tipos de violência contra esse público vulnerável. Por meio da Comissão de Defesa da Criança e do Adolescente, a OAB/AL participa ativamente do CEDCA, do Pacto pela Primeira Infância [inclusive no levantamento de dados e elaboração do plano decenal], da Rede de Proteção pela Primeira Infância (Repi) e do Fórum DCA [Fórum Permanente de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes de Alagoas]. Acreditamos que a educação e o esporte são os meios mais eficazes para garantir um futuro promissor para as crianças e adolescentes de hoje”.
A OAB ainda atua monitorando os casos de violência, recebendo denúncias e cobrando das autoridades a responsabilização dos culpados. “Por aqui, o foco dos trabalhos tem sido o fortalecimento da rede de proteção e o diálogo com os pais e responsáveis, assim como com as próprias crianças e adolescentes”, destaca a Ordem.
Secdef desenvolve projetos para combater crimes contra os menores de idade
A Secretaria de Estado da Cidadania e da Pessoa com Deficiência (Secdef), responsável pela política da criança e do adolescente em Alagoas, tem desenvolvido ações e programas para combater a violência sexual e outras formas de violência contra esse público. O Centro de Referência em Atenção a Crianças e Adolescentes (Crad), parte da estrutura da Secdef, oferece atendimento integral e multiprofissional (psicológico, social e jurídico) a crianças e adolescentes em situação de violência, e em 2024 atendeu mais de 470 casos, com 37,72% relacionados à violência sexual.
Além dos atendimentos, o Crad, em parceria com a Superintendência de Promoção, Fortalecimento e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, tem capacitado profissionais para atuarem na prevenção e no combate à violência sexual nos municípios. Foi desenvolvido um material metodológico para trabalhar a autoproteção e a prevenção à violência sexual com o público infantojuvenil, utilizado na campanha "Todo dia é 18 de Maio".
O Kit Trilha da Cidadania é composto por materiais lúdicos e interativos, como jogos e histórias, que abordam temas como direitos humanos, autocuidado e identificação de situações de risco. O material é adaptável para diferentes faixas etárias e necessidades, incluindo crianças e adolescentes com deficiência.
A Secdef também promoveu capacitações para conselheiros tutelares sobre o uso do novo Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia) e sobre medidas de proteção, visando uma atuação mais qualificada e humanizada.
18 DE MAIO
O Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes foi instituído em 1998. A data faz referência ao dia da morte da menina Araceli Cabrera Sanches. Com apenas oito anos de idade, ela foi sequestrada em 18 de maio de 1973, drogada, espancada, estuprada e morta por membros de uma tradicional família capixaba. A mobilização de entidades públicas e privadas resultou na criação desse dia de luta pelo fim da exploração sexual de crianças e adolescentes.
Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências
A Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências, estabelecida pela Portaria 737/2001 do Ministério da Saúde (MS), institucionalizou o tema da violência como um problema de saúde pública. Essa política brasileira veio antes do Relatório Mundial Sobre Violência e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2002, que, além de ratificar a questão como problema de saúde pública em nível global, forneceu diretrizes para o enfrentamento do problema.
De acordo com Edinilsa Ramos, pesquisadora do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Claves/Ensp/Fiocruz), com a Política Nacional, pela primeira vez, um documento no país sistematizou a questão da violência no campo da saúde. “Ele fez uma espécie de diagnóstico para os principais problemas de acidentes e violências, estabeleceu diretrizes e identificou as responsabilidades em cada nível de gestão: federal, estadual e municipal”, relembra.
Na ocasião da publicação da portaria, havia uma questão que pairava no imaginário coletivo e que se sustenta até hoje: o porquê de a violência ser considerada um problema de saúde. Edinilsa explica que as pessoas sempre entenderam a violência pelo viés da criminalidade, sem enxergar outras de suas expressões. “A violência é um fenômeno social, não é uma doença. Ela não tem um vetor que gera aquele problema de saúde. É uma questão relacional sobre a forma como as pessoas estabelecem suas relações de poder, um fenômeno que constitui uma enormidade de expressões pelas quais elas se manifestam. Há violências de todo tipo: sexual, física, psicológica, financeira, negligência. E elas se dão nos distintos níveis da sociedade, como violências mais estruturais e outras mais interpessoais. Então, é um fenômeno extremamente complexo”, afirma a pesquisadora.
Ufal: pesquisadores reforçam a importância da notificação
ObserVio é o Observatório de Violência contra a Criança e Adolescente em Alagoas e surgiu por meio do Projeto Investigação e Intervenção junto à Rede de Atenção às Vítimas de Violência do Estado de Alagoas, com o intuito de potencializar ações de investigação e intervenção acerca da violência contra crianças e adolescentes e fortalecer o combate e enfrentamento deste tipo de violência no estado de Alagoas.

O objetivo do ObserVio é:
• Prevenir e intervir no enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes no Estado de Alagoas;
• Possibilitar à população, de forma geral, acesso a informações sobre como notificar, prevenir e intervir frente às violências;
• Divulgar materiais educativos acerca da prevenção e enfrentamento das violências;
• Oferecer aos diversos profissionais (educação, saúde, assistência social, direito etc.) conhecimento científico que possibilite a reflexão, formação e potencialização de ações de prevenção e combate às violências.
O projeto é comandado pelos docentes do Instituto de Psicologia IP/PPGP/Ufal:
• Paula Orchiucci Miura (coordenadora)
• Adélia Augusta Souto de Oliveira
• Angelina Nunes de Vasconcelos
No site https://ip.ufal.br/observio/panorama-da-violencia-em-alagoas/ é possível verificar as denúncias, os casos, gêneros, cidades dos fatos e o perfil de cada vítima de forma detalhada e em gráficos interativos.
Especialistas: crime contra crianças e adolescentes é uma questão de saúde pública
Para o psicólogo Carlos Gonçalves, o abuso sexual, seja contra crianças ou adolescentes, é um problema de saúde pública devido à elevada incidência epidemiológica e aos sérios prejuízos para o desenvolvimento dessas vítimas. “A dinâmica desta forma de violência é bem complexa, envolvendo aspectos psicológicos, que a gente não pode esquecer, sociais e legais. Geralmente, esses agressores são pessoas que estão passando por alguma coisa, seja desemprego, famílias reconstituídas, abuso de álcool, drogas, dificuldades econômicas e outros. São fatores de risco associados ao abuso sexual”, afirma Gonçalves.
No áudio abaixo, o psicólogo acrescenta que muitos casos ocorrem com pessoas próximas das vítimas. Ouça:
A pedagoga Danúbia Silvestre ressalta que a escola desempenha um papel fundamental na identificação e no apoio a crianças e adolescentes em situação de violência, sendo um ambiente onde os sinais de abuso podem ser mais evidentes, principalmente quando a criança demonstra mudanças de comportamento ou chega com sinais visíveis de agressão, como hematomas.

“Quando um estudante apresenta alterações comportamentais, como maior retraimento, agressividade ou alterações no desempenho escolar, isso pode ser um indicativo de que algo está acontecendo fora da escola. É fundamental que a equipe pedagógica, incluindo professores, psicólogo e direção, esteja atenta a essas mudanças, porque muitas vezes a escola é o único espaço em que a criança encontra segurança para expressar suas emoções ou pedir ajuda. Em situações como a mencionada, em que há indícios de violência, é crucial que a escola siga protocolos de proteção. A primeira medida é acolher a criança de forma cuidadosa e empática, sem pressioná-la a contar o que aconteceu, pois isso pode gerar ainda mais trauma. Em seguida, deve-se notificar imediatamente o Conselho Tutelar, que é o órgão responsável por investigar e intervir em situações de violência contra menores. Além disso, o apoio psicológico deve ser oferecido tanto à criança quanto à família, sempre respeitando os direitos da vítima e buscando encaminhamentos adequados para que não cause mais constrangimento”, explica Silvestre.
Para a profissional, a escola, como parte de uma rede de proteção, deve estar bem informada sobre as formas de violência e sobre os protocolos de denúncia, além de trabalhar a educação emocional de seus alunos, “o que pode ser uma ferramenta poderosa na identificação e prevenção de situações de abuso. A promoção de um ambiente seguro e acolhedor é essencial para que a criança se sinta à vontade para buscar ajuda, e o trabalho integrado com outras entidades de proteção à infância é essencial para garantir que o ciclo de violência seja interrompido”.
O sociólogo Carlos Martins diz que é preciso observar que os casos como um todo são um fenômeno social. “Observamos que o maior grau de frequência é o fato de essas crianças e adolescentes fazerem parte de grupos de vulnerabilidade. Esses são dados importantes, não é?”
Nos áudios abaixo, Martins reflete sobre os números e explica o motivo do crescimento.