Bullying nas escolas: problema endêmico que exige tolerância zero
Situação pode causar inúmeros prejuízos para as vítimas, em especial crianças, adolescentes e jovens, além de ser precursor de tragédias evitáveis
Por Ana Paula Omena I Lucas França - Repórteres I Bruno Martins - Revisão | Redação Tribuna HojeO bullying continua sendo um dos maiores desafios enfrentados pelas escolas no Brasil e em todo o mundo. Dados alarmantes do Ministério da Educação revelam que 6,7 milhões de estudantes sofreram algum tipo de violência no ambiente escolar nos últimos meses, gerando impactos emocionais e acadêmicos duradouros.
Definido como atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetitivos, o bullying frequentemente visa humilhar e intimidar a vítima, causando dor e angústia. Os motivos variam, indo desde aparência e vestimenta até o jeito de ser.
Um estudo da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que analisou alunos de 4 mil escolas públicas e particulares, apontou que 24% dos adolescentes já sofreram bullying. Além disso, 13% relataram ataques também na internet, ampliando o impacto dessa violência para o ambiente digital.
Casos emblemáticos em Maceió
Em Maceió, a história de Israelle Santiago, de apenas oito anos, emocionou a comunidade. Aluna do 3º ano da Escola Municipal Baltazar de Mendonça, no bairro Jacintinho, ela foi vítima de bullying devido à sua aparência e cabelo cacheado. Em resposta ao preconceito, Israelle escreveu uma carta que leu em sala de aula, exaltando seu orgulho pela própria identidade.
“Já pensou se todos fossem iguais? Eu tenho meu cabelo cacheadinho, nasci assim e meu cabelo é muito lindo. Tenho orgulho da minha cor, do meu cabelo e do meu nariz. Sou assim e sou feliz”, declarou a menina.
A mãe, Thamara Santiago, relatou que a filha foi chamada de “cabelo de bucha” e “cabelo de bombril”, o que a deixou triste e a fez pedir para alisar o cabelo. Thamara decidiu transformar o sofrimento em aprendizado, ajudando Israelle a escrever a carta. O vídeo da leitura viralizou, recebendo apoio de milhares de pessoas e repreensões contra os agressores.
Outro caso marcante ocorreu em uma escola particular no bairro Ponta Verde, onde a filha de Izabelle Perrelli, de 10 anos, foi vítima de bullying e ameaças. O episódio culminou com o pai de uma colega acuando a menina dentro da escola. Izabelle registrou um boletim de ocorrência e solicitou medidas protetivas, destacando a importância de resolver situações como essa dentro da lei.
Consequências fatais do bullying
Infelizmente, nem todos os casos têm desfechos positivos. Em agosto de 2023, um adolescente de 14 anos tirou a própria vida após sofrer bullying no Colégio Bandeirantes, em São Paulo. Ele era alvo de ataques por ser gay, negro e de origem humilde. Em abril de 2024, Carlos Teixeira, de 13 anos, também cometeu suicídio após agressões sofridas em uma escola estadual em Praia Grande, litoral paulista.
Os casos reforçam a urgência de combater o bullying e de promover ambientes escolares mais seguros e acolhedores.
Aumento de casos e novas legislações
Casos de bullying e violência nas escolas aumentaram 50% em 2023, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Crianças e adolescentes representam 74% das vítimas. O Disque 100 aponta que as principais violências são de ordem emocional, incluindo constrangimento, tortura psíquica, ameaça e injúria.
A gravidade do problema levou à aprovação da Lei 14.811/2024, que prevê punições como multas e até prisão para quem praticar bullying ou cyberbullying.
Iniciativas de combate ao bullying
Em Alagoas, o Ministério Público (MP/AL) lançou um projeto inovador que busca transformar a cultura escolar. A iniciativa inclui oficinas de mediação de conflitos, palestras sobre convivência saudável e a criação de um protocolo de proteção contra violências no ambiente escolar.
Lucas Saschida, promotor de Justiça e coordenador do Núcleo de Defesa da Educação, destacou a participação do MP/AL em debates nacionais sobre a criação de um protocolo de enfrentamento ao bullying, preconceito e discriminação.
“Estamos comprometidos em cumprir a legislação vigente e implementar políticas que promovam ambientes escolares mais seguros e inclusivos”, afirmou Saschida.
Bullying nas escolas: um problema persistente com impactos devastadores
Bullying: Uma realidade antiga que exige soluções modernas
O bullying é uma forma de violência que, segundo a neuropsicopedagoga clínica e institucional Verônica Wolff Becker, sempre esteve presente na sociedade, especialmente em escolas e famílias. Contudo, nas últimas décadas, o tema tem ganhado espaço em debates, buscando formas eficazes de enfrentamento.
“O papel da escola é essencial, tanto na prevenção quanto na intervenção. É por meio de palestras, debates e ações educativas que preparamos profissionais e alunos para lidar com o bullying. A conscientização é o primeiro passo para combater essa prática”, afirma Verônica.
Ela ressalta ainda a importância do papel da família. “Os pais devem acreditar nos relatos dos filhos, acompanhar sua rotina e criar um ambiente de diálogo. Conversar sobre empatia, respeito e inclusão é fundamental para mostrar que as diferenças enriquecem a convivência. É preciso educar as crianças para que compreendam os impactos negativos do bullying, tanto para quem sofre quanto para quem pratica.”
Ações conjuntas para combater o problema
Para Verônica, escola e família devem atuar juntas na conscientização e no enfrentamento do bullying. “É essencial conversar com os agressores sobre os prejuízos causados por suas atitudes e ajudá-los a lidar com frustrações de forma saudável. Quando o diálogo não surte efeito, buscar o apoio de profissionais como psicólogos ou psiquiatras pode ser necessário.”
Ela também alerta para os impactos do bullying, que podem ser devastadores, incluindo depressão, ansiedade e dificuldades de relacionamento. “Rodas de conversa, palestras e debates são estratégias eficazes para encorajar crianças e adolescentes a falar sobre o problema. Quando os adultos oferecem apoio, as crianças se sentem mais seguras para pedir ajuda ou enfrentar a situação.”
As redes sociais, por sua vez, têm um papel ambíguo. “O ciberbullying é uma preocupação crescente. Muitas vezes, as crianças não percebem o impacto de suas palavras na internet. Pais e escolas precisam abordar o tema para ensinar as crianças a se defenderem e evitarem comportamentos ofensivos online.”
CAMPANHAS
A psiquiatra Jordana Farias destacou a importância de campanhas nas escolas convidando psicólogos e psicopedagogos. Em muitos casos, a própria instituição já dispõe desses profissionais, por ser obrigatório. Com palestras voltadas ao público específico, de forma lúdica, explicando detalhes do que é o bullying, as formas de agressão, tipos de intimidação, atos que podem trazer a ruína de um colega da escola.
“Com o celular, sabemos que fica muito mais fácil praticar o bullying com o cyberbullying. É fundamental que escolas promovam campanhas, assim como já fazem na educação continuada, como a feira de ciências, os jogos escolares, entre outros.”
“O bullying normalmente começa na escola, então isso tem que ser desconstruído na escola. A ajuda dos pais é fundamental no ensino de como lidar com o bullying, tanto como vítima quanto como agressor”.
A psiquiatra ressaltou que, em caso de depressão, se faz necessária a ajuda médica e psicológica, para a intervenção com medicação ou com terapia, dependendo de cada caso. “Costumo dizer que esses dois profissionais são com a tampa e a panela, o psiquiatra não vai conseguir trabalhar sozinho”, frisou.
“Muitas vezes os pais são gatilhos para os filhos, por isso, a importância do envolvimento da família neste contexto de ajudar a vítima ou também o agressor”, completou.
Iniciativas em Maceió e Alagoas
Na rede municipal de Maceió, 58,33% das escolas implementaram programas anti-bullying. A Secretaria Municipal de Educação (Semed) oferece suporte psicológico e social aos estudantes, além de promover formações para gestores e professores. Programas como “Bullying: Vamos Mudar de Atitude!” e “Bullying: Vamos Sair Dessa!” são utilizados como ferramentas educativas.
Já na rede estadual, o programa Coração de Estudante, lançado em 2024, promove a saúde mental dos alunos e oferece atendimento psicológico e social em todas as 312 escolas estaduais. A iniciativa inclui diagnósticos organizacionais, distribuição de material didático e encaminhamentos para serviços especializados.
A Secretaria de Estado de Prevenção à Violência (Seprev) também tem intensificado ações de conscientização, alcançando quase seis mil alunos em 2024. Equipes multidisciplinares realizam palestras e acompanham casos específicos, conectando os estudantes à rede de proteção quando necessário.
Cultura de paz como meta
A secretária da Seprev, Paloma Tojal, destaca que investir na prevenção junto a crianças e adolescentes é estratégico. “Quando o Estado orienta, educa e apoia, criamos um ambiente mais seguro e fortalecemos a sociedade como um todo.”
Com iniciativas integradas entre família, escola e poder público, o combate ao bullying ganha força, promovendo uma cultura de respeito, empatia e inclusão para transformar a realidade de milhares de crianças e adolescentes.
Iniciativas de combate ao bullying
Em Alagoas, o Ministério Público (MP/AL) lançou um projeto inovador que busca transformar a cultura escolar. A iniciativa inclui oficinas de mediação de conflitos, palestras sobre convivência saudável e a criação de um protocolo de proteção contra violências no ambiente escolar.
Medidas Preventivas nas Escolas: Combate ao Bullying e Promoção da Inclusão
O bullying e o racismo nas escolas são questões urgentes que demandam ações coordenadas entre famílias, instituições de ensino e sociedade. Luciano Amorim, coordenador de Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria Municipal de Educação (Semed), destacou a importância de enfrentar esses problemas, especialmente após o caso de Israelle, uma menina de oito anos, viralizar nas redes sociais ao relatar episódios de racismo.
Ações da Semed
Amorim ressaltou que a Semed adota uma abordagem socioemocional para cuidar da saúde mental de estudantes e servidores, combatendo o racismo e outras formas de discriminação. Ele reforçou que o caso de Israelle reflete uma realidade estrutural que afeta muitas crianças pretas e pardas na rede pública.
“Estamos em diálogo permanente com as escolas para intervir em situações como essa, auxiliando na construção de um ambiente mais inclusivo e no fortalecimento da identidade racial dos estudantes”, explicou.
A Escola Municipal Baltazar de Mendonça, onde Israelle estuda, já desenvolve projetos voltados para inclusão e combate ao racismo. Segundo a diretora Silvia Vasconcelos, o projeto “Valores”, em execução este ano, aborda questões como bullying e respeito às diferenças. “Recebemos formações da Semed que capacitam nossos professores para lidar com essas temáticas”, destacou.
Durante a Jornada Pedagógica 2024, a Semed promoveu a mesa-redonda “Caminhos curriculares para uma educação não-violenta”, discutindo pluralidade, combate ao racismo e o papel dos educadores na construção de escolas inclusivas.
Apoio da Defensoria Pública e Campanhas de Valorização da Vida
Embora a Defensoria Pública de Alagoas (DP/AL) não tenha projetos específicos para o combate ao bullying, o órgão já realizou ações pontuais, como visitas a escolas para conscientização. A promotora Micheline Tenório, do Ministério Público de Alagoas (MP/AL), destacou a importância de iniciativas como a Campanha Setembro Amarelo, que reuniu 180 alunos da rede pública para palestras sobre valorização da vida e prevenção ao suicídio.
“Nosso objetivo é mostrar que ninguém está sozinho e que pedir ajuda é essencial para superar momentos difíceis”, enfatizou Tenório. O promotor José Antônio Malta Marques alertou sobre o aumento de casos de automutilação entre jovens e reforçou a importância de campanhas que abordem saúde mental e perspectivas de vida.
Uma cultura de inclusão e respeito
O combate ao bullying e ao racismo nas escolas exige uma abordagem integrada, envolvendo gestores, professores, famílias e alunos. Projetos educativos, formações continuadas e campanhas de conscientização são ferramentas indispensáveis para criar um ambiente acolhedor, onde o respeito às diferenças seja a base para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e inclusiva.