Reconstruir: do afundamento do solo para um novo alicerce

Empreendedores retomam atividades em outras regiões após serem obrigados a saírem dos bairros atingidos pela mineração da Braskem; situação dos empresários de Maceió virou pesquisa e tese de doutorado

Por Lucas França e Valdete Calheiros: Repórteres / Bruno Martins: Revisão | Redação

Fechem as portas! Esta foi a ordem dada, de forma abrupta e silenciosa, pela Braskem aos micro e pequenos empresários dos bairros afundados em consequência da extração devastadora de sal-gema.

Sem saída, todos obedeceram. Todas as 6.180 unidades – esse número é da Braskem e questionado pelos pesquisadores – empresariais de micro e pequeno porte, incluídas no mapa inicial da mineradora. Mas, e as empresas que estavam no entorno dos bairros afetados e que atendiam também a clientela dos lugares adjacentes e que, simplesmente, também foram obrigadas a sumir?

O presidente da Associação de Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió, Alexandre Sampaio, que é morador do bairro do Farol, afirma que além dos comerciantes dos bairros atingidos diretamente, outros nas adjacências destes vêm sendo prejudicados.

O empresário foi duplamente afetado pelo afundamento do solo. Ele perdeu empresas e sua casa em meio ao fenômeno geológico causado pelo trabalho de mineração desenvolvido pela mineradora Braskem desde os anos 1970. De acordo com ele, o crime é tão gigantesco que é considerado o maior do mundo em área urbana. “Alcança proporções censitárias. São mais de 6.100 comerciantes e empreendedores expulsos do Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol, mercados que construíram por anos, décadas”, relata Alexandre Sampaio.

CENSO

“A Associação vem cobrando dos governos estadual e municipal, bem como dos órgãos de controle que assinaram os acordos, um diagnóstico em forma de censo para entender o que aconteceu com as empresas e empreendedores. É caríssimo fazer essa pesquisa, nós não temos esse dinheiro, e a falta de dados ajuda a Braskem a mascarar o drama e os prejuízos causados. Importante lembrar que, até 2018, o Pinheiro era o bairro que mais crescia em arrecadação de impostos municipais”, lembrou Alexandre.

Alexandre Sampaio é morador do Farol e hoje é empreendedor no município de Coruripe, Litoral Sul do Estado (Foto: Edilson Omena)

Ainda de acordo com o representante dos empreendedores, o Comitê Gestor de Danos Extrapatrimoniais criado pelo acordo socioambiental com a Braskem, tem uma verba de 150 milhões de reais que poderia ser usada para fazer o diagnóstico. “Não só o diagnóstico para entender a situação dos empreendedores, mas, dentre os moradores, do patrimônio cultural e ambiental, para entender a extensão dos danos morais e imateriais, porém [o comitê] não usou ainda um centavo em quatro anos. Uma organização que ganhou edital das Nações Unidas para gerenciar projetos para o uso dessas verbas e me preocupa uma eventual aplicação desvirtuada desses recursos”, expõe Sampaio.

Alexandre perdeu as três empresas que tinha no Pinheiro em 2019, quando foi desalojado um ano depois de um tremor de terra que fez surgir rachaduras nos imóveis, fendas nas ruas, afundamentos de solo e crateras que se abriram. Ele conta que vários colegas empresários tiveram prejuízos e até agora não conseguiram se restabelecer. “Só no Pinheiro foram seis mil empresas afetadas diretamente pelo afundamento do solo. Indiretamente, esse número chega a mais de 10 mil”, afirma o representante dos empresários.

Para não ficar totalmente no prejuízo, o empresário, que agora é empreendedor em Coruripe, a cerca de 100 km de Maceió, para reconstruir sua vida, luta para garantir os direitos dos colegas atingidos pela Braskem. Sampaio recebeu em 2023 um valor quatro vezes menor do que o pedido para cobrir o prejuízo que teve com a perda das empresas e do apartamento. “Tive que aceitar, pois já estava no meu limite financeiro, e aí as contas chegam e não tive outra alternativa”.

Empreendedoras reabrem negócios em outras regiões de Maceió

Áurea Montes (@burguerdatiaaurea) está dentro das estatísticas dos mais de 6 mil empresários afetados pela mineração em Maceió. Ela tinha o seu empreendimento no bairro do Pinheiro e conta que precisou sair por falta de clientes.

“Minha casa não foi atingida. De acordo com a Defesa Civil Municipal não estamos em área de risco, por isso ainda moro no Pinheiro. Mas o meu estabelecimento sofreu com a evasão das pessoas. Ainda tentei permanecer por lá, mas não teve como porque a clientela foi sumindo, as contas vindo e então tive que agir, buscar alternativas, pois este food truck é meu negócio, é o que leva o sustento da minha família. Aqui é um empreendimento familiar com lanches produzidos com amor”, conta a empresária, lembrando que o novo local foi inaugurado há menos de quatro meses.

E assim como outros empresários, Áurea ressalta que as consultorias, capacitações e apoio do Sebrae foram essenciais para essa nova história. “O Sebrae foi um parceiro incrível para a gente recomeçar, os cursos, a capacitação, os diagnósticos foram primordiais para a gente querer continuar, para a gente não desistir”.

A empreendedora Deborah Lopes (@amorgelato), ex-moradora do Bebedouro, atuava no ramo da moda por mais de 10 anos, porém com o afundamento do solo precisou deixar o bairro e fechar a loja que funcionava em uma casa cedida por uma familiar.

Deborah Lopes deixou o ramo da moda em Bebedouro e seu empreendimento, agora na área alimentícia, fica na Gruta de Lourdes (Foto: Edilson Omena)

“Foi muito difícil deixar o bairro onde a gente viveu e já tinha um público, clientes ativos, onde construímos e realizamos sonhos. Mas infelizmente tive que sair, no início foi complicado, mas tive que meter a cara e virar uma chave para recomeçar. Então, há um ano reabri um estabelecimento, saí do setor de moda e vim para o alimentício. Tudo vem dando certo graças a Deus. Mas para isso tive o apoio do Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas] com consultorias, capacitação e outros. Foi de fato um divisor de águas e sou grata por todo o aprendizado. Foi um ano aprendendo, adquirindo conhecimento para hoje ter um negócio estruturado. Mas, como falei, foi complicado, pois primeiro abri no interior, lá em Dois Riachos, no Sertão, mas não foi viável naquele momento, depois entrei em um empreendimento com um outro familiar, que também não deu certo. Foi depois desta capacitação que, enfim, agora digo que estou me reerguendo. Tenho um alicerce”, conta.

A empreendedora está com o novo negócio há um ano em frente ao terminal de ônibus da Rotary, no bairro da Gruta de Lourdes.

Veja a entrevista com as empreendedoras na íntegra no vídeo abaixo.

Consultorias do Sebrae ajudaram empresários a retomarem negócios em outras regiões

Como o começo não é tão fácil para ninguém e a ajuda de pessoas experientes é essencial, o recomeço também precisa dessa força. E, de acordo com os empresários ouvidos pela reportagem, o Sebrae foi a chave para a ‘peteca’ não cair.

De acordo com o Sebrae, lá em 2019, foi montado no Pinheiro um escritório com um consultor “full time”. No local, eram ofertadas consultorias e capacitações em marketing e gestão, além de vendas e finanças que avaliavam e colocavam em prática novos modelos de negócios ou expansão para outras regiões.

O Sebrae Alagoas colocou em prática na ocasião o Radar de Oportunidades – projeto que faz estudo de território para os empreendedores conhecerem possíveis locais para recomeçarem com seus empreendimentos. O que também ajudou e muito os comerciantes atingidos pelo afundamento do solo e que resolveram reabrir suas empresas foi a ferramenta Canvas Modelo de Negócios. Nesta, o foco era a logística, o que permitia o empresário entender as novas políticas para se reinventar e se manter de pé.

Agora, os serviços do Sebrae são feitos de formas mais diretas com consultores diversos, inclusive com agendamentos e hora marcada. Todos os empresários ‘assistidos’ pela entidade têm consultorias com analistas que atuam nas áreas de alimentos e na de salão de beleza.

A analista da Unidade de Relacionamento Empresarial do Sebrae/AL, Vania Brandão de Britto esclarece que em relação às personagens ouvidas pela reportagem foi realizada uma escuta ativa sobre as necessidades delas.

“Cada caso teve um desfecho diferente. Uma tinha food truck, então como não há regulamentação ainda em Maceió desse segmento, a única área que estava disponível e regularizada era o Parque da Mulher, mas nesse processo não intervimos. Ambas as clientes já tinham um novo espaço, o que fizemos foi aplicar o diagnóstico 360. É um autodiagnóstico que tem algumas perguntas sobre os temas que falei. Quando o cliente faz, ele consegue visualizar através de gráficos e percentuais como está sua empresa em relação ao mercado, para entender como estavam seus negócios no que tange a cinco áreas de gestão (planejamento, processos, finanças, pessoas e mercado). Após essa etapa, direcionamos para consultorias com os temas que elas mais necessitavam. Ambas precisavam de finanças”, detalha Britto.

Analista da Unidade de Relacionamento Empresarial do Sebrae/AL, Vania Brandão de Britto (Foto: Marcos Ferreira / Ascom Sebrae)

A analista pontua ainda que a ferramenta Radar pode ajudar a quem quer abrir um empreendimento e verificar a densidade de negócios em uma determinada região. Segundo Vania Britto, após a abertura do negócio ou reabertura, o Sebrae continua com as consultorias.

“Caso o cliente tenha interesse e demonstre que quer crescer, a gente se relaciona com ele ofertando oportunidades de capacitações, consultorias e outras soluções relevantes”, disse, pontuando que para os empreendedores que saíram de um local para outro e querem ter um público cativo, existe o projeto Sebrae Delas. “Sugerimos que sejam feitos eventos para dinamizar o novo local e gerar público consumidor”, falou Vania, destacando que o contato com os empreendedores é mantido para acompanhar o desenvolvimento dos negócios e auxiliar buscando a melhoria da gestão dos negócios.

Alexandre Sampaio: 'a Associação vem cobrando dos governos estadual e municipal, bem como dos órgãos de controle que assinaram os acordos, um diagnóstico em forma de censo para entender o que aconteceu com as empresas e empreendedores'

Marcondes e Áurea Montes agora têm o seu food truck no Parque da Mulher, no bairro da Jatiúca (Foto: Edilson Omena)

Situação dos empreendedores vira tese de doutorado

Quantas micro e pequenas empresas exatamente tiveram os serviços afetados pelo afundamento do solo causado pela Braskem? A indagação é do arquiteto e urbanista Marcelo Barros Lima Verde que tenta, a todo custo, respondê-la em sua tese de doutorado, a pesquisa intitulada “Percepção dos conflitos socioambientais da mineração em área urbana: O caso dos empreendedores afetados pelo crime socioambiental da Braskem em Maceió-AL”, do Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas – SOTEPP/UNIMA.

“Sabemos que a estratégia da Braskem é dominar os números e fazer lobby para que nenhuma autoridade do Executivo, Legislativo e Judiciário investigue com profundidade os impactos socioeconômicos e na área de saúde. A Braskem aponta 6.180 empresas impactadas. Isso dentro do mapa. E as empresas às margens? Sabemos que pelo menos em um raio de um quilômetro em torno do mapa, especialmente a Avenida Fernandes Lima, é um marco divisor em termos de negócios. Todas as empresas que estavam entre a área afetada e a Fernandes Lima, entre a área afetada e a Leste-Oeste e entre a área afetada e a Chã de Bebedouro também foram impactadas. Portanto, a extensão desse crime ambiental é muito mais do que 6 mil empresas”, contabilizou Marcelo Barros Lima Verde.

Através da coleta do banco de dados da Junta Comercial do Estado de Alagoas (Juceal) e do Sebrae, obtivemos um número de mais de 9 mil empresas nos cinco bairros afetados – Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto, Mutange e Farol.

Do total, observamos que 59,1% são microempresas (MEs), 31,9% são microempreendedores individuais MEIs e 9,1% são empresas de pequeno porte (EPPs). E na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAES), dentre as áreas mais impactadas estão o comércio varejista; cabeleireiros, manicures e pedicures; lanchonetes; promoção de vendas; restaurantes; fornecimento de alimentos; e construção de edifícios.

Marcelo destaca que saída dos empreendedores para outras localidades gera desequilíbrio entre oferta e demanda (Foto: Edilson Omena)

A pesquisa da tese de doutorado do arquiteto e urbanista Marcelo Barros Lima Verde é sobre as MEs e MEIs. O trabalho está em andamento, mas o pesquisador afirmou que já é possível assegurar que entre os empresários que foram deslocados, 24% reportaram a não continuidade com as suas atividades comerciais em outra localidade.

“Isso pode ser justificado pelo perfil da clientela que estas micro e pequenas empresas atendiam, que, em sua maioria, eram moradores do próprio bairro, o que impactou diretamente no faturamento destas empresas, já que 51% dos entrevistados relataram que suas empresas tiveram faturamento afetado em mais de 75%. Ou seja, a desocupação do bairro impactou diretamente no faturamento destas empresas”.

Ele citou como exemplo uma cabeleireira que possuía negócio no bairro do Pinheiro e que perdeu cerca de 80% do faturamento após o tremor de 2018. E depois mais de 90% quando houve a mudança de endereço para outro bairro, próximo à área afetada pela exploração de sal-gema.

Baseado nas estatísticas, Marcelo Barros Lima Verde oferece um prognóstico assustador. Talvez nunca mais alguns empresários voltem a ter o mesmo patamar econômico que tinham antes do afundamento.

“Pelo que observei nas entrevistas e questionários aplicados até o momento, o retorno ao mesmo nível econômico será muito difícil de ocorrer. Sair do bairro, mesmo ‘indenizado’ não te garante conseguir sucesso em outro bairro. No outro bairro já existe uma padaria há décadas, assim como já tem um salão de cabeleireiro. Onde encaixar 6 mil empresas? Claro que haverá um desequilíbrio entre oferta e demanda. Os empresários não conseguem se restabelecer nos mesmos negócios em lugares diferentes”, justificou.

Um dos empresários ouvidos pela pesquisa de tese de doutorado de Marcelo Barros Lima Verde fez ele chegar a um proprietário de comércio de material de construção no bairro de Bebedouro. Ao ser expulso da localidade e ter que fechar as portas do seu ponto comercial, só conseguiu ativar sua empresa em Rio Largo, município da região metropolitana de Maceió.

Padaria que fechou suas portas na Rua Professor José da Silveira Camerino, a antiga Rua Belo Horizonte, em foto de arquivo (Foto: Edilson Omena)

O faturamento anual bruto girava em torno de R$ 800 mil. Atualmente está em torno de 250 a 300 mil reais. O empresário relatou que sua vida financeira e emocional foi muito abalada após o desastre da Braskem, inclusive a esposa e os filhos estão fazendo terapia. O padrão de vida familiar foi seriamente afetado.

“No caso específico do desastre socioambiental produzido pela mineração de sal-gema em Maceió, houve o lento e não menos traumático processo de expulsão das populações atingidas de suas residências e perda sistemática de pertencimento às comunidades que constituíam parte e todas as redes sociais construídas ao longo de gerações. Além do caráter econômico, o desastre produzido pela subsidência do solo causado pela mineradora Braskem também provocou danos à saúde mental dos micro e pequenos empresários da região, de acordo com os participantes da pesquisa”, detalhou Marcelo Barros Lima Verde, que é mestre em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e atualmente doutorando em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas – SOTEPP da UNIMA, além de docente do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), campus Satuba.

Do total de entrevistados, 81% sinalizaram que a saúde mental foi afetada pelo processo de deslocamento e perda de renda e das redes sociais constituídas. O que, segundo o arquiteto, sinaliza a urgência de criação de políticas públicas pelo poder público para minimizar o sofrimento desta população que foi esquecida após a expulsão compulsória de mais de 60 mil pessoas de seus bairros, onde constituíram famílias, negócios, relacionamentos, culturas e principalmente sonhos.

Futuro dos moradores se esconde em uma vida sem passado

Graduado em Ciências Sociais pela Ufal e mestrando em Antropologia Social também pela Ufal, Carlos Eduardo Lopes morou no bairro do Farol, mas sempre teve forte ligação com os bairros próximos, também atingidos pela tragédia causada pela Braskem.

“Desde criança eu ia para o Mutange na época que o CSA mandava seus jogos lá. Pelo caminho, passava pelo Bom Parto, Bebedouro. Com meus familiares sempre via a Praça Lucena Maranhão com festividades, sobretudo, minha maior ligação após esse período inicial foi com a Igreja Batista do Pinheiro na qual estou há mais de 20 anos. Através da Igreja conheci mais o bairro”, recordou.

Ao tomar consciência de que as áreas que marcaram sua infância, adolescência e vida adulta iriam sumir, decidiu registrar as imagens para que as gerações futuras não ficassem sem saber sobre seu passado.

As fotografias, inicialmente, registraram o bairro do Pinheiro. Os registros e documentários logo se estenderam também pelas regiões do Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol. Carlos Eduardo Lopes trabalha com mobgrafia e através disso surgiu a ideia do projeto “Cotidiano Fotográfico”. Desde 2018 vem fotografando a tragédia originada pela mineradora. Na atual pesquisa, trabalha o território e a memória dos afetados pela Braskem em Maceió.

“Antes de falar sobre os impactos sociais sofridos nos bairros atingidos pela mineração, temos que ressaltar a importância que esses bairros tinham para a cidade de Maceió, cada um possuía características e vias que ligavam esses bairros a outras partes da cidade. Como sociedade esses bairros possuíam laços afetivos, várias gerações viveram naqueles bairros. De uma hora para outra todos tiveram que sair das suas casas, fazendo com que o laço afetivo fosse rachado e toda uma história fosse demolida. Vale ressaltar que durante esses seis anos que a tragédia aconteceu alguns maceioenses não deram a devida importância para o que vinha e vem acontecendo, porém, toda essa mudança geográfica em uma parte central da cidade fez com que Maceió por inteira sentisse os impactos”, explicou ele.

Segundo o mestrando em Antropologia Social, levando-se em conta o contexto histórico, os primeiros a sofrerem os impactos foram os moradores do Pontal da Barra com a instalação da então Salgema ainda na década de 1960.

Carlos Eduardo Lopes frisou que o passado está ligado ao presente, o que mudou foi apenas o nome da mineradora, porém as consequências são semelhantes. Naquela década, famílias do Pontal, lembrou, picharam os muros como ato contrário à vinda da Salgema. Anos depois vimos os muros das residências dos bairros afetados pela mineração serem pichados por outras famílias denunciando o que estavam sofrendo.

“Todo o processo que vem acontecendo deste 2018 após o tremor de terras trouxe consequências por escala, a primeira dela foi todo o terror psicológico que os moradores sofreram, principalmente os idosos por saberem que aquele lugar onde moravam por anos não poderia ser mais habitado por oferecer risco de afundar. O cenário de guerra após a saída de grande parte da população desses bairros dava a entender que aquele problema ficaria apenas em uma região. Vale lembrar que isso aconteceu às vésperas de uma pandemia na qual o isolamento social era fundamental, porém a mineradora não se importou com isso e fez com que os moradores procurassem outros imóveis em uma época em que a maioria não queria contato com ninguém por medo de se contaminar com o coronavírus”, detalhou.

Na avalição de Carlos Eduardo Lopes, com a saída de mais de 60 mil pessoas de uma região central de Maceió, imóveis e órgãos públicos começaram a ter uma grande demanda de procura, os bairros da parte alta, para onde a grande maioria se mudou, não estavam preparados para receber uma demanda de pessoas que, a partir daquele momento, iriam morar naquela região, fazendo com que os postos de saúde ou qualquer serviço público tivesse uma demanda extra.

“Os impactos vão ser sentidos por anos, a cidade até hoje não se recuperou do maior crime ambiental em área urbana, tudo isso que vem acontecendo se resume em uma frase em uma das casas no bairro de Bebedouro: ‘Enquanto eu dormia, cavaram minha cova no fundo do meu peito’”, resumiu impactado.

Serviços

  • O Sebrae Alagoas disponibiliza especialistas técnicos para prestar orientações instrutórias, consultorias e outras soluções voltadas aos empresários, em todas as regiões de Alagoas, nas modalidades presencial e remota. Com o objetivo de simplificar este primeiro contato, a entidade oferece serviços em 11 áreas temáticas: Finanças; Marketing e Vendas; Planejamento Empresarial; Modelo de Negócios – CANVAS; Plano de Negócio; Agronegócios; Marketing Digital; Orientação ao Crédito; Atendimento MEI; Inovação; e Orientações sobre Franquias.
  • Vale ressaltar que, para auxiliar o pequeno empreendedor, o Sebrae investe 70% do valor da consultoria no seu negócio, e você paga apenas os 30% restantes. As pessoas interessadas nos serviços podem entrar em contato pelo telefone 0800 570 0800 ou acessar https://www.hubsebrae.com.br/agendar-atendimento/. Além disso, se for o caso, o empresário pode ir à sede, localizada na Rua Marinho de Gusmão, número 46, no Centro de Maceió.

O economista e a Braskem

O economista e ex-secretário de Planejamento do Ministério da Agricultura, professor Elias Fragoso, afirmou que há quase 50 anos foi criado por estas bandas a expectativa de que, afinal, Alagoas sairia do jugo dos coronéis usineiros da cana-de-açúcar através da implantação do polo cloroquímico de Alagoas.

“Segundo seus idealizadores, o Estado estava programado para recepcionar pelo menos umas três centenas de empresas. De todos os portes. Estava-se trocando os grilhões da dominação de Alagoas por 28 famílias, pela moderna industrialização do Estado em uma das áreas de maior potencial econômico do planeta no pós-guerra: a do plástico. Só que deu ‘chabu’ no sonho dourado vendido aos alagoanos”, discorreu.

O que foi vendido como o futuro de Alagoas, de acordo com Elias Fragoso, na verdade já estava acontecendo. Só que na Bahia, em Salvador. Fruto da competência da bancada federal baiana que desde o 1º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) e no segundo PND também, tratou de assegurar que o Polo Cloroquímico do Nordeste seria instalado em terras baianas. O Estado nordestino, também detentor da primeira refinaria de petróleo do Brasil. Na avaliação de Elias Fragoso, enquanto nossas cigarras locais cantavam loas, as formiguinhas baianas estavam tratando de cassar o voo dos grilos falantes alagoanos.

“Resultado: nos últimos 50 anos, Alagoas assistiu à crise do não-competitivo setor da cana-de açúcar alagoana (só sobrevive à custa de subsídios, ou seja, do dinheiro dos brasileiros), frustrou-se com a catástrofe do sonho cloroquímico e mais recente – estupefata – viu a empresa que minerava o sal-gema de Maceió destruir parte significativa da capital, afetar mais de 140 mil pessoas físicas e jurídicas e oito municípios da região metropolitana de Maceió”, considerou Elias Fragoso, que é também ex-secretário de Finanças e de Planejamento Urbano de Maceió.

Economista Elias Fragoso (Foto: Edilson Omena)

Conforme o economista, para que se tenha ideia do impacto causado pela crise da cana-de-açúcar e a frustação do polo cloroquímico, o Estado, que não tinha um plano B, vivenciou neste último meio século uma severa crise que complicou a vida dos governantes e em especial dos alagoanos. Em 1973, a economia do estado de Alagoas representava 1,1% da economia brasileira – e pelos problemas acima elencados – o tamanho da participação econômica alagoana na economia brasileira foi reduzido para os atuais 0,8%. Um encolhimento de nada menos que 37%. Com um detalhe: como se sabe, o crescimento econômico brasileiro nos últimos 40 anos não foi grande coisa, crescendo em média 1% ao ano nos últimos 40 anos. Portanto, o crescimento anual em Alagoas foi, em média dos últimos 50 anos, inferior ao 1% brasileiro.

“Na distribuição do Produto Interno Bruto (PIB) do Nordeste, portanto, durante a existência da Braskem, Alagoas representava em 2022 tão somente 0,7% do PIB da região para uma média de 20 anos (2002 a 2022), segundo estudo de Cláudio Considera e Juliana Trece publicado no blog da FGV IBRE no dia 27 de abril do ano passado, a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – Sistema de Contas Nacionais. O Estado, naquele momento, só ganhava em termos de participação no bolo nordestino, do Piauí, ainda assim por uma ‘peinha’ de nada: 0,7% a 0,6%”, mostrou Elias Fragoso, que é organizador e coautor do livro Rasgando a Cortina de Silêncios – O lado B da Exploração do Sal-Gema em Maceió.

Ainda segundo o economista, é interessante notar que nestes mesmos 20 anos, os baianos da Odebrecht assumiram a Trikem, trocaram seu nome para Braskem, alimentaram que a Braskem era a locomotiva do desenvolvimento de Alagoas (chegaram a afirmar que representava 15% do PIB do Estado quando na verdade não passa de 0,4%), mas fizeram tudo ao contrário: transferiram a indústria de eteno para o Rio Grande do Sul esvaziando Alagoas, o que seria a principal fonte de receita daquela empresa.

“Eliminaram com isso a instalação de um rol de indústrias que utilizam o etileno como matéria–prima; eliminaram a superintendência da Braskem que funcionava em Alagoas e levaram suas atividades para a sede da empresa; cobraram e obtiveram a prorrogação de vantagens fiscais e tributárias indevidas. E, por fim, provocaram o mega desastre de Maceió, o maior crime ambiental do mundo em área urbana e, até agora, não pagaram o que devem aos credores alagoanos (embora afirmem o contrário, que já pagaram 99,9% dos afetados, o levantamento do seu passivo realizado por nossa consultoria para o governo de Alagoas indica que apenas 39% do total de 140 mil afetados (e não 55 mil como a Braskem fala) receberam – ainda assim com muitas reclamações e denúncias – os valores correspondentes aos seus bens destruídos e ao dano moral”, detalhou.

Segundo Elias, chegou a ser divulgado que a Braskem representava 15% do PIB do Estado quando na verdade não passaria de 0,4% (Foto: Edilson Omena)

Conforme Elias Fragoso, os números ‘adocicados’ da Braskem estão muito distantes da realidade do levantamento realizado. Para o economista, é urgente e necessário sair dessa situação. Criar alternativas, projetos consistentes com respostas objetivas capazes de retirar o Estado dessa incômoda situação que já nos toma meio século, para levá-lo a novos patamares. Mas não com medidas paliativas ou de resultados de curto praz como saída para os problemas atuais. “Alagoas precisa de medidas estruturantes”, destacou.

“Estamos caracteristicamente em um fim de ciclo que engloba duas atividades que consumiram os sonhos dos alagoanos e a expectativa de progresso para nossa terra: o da cana-de-açúcar e o ‘sonhático’ polo cloroquímico. Duas quimeras alimentadas por gente incompetente ou má intencionada, mesmo. É hora, pois, de se abrir para novas possibilidades que pedem passagem. Uma virada qualitativa no turismo; um modelo de agronegócio revolucionário (cujo projeto está sendo gestado) e a oportunidade que surge a partir da possibilidade efetiva de se gerar alto impacto econômico, urbanístico e social a partir de soluções para o imbróglio Braskem”, ponderou.

Na avaliação de Elias Fragoso, estas cinco iniciativas poderão levar Alagoas a uma virada qualitativa real e objetiva no turismo com a captura das classes A e B (sem deixar de contar com o turista da classe C, já consolidado); a implantação de projeto urbanístico revolucionário capaz de inserir de vez a orla marítima e a orla lagunar de Maceió – na região onde se localiza o complexo químico da Braskem – dentre as mais belas e avançadas do mundo; a implantação futura do 5º maior parque eco sustentável do planeta na área destruída pela Braskem; uma revolução na mobilidade urbana da grande Maceió com um VLT que abranja toda a cidade e municípios vizinhos; e a transformação de Alagoas em uma referência global do agronegócio.

“São projetos que certamente irão mudar a cara deste Estado a médio e longo prazo fazendo-o reagir ao estupor de 50 anos de vicissitudes. Ah, sim! Todos os projetos serão tocados com recursos privados e apoio institucional do governo federal e do Estado. Governantes e políticos que os apoiarem serão sempre lembrados pelos alagoanos. Mas é coisa para estadista”, assegurou.

Banco do Nordeste e novos investimentos

Pelo levantamento, nos últimos 10 anos e no primeiro trimestre de 2024, o BNB financiou cerca de R$ 3,5 bilhões para investimentos produtivos realizados em Maceió, sendo R$ 3,43 bilhões no período de 2014 a 2023, e R$ 92,8 milhões já nos primeiros três meses de 2024.

O Banco do Nordeste, através da assessoria de comunicação, fez questão de ressaltar que não é possível fazer nenhuma correlação entre as operações de crédito realizadas e o problema do afundamento de bairros de Maceió em decorrência da mineração da Braskem, iniciado em 2018.

Naquele ano, o BNB participou, afirmou a instituição, de diversas reuniões com associação de moradores afetados, Ministério Público, entre outras entidades, e disponibilizou suas linhas de financiamento, bem como apoio na regularização de dívidas de quem teve seu negócio afetado.

“De fato, essas pessoas foram atendidas com prioridade, em virtude da urgência que a situação exigia, porém, não houve um cadastro específico ou abertura de linha de crédito específica (foram atendidos dentro dos produtos e serviços ofertados pela instituição), de modo que ficou inviável rastrear tais operações ou quantificá-las. Os moradores que buscaram recursos para financiamento investiram em novos negócios em diversos bairros e, até mesmo, possivelmente, em outros municípios, não havendo filtro em nossa base de dados que possam identificá-los”.

Sobre os valores financiados, segue tabela:

O BNB destacou que, de 2014 a 2019, também entraram no somatório valores contratados pelo programa de microcrédito (Crediamigo) para municípios da Região Metropolitana e alguns do Litoral Norte, não sendo possível, para esse recorte temporal, o filtro exato de Maceió, tendo em vista as informações do programa estarem atreladas à unidade de crédito Maceió, que, na época, atendia àquelas outras localidades.

“Em 2018 (ano que coincide com o afundamento), o crescimento do valor aplicado (de 136,7%) ocorreu em virtude de operação de crédito para projeto de saneamento para a cidade de Maceió, no âmbito dos financiamentos para infraestrutura, que resultam em valores vultosos, tendo em vista a magnitude das obras envolvidas. Em 2019, volta-se ao patamar anterior com aumento mais discreto nos valores contratados”, comparou.

Em 2020, o primeiro ano da pandemia do Covid-19, e o BNB, seguindo diretriz e autorização do governo federal, aportou recursos extras em socorro, principalmente, dos pequenos empresários e microempreendedores, que foram os mais afetados pela crise econômica e sanitária. Dessa forma, explica-se o aumento considerado “fora da curva” das contratações.

Em 2021, sem os recursos extras, percebe-se o retorno aos patamares anteriores, com aumento nos financiamentos em relação a 2019. O ano de 2022 segue a média de crescimento. E em 2023, houve nova contratação para obras de saneamento, com valor de R$ 344 milhões apenas para o município de Maceió, impactando, esta operação sozinha, no total do ano, e justificando o incremento expressivo.

Mineradora diz que identificou apenas 4.508 imóveis com características comercial ou mista

A reportagem do portal Tribuna Hoje entrou em contato com a Braskem e, em nota, a mineradora afirmou que o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF) identificou apenas 4.508 imóveis com características de imóvel comercial ou misto (onde existe moradia e atividade comercial, formal ou informal) nas áreas de desocupação definidas pela Defesa Civil de Maceió em 2020.

“Em relação às indenizações, até o fim de abril deste ano, dos 6.151 pedidos iniciados no fluxo de compensação, 6.141 (99%) já receberam proposta, e 5.785 indenizações foram pagas. A quantidade de propostas de indenização é superior ao número de imóveis comerciais e mistos, pois além da indenização dos proprietários, o PCF também indeniza locatários e comodatários que usem os imóveis, seja para moradia ou fins comerciais. Tanto o proprietário quanto o inquilino recebem propostas de indenização distintas. Além disso, há imóveis em que foram identificadas e compensadas mais de uma atividade econômica”.

A Braskem informou ainda para a reportagem, que além do apoio à realocação preventiva e compensação financeira, medidas socioeconômicas vêm sendo adotadas desde 2020. “A Braskem assinou um acordo como Ministério Público do Trabalho (MPT), Município de Maceió, Sebrae, Senai e Senac, que definiu o aporte de R$ 5 milhões para a realização de programas de qualificação nos setores da indústria e comércio, além de R$ 700 mil para cursos de educação empresarial, educação financeira e empreendedorismo”.

Casas que foram abandonadas em área de risco no bairro de Bebedouro (Foto: Edilson Omena)

Ainda segundo a mineradora, outras medidas estão sendo definidas no Plano de Ações Sociourbanísticas, que faz parte do Termo de Acordo socioambiental e inclui ações voltadas à atividade econômica, trabalho e renda.

EDITAL

Responsável pelo afundamento de cinco bairros da capital alagoana, a bilionária Braskem lançou o edital “Projetos que transformam”. Segundo a empresa, este tem como objetivo promover o desenvolvimento sustentável e a inclusão social nas comunidades onde ela atua. Para especialistas e a população, seria uma piada de mau gosto feita pela empresa, que explorou o solo da capital alagoana durante décadas e causou instabilidade de 15 mil casas.

O anúncio do edital foi feito na mesma semana em que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) voltou aos trabalhos sobre a maior tragédia urbana do mundo. Como as pessoas que tiveram suas empresas também afundadas pela Braskem reagiram ao edital “social” da petroquímica? Essa situação é chamada de greenwashing, expressão que significa “maquiagem verde” ou “lavagem verde”. Nesses casos, as marcas criam uma falsa aparência de sustentabilidade, sem necessariamente aplicá-la na prática.

CAPACITAÇÃO

Destinado a organizações sociais, o Edital Braskem contemplará projetos que fomentem o desenvolvimento local nos estados de Alagoas, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Em Alagoas, poderão ser inscritas iniciativas que beneficiem os municípios de Maceió, Marechal Deodoro e Coqueiro Seco. As ações selecionadas terão até 12 meses para serem executadas. Uma capacitação gratuita virtual de apoio à elaboração das propostas foi realizada entre 14 e 17 de maio, das 14h às 17h, contemplando todas as instituições interessadas. Mais informações podem ser obtidas no site do edital.

Na última edição, realizada em 2023, o Edital Braskem recebeu 229 inscrições, sendo dois projetos selecionados em Alagoas este ano. O projeto “Mãos à obra”, do Instituto Mandaver, promove a diversificação da oferta de serviços disponíveis na comunidade do Vergel do Lago, contribuindo com a geração de empregos e o fortalecimento da economia local. E o projeto “Oceanos de plástico: economia circular em comunidades costeiras”, do Instituto Ayni, criado com o objetivo de promover a retirada de plásticos do Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba, região metropolitana de Maceió.