Quase 100% da energia utilizada pela indústria alagoana no processo produtivo tem origem em fontes renováveis. É o que aponta o Balanço Energético de Alagoas (Beal) 2023, realizado pela Superintendência de Políticas Energéticas, da Secretaria de Estado do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Sedics).
Conforme o levantamento, 72,2% do consumo de energia do setor industrial alagoano tem origem no bagaço da cana. Em seguida, vêm o gás natural (20,28%), a eletricidade (7,28%), a lenha (0,15%) e o óleo combustível (0,09%). As três maiores em números de consumo são fontes renováveis e representam 99,77%.
O percentual de Alagoas supera de longe as médias nacional e nordestina, divulgadas por um estudo da Confederação Nacional das Indústrias (CNI). O levantamento aponta que 51% das empresas industriais do Brasil utilizam fontes renováveis de energia. A proporção é maior entre as empresas do Nordeste (62%), Centro-Oeste (61%) e Sul (55%).
No cenário nacional, 53% das indústrias já têm projetos ou ações voltadas para o uso de fontes renováveis de energia. A fonte solar é a que concentra o foco nessas iniciativas, que responde por 91% delas. Biomassa (5%), eólica (3%) e hidrogênio de baixo carbono (1%) respondem pelas demais fontes sendo estudadas pelas empresas, aponta o levantamento da CNI.
De acordo com o Beal, a produção energética é liderada pela hidrelétrica (39%), seguida da cana-de-açúcar (47%) e do gás natural (8,72%).
As energias hidrelétrica e da cana-de-açúcar são as principais responsáveis pela produção geral do estado e têm papel estratégico no desenvolvimento e na sustentabilidade em Alagoas. O percentual apresentado é superior ao dobro do número no Brasil, que ficou próximo a 40% da utilização desse tipo de fonte de energia, conforme o Beal.
Em tempos de aquecimento global e mudanças climáticas que têm causado fenômenos extremos do clima, como as fortes chuvas que atingiram 94,7% do estado do Rio Grande do Sul no último mês de maio, o mundo vem unindo esforços para reduzir as emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) na atmosfera. Especialmente o dióxido de carbono (CO₂), principal gás do efeito estufa.
A troca de matriz energética do fóssil para uma fonte renovável segue na linha de descarbonizar o planeta. Como são naturais, elas se regeneram e não geram resíduos, diferente do dióxido de carbono, reduzindo assim os impactos negativos no meio ambiente. Sua utilização também representa benefícios econômicos, visto que é mais barata. Dessa forma reduz os custos de produção.
São exemplos de fontes renováveis: solar, que gera energia por meio do sol; eólica, por meio do vento; hídrica, com origem na força das águas dos rios; geotérmica, que vem do interior da Terra; biomassa, a partir de matéria orgânica; oceânica, proveniente das marés e ondas; e hidrogênio. Já as fontes não-renováveis são: petróleo; carvão mineral; xisto, que gera energia a partir da rocha metamórfica; gás natural; e nuclear.
A matriz energética brasileira possui sua base na produção hidrelétrica. São mais de mil usinas hidrelétricas no país, o que responde por cerca de metade da produção e consumo brasileiros. Essa energia, a partir das águas dos rios, e todas as outras são utilizadas para gerar a energia elétrica, que é jogada na rede e consumida na residência, no comércio ou na indústria.
Conforme a ABEEólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), a energia elétrica produzida a partir das hidrelétricas representa 52% de toda a energia produzida no Brasil. Em seguida vem a eólica, com 14% da produção nacional. Depois a biomassa (8%). A menor produção vem de fontes não renováveis, como gás natural (9%), petróleo (4%), carvão mineral (2%) e nuclear (1%).
O Nordeste lidera na geração de energia a partir da fonte eólica, especialmente os estados da Bahia, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí. É o que explica o diretor do Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis, Rodrigo Mello. “Eles geram juntos cerca de 62% de tudo que é consumido no Nordeste”, diz.
Alagoas sai na frente em todos os setores, conforme estudo Beal, da Sedics. Isso porque a matriz energética do estado tem 87% de suas origens vindas de fontes renováveis.
Mercado Cativo x Mercado Livre
No Brasil, existem duas formas de comprar energia: através do mercado cativo e o mercado livre. A grande maioria dos consumidores está enquadrada dentro do mercado cativo ou Ambiente de Contratação Regulada (ACR), onde paga todo mês a tarifa pelo serviço à distribuidora de energia de sua região. Em Alagoas, por exemplo, é preciso ser cliente da Equatorial Energia e não há possibilidade de escolher outro fornecedor ou negociar as condições do contrato.
A cobrança para o consumidor cativo inclui custos da compra, transmissão e distribuição da energia, além de encargos e tributos. Os valores são reajustados anualmente e não podem ser negociados. O consumidor cativo ainda está sujeito a possíveis acréscimos com as bandeiras tarifárias. Esse mercado é destinado principalmente aos consumidores residenciais e pequenas empresas.
Já no Mercado Livre de Energia ou Ambiente de Contratação Livre (ACL), os consumidores podem escolher o próprio fornecedor de energia elétrica e negociar as condições, incluindo preço, índices de reajustes, volume, período de suprimento e condições de pagamento. O Mercado Livre de Energia é um ambiente digital controlado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). E é nesse cenário que entram os consumidores industriais e comerciais, que utilizam um grande volume de energia no processo de produção e comercialização. Esse mercado possibilita a negociação de contratos mais flexíveis e a redução de custos.
“No caso das unidades industriais, a partir de um determinado porte, não precisa consumir energia do mercado cativo. Então elas podem comprar de um gerador de longe, por exemplo, e pagar um serviço da distribuição da taxa de transporte. E aí você consome do fornecedor que você escolher. As indústrias começaram a comprar energia através deste mercado específico, de produtores de energia renovável. Então é muito comum as indústrias do Brasil como um todo irem diretamente à empresa que está gerando energia e fazer seu contrato de fornecimento, independente da distribuidora local”, explica Rodrigo Mello.
O processo funciona da seguinte forma: um consumidor de Alagoas compra de um fornecedor de fonte eólica do Ceará, por exemplo. A energia adquirida é colocada na rede de alta tensão da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). Essa, por sua vez, repassa a energia para a companhia de distribuição local, que em Alagoas é a Equatorial, que repassa ao consumidor. Pelo serviço de transporte dessa energia ele paga uma taxa à Chesf e à Equatorial.
“Hoje existem vários contratos bem mais econômicos do que a energia do mercado convencional. Existem muitos casos de negociação bem interessantes para o consumidor do mercado livre de energia”, ressalta Mello.
Há ainda a possibilidade de uma empresa gerar a própria energia e consumi-la utilizando por meio do mercado livre ou a partir do sistema fotovoltaico off grid. Nesse último caso, uma usina do setor sucroenergético sem conexão com rede elétrica convencional, por exemplo, vai gerar energia a partir da biomassa da cana por meio de um gerador dentro da própria empresa.
A utilização ou não desses recursos é vantajosa do ponto de vista dos custos, conforme Rodrigo Mello. “Isso é vantajoso do ponto de vista de custo, porque há controle nesse processo. Mas a empresa tem que avaliar se é vantajoso ou não. Cada caso é um caso”, ressalta.
O diretor do Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis faz ainda um apanhado do cenário nordestino. “No Nordeste, a gente tem uma região de maior produção no Brasil de energia renovável, quando junta as duas fontes eólica e solar, especialmente nos quatro estados que falei. Mas há pequenas gerações em todos os estados, especialmente geração distribuída da fonte solar. E essa é uma tendência de cada dia mais as empresas procurarem fontes renováveis por um compromisso dela com o meio ambiente e com a sociedade”, reforça.
Usina produz a própria energia a partir da biomassa da cana-de-açúcar e comercializa o excedente
A Usina Coruripe é um exemplo quando o assunto é geração própria de energia. Conforme o relatório de sustentabilidade da safra 2022-2023 divulgado no site da empresa, toda a energia consumida na operação foi gerada em suas unidades. A partir da biomassa da cana-de-açúcar, a usina obteve o equivalente a 686.350 Megawatt-hora (Mwh) no período. O excedente dessa energia limpa (418.250 Mwh) foi comercializado no mercado livre.
A empresa nasceu em 1925 no munícipio de Coruripe, Litoral Sul de Alagoas, a 20 km de Maceió, a partir da união de diversos engenhos. Em 1941 já era um dos maiores grupos produtores de açúcar, álcool e energia do Brasil. No município está localizada a sede da empresa, que se expandiu e hoje tem mais quatro unidades em Minas Gerais, nas cidades de Iturama, Campo Florido, Limeira do Oeste e Carneirinho.
A expansão para Minas Gerais começou em 1994, a partir da aquisição da Destilaria Alexandre Balbo, no munícipio de Iturama, na região do Triângulo Mineiro. A cogeração de energia elétrica teve início em 2001 com a criação da Coruripe Energética, naquela unidade, para aproveitar a grande quantidade de bagaço de cana produzida nas usinas.
Voltada para a produção de açúcar, álcool, energia e derivados, a Coruripe atende o mercado nacional e internacional, com clientes na China, Nigéria, Geórgia, Canadá, Marrocos, Bangladesh, Emirados Árabes Unidos, Malásia, Indonésia, Estados Unidos, Uzbequistão, Egito, Argélia, Somália, Espanha, Iraque, Arábia Saudita, Lituânia, Romênia, Índia, Rússia, Coreia do Sul, Tunísia, Iêmen, Reino Unido, Ilhas Maurício, Croácia e Brasil.
Em números, conforme o relatório de sustentabilidade da safra 2022-2023, a Usina Coruripe empregou 8.202 colaboradores nas cinco unidades, moeu 13,7 milhões de toneladas de cana, produziu 21,4 milhões de toneladas de açúcar e 401,5 milhões de litros de álcool. Seu faturamento total foi de R$ 3,7 bilhões, gerando um lucro líquido de R$ 511 milhões. Com resultados gigantes, a empresa está entre as maiores redes de açúcar do Brasil e do mundo.
Conforme o CEO [Chief Executive Officer – Diretor Executivo] da Coruripe, Mario Lorencatto, a chegada à excelência e à eficiência no modelo de gestão foi possível devido à capacidade da companhia de superar os obstáculos. "É parte de nossa essência", salienta.
O gestor destaca o compromisso da empresa com a sustentabilidade. “Nossa Jornada ESG vem sendo construída desde o início de nossas atividades. Daí para a identificação e alinhamento com os valores ESG (Ambiental, Social e Governança) foi um processo evolutivo, como consequência do que para nós representa o cuidado. Cuidamos do nosso negócio, das nossas pessoas e do meio ambiente onde estamos inseridos, cientes de que não existe um planeta 'B'”, avalia.
A agenda ESG tem sido adotada por empresas preocupadas em ter um papel relevante na transformação da sociedade e em um futuro mais sustentável. A sigla ESG vem do inglês Environmental, Social and Governance. E, dentro dessa agenda, elas voltam sua política para fatores socioambientais, como a redução e compensação das emissões de GEE na atmosfera.
Em maio de 2022, a Coruripe inaugurou um terminal rodoferroviário na cidade de Iturama para escoar a produção de açúcar do Triângulo Mineiro ao Porto de Santos (SP). A iniciativa deve reduzir ainda mais as emissões de GGE. Conforme o relatório 2022-2023, a companhia reduziu a emissão de 331 toneladas de carbono nesse período.
Seguindo a linha da sustentabilidade, a empresa destaca que desenvolve diversos projetos de responsabilidade socioambiental, com a preservação de florestas nos estados onde atua. Conforme a assessoria de imprensa da usina, ao todo, são cinco Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), onde são realizados trabalhos de preservação, reflorestamento e recomposição florestal com o plantio de mudas nativas. A companhia atua ambientalmente no monitoramento de nascentes, margens de córregos e rios, mantém parceria com órgãos e entidades ambientais para a preservação da fauna, especialmente de animais em risco de extinção e ainda atividades de conscientização de comunidades em relação à importância da manutenção da biodiversidade. Na agenda ainda está o progresso de comunidades por meio de ações socioambientais e esportivas.
"Esse diferencial nos traz mais agilidade, pois vivenciar a estratégia alinhada a propósitos claros contribui para que esses resultados históricos não apenas fortaleçam nossa presença no mercado, mas também solidificam nossa reputação como uma empresa que gera resultados considerando sempre a inovação, a sustentabilidade e o bem-estar das pessoas em equilíbrio com o meio ambiente", ressalta Mario Lorencatto.
Tecnologias mais limpas criam oportunidades para novos modelos de negócios
- 👉 Positivos: a transição energética impulsiona a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias mais limpas e eficientes. Isso pode criar oportunidades para novos modelos de negócios nas áreas de energia renovável, armazenamento de energia e mobilidade elétrica.
- 👉 Negativos: a transição requer investimentos significativos em infraestrutura, como painéis solares, turbinas eólicas e redes inteligentes. Esses custos podem ser um desafio inicial. Além disso, a mudança para fontes de energia mais limpas pode afetar comunidades dependentes de indústrias tradicionais, exigindo políticas de transição justas.
Alagoas Ambiental: indústria de transformação é 100% sustentável
Fundada há nove anos, a empresa genuinamente alagoana é sustentável, ou melhor, indústria de transformação, que procura inovar e beneficiar tanto a sociedade quanto o meio ambiente. Fazendo jus ao seu perfil e consciente de sua responsabilidade, a Alagoas Ambiental, em vez de apenas “enterrar” resíduos no aterro, busca selecionar materiais que podem ser reaproveitados e fomentar a cadeia produtiva com alternativas socialmente justas, ecologicamente corretas e economicamente viáveis.
E a cada ano, a indústria de transformação vem garantindo seu selo de sustentabilidade. Há dois anos, a Alagoas Ambiental deu mais um passo importante ao iniciar a geração de energia renovável. Segundo o administrador Tarcísio Neto, assessor da diretoria da Alagoas Ambiental, o foco da empresa é reciclar materiais e promover a sustentabilidade através do tratamento de resíduos.“Nosso objetivo é oferecer o que há de melhor em serviços e soluções aos nossos clientes, com foco em inovação e tecnologia. Transformamos o lixo em recursos valiosos para a indústria, sempre com um compromisso com a sustentabilidade e o meio ambiente”, disse.
A Alagoas Ambiental também transforma os resíduos como metralha - eles são tratados na indústria e transformados em matéria-prima para construção civil, como brita e areia lavada. Esses materiais são vendidos com valores até mais de 40% menores que os praticados em home centers, por exemplo.
Tarcísio também falou da produção de energia solar, que segundo ele, é capaz de alimentar cerca de 20 mil unidades habitacionais e beneficiar aproximadamente 100 mil pessoas (mais que a maioria das populações dos municípios alagoanos). Veja entrevista com Tarcísio Neto ao final da reportagem.
Indústria consome 55 kw/h de sua produção de energia e ‘aluga’ o excedente
O engenheiro civil da Alagoas Ambiental, Marnes Gomes ressalta que a empresa consome 55 kw/h (quilowatt-hora) de toda energia produzida dentro da própria indústria e o excedente é ‘alugado’ para outras empresas de diversos segmentos no estado.“Na verdade, consumimos o que produzimos, atestando assim a qualidade. Em relação à energia, consumimos mais da metade do que é produzido e o excedente a gente vai em busca de empresas que queiram ter este compromisso com o meio ambiente e com a sociedade, além, claro, de ter uma economia na eletricidade. Vale ressaltar que a Alagoas Ambiental não comercializa energia, a gente aluga e aí a empresa que se interessa, passa a ter um consórcio, ou seja, um aluguel e aí vira uma geradora também de energia renovável”, explica Marnes Gomes.
Ainda de acordo com Marnes, em Alagoas são 154 empresas que participam do consórcio junto à Alagoas Ambiental. “São empresas em toda Alagoas que participam desse projeto com a gente. Elas aderem ao consórcio e passam a gerar e, com isso, podem ter uma economia entre 10% e 14% comparados à energia elétrica que fossem consumir diretamente com a Equatorial, por exemplo. Como disse, são parceiros diversos como operadora de telefonia, comércio, educação e postos de combustíveis. Geralmente são empresas com contas de energia acima de R$ 1.000”.O engenheiro lembra que quando foi fundada, a empresa era apenas um aterro sanitário, mas foram implantados novos equipamentos, novas tecnologias e ela se transformou em uma indústria de transformação. “Por aqui transformando o lixo em vida e isso tudo com tecnologia de ponta e buscada em outros países que já trabalham com essa inovação”.
TRANSFORMAÇÃO DO BIOGÁS
“Com o biogás há duas formas para diminuir os problemas ambientais – gerando crédito de carbono, ao ser queimado todo o resíduo, ou colocando nas máquinas e gerando receita. Ou seja, uma prática limpa que reduz o passivo ambiental [Passivo ambiental é o conjunto de todas as obrigações que as empresas têm com a natureza e com a sociedade, destinado exclusivamente a promover investimentos em benefícios ao meio ambiente de forma legal]. A sociedade e o mercado demandam isto”, pondera Marnes.
O especialista diz que a Alagoas Ambiental recebe cerca de 1.000 toneladas por dia de resíduos. “Agora, imagine, uma tonelada pode gerar gás por 30 anos para o meio ambiente. E aqui, transformamos em receita com retorno positivo para todos”.
Marnes e Tarcísio Neto anteciparam que a usina de biomassa já está funcionando e os materiais como cascas de coco, madeiras, troncos de árvores e outros estão sendo recebidos pela Alagoas Ambiental. “Iniciamos na semana passada. O equipamento segue funcionando e já estamos em contato com potenciais fornecedores. Estamos produzindo um cavaco de madeira. Além disso, também teremos o recebimento de material classe 1 – aqueles perigosos como óleos, gás etc., que serão transformados em energia para indústrias”.
Bandeira e Capelli são exemplos de sustentabilidade
Localizadas no município de Capela, na Zona da Mata alagoana, duas fábricas de cerâmica dão exemplo de sustentabilidade. Produtoras de telhas e tijolos cerâmicos, a Bandeira e a Capelli deixaram de consumir a madeira da Caatinga e transicionaram sua matriz energética para a biomassa renovável. Elas passaram a utilizar a energia térmica da combustão do bambu, casca de coco, serragem e bagaço de cana-de-açúcar em suas fornalhas.
Agora, em mais uma fase de transição, a Bandeira e a Capelli buscam outra fonte para o processo de secagem de seus produtos, antes realizado por meio de energia elétrica. Um galpão para secagem, por meio de ventilação e energia térmica solar, está em fase de construção. “Vamos mudar para um processo natural de secagem”, explica o gestor das empresas, Frederico Gondim.
Para isso, as empresas deram férias coletivas a seus colaboradores, aproximadamente 80 pessoas, e devem retomar suas atividades em agosto.
A mudança da energia utilizada no processo de secagem dos produtos cerâmicos deve reduzir ainda mais as emissões de carbono e os custos de produção.
Em 20 anos da primeira transição energética, a Bandeira e a Capelli já evitaram a emissão de 455 toneladas de CO₂ na atmosfera. Com a redução de GEE, as empresas passaram a se beneficiar com a venda dos créditos de carbono. Com a renda proveniente dessa comercialização, as cerâmicas investem na valorização dos funcionários e em benefícios para a comunidade local.
O projeto apoia financeiramente a escola Ricardo Bondim Carneiro de Albuquerque. Em parceria com a prefeitura local, colaborou com a construção de um poço artesiano para distribuição de água encanada para as casas da comunidade local. Também contribuiu com campo de futebol para uso dos trabalhadores e lazer da comunidade.
Outra iniciativa foi o projeto “Sonho de Criança”, uma escola de futebol aberta 24 horas com o objetivo de incentivar atividades de lazer e recreação entre as crianças da comunidade e mantê-las afastadas da violência nas ruas.
Na área ambiental, as empresas apoiam um projeto de reintrodução de aves ameaçadas de extinção na natureza, têm parcerias firmadas com universidades locais para realização de estudos de biomassa e promovem o reflorestamento de áreas degradadas com espécies nativas, como Ipê Amarelo e Cedro.
Pautadas na agenda ESG, as cerâmicas ajustam seus investimentos em treinamento de colaboradores, incluindo novas práticas, processos e desenvolvimento de tecnologias mais sustentáveis, além de investimento em tecnologias que representem as melhores práticas do setor.
Principais benefícios ambientais da transição:
Amanda Peiter, professora do Campus de Engenharias e Ciências Agrárias (Ceca) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) que atua na área de biomassa e modelagem, explicou que os principais benefícios ambientais da transição para fontes de energia mais limpas na área da indústria dizem respeito à mitigação das mudanças climáticas, segurança energética e um ar mais limpo nos centros urbanos (melhora da saúde).
A especialista indicou que os desafios ou obstáculos enfrentados na adoção de uma matriz energética mais sustentável são os custos em relação às tecnologias convencionais, capacidade de infraestrutura e intermitência das fontes geradoras.
Indagada sobre como a mudança de matriz energética pode impactar positivamente as emissões de carbono e o aquecimento global, Amanda Peiter salientou que as fontes renováveis são menos poluentes, a exemplo dos combustíveis verdes que têm as emissões de CO₂ compensadas pela fotossíntese.
Segundo a docente universitária, as tecnologias emergentes podem facilitar essa transição de maneira eficaz. Uma delas é a atualização do maquinário para uma maior eficiência energética, uso da inteligência artificial para facilitar a tomada de decisões, automação industrial para reduzir falhas e atrasos aumentando a eficiência dos processos, uso de geração sustentável de energia, como eólica, solar, biomassa e hidrogênio verde e investimento em sistemas de armazenamento de energia elétrica, principalmente as baterias eletroquímicas.
“A indústria é responsável por uma grande parcela do consumo de energia elétrica no Brasil, sendo uma opção extremamente atrativa do ponto de vista econômico, permitindo agregar valor e competitividade no produto final”, frisou.
“Já no setor residencial, o uso das energias limpas está atrelado fortemente à questão econômica, nota-se que o uso de microgeradores distribuídos, sendo convenientemente enquadrados em tecnologias renováveis, permitem a redução efetiva na conta de energia elétrica, viabilizando uma melhor qualidade de vida para as famílias”, emendou.
Uma saída para apoiar essa transição, ainda de acordo com Amanda Peiter, são as políticas governamentais, ou seja, redução de impostos e criação de linhas de crédito especiais para financiamentos.
“As empresas e organizações podem ser incentivadas a adotar práticas mais sustentáveis em relação à energia. Uma delas é a promoção e conscientização entre os colaboradores e líderes sobre a importância da sustentabilidade energética, através de treinamentos e workshops relacionados à eficiência energética e práticas sustentáveis”, observou.
“As empresas devem perceber que podem atrair novos clientes mostrando sua contribuição para um mundo mais sustentável e destacando suas práticas sustentáveis em sua comunicação”, ponderou.
Conforme a docente, o custo inicial elevado para a transição da energia renovável ainda tem elevado custo de implementação. No entanto, o custo nivelado da geração de energia renovável está em queda, tornando-a cada dia mais viável.
Indústrias preocupadas com mudanças climáticas e aquecimento global
As indústrias alagoanas estão cada vez mais preocupadas com as mudanças climáticas e o aquecimento global. José Carlos Lyra de Andrade, presidente da Federação das Indústrias de Alagoas (Fiea), destacou que existe uma preocupação maior pelas empresas de grande porte, que possuem um relacionamento com mercados internacionais e investidores que exigem produtos e iniciativas voltadas para a descarbonização e redução das emissões dos gases de efeito estufa, que impactam diretamente nas mudanças climáticas.
Além disso, segundo ele, no contexto de cadeia produtiva, as médias e pequenas empresas também são impactadas pela necessidade de buscar melhorias em seus processos e produtos, principalmente quando são fornecedoras das grandes empresas.
“As ações empresariais locais são impactadas globalmente pelos mercados quando não colocam em suas estratégias empresariais a preocupação com temas relevantes como o ESG, transição energética, circularidade, dentre outros”, disse.
“A Fiea, como representante das indústrias alagoanas, promoveu na semana do meio ambiente um grande debate empresarial sobre a temática ESG e seus fatores portadores de futuro. Evento com a presença das principais instituições de mecanismos financeiros para inovação e cases de grandes empresas, como a Petrobras, Veolia e a mineradora Vale Verde”, destacou.
As tecnologias e fontes de energia renovável mais empregadas pelas indústrias alagoanas são a energia solar, biomassa para geração de energia, além da produção de biogás a partir do armazenamento e decomposição de resíduos sólidos, utilizado para a geração de energia.
Além da geração de energia com fontes renováveis, a adoção de tecnologias de eficiência energética para otimizar o consumo de energia e reduzir desperdícios nos processos produtivos tem sido mais frequente, contribuindo com o uso eficiente de energia e redução de custos no processo.
Neste sentido, o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) de Alagoas tem ofertado uma série de soluções tecnológicas para a melhoria dos processos produtivos e eficiência energética das empresas, contando com o apoio da rede de Institutos Senai de Inovação para o desenvolvimento de novos produtos e soluções inovadoras.
DESAFIOS E OBSTÁCULOS
Conforme José Carlos Lyra de Andrade, durante a mobilização empresarial realizada na semana do meio ambiente foram identificados com as empresas e especialistas uma série de desafios para o processo de transição para uma matriz energética mais sustentável, dentre elas, o acesso a fontes de linhas de financiamento mais atrativas, para investimentos em processos produtivos mais eficientes, impactados diretamente pelo elevado custo com infraestrutura e equipamentos. Além disso, foi identificada também a necessidade de desenvolvimento tecnológico para adequação dos processos produtivos e qualificação profissional.
José Carlos lembrou que, neste contexto, para contribuir com a superação desses desafios, o governo federal lançou o Programa Nova Indústria Brasil, disponibilizando cerca de R$ 300 bilhões para financiamentos destinados ao plano até 2026.
Ainda conforme ele, o objetivo é impulsionar a indústria nacional para a adoção de processos e produtos sustentáveis, com áreas prioritárias para investimentos categorizadas em missões, dentre elas as cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética; a transformação digital da indústria para ampliar a produtividade; a bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para futuras gerações.
Indagado sobre como a mudança na matriz energética impacta a competitividade e os custos operacionais das indústrias no estado, o representante da Fiea ressaltou que, no primeiro momento, o processo de transição da matriz energética exigirá investimentos elevados, proporcionais ao porte do empreendimento, considerando o curto prazo.
“No entanto, esses investimentos contribuirão, no médio e longo prazo, com a redução dos custos operacionais, com energia para o processo produtivo, tornando a empresa mais competitiva, a exemplo da energia solar, a qual, quando possui uma produção acima do consumo, é possível fornecer o excedente para a rede de distribuição de sua localidade, para posterior compensação do consumo de energia verificado”, observou.
“Além disso, quando o uso da energia renovável é associado a práticas da eficiência energética nos processos produtivos, o impacto é maior na competitividade da empresa em função da redução dos custos operacionais”, emendou.
Acerca do tipo de suporte ou incentivos, ele acredita que seriam mais eficazes para facilitar essa transição energética. José Carlos enfatizou que o principal incentivo para as empresas é o acesso a linhas de financiamento para investimentos em infraestrutura e melhoria dos processos produtivos, o qual pode ser viabilizado por políticas públicas de promoção da agenda da sustentabilidade e desenvolvimento industrial.
“Além disso, o apoio no desenvolvimento tecnológico e inovação para transição energética, implantação de processos produtivos mais eficientes e formação profissional, são imprescindíveis para o aumento da produtividade e competitividade das empresas”, frisou.
De forma geral, ele explicou que as empresas industriais têm provido a adoção de parcerias com instituições de PD&I para o desenvolvimento de negócio, produtos e tecnologias sustentáveis, para acessarem mercados cada vez mais exigentes nesta temática.
E que essa necessidade tem sido impulsionada, principalmente por investidores e consumidores atentos à pauta das mudanças climáticas, os quais têm exigido das organizações e empresas, a adoção de práticas socioambientais mais efetivas e de impacto para o meio ambiente e a sociedade.
José Carlos Lyra de Andrade completou que seu conselho para outras indústrias que estão considerando ou iniciando sua própria transição para uma matriz energética mais limpa e sustentável, o principal é o investimento na educação de seus colaboradores, no desenvolvimento de ciência, implementação de novas tecnologias em seus processos produtivos, bem como a promoção a inovação e a criação de negócios sustentáveis, com impacto nas mudanças climáticas e na sociedade, pilares fundamentais, segundo ele, para transição da matriz energética mais limpa e sustentável.
“Diversas são as iniciativas possíveis para a indústria se posicionar neste mercado cada vez mais exigente, de forma produtiva e competitiva, contribuindo com a sua imagem com investidores e clientes”, concluiu.
Procura por energias renováveis segue em expansão, diz economista
Dados oficiais do Relatório Síntese do Balanço Energético Nacional 2024 apontam que a oferta interna de energia no país registrou um aumento de 3,6% em relação ao ano anterior. A matriz energética brasileira mantém um patamar renovável de 49,1%, muito superior ao observado no resto do mundo e nos países da OCDE. Na geração elétrica, a participação de renováveis ficou em 87,9% em 2023, com destaque para a energia solar fotovoltaica e a energia eólica. Somado a esses fatores, a facilidade de crédito para a aquisição de equipamentos de captação de energia solar em imóveis residenciais e comerciais indica que o setor continuará se expandindo nos próximos anos.
Segundo o professor universitário e economista Anderson Henrique Araújo, a busca por uma imagem ‘sustentável’ tem crescido como uma preocupação para grandes empresas e indústrias.
“Assim, essas organizações buscam unir a diminuição de custos, quando se opta por energias alternativas mais limpas, e a divulgação de organização parceira/amiga do meio ambiente. Isso acaba impactando no fluxo comercial, seja pela diminuição nos custos, seja pela boa imagem gerada”, comenta Anderson.
No entanto, o especialista comenta que as empresas buscam a economia. “Vejo que a visão da busca por energia solar como garantia de sustentabilidade não se apresenta como motivador de novos consumidores residenciais. O modelo de negócios das empresas que atuam no setor enfatiza a economia gerada pelas unidades”.
Para o economista, a energia solar e o biogás são fontes energéticas que permitem economia financeira e com qualidade. “Ambas as fontes energéticas são alternativas sustentáveis que permitem economia financeira e mantêm a qualidade dos serviços, além de contribuírem para um selo de sustentabilidade. No caso do biogás, observamos a redução da dependência de combustíveis fósseis e consequente diminuição na emissão de gases de efeito estufa. Já a energia solar possui uma considerável viabilidade na região nordestina, por exemplo, além de não emitir poluentes e ter baixa manutenção”.
POTÊNCIA
Dados da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás) mostram que o país tem capacidade para entregar 117,1 milhões de Nm³ (normal metro cúbico) por dia.
Quase metade disso viria do segmento sucroenergético (49,2%), seguido pelo de proteína animal (30,2%), produção agrícola (15,4%) e área de saneamento (5,2%). A maior parte do biogás produzido no Brasil pode ser direcionada para a geração de energia elétrica (86%), energia termal (10%), produção de biometano (3%) e energia mecânica (1%).
ALAGOAS E A ENERGIA SOLAR
Em uma sessão ordinária na Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE), ocorrida no dia 30 de abril deste ano, foram apreciados 20 itens na ordem do dia e um deles foi um projeto de lei ordinária nº 813/2022, que institui a política estadual de incentivo ao uso da energia solar, discutido em 1º turno.
Conforme o texto, de autoria do deputado Inácio Loiola (MDB), os objetivos do projeto são: aumentar a participação da energia solar na matriz energética do estado, contribuir para a melhoria das condições de vida de famílias de baixa renda e estimular o uso de energia fotovoltaica em áreas urbanas e rurais.
PROJETOS SUSTENTÁVEIS
Instituição financeira trabalha com linhas de crédito para indústrias
O Banco do Nordeste (BNB) em Alagoas trabalha com a linha FNE (Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste) Verde, voltada ao financiamento de projetos sustentáveis e o FNE Sol.
De acordo com as informações fornecidas pelo BNB em Alagoas, nos últimos dois anos, 2022 e 2023, a unidade contratou no estado pela linha FNE Verde cerca de R$ 2 bilhões, em um total de 548 operações de crédito.
Os valores englobam financiamento a projetos que abrangem desde a implantação de sistemas de energia solar (tanto para pessoa física ou jurídica) até grandes obras de saneamento.
A assessoria de comunicação da instituição afirmou que a quantidade de operações de crédito não necessariamente coincide com a quantidade de projetos apoiados, porque um mesmo projeto pode receber mais de um financiamento. “Desta forma, essas 548 operações de crédito correspondem à quantidade de transações financeiras no âmbito dessa linha de crédito”.
Ítalo Seixas, gerente de Relacionamento do BNB em Alagoas, explicou que os financiamentos de longo prazo do banco destinados a projetos com abordagem na sustentabilidade ocorrem no âmbito do programa de crédito FNE Verde - oferece condições diferenciadas quanto à taxa de juros, prazo de pagamento, tempo de carência para início de pagamento e percentual de financiamento dos projetos, isenção de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), entre outras vantagens.
O gerente afirma que o FNE Verde é o que mais se destina a empresas e produtores rurais e atende a demandas que vão desde o financiamento de investimentos que promovam melhor desempenho aliado à menor geração de resíduos e melhor aproveitamento energético, como para a finalidade de recuperação de áreas rurais degradadas, visando restabelecê-las a uma condição produtiva.
PROCURA
E o crescimento aumenta a cada ano, de acordo com o levantamento feito pelo BNB para a reportagem do portal Tribuna Hoje, no período de janeiro a abril de 2024, a instituição contratou pelo FNE Verde, 90 operações de crédito no valor de cerca de R$ 575 milhões.
FNE SOL
E a vantagem para empresários que trabalham com foco na sustentabilidade não acaba por aí. O FNE Sol, que visa o financiamento de fontes alternativas de energia, tal como a energia solar, atendendo tanto a pessoas físicas para a implantação residencial quanto a empresas também garante linha de crédito e carência de pagamentos.
De acordo com o gerente Victor Vitoretti, responsável pelo FNE Sol no estado de Alagoas, os clientes têm a oportunidade de financiar até 100% do projeto.
“Somos uma instituição que apoia a sustentabilidade. Através da linha de crédito de investimento do Banco do Nordeste, o cliente produz energia limpa e ainda reduz seus custos na conta de luz. Empresas, produtores rurais e pessoas físicas podem acessar o FNE Sol para aquisição do sistema de energia solar para consumo próprio ou destinado à locação. Nosso cliente tem a oportunidade de financiar até 100% do seu projeto, a depender do seu porte, localização e garantias”, disse Vitoretti.
Vitoretti pontua que desde a criação da linha de crédito em 2023, foi observada uma evolução no número de operações.
“Observamos uma evolução notável de operações pessoa física e jurídica para autoconsumo. Porém, em 2023, o que nos chamou mais atenção foi o boom de operações para implantação de usinas voltadas para a locação de sistemas”, comentou o gerente.