Alta incidência: suicídio entre crianças e jovens preocupa especialistas e acende alerta para pais e responsáveis

Em Alagoas, órgãos de proteção atuam com campanhas durante todo o ano e especialistas de saúde como psiquiatras e psicólogos falam da importância da família e da escola na educação socioemocional dos menores

Por Lucas França e Thayanne Magalhães / Revisão: Bruno Martins | Redação

[ALERTA: Essa reportagem especial aborda assuntos como depressão e suicídio, temas que mexem com o emocional e podem ser gatilhos para algumas pessoas. Caso você se identifique, tenha depressão, crises de ansiedade frequentes ou pensamentos suicidas, procure apoio no Centro Voluntário à Vida pelo telefone 188. No material há números de ONGs e entidades que você pode entrar em contato até de forma sigilosa e solicitar ajuda. Lembre-se: você não é o problema e não está sozinho.]

Era para ser um dia normal. Maria Katharina Simões da Costa, de 10 anos de idade, brincava com o irmão menor como de costume no estábulo da família, no Povoado Moreira, zona rural de Palmeira dos Índios, Região Agreste de Alagoas, quando o menino se machucou e o pai o socorreu levando-o a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade. A menina ficou sozinha. Poucas horas depois, a mãe chegou do trabalho em casa e gritou para a filha ir abrir o portão principal do sítio, mas ninguém respondeu. A mulher então deu a volta na propriedade, pulou o muro e encontrou a filha enforcada no estábulo. Desesperada, a mãe ainda tentou socorrer a filha, mas infelizmente a menina já estava sem vida. O caso aconteceu na tarde do dia 8 de julho de 2024. O laudo do exame cadavérico, entregue à polícia no dia 17 de julho, apontou que a causa da morte foi asfixia por enforcamento.

A primeira linha de investigação da polícia foi de que a criança teria cometido suicídio. A polícia ouviu a mãe, tias e a coordenadora da escola em que a menina estudava. "Ouvimos a coordenadora da escola onde ela estudava, ouvimos tias e a mãe da criança. Depois ouvimos o depoimento de outros membros da família e vizinhos, além do pai da criança", disse o chefe de operação Diogo Martins.

De acordo com a polícia, não havia sinais de arrombamento ou invasão na propriedade em que o corpo da menina foi achado.

Maria Katharina (Foto: Arquivo pessoal)


EXAME CADAVÉRICO

Francisco Milton, perito médico legista, responsável pelo exame cadavérico, informou que não foram identificadas no corpo da criança lesões de defesa ou sinais de tortura. O especialista falou também que não foram observadas fraturas no osso hioide, comum em casos de asfixias por constrição do pescoço, lesão provocada por estrangulamento.

"Com relação à necropsia em si, não encontramos nenhuma lesão de defesa, nem sinais de tortura. Encontramos aqueles sinais típicos de enforcamento, como o sulco no pescoço e a infiltração sanguínea na musculatura", afirmou Francisco Milton.

O legista destacou que foram coletadas amostras de sangue, conteúdo gástrico e fígado da menina. Esse material ficará guardado, para caso haja a solicitação de exames complementares de toxicologia forense.

QUESTIONAMENTO

O caso chocou a cidade e toda Alagoas, como uma criança tão pequena e aparentemente sem problemas psicológicos poderia cometer suicídio? Esse era o questionamento nas redes sociais e entre a população.

Conforme depoimentos, os pais de Maria Katharina estavam em processo de separação.

Eles prestaram depoimento na delegacia e a mãe da criança informou que deu entrada a um pedido de medida protetiva de urgência contra o pai da criança. O pedido foi protocolado no Juizado de Palmeira dos Índios e aguarda análise da Justiça. Ainda segundo a PC, o pedido é referente à ameaça e tem como base a Lei Maria da Penha. Depois dessa informação vir à tona, as desconfianças de que menina poderia ter sido morta e que o suspeito seria o próprio pai aumentaram. Mas, no dia três de setembro, uma reprodução simulada confirmou que a criança de fato havia tirado sua própria vida.

Reprodução: Katharina tirou sua vida

"A reprodução simulada foi basicamente para a gente ver se existe ou não a possibilidade de a menina ter amarrado a corda e se enforcado, pela altura dela", explicou Diogo Martins, acrescentando que "essa reprodução foi essencial para preencher algumas lacunas que estavam pendentes referentes a algumas perguntas que surgiram ao longo do inquérito”.

Na tarde do dia 3 de outubro, após a conclusão da reprodução simulada, que envolveu os trabalhos da equipe da delegacia do município, peritos do Instituto de Criminalística, além dos pais da garota, ficou constatado a possibilidade de a menina ter amarrado a corda sozinha e se enforcado.

Reprodução simulada no sítio da família, em Palmeira dos Índios (Foto: Ascom Polícia Científica)

Diogo Martins, disse que, durante quase cinco horas de exame pericial, foram utilizadas duas cadeiras e a corda usadas no ato, além de uma pessoa da mesma estatura que Maria Katharina para testar diferentes hipóteses de posicionamento e conduta – avaliando uma série de fatores, incluindo altura, distância, espaço, peso, tempo e percurso – e, em algumas delas, foi provado que ela poderia ter agido por conta própria.

A ação foi liderada pela chefe de Perícias Externas, Rafaela Jansons, e contou com a presença do chefe do Instituto de Criminalística de Arapiraca, Marcos Aurélio, e dos peritos Adailton Junior, José Edson e Letícia Albuquerque.

“A equipe técnica realizou uma reprodução simulada baseada nas informações fornecidas pelos pais, refazendo o percurso relatado por eles. Durante o exame, foram realizadas medições detalhadas no local, visto que na época do incidente não houve perícia oficial. Além disso, utilizamos materiais apreendidos pela Polícia Civil em uma diligência posterior para medir e simular a posição da vítima. Com os dados coletados, estamos conduzindo uma análise minuciosa para esclarecer os fatos, preservando a integridade das partes envolvidas”, explicou a perita criminal Rafaela Jansons.

O promotor Luiz Alberto de Holanda, da 1ª Promotoria de Justiça de Palmeira dos Índios; o delegado Rosivaldo Vilar; policiais civis do 64º DP e os advogados das partes envolvidas também acompanharam o procedimento.

Em Atalaia, moradores ficam chocados com morte de adolescente

Pouco mais de um mês da morte de Katharina, uma adolescente também acabou tirando a própria vida na cidade de Atalaia, Zona da Mata de Alagoas.

O caso também repercutiu nas redes sociais e no município. A Câmara Municipal de Atalaia divulgou uma nota de pesar: “É com profundo pesar que a Câmara Municipal de Atalaia lamenta o falecimento da jovem Marianne Barros, sobrinha do nosso amigo vereador @anilsonjra. Nossas condolências aos familiares e amigos neste momento de grande dor”.

Nota de pesar da Câmara de Atalaia (Imagem: Divulgação)

Na postagem, muitos internautas lamentaram o ocorrido dizendo que só ela sabia o que estava passando até chegar a tirar a vida.

Em um dos comentários uma internauta falou: “É uma dor que fica no coração da família pra sempre principalmente pra os pais...meus sentimentos a todos”.

Não foram revelados os motivos que possam ter levado a jovem a cometer o ato.

Infelizmente, estes são apenas dois dos vários casos registrados em Alagoas, mas vários outros já aconteceram.

'Estamos fortalecendo a rede de atenção psicossocial e promovendo a capacitação contínua de profissionais que lidam diretamente com essas situações' - Micheline Tenório, promotora do MP/AL

(Foto: Edilson Omena)

Taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% por ano no Brasil entre 2011 e 2022

Em uma matéria publicada no 24 de fevereiro deste ano pela Agência Brasil com base em levantamento do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz/Bahia), a taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% por ano no Brasil entre 2011 e 2022, enquanto as taxas de notificações por autolesões na faixa etária de 10 a 24 anos de idade evoluíram 29% ao ano no mesmo período.

Segundo o levantamento da Fiocruz, os números apurados superam os registrados na população em geral, cuja taxa de suicídio apresentou crescimento médio de 3,7% ao ano e de autolesão de 21% ao ano, no período analisado.

O levantamento da Fiocruz foi realizado em colaboração com pesquisadores de Harvard e constam de estudo recém-publicado na revista The Lancet Regional Health – Americas. Para chegar às conclusões, a equipe analisou dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde (MS).

Flávia Jôse Alves, pesquisadora do Cidacs/Fiocruz e líder da investigação, verificou que as taxas de notificação por autolesões aumentaram de forma consistente em todas as regiões do Brasil no período citado. “Isso também aconteceu com o registro geral de suicídios, que teve um crescimento médio de 3,7% ao ano”.

Fundação Oswaldo Cruz (Foto: Divulgação)


Covid-19 e os novos casos de suicídios

O mesmo estudo que aponta o crescimento dos casos de suicídios entre crianças e jovens confirma que durante a pandemia da Covid-19, aumentaram as discussões sobre os transtornos mentais como ansiedade e depressão, decorrentes da mudança da dinâmica nas relações sociais. No entanto, de acordo com Flávia Jôse, o registro de suicídios permaneceu com tendência crescente ao longo do tempo, sem alteração no período da pandemia. “Outras pesquisas já relataram que as taxas de suicídio no período se mantiveram estáveis. O principal aqui é que, independentemente da pandemia, o aumento das taxas foi persistente ao longo do tempo”, explicou.

Conforme os pesquisadores do Cidacs/Fiocruz, ter dados de qualidade disponíveis é uma estratégia importante de prevenção e monitoramento do suicídio, apesar de o acesso a esses dados ainda ser um problema grande no mundo todo, seja por estigma ou por questões legais: “o Brasil sai na frente nesse sentido, porque tem três diferentes bases de dados com essas informações e elas podem ser usadas para revelar evidências que a gente pode não ver ao analisar um banco único”, conta Flávia.

A pesquisadora expõe que estudos anteriores já faziam associação do aumento no número de suicídios com o aumento das desigualdades sociais e da pobreza e com o crescimento da prevalência de transtornos mentais, que causam impacto direto nos serviços de saúde, além de relatar as variações nas taxas em relação a cada região. “O estudo atual enfatizou a importância de mais políticas e intervenções. Estamos reforçando a necessidade de mais estratégias de prevenção ao suicídio ao trazermos estes resultados”.

AJUDA

  • O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional e prevenção do suicídio gratuitamente. Ele é formado exclusivamente por voluntários. A pessoa que procura o CVV porque está se sentindo solitária pode conversar de forma sigilosa, sem julgamentos, críticas ou comparações com os voluntários da instituição, que atuam em todo o Brasil. O atendimento é realizado pelo telefone 188 (24 horas por dia e sem custo de ligação) e pelo chat nos seguintes dias e horários: domingos, de 17h até 1h; de segunda a quinta-feira, de 9h até 1h; na sexta-feira, das 15h às 23h; e nos sábados, de 16h até 1h.
  • Outros canais que podem fornecer atenção e auxílio são o Mapa da Saúde Mental, que traz uma lista de locais de atendimento voluntário online e presencial em todo país, e o Pode Falar, canal lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) de ajuda em saúde mental para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. Funciona de forma anônima e gratuita, indicando materiais de apoio e serviço.

Ministério Público de Alagoas e a prevenção do suicídio entre crianças e adolescentes

A promotora Micheline Tenório, responsável pelo Núcleo de Saúde Pública do Ministério Público de Alagoas (MP/AL), expressou preocupação sobre o crescente número de casos de suicídio entre crianças e adolescentes na região. Segundo ela, a situação tem se agravado de maneira alarmante. "É algo muito sério e que tem aumentado. Estamos vendo mais crianças, adolescentes e jovens tirando a própria vida ou tentando", afirma Micheline, destacando que o problema está se tornando mais visível, especialmente na mídia.

Os dados mais preocupantes, conforme observa o Ministério Público, referem-se à redução da faixa etária das vítimas. "Temos observado casos de crianças de apenas oito anos tirando a própria vida", destaca a promotora, ressaltando o impacto da desesperança entre os jovens. Ela acredita que fatores como a desigualdade social e a falta de perspectivas de futuro contribuem significativamente para o agravamento da situação. "As redes sociais também têm um papel nisso, oferecendo uma visão irreal de felicidade e sucesso, o que pode intensificar a sensação de fracasso e desespero entre os mais jovens".

Micheline também chama a atenção para os desafios enfrentados pelo Ministério Público na implementação de políticas de prevenção. Ela afirma que, embora a Constituição determine que crianças e adolescentes sejam uma prioridade absoluta, na prática, a realidade é diferente. "Infelizmente, não vemos essa prioridade nos municípios de Alagoas", alerta, reforçando a necessidade de maior comprometimento por parte dos gestores públicos em todas as esferas.

Iniciativas e ações do Ministério Público

O MP/AL tem desenvolvido diversas ações, com destaque para a campanha anual "Setembro Amarelo", que visa a conscientização sobre a prevenção do suicídio. "Neste ano, nosso tema é 'Você Não É o Problema', focando na valorização da vida e no apoio contínuo para aqueles que sofrem", explica Micheline. Entretanto, ela destaca que essas ações não podem ser limitadas a um mês: "A prevenção ao suicídio deve ser trabalhada ao longo de todo o ano."

Lançamento da campanha Setembro Amarelo em Alagoas (Foto: Assessoria)

Outras iniciativas incluem programas que promovem uma cultura de paz e a proteção de crianças e adolescentes contra diversos tipos de violência, como o abuso sexual. "A prevenção vai além do suicídio em si, envolve proteger nossas crianças de ambientes nocivos e garantir que elas tenham apoio adequado nas escolas e em casa", pontua.

O órgão também tem atuado em parceria com diversas instituições, como a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), universidades locais e organizações da sociedade civil. Um exemplo é o trabalho com o Centro de Acolhimento Integrado e Prevenção do Suicídio e Autolesão (Cais), um centro que acolhe sobreviventes de tentativas de suicídio e familiares de vítimas. "Estamos fortalecendo a rede de atenção psicossocial e promovendo a capacitação contínua de profissionais que lidam diretamente com essas situações", esclarece.

A importância da família e da escola

Um dos principais fatores de prevenção mencionados pela promotora Micheline é o envolvimento familiar. "Os pais precisam estar presentes e atentos ao comportamento dos filhos", afirma. Ela explica que mudanças repentinas de comportamento, como isolamento ou agressividade, podem ser sinais de alerta. Além disso, a quebra de tabus e preconceitos dentro da família, especialmente com adolescentes LGBTQIAPN+, é essencial para o acolhimento e apoio necessário a esses jovens.

Por fim, Micheline destaca a importância da presença de psicólogos nas escolas, para identificar precocemente problemas como o bullying e a autolesão. "Os psicólogos escolares desempenham um papel fundamental ao encaminhar esses casos para o acompanhamento necessário, prevenindo que se tornem crises mais graves", conclui.

A atuação do Ministério Público de Alagoas reforça a importância de uma abordagem integrada entre escola, família e políticas públicas para enfrentar o crescente número de suicídios entre jovens no estado. A conscientização e o apoio contínuo são essenciais para reverter esse quadro, promovendo um ambiente mais seguro e acolhedor para as crianças e adolescentes.

SAÚDE MENTAL INFANTIL

Prevenção ao suicídio por meio da Educação Socioemocional

Diante do aumento preocupante de casos de suicídio entre crianças e adolescentes, a discussão sobre saúde mental nas escolas se torna cada vez mais urgente. A educação socioemocional (ESE) aparece como uma ferramenta eficaz para enfrentar esse desafio, ajudando a prevenir crises emocionais ao desenvolver a capacidade de jovens lidarem com suas emoções. "O trabalho com as emoções é diário e permanente, e é essencial para a prevenção", ressalta Cícero Filgueira, coordenador pedagógico da Hug Education.

O modelo de educação socioemocional da Hug Education, baseado nas competências propostas por Rafael Bisquerra, ensina habilidades como a regulação emocional, a autonomia e o desenvolvimento de competências sociais. Isso permite que os estudantes lidem melhor com situações adversas, que podem incluir desde o bullying até problemas mais profundos, como a depressão. "Essas competências oferecem às crianças e adolescentes as ferramentas necessárias para enfrentar os desafios da vida e cultivar uma atitude mais positiva", explica Filgueira.

A inclusão da educação socioemocional nas diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um passo importante para combater o crescente número de transtornos emocionais. A Hug Education, que já aplica essa metodologia desde 2012, contribui diretamente para a criação de ambientes escolares mais saudáveis, onde a saúde mental é tratada como uma prioridade.

Os programas de ESE, ao promoverem o bem-estar emocional, também visam reduzir a evasão escolar e melhorar o clima nas escolas. "Em locais onde o ambiente emocional é positivo, o desempenho dos alunos melhora significativamente", afirma Filgueira. Esse tipo de abordagem mostra que, além de prevenir o suicídio, a educação emocional contribui para o sucesso acadêmico.

Cícero Filgueira, coordenador pedagógico da Hug Education (Foto: Edilson Omena)

Embora a campanha do Setembro Amarelo jogue luz sobre a prevenção ao suicídio, a necessidade de um debate contínuo sobre saúde mental é evidente. Para Filgueira, manter o diálogo aberto ao longo do ano é essencial. "As aulas de ESE já incentivam a regulação emocional de forma contínua", afirma. Ele sugere que práticas diárias voltadas à conscientização emocional sejam parte do cotidiano escolar para que a saúde mental das crianças e adolescentes seja preservada.

Um dos maiores desafios para a implementação de programas como esses é a falta de compreensão e engajamento, tanto de educadores quanto de familiares. Ainda assim, Filgueira observa que, à medida que as escolas incorporam a ESE em suas atividades cotidianas, como feiras e projetos, o envolvimento aumenta. "Quanto mais os alunos participam ativamente, mais conseguimos resultados positivos", aponta.

O papel das famílias também é destacado como fundamental no processo de prevenção. "A escola não pode agir sozinha. A parceria com as famílias é crucial para o desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes", alerta Filgueira. Ele destaca a importância de que educadores fiquem atentos a sinais de alerta, como mudanças bruscas de comportamento, e encaminhem esses casos para apoio especializado.

Com a crescente preocupação sobre a saúde mental nas escolas, é cada vez mais evidente que a educação socioemocional não é apenas uma tendência, mas uma necessidade para a formação integral dos estudantes. "Falar sobre saúde mental é reconhecer que corpo, mente e emoções estão interligados. Educar para o equilíbrio emocional é preparar as novas gerações para enfrentarem os desafios da vida com resiliência e empatia", conclui Cícero Filgueira.

Essa abordagem coloca em foco a necessidade de que a saúde mental das crianças seja tratada como prioridade constante no ambiente escolar, não apenas em campanhas pontuais, mas como parte integral da formação de futuros cidadãos mais equilibrados e preparados para lidar com os desafios da vida.

SETEMBRO AMARELO

O Setembro Amarelo é uma iniciativa internacional que foi trazida para o Brasil em 2014, em uma parceria entre a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), com o propósito de conscientizar a sociedade sobre a prevenção do suicídio. A campanha, que se intensifica no referido mês devido ao Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio em 10 de setembro, é um lembrete da importância do cuidado com a saúde mental.

Entretanto, é fundamental difundir que essa é uma temática que deve ser explorada o ano inteiro, para que a mensagem de prevenção seja verdadeiramente eficaz. Um dos caminhos mais promissores para isso é a integração da educação socioemocional nas escolas e na sociedade.

Daniela Sales, psicóloga e coordenadora de Metodologia da HUG Education (Foto: Arquivo pessoal)

Para a psicóloga e coordenadora de Metodologia da HUG Education, Daniela Sales, a campanha Setembro Amarelo é uma importante ferramenta para difundir a empatia e um olhar mais atento para as relações humanas. “A gente vai entendendo que a educação socioemocional e a campanha, através das propostas socioemocionais que já são previstas pela BNCC, atuam como uma medida preventiva para que a gente não chegue nesses índices tão alarmantes de adoecimento mental. Por isso a gente busca trazer uma promoção de vida e bem-estar para essas pessoas”, pontua.

“A proposta da educação socioemocional é conseguir, dentro das escolas, promover e desenvolver ferramentas pedagógicas para crianças e adolescentes, para que eles consigam se autogerir e se autorregular, considerando que o Brasil é o segundo país mais ansioso do mundo e o quinto com o maior índice de depressão”, salienta a psicóloga.

É possível observar alguns sinais no cotidiano dos menores, diz psiquiatra

Para a médica psiquiatra Jordana Farias, existe uma combinação de diversos fatores que podem levar os menores a cometerem o suicídio.

"É uma combinação de diversos fatores, né? Social, ambiental, genético, psicológico. Esses são fatores que vão influenciar e alguns dos gatilhos principais que o médico psiquiatra tem que fazer a investigação e avaliar. Se a criança ou a adolescente passou por trauma ou algum outro tipo de abuso; se aquela criança vem com algum transtorno psiquiátrico primário, tipo uma depressão; se vem acontecendo algum quesito familiar, por exemplo, divórcio dos pais ou então alguma pressão acadêmica importante. Tudo isso pode influenciar”, pontua Jordana.

Ainda conforme a especialista, por mais que a criança ou o adolescente não diga o que esteja acontecendo, os responsáveis vão ver nas atitudes se pararem e observarem. Ouça como identificar no áudio com a explicação da psiquiatra.

Professora alerta para sinais de sofrimento emocional em crianças e adolescentes como forma de prevenir suicídios

A prevenção ao suicídio infantil é um tema que vem ganhando cada vez mais atenção dos profissionais de saúde mental, especialmente diante do aumento de casos de transtornos mentais entre crianças e adolescentes. A professora Jessyca Montenegro, especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência pela Santa Casa do Rio de Janeiro, alerta para o crescimento preocupante desses transtornos nos últimos anos. De acordo com um estudo publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2021, houve um aumento significativo na prevalência de transtornos depressivos nessa faixa etária, passando de 4,5% para 8%.

"Boa parte dessas tentativas de suicídio durante a adolescência está relacionada a transtornos mentais, como depressão, ansiedade e vários outros, mas também ligados a questões escolares, acadêmicas e sociais", explica a professora. Ela ressalta que essa nova geração de adolescentes demonstra uma dificuldade maior em desenvolver resiliência, que é a capacidade de se adaptar ao sofrimento. "Em gerações anteriores, víamos isso com mais clareza", afirma.

Jessyca também relaciona o impacto da pandemia de Covid-19 com o aumento desses casos, citando o isolamento social como um fator agravante. "Durante a pandemia, houve um aumento de conflitos em ambientes domésticos e o afastamento dos adolescentes de seus grupos de convívio, o que aumentou essa introspecção e a dificuldade para lidarem com a solidão", observa. Ela destaca que os adolescentes, por natureza, costumam andar em grupos, e o distanciamento forçado acentuou os sentimentos de isolamento.

Professora e psiquiatra Jessyca Montenegro (Foto: Arquivo pessoal)


Após o fim do isolamento, havia a expectativa de que os níveis de transtornos mentais voltassem ao normal, mas o que se observou foi o contrário. "Boa parte dos adolescentes apresenta sequelas da pandemia. A maior parte, 90%, das crianças e adolescentes que fazem tentativas de suicídio têm algum diagnóstico de transtorno mental", alerta Jessyca. Ela aponta que, além dos transtornos mentais, fatores como conflitos familiares e o bullying nas escolas também têm um papel significativo nesse contexto. "Hoje, o bullying é uma questão muito marcante nas escolas e muitas vezes essas crianças e adolescentes têm dificuldade de falar abertamente sobre o que estão sentindo, o que dificulta o acolhimento."

A professora também explica que é possível identificar sinais de alerta quando a criança ou adolescente começa a apresentar mudanças significativas de comportamento. "Quando há qualquer alteração no comportamento basal daquela criança, é um indicativo de que algo não vai bem", diz Jessyca. "Se uma criança era comunicativa e alegre, mas de repente não quer mais ir à escola, não quer interagir com os colegas, ou passa muito tempo isolada no quarto, são sinais importantes de que essa criança está sofrendo."

Entre os outros sinais citados por Jessyca estão comportamentos de autoagressão, como lesões nos braços, ou a perda de interesse em atividades que antes traziam prazer, como frequentar a piscina ou brincar com amigos. "Mudanças no apetite, como comer de forma exagerada ou recusar-se a se alimentar, também são indícios de que essa criança está passando por um sofrimento psíquico", explica.

Diante desses sinais, a professora enfatiza a importância de buscar ajuda profissional o mais cedo possível. "O acompanhamento psiquiátrico pode ser essencial para essas crianças e adolescentes que estão passando por essas situações e quanto mais cedo o tratamento for iniciado, maiores as chances de uma recuperação adequada", conclui Jessyca.