Alagoas tem alta no risco de retorno da poliomielite

Queda na taxa de cobertura vacinal tem provocado reintrodução de doenças erradicadas no país e causado preocupação em especialistas

Por Ana Paula Omena, Valdete Calheiros / Revisão: Bruno Martins | Redação

Alagoas em consonância com o cenário nacional encontra-se classificado, segundo a matriz de risco da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), como em alto risco para reintrodução da poliomielite. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), vários esforços estão sendo feitos para obter novamente o certificado de eliminação do sarampo, inclusive com a necessidade de alcance de maiores e homogêneas coberturas vacinais.

A professora Adriana Correia Soares, de 54 anos, desenvolveu limitações que a obrigaram a usar muletas na infância e cadeira de rodas na vida adulta. Com apenas 11 meses de vida, ela teve poliomielite. As sequelas da doença estão presentes até hoje em sua rotina.

Cadeirante, a professora conta, com orgulho, que nunca se deixou abater e que luta todos os dias para não ser tão dependente. Ela teve uma infância “normal”, mas no momento da campanha para vacinar contra poliomielite, a professora, então com menos de um ano de idade, estava gripada e febril.

Foto: Adailson Calheiros

“Minha mãe contou que eu já andava àquela época. Mas, no início da década de 70 a vacina não podia ser aplicada em crianças com febre e gripe. Foi o que aconteceu comigo, não pude tomar vacina porque estava doente. Depois o médico que começou a me atender disse à minha mãe que já eram os sintomas da paralisia”, recordou a professora, mãe de um adolescente de 16 anos e profunda defensora da vacinação.

Adriana desenvolveu algumas limitações que a obrigaram a usar aparelhos e muletas para a locomoção durante toda a infância até a vida adulta. Ela afirma que sempre teve uma vida independente, recebeu apoio da família e investiu nos estudos.

“Minha mãe, apesar de severa, sempre lutou para que eu estudasse, tanto que terminei os estudos com a idade ideal. Com 18 já estava na faculdade. Então assim, para minha mãe, a educação vinha primeiro em vários momentos. Assim, quando eu era criança, adolescente, que o meu aparelho quebrou ou então a minha muleta quebrava, a minha mãe não me deixava faltar à escola, ela não deixava de jeito nenhum, ela tirava de onde não tinha dinheiro, deixava de fazer outra coisa, chamava um táxi e me levava pra escola. Nunca me deixou sem estudar e eu agradeço muito por isso porque tudo que eu tenho hoje, assim que eu conquistei independência, tudo foi devido à minha educação. Educação que a minha mãe me proporcionou. Então eu nunca deixei de estudar. Eu fiz faculdade, fiz pós, fiz mestrado”, contou, com orgulho.

Foi aos 30 anos que Adriana passou a utilizar cadeira de rodas após uma fratura. Neste período, Adriana estava grávida e optou em não realizar o procedimento para evitar complicações para a gestação.

“Então, quando eu fiquei grávida, tive algumas complicações, uma ameaça de aborto. E aí teve um dia que eu caí em casa e terminei quebrando a perna direita que era a perna que eu me apoiava para andar. Passei a usar a cadeira de rodas porque precisava fazer uma cirurgia na perna e eu não quis fazer, preferi ficar com a perna imobilizada durante toda a gravidez pela ameaça de aborto que eu tive. Então acabei não conseguindo curtir a gravidez no sentido de decorar quarto, comprar enxoval, tive pessoas que fizeram isso para mim. Depois que eu tive meu filho, voltei a fazer fisioterapia, mas o medo continuou, foi aumentando e acabei não realizando”, lembrou.

A professora considera as vacinas como ferramentas indispensáveis para a saúde das crianças. Ela conta que vacinou o filho com as imunizações de rotina e outras extras, tamanha a importância que dá ao assunto.

“Eu acho importantíssimo essa questão de vacinas justamente por tudo isso que a pessoa enfrenta, as sequelas, os preconceitos, as dificuldades. Quando meu filho nasceu, eu fiz questão de vacinar com todas as vacinas que o SUS [Sistema Único de Saúde] dá direito. Mesmo que a doença não seja fatal, pode provocar danos irreversíveis. Vacinar é um ato de amor. Sou completamente a favor das vacinas, elas salvam vidas”, sentenciou.


Baixa cobertura vacinal aflige sobre o retorno de doenças

No Brasil, a baixa cobertura vacinal tem gerado preocupações sobre o retorno de doenças como sarampo, poliomielite e coqueluche. Por exemplo, o sarampo, que havia sido declarado erradicado no Brasil em 2016, voltou a ter surtos nos anos seguintes devido à diminuição nas taxas de vacinação. A poliomielite, que não registra casos no país desde 1989, também pode ressurgir se as taxas de vacinação continuarem a cair.


Para a Sesau, é essencial manter os altos índices de vacinação para prevenir o retorno dessas doenças, protegendo a saúde pública e evitando crises sanitárias.

Dados da secretaria em Alagoas dão conta de que neste período do ano há a sazonalidade para ocorrência de infecções por vírus respiratórios. Desta forma, através da Vigilância das Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAG), a Assessoria Técnica de Doenças Imunopreveníveis e Vacinação (ATI) da Sesau observou a predominância de casos pelo vírus Influenza e o vírus sincicial respiratório.

A secretaria informou ainda que estratégias estão sendo implementadas para melhorar a conscientização e fortalecimento da comunicação efetiva em saúde e combate às notícias falsas. E que os profissionais de saúde desempenham um papel na educação do público e no combate à desinformação sobre vacinas.

“Os profissionais de saúde, em todos os níveis de gestão e assistência, são protagonistas no combate à hesitação vacinal para o resgate das altas coberturas vacinais, sendo então estes os atores mais importantes na interlocução com a população”, ressaltou o órgão.

A Sesau salientou também que várias estratégias de vacinação vêm sendo realizadas pelas três esferas com o intuito de resgatar altas e homogêneas coberturas vacinais. Em 2024, houve a Estratégia de Vacinação nas Escolas, Campanha Nacional de Vacinação contra a Influenza, Campanha Nacional de Vacinação com a Poliomielite, Estratégia anual de vacinação contra a covid-19 e Monitoramento das Estratégias de Vacinação (poliomielite e sarampo). Em paralelo a estas estratégias mantém-se a vacinação de rotina nas diversas salas de vacinas do estado.

Foto: Ascom Sesau/AL

“Além das estratégias de vacinação - campanhas, intensificação e rotina - a vigilância epidemiológica desempenha o papel de monitoramento do comportamento das doenças na sociedade e na adoção de ações para a quebra da cadeia de transmissão, específicas para cada doença”, pontuou a Sesau.

Surto de coqueluche inquieta autoridades de saúde

Mônica Levi, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), destacou que é preocupante o fato de que no Brasil tenham aparecido casos de doenças já eliminadas ou controladas com vacinação, como por exemplo, sarampo, coqueluche e a poliomielite.

Ela reforçou que o sarampo foi uma doença eliminada em 2016, com certificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de país com a eliminação da circulação do vírus do sarampo. Porém a certificação foi perdida em 2019, com um surto iniciado em 2018.

“Nós estamos agora prestes a ser recertificados, o último caso de sarampo foi em junho de 2022 no Amapá, ou seja, nós tivemos ações e estratégias de saúde pública com campanha e vacinação de toda a população, e nós estamos prestes a de novo estarmos eliminados do sarampo, mas ainda não é uma doença que a gente pode dizer que está eliminada do país. Precisa de outros parâmetros serem conquistados para a gente receber essa recertificação da OMS. Com relação à poliomielite, sim, é uma doença que foi eliminada das Américas, do Brasil, e o último caso de pólio no país foi em 1989”.

Já a coqueluche tem preocupado autoridades de saúde no país, tendo em vista que era uma doença já controlada com vacinação. Mônica Levi comentou o risco no áudio abaixo.


De que forma os profissionais de saúde podem ajudar a aumentar a conscientização e a confiança nas vacinas?




Maceió não tem registro de retorno de doenças já erradicadas 

“Há essa expectativa de retorno das doenças, caso as coberturas caiam ainda mais, mas esse não é um efeito a curto prazo”, frisou Reneé Oliveira, médico infectologista do PAM Salgadinho – Posto Comunitário da Secretaria Municipal de Saúde de Maceió. Ele enfatizou que nos últimos anos não foi notificado nenhum caso dessas doenças na capital alagoana (sarampo, coqueluche e poliomielite), embora no Brasil tenham aparecido alguns casos.

Foto: Ascom Sesau/AL

“Em Maceió, no momento, não há nenhuma doença específica com aumento de casos devido à recusa da vacinação. Contudo, existe sim uma expectativa do retorno de algumas doenças devido à baixa cobertura vacinal em todo o Brasil, a exemplo do sarampo, coqueluche e poliomielite. Essas e outras doenças tinham uma boa cobertura vacinal, mas hoje em dia os índices estão muito abaixo do esperado. Para que isso não aconteça, é necessário atingirmos as metas das campanhas, com 90 ou 95% de cobertura vacinal”, ressaltou.

O infectologista destacou ainda que o fato de termos uma baixa cobertura vacinal é algo que já vem de muitos anos, não só no Brasil como no mundo todo. Após a pandemia da covid-19, a resistência à vacinação foi ainda pior e a problemática da desinformação também contribuiu para essa baixa cobertura vacinal. Porém, desde 2014 já se notava uma queda grande na cobertura vacinal de diversas doenças.

“A cobertura da vacina contra a poliomielite, por exemplo, uma vacina consolidada e que foi responsável por erradicar a doença no país, de um público-alvo de 52.322 crianças a serem vacinadas, apenas 5.203 receberam aplicação, representando uma cobertura de 9,94%, quando o ideal para manter os índices de vacinação é de 95% do público-alvo”, detalhou.

Doenças imunopreveníveis ressurgem fora do Brasil e acendem alerta

Embora atualmente não haja registro de doenças imunopreveníveis que voltaram a incidir no Brasil, com casos ressurgindo fora do país, principalmente na Europa e África, o Ministério da Saúde aumentou a vigilância e intensificou as campanhas de vacinação.

Um exemplo da reintrodução das doenças imunopreveníveis é o sarampo. Em 2016, o Brasil havia recebido o título de país livre de sarampo. Em 2018, no entanto, o intenso fluxo migratório de países vizinhos, associado às baixas coberturas vacinais em vários municípios, permitiu a reintrodução do vírus em território nacional.

Desde 2019, o número de casos de sarampo está em queda: despencando de 21.704 registros, no referido ano, a 41 casos, em 2022. O último caso foi confirmado em 5 junho de 2022, no Amapá.

Em 2023, o Ministério da Saúde registrou o aumento nas coberturas vacinais de 13 dos 16 principais imunizantes do calendário infantil do Programa Nacional de Imunizações (PNI) se comparado com dados de 2022. Com isso, o país avançou na imunização infantil e conseguiu sair da lista dos 20 países com mais crianças não imunizadas no mundo.

Ainda em 2023, o governo brasileiro, na gestão do presidente Lula, anunciou o Movimento Nacional pela Vacinação, com o objetivo de retomar a confiança da população na ciência, no SUS e nas vacinas. Assim, direcionou todas as ações técnicas e de comunicação para promover a vacinação da população com o lema “vacina é vida, vacina é para todos”.

Slogan de campanha da Fiocruz

Além disso, o ministério promoveu estratégia de microplanejamento e percorreu o Brasil realizando oficinas com as secretarias de saúde e buscando soluções viáveis para a realidade de cada local. Neste cenário, diversas estratégias foram adotadas, como a imunização extramuros, ampliação do horário das salas de imunização e busca ativa de não vacinados. Neste sentido, a estratégia de imunização foi adaptada conforme a população, a estrutura de saúde, a realidade socioeconômica e geográfica.

A atual gestão do Ministério da Saúde também promoveu uma mudança no painel de registro de aplicação das vacinas para dar mais transparência e agilidade aos dados.

Para ter acesso a todas as vacinas de rotina previstas acesse https://www.gov.br/saude/pt-br/vacinacao/calendario.

Para ver os dados de coberturas vacinais, consultar painéis disponibilizados pelo Ministério da Saúde em: https://infoms.saude.gov.br/extensions/SEIDIGI_DEMAS_VACINACAO_CALENDARIO_NACIONAL_MENU_COBERTURA/SEIDIGI_DEMAS_VACINACAO_CALENDARIO_NACIONAL_MENU_COBERTURA.html.

Rede Nacional de Dados em Saúde, de janeiro a junho de 2024:

- Poliomielite - 79,79% - vacina inativada (VIP); Tríplice Viral (sarampo, caxumba e rubéola) - 89,07%; DTP (difteria, tétano e coqueluche) 

- 79,41%.A meta do Ministério da Saúde é imunizar 95% do público-alvo de cada vacina.

- Poliomielite - Para todas as crianças menores de 5 anos. O esquema vacinal é de três doses da VIP (vacina inativada poliomielite) aos dois, quatro e seis meses de idade, e dois reforços da VOP (vacina oral poliomielite) aos 15 meses e aos 4 anos.

- Tríplice Viral - No Calendário Nacional de Vacinação, o imunizante está disponível para pessoas de 12 meses a 59 anos de idade, sendo recomendadas duas doses até 29 anos e uma dose de 30 a 59 anos, em pessoas não vacinadas.

- DTP (difteria, tétano e coqueluche) - Nas crianças a imunidade às doenças é adquirida quando elas tomam as três doses da vacina, sendo necessária a realização dos reforços aos 15 meses e aos 4 anos de idade.

Imunização infantil

O Brasil avançou na imunização infantil e conseguiu sair da lista dos 20 países com mais crianças não imunizadas no mundo. O dado faz parte das estimativas da Organização Mundial da Saúde e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

O aumento da cobertura vacinal em Alagoas contribuiu para o país sair dessa lista. No estado, a cobertura vacinal contra a DTP (tríplice bacteriana) passou de 74,17% em 2022 para 83,16% em 2023.

Os avanços brasileiros fizeram com que o país saísse do ranking dos 20 países com mais crianças não imunizadas do mundo. Em 2021, o Brasil ocupava o 7º lugar nesse ranking e, em 2023, ele não faz mais parte da lista.

Foto: Edilson Omena

Foi justamente no ano passado que 13 das 16 principais vacinas do calendário infantil apresentaram aumento das suas coberturas vacinais em todo o Brasil, se comparadas às coberturas registradas em 2022.

Entre os destaques de crescimento estão as vacinas contra poliomielite (VIP e VOP), pentavalente, rotavírus, hepatite A, febre amarela, meningocócica C (1ª dose e reforço), pneumocócica 10 (1ª dose e reforço), tríplice viral (1ª e 2ª doses) e reforço da tríplice bacteriana (DTP).

Nos 13 imunizantes que apresentaram recuperação, a média de alta foi de 7,1 pontos percentuais, sendo que, nacionalmente, a que mais cresceu em cobertura foi o reforço da tríplice bacteriana, com 9,23 pontos, passando de 67,4% para 76,7%.

Ao avaliar a cobertura vacinal entre os estados, a maioria apresenta melhoria na cobertura das 13 vacinas citadas. O investimento para apoiar estados e municípios nessa estratégia também aumentou.

INVESTIMENTOS

De acordo com o Ministério da Saúde, mais de R$ 6,5 bilhões foram investidos em 2023 na compra de imunizantes e a previsão é que esses recursos alcancem R$ 10,9 bilhões em 2024.

De forma inédita, R$ 150 milhões foram repassados por ano aos estados e municípios, em apoio às ações de imunização com foco no microplanejamento, ou seja, nas ações de comunicação regionalizadas. Para 2024, o mesmo valor está sendo destinado aos estados e municípios.

Em 2021, mais de 680 mil crianças brasileiras não tinham recebido nenhuma dose da vacina tríplice bacteriana. No ano passado, eram 103 mil crianças, o que representou uma redução de 85%.

O Ministério da Saúde atribui os resultados ao empenho dos profissionais de saúde e dos gestores estaduais e municipais. Para a Europa, estamos na meta de vacinação da DTP.

De acordo com o Ministério, o ideal é atingir a meta vacinal de 95% das crianças. Em 2023, a cobertura foi de 84%. A cobertura nacional, de modo geral, cresceu nas Américas e na África.

Com o aumento substancial da adesão à dose contra o HPV, vírus que causa diversos tipos de câncer, principalmente o de colo de útero, a proporção de meninas adolescentes que receberam pelo menos uma dose da vacina subiu de 20% em 2022 para 27% em 2023.

Mas, no mundo, a imunização global estagnou em 2023, deixando 2,7 milhões de crianças a mais não vacinadas ou com a imunização incompleta em comparação com os níveis pré-covid de 2019.

O relatório aponta ainda que mais da metade das crianças não imunizadas vivem em países em conflito. 

IMUNIZANTES SÃO ARMAS CONTRA DOENÇAS

O médico pediatra Marcos Gonçalves é um defensor contumaz das vacinas que, obrigatoriamente, devem ser aplicadas nas crianças. Ele chama a atenção para o fato de que a medicina não tem alternativa para tratar os vírus, senão de forma preventiva, através das vacinas.

“As vacinas são fundamentais, fizeram várias doenças desaparecerem no Brasil e são a única proteção que a gente tem para muitas doenças graves e que podem levar à morte”, alertou.

Os imunizantes são, segundo o médico, as únicas armas contra dezenas de doenças. “Não existe remédio para tratar o vírus da dengue, não existe um remédio para tratar o vírus da hepatite C, hepatite A, hepatite B, nem para covid, Influenza ou gripe. Mas temos as vacinas”, detalhou.

O pediatra Marcos Gonçalves, que é também imunologista e alergista, reforçou que, mesmo diante dos casos em que, apesar da vacina, a criança ainda adoeceu, certamente, os sintomas são bem menos graves, diminuindo as taxas de infecção e reduzindo substancialmente a quantidade de hospitalizações e óbitos.

O especialista citou como exemplo bem recente os casos de covid. De acordo com ele, basta comparar o número de casos graves, internações hospitalares e óbitos causados pelo coronavírus, antes e depois da vacinação.

“A vacinação erradicou doenças como poliomielite e diminuiu bastante os casos de sarampo. Se a taxa de vacinação diminuir, corremos grande risco, por exemplo, da poliomielite voltar. O vírus está ainda presente no mundo. Então, se por algum acaso, uma criança tiver exposição a esse vírus e ela não estiver vacinada, ela pegará a doença. E a poliomielite deixa sequelas graves”, exemplificou.

Na avaliação do médico pediatra, os surtos esporádicos de sarampo ou varicela (catapora) estão acontecendo devido aos baixos índices de vacinação. Isso sem falar, acrescentou, nos casos de pneumonia. E pneumonia grave.

A não vacinação, frisou o pediatra Marcos Gonçalves, não traz prejuízo apenas para a pessoa que não está sendo vacinada, mas também para a pessoa que está do lado, próxima.


ATO DE AMOR

“Vacinação é um ato de amor, é um ato de saúde pública. Nós temos que vacinar o maior número de pessoas possível. Geralmente a gente consegue uma imunidade de rebanho quando as taxas de vacinação na população atingem níveis de 75% a 80% da população vacinada. Quando a gente tem taxas abaixo disso, ainda é uma grande chance dessa doença circular na população. Então, existe um benefício individual de vacinação e existe um benefício também social de vacinação coletiva populacional”, salientou.

Sobre os efeitos colaterais de uma possível reação às vacinas, o médico não descarta. No entanto, garante que qualquer reação momentânea como febre baixa de duração de 12 ou 24 horas, no máximo, ou uma dor no local em que a vacina foi aplicada é infinitamente menor do que qualquer sequela que uma doença viral pode causar.

Pais são obrigados a vacinar crianças? O que diz a lei?

O Brasil sempre foi um país com um dos melhores programas de vacinação do mundo, um exemplo para muitas nações. Porém, nos últimos anos, a taxa vacinal tem caído, o que fez com que doenças já erradicadas, como o sarampo, voltassem a circular entre as crianças.

Foto: Edilson Omena

A cobertura vacinal da população brasileira vem despencando. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2021, menos de 59% dos cidadãos foram imunizados. Em 2020, o índice era de 67% e, em 2019, de 73%. O patamar aconselhado pelo Ministério da Saúde é de 95%.

Mas será que os pais têm a opção de não vacinar seus filhos? Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), quando os imunizantes forem recomendados pelas autoridades sanitárias do país, os responsáveis por crianças e adolescentes não podem sobrepor suas ideologias a respeito das vacinas ao bem-estar e ao direito garantido pela Constituição de os pequenos ficarem protegidos. Para o STF, é ilegítima a recusa dos pais em vacinar os filhos.

A população brasileira tem acesso gratuito a todas as vacinas recomendadas pela OMS, incluindo imunizantes destinados a crianças, adolescentes, adultos e idosos. Ao todo, são mais de 20 vacinas com recomendações e orientações específicas. Recentemente, o país incluiu em seu calendário a imunização contra a covid-19. A advogada Ana Gabriela Soares explicou que todo aquele que se encontra inserido dentro de uma sociedade está sujeito a direitos e deveres. A vacinação é um dever legal.

“Então, independente da crença, daquilo que a pessoa acredita ou da religião, o fato é que a pessoa inserida dentro de um contexto social tem que se submeter às regras daquele Estado. Logo, se determinada vacina se encontra dentro da recomendação das autoridades sanitárias daquele Estado, a pessoa é obrigada a tomá-la ou ofertá-la para aquela criança que se encontra sob sua responsabilidade”, explicou a advogada.

Foto: Arquivo Pessoal

Ana Gabriela Soares citou o parágrafo 1º do artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cujo texto diz que é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.


Ainda segundo a advogada, no mesmo sentido, no artigo 227 da Constituição Federal, é dever do Estado, da sociedade e da família a proteção das crianças e adolescentes, devendo o Estado colocá-los a salvo de qualquer tipo de negligência. “Ou seja, não é uma faculdade a escolha entre vacinar ou não, é uma obrigação, um dever legal”, salientou.

Quando a vacina é aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é incluída no Calendário Nacional de Imunização e passa a ser uma política pública de saúde, devendo ser observada por todos em benefício da própria sociedade.

“Deixa de ser uma escolha do particular, uma mera liberalidade, e passa a ser uma obrigação a fim de contribuir na prevenção e/ou erradicação de determinada doença”, assegurou.

Conforme a advogada, no dia 17 de dezembro de 2020, o STF se pronunciou sobre a matéria no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.586 e 6.587, ao analisar se pais podem deixar de vacinar seus filhos menores de idade com fundamento em convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais.

Em linhas gerais, o Supremo fixou a seguinte tese: “é constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico”.

“Nesse julgamento o Supremo analisou se a obrigatoriedade da vacina enquanto política pública não feriria o direito individual à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis”.

Desta forma, detalhou a advogada, nessa análise dos direitos em choque (de um lado saúde pública e do outro a liberdade de consciência individual), deve prevalecer a saúde coletiva que não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a se vacinar.

“O poder familiar dos pais não autoriza que esses pais coloquem as vidas dos próprios filhos em risco, que são crianças vulneráveis e recebem especial proteção do Estado. Em toda situação que envolver uma criança ou um adolescente, deve-se priorizar pela solução que garanta os direitos que lhe são assegurados. Não se trata, portanto, de seguir apenas as convicções pessoais do responsável pela criança, devendo sempre toda decisão a seu respeito ser pautada no seu melhor interesse. Principalmente quando o assunto é saúde”, argumentou a profissional.

O pai, mãe ou responsável legal que se recusar a vacinar seu filho ou filha estará indo contra as obrigações legais, acrescentou a advogada, podendo, em situações mais graves, responder por abandono material, uma vez que não proveu aquela criança das suas necessidades básicas e aqui a saúde se insere.

ARTIGO 249 DO ECA

A advogada explicou que o artigo 249 do ECA estabelece uma infração administrativa para os responsáveis legais que descumprirem, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, podendo incorrer no pagamento de multa de três a 20 salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

As infrações administrativas são decorrentes do poder de polícia da Administração Pública, sendo competência da Justiça da Infância e Juventude a aplicação dessa penalidade.

“É importante destacar que o Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser interpretado levando-se em consideração que os seus preceitos possuem caráter pedagógico para a sociedade, como assegura o artigo 100. Então a infração administrativa, se imposta, terá o caráter de educar aqueles indivíduos quanto à necessidade de observância dos direitos das crianças e dos adolescentes”, frisou.

Ainda conforme as explicações da advogada Ana Gabriela Soares, em caso de divergência dos genitores, especialmente em situações de pais separados ou divorciados, é possível se deparar com diferentes opiniões, onde um é favorável à vacinação e o outro não.

“Nessas situações, prevalece o direito da criança, enquanto sujeito de direito, devendo a decisão final ser a da vacinação. Em casos mais graves, o genitor ou genitora que não conseguir aplicar a vacina por resistência do outro, poderá ingressar com uma medida judicial para suprimir a autorização do outro e assim efetivar plenamente a saúde dos filhos”.

Fake news, a pior inimiga da saúde pública e da cobertura vacinal

A pandemia evidenciou ainda mais um movimento que vem crescendo nos últimos anos: 'os antivacinas'. Esses grupos defendem, basicamente, que as vacinas não possuem eficácia e não funcionam. Alegam ainda que elas funcionam como forma de controle populacional e que na verdade elas são uma forma de espalhar doenças.



Muito embora os argumentos desses grupos pareçam ter saído de uma grande teoria da conspiração de um filme americano, o impacto desse discurso já pode ser sentido na sociedade, inclusive em solo brasileiro. Em 2019, o Brasil registrou uma triste marca: nenhuma vacina do calendário bateu a meta prevista pelo Ministério da Saúde.

Conforme calendário básico, as primeiras vacinas são aplicadas logo que a criança nasce, e seguem por toda a infância. Isso significa que é dever dos pais observar e cuidar para que todas as vacinas sejam dadas em dia.

Fica ainda mais claro nessa decisão que a opção ou não pela vacinação ultrapassa a esfera da mera decisão pessoal, afetando toda a coletividade. Ora, se uma pessoa adulta e consciente de seus atos pode sofrer penalidades por não se vacinar, não pode ser aceitável que ela imponha essa decisão, e suas consequências, aos filhos.

Assim, por mais que os pais, detentores do poder familiar, possam tomar decisões pelos filhos, a questão da vacinação é uma situação que ultrapassa o direito de liberdade individual. A escolha dos pais em não tomar vacinas vai contra as recomendações médicas de especialistas, portanto, não pode ser imposta aos filhos, enquanto incapazes de se manifestar de forma contrária.

Em regra, o Estado não deve intervir na família, salvo em situações extremas, em que a vida de crianças pode ser colocada em risco por decisões filosóficas que contrariam a comunidade científica e atentam contra a vida e saúde de crianças.

PARTICIPAÇÃO DO ZÉ GOTINHA

O Ministério da Saúde tem incentivado, ainda, a participação do Zé Gotinha, ícone histórico da imunização e da defesa pela vida, em eventos por todo o Brasil. O personagem é considerado um aliado importante no processo de educação e combate às falsas notícias, pois conta com a confiança da população brasileira. O Zé Gotinha surgiu de um movimento dos países latino-americanos para a erradicação da poliomielite e se transformou no representante da imunização de crianças e adultos no Brasil.