Moeda verde: a força e a coragem de pequenos empreendedores

Produtores da Caatinga e projeto Nosso Mangue ignoram desafios e saem na frente na busca pela certificação para comercialização do crédito de carbono a partir dos biomas

Por Ana Paula Omena e Valdirene Leão: Repórteres / Bruno Martins: Revisão | Redação

O Nosso Mangue e a Associação de Produtores de Crédito de Carbono Social do Bioma Caatinga (ACCSBC) largaram na frente na busca pela certificação do crédito de carbono entre os pequenos empreendedores de Alagoas. O primeiro faz um trabalho de reflorestamento dos manguezais na região da Lagoa Mundaú, no bairro do Pontal da Barra, em Maceió. Já a associação criada em Delmiro Gouveia, no Sertão alagoano, integra pessoas com áreas preservadas na Caatinga nos estados de Alagoas, Sergipe, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará e Piauí.

O crédito de carbono é a moeda utilizada no mercado regulado de carbono, uma espécie de unidade de medida. Um crédito de carbono é o equivalente a uma tonelada de gás carbônico (CO2), um dos principais gases do efeito estufa (GEE), que deixou de ser emitido ou foi removido da atmosfera. O lançamento desses gases em excesso na atmosfera tem causado o aquecimento da terra e, consequentemente, as mudanças climáticas. Essas alterações são responsáveis por fenômenos extremos do clima, como as fortes chuvas que castigam o Rio Grande do Sul desde o dia 29 de abril e atingem 94,7% do estado.

A moeda verde é gerada por meio de projetos voltados para produção de energia renovável, melhorias na eficiência energética e reflorestamento. Ela pode ser comprada e vendida por empresas, governos e consumidores. As negociações são realizadas diretamente entre vendedor e comprador ou indiretamente no mercado secundário regulado pela bolsa de valores. No último dia 21 de maio, cada crédito de carbono estava cotado a 74,87 euros, o equivalente a R$ 416,30 em valores atuais, conforme o portal financeiro Investing.com.

Na área de reflorestamento, os olhos do mundo desse mercado estão voltados para a Amazônia, que abriga a maior floresta tropical do planeta. No entanto, o Brasil tem dois biomas importantes e eficazes quando o assunto é sequestro de CO2 da atmosfera. São exatamente, o manguezal, que se encontra no litoral brasileiro, e a Caatinga, localizado no semiárido nordestino.

Projetos de reflorestamento absorvem CO2 da atmosfera e geram créditos de carbono (Foto: Edilson Omena)

 

O manguezal, por exemplo, sequestra até oito vezes mais carbono da atmosfera do que os biomas tropicais, como a floresta amazônica. Já a Caatinga pode sequestrar o equivalente a 5,2 toneladas de CO2 por hectare no período de um ano e ainda com baixa ou quase nenhuma emissão de GGE nesse processo, conforme estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

No entanto, o país ainda caminha para a regulação. Isso quer dizer que o mercado de carbono no país funciona de forma voluntária. As empresas brasileiras ainda não são obrigadas a compensar suas emissões de GEE. Projetos voltados para sequestrar carbono da atmosfera, como os desenvolvidos pelo Nosso Mangue e pelos produtores da Caatinga, atuam no modelo de compensação e não de crédito de carbono.

Trabalhar dentro da perspectiva do crédito de carbono hoje no país é se voltar para o comércio internacional. E a meta do Nosso Mangue e dos produtores da Caatinga, com a busca pela certificação, é justamente a de entrar nesse mercado regulado e, assim, aumentar as possibilidades de emprego e renda das pessoas envolvidas com a preservação ambiental e sustentabilidade, além de ampliar a cadeia produtiva das famílias que vivem em torno dos biomas manguezal e Caatinga.

O mercado de crédito de carbono é novo, complexo e de retorno a longo prazo. Entrar nesse mercado é uma tarefa para empreendedores com visão de mercado e coragem para enfrentar os desafios. E coragem os produtores da Caatinga e a CEO do Nosso Mangue, Mayris Nascimento, têm de sobra.

O manguezal e a Caatinga ainda são ecossistemas desconhecidos aos olhos do mundo. O desafio é mostrar o grande potencial que eles têm no sequestro de carbono da atmosfera. É com essa “pegada” que o Nosso Mangue e os produtores da Caatinga pretendem vencer os desafios na corrida pela certificação. Assim, o Nosso Mangue deve deixar suas marcas como pioneiro do Brasil no desenvolvimento de projetos voltados para o mercado de crédito de carbono a partir do manguezal. Já os produtores da Caatinga, como os primeiros de Alagoas a gerarem a moeda sustentável a partir do bioma e como os precursores do país a criarem um sistema próprio de pagamento.

Um mercado promissor com perspectiva de movimentar bilhões no Brasil

A gestora do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em Alagoas (Sebrae/AL) no setor de negócios de impacto social e ambiental, Ana Sandes, avalia que o crédito de carbono é um mercado bastante promissor. “Hoje essa questão do crédito de carbono tem valido muito a pena, tem gerado muita grana.”

De acordo com a Câmara de Comércio Internacional (CCI), o Brasil tem condições de gerar receitas da ordem de U$ 100 bilhões até 2030 com o crédito de carbono e sequestro de até 1 bilhão de toneladas de CO2 da atmosfera.

Ana Sandes destaca que a demanda por projetos nesta área deve aumentar em razão da necessidade de frear o aquecimento global (Foto: Edilson Omena)

As portas desse novo mercado foram abertas a partir da preocupação mundial com o futuro do planeta, tendo em vista as mudanças climáticas resultantes do aquecimento global, causado pelo lançamento de GEE na atmosfera.

E essa preocupação não é à toa. As alterações já são percebidas e sentidas em todo o mundo. Entre elas estão o degelo, o aumento do nível dos oceanos, a desertificação, a alteração do regime de chuvas, as inundações, a redução da biodiversidade.

O ano de 2023 foi o mais quente já registrado na história do planeta. No dia 9 de janeiro deste ano, o observatório europeu Copernicus revelou que a Terra ficou em média 1,48°C acima do nível pré-industrial (estabelecido entre 1850 e 1900), muito perto de 1,5°C, o chamado "limite seguro".

Conforme o observatório, no ano passado, todos os dias ultrapassaram a marca de 1°C acima do nível pré-industrial. O mês de novembro foi o mais quente, registrando picos alarmantes de 2°C.

Ana Sandes destaca que a demanda por projetos nessa área deve aumentar em razão da necessidade de frear o aquecimento global. “Todo o mundo está buscando a compensação, seja no mercado regulado ou voluntário. E está fazendo isso não porque é bonzinho, mas porque as empresas precisam ter essa agenda ambiental de reduzir e neutralizar o GEE que emitem. Porque essas emissões estão fazendo com que a Terra aqueça demais. E, se subir mais um grau e meio, vai ficar insuportável. Vai faltar água. As cheias e secas severas vão ocorrer com muito mais frequência. Muitos lugares já estão se desertificando. Então a raça humana vai acabar”, alerta.

A gestora do Sebrae adverte ainda para o fenômeno do derretimento das geleiras devido à ação do homem. “A água vai subir em muitos lugares. Recife é uma das terras ameaçadas. Maceió está na lista das 10 cidades brasileira que estão correndo o risco de afundar. Se as geleiras derretem, muitos países, muitas cidades vão deixar de existir. As pessoas não estão levando em consideração que a ação do homem está causando toda essa destruição.”

Nessa perspectiva, o mercado de carbono é um setor da economia que ainda tem muito a crescer no país. Mas Sandes avalia que ainda há um grande desafio a ser vencido. “Há um interesse em grandes áreas. Quando se pensa no pequeno empreendedor e em pequenas propriedades, não há muito interesse. Mas é necessário pensar nos pequenos. Todos importam”, avalia Sandes.

E os desafios não são poucos. Conforme Ana Sandes, alguns pequenos produtores alagoanos procuraram o Sebrae/AL para obter consultoria nessa área, mas quando perceberam a complexidade, desistiram. “A gente conversou com eles e dissemos que a questão do crédito não é tão simples como as pessoas pensam, que tem que ter uma empresa certificadora e que, às vezes, ela não tem interesse em pequenas áreas. Porque eles [as certificadoras] estão levando em consideração a Floresta Amazônica. Depois que a gente explicou todo o trâmite, todo passo a passo, eles não vieram mais”, exemplifica.

Com visão diferente, o Nosso Mangue e os produtores da Caatinga, abordados pela reportagem, resolveram enfrentar o desafio. Eles receberam consultoria do Sebrae para começar a empreender. O primeiro como Negócio de Impacto Socioambiental (Nisa) e o segundo, como pequenos negócios rurais. Agora independentes, alçam novos voos, ambos na linha de negócios de impacto. E, com força e coragem, buscam a certificação para transformar positivamente a sociedade e o meio ambiente.

'A gente está puxando esse movimento para se tornar referência como o primeiro estado do país a começar, em um ou dois anos, a gerar os primeiros créditos dentro de áreas de manguezais', afirma Mayris Nascimento, idealizadora do Nosso Mangue.

(Foto: Edilson Omena)




Pioneiro e inovador

Modelo de negócio promete manter a Caatinga de pé e reduzir a pobreza no semiárido nordestino

Em Delmiro Gouveia, município do Sertão alagoano, pequenos produtores rurais, lideranças locais e especialistas de áreas diversas uniram forças e criaram um modelo de negócio para preservar a mata nativa, melhorar a renda da comunidade local e reduzir a pobreza. Implantada no entorno dos cânions do São Francisco, a Associação dos Produtores de Crédito Social do Bioma Caatinga trabalha no levantamento dos estoques de carbono sequestrados pelas áreas preservadas e em regeneração e desenvolve soluções para acessar o mercado voluntário e regulado.

Para comercializar os projetos de compensação e os créditos de carbono, os produtores então criaram a Cooperativa dos Produtores de Crédito de Carbono Social e Agricultura Familiar do Bioma Caatinga (Coofadel). Juntas, associação e cooperativa, com o apoio do projeto HidroSinergia, que apoia o desenvolvimento dessas iniciativas, têm a função de gerir todo o processo.

Modelo de negócio implantado no entorno dos cânions do São Francisco levanta estoques de carbono e desenvolve soluções para acessar mercado (Foto: Edilson Omena)

A associação e a cooperativa dos produtores de crédito de carbono da Caatinga nasceram a partir do projeto HidroSinergia, desenvolvido pelo Centro Brasil no Clima (CBC), Instituto InterCidadania (IC) e Instituto Clima e Sociedade (ICS). Idealizado pelo jornalista e ativista socioambiental Sérgio Xavier, o HidroSinergia está desenvolvendo o Laboratório da Caatinga-Rio São Francisco. Nele, são trabalhadas todas as potencialidades da região para tentar mitigar os efeitos das mudanças climáticas e impulsionar a economia inclusiva e regenerativa na localidade.

“O semiárido do Nordeste é uma das regiões que vai ter mais impacto, inclusive já está tendo, em relação ao aquecimento global. Então a gente vai ter aqui mais seca, desertificação, menos disponibilidade hídrica, é um conjunto de problemas que realmente precisam, nesse momento, haver uma prevenção para que esse impacto seja menor”, explica Sérgio Xavier, que é coordenador do HidroSinergia.

Projeto HidroSinergia (Imagem: Divulgação)

Além do crédito de carbono, o HidroSinergia desenvolve projetos voltados para energia solar; reflorestamento; economia circular; capacitação, educação e comunicação; e valorização da cultura e da arte da bacia do São Francisco. “É possível deixar a Caatinga de pé e gerar uma economia local. Então o projeto [HidroSinergia] trabalha com essa visão integrada de todas essas potencialidades”, salienta Xavier.

A ACCSBC e a Coofadel exploram o eixo crédito de carbono alinhado com a preservação e regeneração do bioma. Pioneiro e inovador, o projeto do crédito de carbono integral nasceu no entorno da bacia do Rio São Francisco, da união de produtores de Alagoas, Sergipe, Pernambuco e Bahia. Mas despertou o interesse de pequenos proprietários de terra do Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará e Piauí e hoje eles também integram o negócio. São 109 associados e cooperados, entre pequenos produtores, agricultores familiares e assentamentos, que juntos reúnem quase 30 mil hectares de áreas de vegetação nativa do bioma Caatinga no semiárido nordestino.

O modelo de economia regenerativa foi idealizado pelo gestor ambiental Haroldo Almeida, que preside a associação. Amante da Caatinga, o pernambucano que mora em Delmiro Gouveia há 13 anos conta que a ideia nasceu do desejo dos produtores em tirar o sustento da terra, mas também manter o bioma de pé.

“Os produtores da Caatinga já fazem sua absorção de carbono naturalmente. Só que, com o projeto, eles vão poder ser compensados monetariamente. Para ter uma ideia, ano passado, Alagoas deixou de acessar cerca de R$ 650 milhões. Esse é o valor que a gente teria gerido se já estivesse rodando essa iniciativa, com nossa metodologia”, avalia Almeida.

AGRICULTURA

Ao tempo em que trabalham na linha da agricultura familiar, os produtores mantêm sua mata nativa preservada e buscam recompor as áreas degradadas. O agricultor João Batista dos Santos, presidente e um dos produtores do Assentamento Maria Bonita, tem uma área de 10 hectares. “Lá no meu lote, eu tenho uma reservazinha, onde tem um riacho, que eu reservei para estufa de gás de carbono. Vai continuar lá sem desmatar. E deixei a outra parte para trabalhar a agricultura familiar”, explica.

Agricultor João Batista: “esse projeto para manter a Caatinga de pé é mais um incentivo para a gente viver e trabalhar a terra” (Foto: Edilson Omena)

João Batista conta que o Assentamento Maria Bonita tem 78 assentados e, com os filhos deles, são 143 famílias. Lá alguns produtores aderiram ao projeto da compensação e crédito de carbono. “A gente abraçou esse projeto porque ele vai melhorar a situação ambiental, que é muito importante, não só para o Sertão como também para todo o Brasil, além de que vai melhorar nossa condição financeira. Esse projeto para manter a Caatinga de pé é mais um incentivo para a gente viver e trabalhar a terra”, emenda João Batista.

Produtores da Caatinga criam sistema próprio de pagamento dos créditos de carbono

Para diferenciar da modalidade que existe no mercado, os produtores criaram o próprio sistema de pagamento por serviço ecossistêmico e deram o nome Crédito de Carbono Integral Bio-Sócio-Hidro-Energético da Caatinga do Rio de São Francisco. “O crédito de carbono comum que tem aí, que é muito utilizado na Amazônia, é algo inacessível para os pequenos, é bem elitista e a gente não tem condições de acessar todo esse benefício. Com o Carbono Integral, a gente traz inovação e protagonismo para o bioma Caatinga e para o pequeno [produtor]. O projeto vem para integrar, valorizar e reconhecer a nossa região”, salienta Haroldo Almeida.

Os produtores já têm a metodologia. Ela funciona por meio de sensoriamento remoto. A tecnologia permite detectar os estoques de carbono no solo e fazer a validação de campo por meio da certificação participativa. Duas empresas, a C12D e a Kaatinga, operam no suporte desse sensoriamento, uma prestando assistência tecnológica na utilização do sistema e a outra dando apoio técnico, ambiental e jurídico.

A metodologia funciona da seguinte forma: a associação acessa o produtor e identifica o quanto de carbono ele absorve em sua propriedade ao longo de um ano, usando um hectare de mata como unidade padrão. A quantificação por meio da certificação participativa é repassada às empresas de suporte. Uma valida os dados do sensoriamento remoto e a outra dá amarração jurídica para emissão dos títulos.

Para compatibilizar o Crédito de Carbono Integral (CCI) com o Crédito de Carbono Convencional do mercado global, eles estão criando o Fundo Municipal de Crédito de Carbono. O levantamento do CCI é encaminhado para esse fundo municipal, que os converte em Crédito de Carbono Convencional. Na prática, o fundo deve desburocratizar o processo e possibilitar a ampliação da escala da pegada de carbono, rastro total de GEE produzidos pelas atividades diárias e econômicas.

Inovador, o Fundo Municipal de Crédito de Carbono vai funcionar como um financiador, incorporando os pequenos produtores. “O mercado internacional ele não contempla os pequenos produtores. Então esse modelo que estamos desenvolvendo é realmente a possibilidade de criar um mercado onde o pequeno possa participar e reduzir também a desigualdade. A gente está bem perto de começar a testar esse fundo dentro de um laboratório que estamos implantando nessa região”, explica o coordenador do projeto HidroSinergia, Sérgio Xavier.

Os produtores serão remunerados proporcionalmente à área de mata preservada que ele dispõe. Associação e cooperativa ainda estudam de que forma se dará a distribuição dos recursos levantados com a emissão dos títulos. Mas uma coisa é certa, a maior parte, algo em torno de 70%, vai para o produtor. A aplicação do restante ainda está sendo definida, mas a ideia é a de que seja investido na manutenção da associação, em ações de preservação desenvolvidas pelo Fundo Municipal de Meio Ambiente, no monitoramento e na auditoria dos projetos.

APOIO

Com todas as condições para vender os projetos de compensação de carbono, os produtores têm agora mais um desafio: consolidar a certificação no mercado internacional. Para isso eles precisam de investimentos financeiros, o que a associação não dispõe no momento.

“Falta esse investimento, porque até então a associação e a cooperativa não têm esses fundos para realizar isso. A gente precisa de um equipamento técnico e estruturar a equipe para desenvolver isso”, salienta Haroldo Almeida.

Conforme Almeida, o projeto tem o apoio institucional formalizado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHRSF), Comitê de Bacia da Região Hidrográfica do Sertão do São Francisco, Colegiado Territorial do Alto Sertão de Alagoas, Conselho do Monumento Natural do Rio São Francisco, Fórum Alagoano de Comitês de Bacia, Prefeitura de Arapiraca e Prefeitura de Delmiro Gouveia. Conta ainda com o apoio simbólico, através de declarações positivas, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Alagoas (Semarh), Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Clima de Sergipe (Semac), Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal de Sergipe (UFS), Fórum Brasileiro de Mudança do Clima e Sebrae. “Isso faz com que a gente tenha uma amarração e um reconhecimento institucional forte”, avalia o ambientalista.

O secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Alagoas, Gino César, destaca a participação da Semarh. "O nosso papel aqui é de interagir com a associação. Primeiro reconhecer a seriedade do projeto. Segundo a gente fazer a relação do Governo de Alagoas com os pequenos agricultores e ajudar no debate nacional e internacional para reconhecer o bioma Caatinga", salienta.

Secretário Gino César destaca o apoio do Governo de Alagoas aos pequenos agricultores no debate nacional e internacional para reconhecer o bioma Caatinga (Foto: Edilson Omena)


Bioma desperta o interesse de multinacionais

Apresentado na COP27 e na COP28, o modelo de negócio a partir do bioma brasileiro despertou interesse de duas multinacionais. As negociações estão em andamento. A participação na COP [Conferência das Partes, que reúne quase todos os países do mundo em busca de soluções para os problemas do clima] contou com o apoio do Centro Brasil no Clima, que fez a ponte entre a associação e as entidades internacionais.

Entre os argumentos para atrair o olhar para a região, os representantes da associação mostraram a característica do bioma Caatinga e a sua capacidade de reter carbono no solo, além da necessária justiça climática.

"A Caatinga não é reconhecida mundialmente. Ela não tem aquele apelo que as pessoas geralmente veem. Quando falam do Brasil, todo mundo pensa em Amazônia, ninguém nem imagina que tem um bioma Caatinga. Então procuramos mostrar que o bioma Caatinga ele é o único no mundo, é rico, tem uma biodiversidade. Um hectare de vegetação da Caatinga, por exemplo, ele é mais biodiverso do que a Amazônia. Isso não quer dizer que ele tem mais biodiversidade que o bioma amazônico, mas sim que tem mais espécies em um hectare do que na Amazônia por conta da sua característica. Além disso, ele é muito entrelaçado, interligado, tem uma simbiótica com o Rio São Francisco", salienta Haroldo Almeida.

“Projeto vem para valorizar a nossa região, trazendo inovação e protagonismo para o bioma Caatinga e para o pequeno empreendedor”, diz Haroldo Almeida (Foto: Edilson Omena)

Ele destaca que a Caatinga tem um potencial interessante. "Porque absorve, mas emite muito pouco carbono. A maior parte do que absorve ela retém e estoca no solo. Isso é diferente de outros biomas, porque eles absorvem, mas automaticamente, no processo natural, acabam emitindo", explica.

As dificuldades na aceitação do bioma como solução de mercado para a compensação das emissões de GEE também são enfrentadas com o argumento da reparação de perdas e danos. "A gente mostrou que existe a necessidade de ter uma justiça climática, porque nós estamos em uma região da Caatinga que mais vai sofrer os impactos das mudanças do clima e proporcionalmente é uma região que menos contribuiu [para o aquecimento global]. E a gente vai sofrer muito por algo que não foi atribuição nossa. A gente já vai mostrando isso para o mercado internacional, tanto o voluntário como o regulado, e a necessidade de mitigação", pontua.

As negociações com uma das empresas já estão em andamento. “Mostramos para ela que somos um processo verídico de absorção de carbono, com características de proteção da fauna, da flora, redução das desigualdades, processo de recuperação e recarga hídrica de bacias hidrográficas. Que nosso carbono é mais atrativo porque tem características biológicas, hidrológicas e sociais. Eles acharam interessante a nossa metodologia”, comemora Haroldo.

As reuniões são virtuais e vêm ocorrendo regularmente, mas o processo é burocrático, como o de todo o projeto nessa área. A escrita técnica está sendo finalizada, mas sua formalização ainda deve demandar algum tempo.

Projeto tem papel importante no combate à desertificação

As mudanças climáticas mostram que o tempo para reverter o degelo, a desertificação e outros fenômenos ocasionados pelo aquecimento global está se esgotando. Entre tantos outros, o negócio inovador desenvolvido pela Associação dos Produtores de Crédito de Carbono Social do Bioma Caatinga se apresenta como mais uma luz necessária dentro do esforço global para salvar o planeta.

Para dar maior força ao enfrentamento do processo de desertificação na região, a associação criou uma base de apoio do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima no município de Delmiro Gouveia. Lá, o projeto HidroSinergia trabalha o eixo de reflorestamento e regeneração das áreas degradadas da Caatinga.

As ações para proteger o bioma e mantê-lo de pé incluem a criação de viveiros e a implantação do turismo regenerativo integrados com o Crédito de Carbono Integral. "A proteção da Caatinga também interage com o Crédito de Carbono Integral, porque quanto mais tiver captura de carbono mais renda gera para a região", ressalta Sérgio Xavier.

A recuperação das áreas degradadas é feita através do plantio e do melhoramento biológico. Para a produção das mudas, a associação conta com a parceria do Instituto Terra Viva, que desenvolve vários projetos no Assentamento Lameirão, o segundo feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no estado. No assentamento está instalado o Viveiro Sertão Vivo, um dos quais fornecem as mudas.

Instalado no Assentamento Lameirão, viveiro tocado pelo Instituto Terra Viva fornece mudas para projeto de crédito de carbono (Foto: Edilson Omena)

Alguns produtores rurais do assentamento trabalham no viveiro e todos fazem parte da Associação de Cooperação Agrícola do Assentamento Lameirão (ACAAL). Esta, por sua vez, está inserida na associação e cooperativa dos produtores de crédito de carbono.

O viveiro nasceu a partir do projeto Sertão Vivo, desenvolvido pelo Instituto Terra Viva com recursos do Fundo Nacional de Biodiversidade (Funbio), e passou a ser um centro potencial para irradiar tecnologias na produção de mudas.

O vice-presidente do Instituto Terra Viva, o biólogo Van Giap Cardoso, destaca a parceria no projeto de crédito de carbono e no combate à desertificação. "A ideia é produzir mudas para apoiar esses projetos de reflorestamento, principalmente utilizando diversas técnicas, entre elas o sistema das águas florestais. A gente tem desenvolvido agora, especificamente, o projeto Caatinga Viva. Estamos fazendo algumas experiências. São técnicas de reprodução de mudas que podem potencializar o reflorestamento", diz.

O viveiro tem em torno de 30 espécies. Mas Van Giap destaca que o foco dos experimentos é em cinco delas, eleitas pela comunidade local e pelos parceiros, que são: umbu, ouricuri, mandacaru, palma e umbuguela. Essa última é o resultado do cruzamento entre o umbu e a seriguela.

Vice-presidente do Instituto Terra Viva, Van Giap Cardoso, ressalta dupla função do viveiro: reflorestar a região do semiárido e apoiar os projetos de crédito de carbono (Foto: Edilson Omena)


Van Giap salienta que o viveiro tem dupla aptidão. "Na medida em que o produtor tem uma área que ele tem árvores ali, então ele pode estar manejando, colhendo, fazendo extrativismo dos frutos, até de alguma madeira, e também apoiando os projetos de crédito de carbono, porque aquilo ali vai estar absorvendo todo esse carbono e trazendo e transformando em biomassa vegetal."

Todo o esforço não é à toa. Um estudo feito por pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) identificou pela primeira vez no Brasil regiões de clima árido. O trecho tem quase 6 mil km² e fica no centro-norte da Bahia. A descoberta é alarmante, porque, diferente da seca, a aridez é permanente, similar a deserto.

A aridez traz consequências catastróficas para a economia porque a terra se torna pobre em nutrientes e imprópria para a agricultura. A perda da biodiversidade e a escassez de recursos hídricos aprofundam ainda mais os problemas socioeconômicos, como a pobreza.

Semiárido nordestino já apresenta áreas de desertificação (Foto: Edilson Omena)

A situação em Alagoas também preocupa. Um mapeamento realizado pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Ufal (Lapis/Ufal) aponta que a desertificação já atinge 15% dos municípios. Conforme o estudo, baseado em imagens de satélite, as cidades de Ouro Branco, Maravilha e Mata Grande concentram as maiores áreas de desertificação no estado. O mapeamento mostra ainda que, entre 1990 e 2022, 55% do Agreste brasileiro perdeu a condição climática subúmida seca e se tornou semiárido.

Semarh acompanha de perto projeto da Associação de Crédito de Carbono Social do Bioma Caatinga

  • De acordo com Fabricy Carneiro, gerente de Mudanças Climáticas da Semarh, a pasta tem acompanhado de perto o desenvolvimento do projeto da Associação de Crédito de Carbono Social do Bioma Caatinga que tem a missão de elaboração de um método de Crédito de Carbono Integral: Bio-Sócio-Hidro-Energético na Caatinga.
  • “Estamos discutindo com a associação uma forma de apoio mais direto para um projeto tão inovador. Projetos como este são de extrema importância para o estado, especialmente considerando a iniciativa da Caatinga, que vem dos próprios beneficiados, pessoas de comunidades tradicionais que possuem grandes áreas de vegetação nativa. A preservação da vegetação nativa é fundamental para garantir a biodiversidade, onde a fauna e a flora são preservadas. Isso se torna uma ferramenta crucial no combate à desertificação e às mudanças climáticas”, frisa.

Fabricy Carneiro pondera em relação ao mercado brasileiro regulado de títulos de compensação e geração de créditos por emissões de GEE, o qual será vinculado ao Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). “Estamos aguardando a finalização da tramitação do Projeto de Lei n.º 2.148/2015 no Legislativo Federal para implementá-lo a nível estadual”, disse.

A implementação do mercado regulado de carbono objetiva garantir o cumprimento das metas da Política Nacional de Mudanças Climáticas, assim como as metas e compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris.

Ainda conforme Fabricy Carneiro, em Alagoas a Política Estadual de Mudanças Climáticas está sendo construída e há a previsão de fomento ao mercado de carbono. “Ressaltamos ainda que a Política de Pagamento por Serviços Ambientais, prevista no Decreto n.º 93.740, de 27 de setembro de 2023 possui como objetivo incentivar as ações que contribuam para a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos, em especial a captura de carbono, a redução de emissões de gases de efeito estufa e a conservação da biodiversidade, dos recursos hídricos e do solo”, finalizou.

Nosso Mangue desponta Alagoas como pioneiro no país na busca da certificação dos manguezais

Nascido na região do Pontal da Barra, bairro histórico de Maceió, banhado pela Lagoa Mundaú, berço de pescadores e artesãos, o negócio de impacto Nosso Mangue se prepara para novos voos. Desde 2019, quando o projeto começou, tem recuperado e regenerado áreas de manguezais a partir do turismo regenerativo na bacia do Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba (CELMM).

O Nosso Mangue foi idealizado por Mayris Nascimento, moradora do bairro, que iniciou como microempreendedora individual (MEI). Conforme o negócio foi crescendo, a agora microempresa (ME) passou também a fazer a compensação da pegada de carbono na região e, hoje, emprega 11 pessoas.

Este mês chegou à marca de 18 mil mudas plantadas das espécies mangue vermelho, branco e preto. O índice é comemorado por Mayris Nascimento, que é CEO da empresa: “não são apenas números, é o impacto da nossa jornada”.

Voltado para o turismo regenerativo, Nosso Mangue lança escopo do projeto de compensação e mira na comercialização do crédito de carbono a partir do bioma (Foto: Edilson Omena)

A empresa agora mira na comercialização do crédito de carbono a partir do bioma. “Hoje, a gente trabalha dentro do mercado voluntário de compensação da pegada de carbono. Mas há uma prospecção, dentro do cronograma, para a gente se tornar uma geradora de crédito de carbono dentro das áreas de manguezais”.

Neste ano, ela começa uma frente de pesquisas para conseguir mensurar quanto cada espécie consegue absorver de carbono, para ter um dado mais preciso da eficiência de sequestro do bioma na região. “E é assim que a gente começa a trabalhar nessa estruturação da geração de créditos”, explica a CEO.

Com a iniciativa do Nosso Mangue, Alagoas desponta como pioneiro na busca pela certificação dos manguezais. "A gente está puxando esse movimento para se tornar referência como o primeiro estado do país a começar, em um ou dois anos, a gerar os primeiros créditos dentro de áreas de manguezais. Hoje não tem nenhuma empresa em si que comece a gerar o crédito de carbono dentro de áreas de manguezais", destaca.

O processo para a escolha da certificadora já começou. O mercado internacional tem três gigantes nesse ramo, que são a Verra (VCS), a Indigo e a GoldStandard. Esta última criada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Elas já têm suas metodologias reconhecidas e cientificamente validadas. No Brasil existe a Lux Carbon Standard (LuxCS). Primeira do país, ela foi implantada no dia 21 de setembro de 2023, em Blumenau, no estado de Santa Catarina.

Com o Nosso Mangue, Mayris Nascimento dá os primeiros passos para a entrada no mercado regulado (Foto: Adailson Calheiros)

O Nosso Mangue analisa as metodologias da Verra, da GoldStandard e da brasileira LuxCS, atento na viabilidade e nos riscos para então escolher a melhor para a empresa nesse momento. "Provavelmente, a gente vai sair via Verra inicialmente, até conseguir ganhar solidez no mercado, para depois migrar para a da ONU, porque tem parâmetros mais atrelados ao propósito do Nosso Mangue", adianta Mayris. A análise também envolve a responsabilidade pela geração dos créditos, se será feita pelo Nosso Mangue ou passada para uma terceira parte.

A empresa tem como meta, ainda este ano, trabalhar na estruturação de dados e controles e na rastreabilidade das áreas para dar mais validez ao que já é feito de concreto. Mayris explica que toda essa preparação é para então entrar no mercado regulado já dentro do escopo necessário, para se aderir a ele e não se adequar após, de modo que os projetos sejam aprovados. "Mas existem diversas etapas. Não é do dia para a noite", explica.

No dia 4, a Nosso Mangue participou do Shell Startup Engine, um programa global de inovação focado em startups em estágio inicial a médio de maturidade. No evento, a CEO Mayris Nascimento apresentou o negócio de impacto a uma banca de investidores, dentro do eixo de soluções baseadas na natureza.

Com isso, os primeiros passos para a entrada no mercado regulado já foram dados. E a entrada nesse mercado internacional significa trazer recursos de diversos países. “Até países situados na Europa, que têm que compensar suas emissões. A gente teve, recentemente, a última COP, que traz muito essa perspectiva dos países de reduzirem as suas emissões ou compensá-las. Então os países da Europa em si, eles estão correndo atrás para minimizar os danos ambientais que eles estão ocasionando e, justamente, trazendo essa fonte de investimento para dentro do Brasil. Como todo mundo sabe, o Brasil é um dos maiores territórios a nível global, que tem uma das maiores florestas e diversos outros biomas e que também tem uma responsabilidade muito grande para a minimização das mudanças climáticas em uma escala global."

COMPETÊNCIA

Com a participação no BNDES Garagem [do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e outras iniciativas, o Nosso Mangue ganhou visibilidade dentro e fora Brasil. Por aqui tem sido sondado para projetos em áreas de manguezais em outros estados. As negociações já acontecem. Mayris destaca que, para onde quer que o projeto vá, levará sua marca: operar com mão de obra local, preservar a identidade do lugar e gerar impacto social e ambiental.

Com a visibilidade, visão de mercado e todo planejamento que já vem desenvolvendo, os desafios que o Nosso Mangue deve enfrentar para mostrar a força do manguezal e fazê-lo conhecido provavelmente serão superados. “A gente está no processo de trazer esse viés diferente [de que o manguezal também tem potencial] e quebrar essas barreiras. Trazendo também retorno social e ambiental para essas áreas que a gente acaba atuando e gerar pertencimento, gerar renda para as comunidades locais e mudar todo o ecossistema de fato”.

Também deve superar as barreiras enfrentadas pelos pequenos negócios, já que ainda está se estruturando dentro do mercado voluntário, e tem dificuldade em acessar novos clientes.

Selo e escopo de serviço de compensação mostram potencial de crescimento

O Nosso Mangue começou a atuar no mercado voluntário de carbono este ano. O escopo desse serviço de compensação da pegada de carbono foi lançado no dia 29 de fevereiro, dentro do Sebrae. O novo serviço foi anunciado no perfil da empresa no Instagram. "Na última quinta-feira [29/2], realizamos o lançamento do nosso escopo do serviço de compensação da pegada de carbono em áreas de manguezais. Lançamos nossos selos de compensação e de impacto social. Em breve, vocês vão conhecê-los. Este é mais um passo para o nosso crescimento e luta pelo manguezal de pé."

Lançamento do escopo e selo da compensação Nosso Mangue (Imagem: Reprodução)

O selo garante que determinada área está sendo reflorestada ou conservada, sequestrando carbono da atmosfera e gerando impacto positivo no meio ambiente. O reflorestamento é feito em áreas desmatadas com o plantio das mudas de mangue. Já a conservação é feita no ecossistema que já está de pé, fazendo com que ele permaneça lá. “No ecossistema que já está de pé é possível gerar créditos de carbono numa quantidade menor do que naquele que está se reestruturando. No caso do manguezal, ele consegue uma grande quantidade durante os primeiros 20 anos. Depois ele vai reduzindo esse sequestro”, explica a ambientalista.

Já o escopo traz toda a estrutura do serviço, desde o plantio, análise das áreas, recuperação, monitoramento e mensuração de quanto o solo consegue sequestrar de forma primária. Esse foi o primeiro, mas a empresa já trabalha na estruturação do segundo escopo, que é a rastreabilidade das áreas de manguezais, chamada de toqueamento.

Com o toqueamento, evita-se a sobreposição de áreas. Ou seja, que outra pessoa compense na mesma área, evitando assim a duplicação, o que nesse comércio é chamado de blockchain. Para isso, o Nosso Mangue gerará um número de identificação (ID) para cada área compensada por cliente.

O Nosso Mangue é a primeira empresa que traz esse viés de inovação tecnológico para compensação voluntária. E, nessa mesma linha, caminha para começar a certificar seus projetos para gerar crédito de carbono.

Assim, a empresa socioambiental segue o caminho do crescimento e luta para manter o manguezal de pé.

Aos poucos, os índices de desmatamento na bacia do CELMM na região do Pontal da Barra estão diminuindo. A meta do Nosso Mangue é expandir seu trabalho de reflorestamento para outras áreas de Alagoas e também de fora do estado.

“Agora a gente está nesse processo de se sentar e estruturar, ver quantas áreas privadas ainda existem. Já têm algumas pessoas que detêm a posse dessas áreas até procurando a gente para entender como eles podem manter o ecossistema de pé e gerar esses benefícios atrelados aos serviços que a gente faz”, revela.

Áreas maiores de manguezais na bacia do CELMM têm em torno de 300, 400 hectares (ha) e estão dentro do escopo de serviços que o Nosso Mangue atende na compensação. Para atender o mercado de crédito de carbono, será necessário trabalhar em áreas maiores, a partir de 500 ha.

Um mapeamento de áreas de manguezais em Alagoas pode ajudar a empresa a ampliar sua área de atuação no estado. O mapeamento faz parte do pacto estadual para a recuperação das áreas desse ecossistema dentro do projeto Pró-Manguezais, uma iniciativa do Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL) e Ministério Público Federal em Alagoas (MPF/AL), realizado em parceria com outros órgãos públicos, organizações não governamentais (ONGs) e iniciativa privada.

Mapeamento realizado pelo projeto Pró-Manguezais, do MP/AL e MPF/AL, pode ajudar o Nosso Mangue a ampliar sua área de atuação no estado (Foto: Edilson Omena)


Prova de conceito deve ampliar cartela de serviços de compensação

Nesse mercado voluntário, o Nosso Mangue atende empresas alagoanas que querem compensar suas emissões de GEE, mas que não são obrigadas a fazê-lo. São empresas voltadas para a agenda ESG, preocupadas em ter um papel relevante na transformação da sociedade e em um futuro mais sustentável. A sigla ESG vem do inglês Environmental, Social and Governance. Em português quer dizer Ambiental, Social e Governança. E, dentro dessa agenda, elas voltam sua política para fatores socioambientais, como a redução e compensação das emissões de GEE na atmosfera.

“As empresas buscam compensar suas emissões pelo retorno social e ambiental atrelado à imagem. Hoje, a gente tem uma cartela de clientes específica, tanto voltada para a indústria quanto para o comércio e serviço”, informa Mayris Nascimento.

A ambientalista adianta que o Nosso Mangue já começou a testar uma prova de conceito (POC) desse serviço com um cliente, para mostrar sua eficiência. "Com a validação dessa POC, a gente amplia essa cartela de serviço para atender outros clientes e quem sabe também atender outras regiões do Brasil."

Geralmente, quando as empresas procuram o Nosso Mangue, elas já têm o relatório base com suas emissões de GEE, o GHG Protocol (Greenhouse Gas Control). Ele mensura o quanto elas conseguem gerar em emissões, sejam diretas, geradas no processo produtivo e classificadas pelo relatório como escopo 1; indiretas, que estão associadas à energia que a empresa consome (escopo 2); e indiretas, geradas por terceiros na cadeia de produção (escopo 3).

Hoje, o Nosso Mangue só atende o escopo 1. "Geralmente ela já entrega esse relatório pra gente do GHG Protocol. E aí o que a gente faz? Ou faz inicialmente dentro do nosso escopo desse serviço uma compensação total, a gente já tem um selo pra isso, ou uma compensação parcial. E aí a gente pega esse relatório e faz a conversão de quanto ela gerou de emissões de gás de efeito estufa para quantas mudas de mangue a gente tem que plantar. Mas também analisando a área onde vai ser plantada, porque tem toda uma especificação das espécies que a gente pode plantar dentro das áreas de manguezais", explica Mayris.

Há também empresas que não sabem o quanto emitem e querem fazer uma compensação parcial, sem mensuração do que elas geram. "Nesse caso não é uma compensação, é uma ação de minimização dos danos ocasionados", explica.

Calculadora de pegada de carbono é estudada pelo IMA

O Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL) está criando uma calculadora para auxiliar na medição do sequestro de carbono e seu depósito no solo. A consultora ambiental do instituto, Gabriela Cota, explica a importância do instrumento. Ouça no áudio abaixo:

O IMA/AL e a Semarh abriram consulta pública para os editais do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) em janeiro deste ano. A iniciativa garante que a sociedade, sobretudo os proprietários de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) e agricultores familiares, possam revisar e contribuir nesse processo.

São dois editais com a proposta de contemplar financeiramente agricultores familiares, pessoas físicas, que desenvolvam atividades agrícolas, extrativistas e pecuaristas sustentáveis inseridos na zona rural alagoana, bem como proprietários de imóveis com Reserva Particular do Patrimônio Natural, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Ambos devem se enquadrar em algumas diretrizes dispostas no certame.

Para o secretário de Meio Ambiente, Gino César, o PSA é uma iniciativa que se fundamenta em uma visão estratégica do poder público, que procura estabelecer parcerias sólidas e eficazes para promover a conservação do meio ambiente. “Ele não apenas reconhece a importância de práticas sustentáveis, mas também busca ativamente aliados que compartilhem do compromisso com a sustentabilidade”, afirma.

Os agricultores selecionados por edital receberão remuneração de acordo com o tamanho da propriedade e os serviços ambientais prestados, com valores entre R$ 5 mil e R$ 30 mil. Os proprietários também aprovados, conforme o edital, serão remunerados com base no tamanho da RPPN e no custo médio para uso da terra. A remuneração será distribuída de acordo com a área de cada propriedade, variando entre R$ 10 mil e R$ 40 mil ao ano.

Segundo Ramon Salgueiro, gerente do setor de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade (Geclim) do IMA, a implementação do programa de PSA em Alagoas é necessária para enfrentar os desafios da conservação ambiental, sobretudo por ser um estado que possui uma vasta biodiversidade, incluindo ecossistemas costeiros, mangues e florestas.

“Esse programa estimulará a conservação destes habitats, melhorando a qualidade de vida da população, protegendo os recursos hídricos e promovendo o desenvolvimento sustentável, tanto por meio da valorização de práticas agroecológicas, como da valorização das florestas em pé”, explica Salgueiro, que também reforça a importância da integração da sociedade na consulta pública.

O que é o PSA?

O PSA visa incentivar financeiramente práticas sustentáveis relacionadas à promoção de serviços ecossistêmicos. Desse modo, a iniciativa pretende melhorar a qualidade de vida dos responsáveis por essas atividades e garantir a proteção de recursos hídricos, mitigação das mudanças climáticas e outros benefícios ambientais que são fundamentais para a preservação.

Nessa primeira etapa, o programa tem o intuito de reconhecer e valorizar boas práticas da agricultura que interagem com a conservação do meio ambiente; assim como incentivar a preservação da biodiversidade nas RPPN.

Banco do Nordeste estimula agricultura de baixo carbono em Alagoas

Com linha de crédito específica para financiar projetos de agricultura de baixo carbono, o Banco do Nordeste (BNB) estimula a prática no setor rural alagoano. Daniel Diniz, gerente executivo estadual da célula de negócios rurais do banco, explicou durante entrevista ao TH, que a instituição oferece condições especiais para projetos dessa natureza, com prazos de pagamento que podem chegar a 20 anos, e está divulgando as vantagens com parceiros e produtores rurais. Além disso, o BNB integra a Câmara Setorial do Plano Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC +), coordenada pela Secretaria Estadual de Agricultura de Alagoas (Seagri).

Confira a entrevista completa:

Pesquisa analisa sequestro de carbono pela atividade agrícola em Alagoas

Uma pesquisa desenvolvida no laboratório do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), em Marechal Deodoro, Litoral Sul de Alagoas, avalia o potencial de sistemas agrícolas para sequestrar carbono da atmosfera no semiárido alagoano, nos municípios de Mata Grande, Pariconha, Inhapi e Delmiro Gouveia.

A pesquisa foca na recuperação de pastagens degradadas e nos sistemas integrados de produção. Este último envolve, de maneira específica, os sistemas agroflorestais tradicionais e os sistemas mais recentes de lavoura-pecuária e lavoura-pecuária-floresta. Liderado pelo professor pesquisador Stoécio Maia, o estudo tem feito experimentos com amostras de terra coletadas em áreas produtivas.

O professor ressalta que, no Brasil, a agricultura convencional ou tradicional, principalmente o revolvimento exagerado do solo, técnica ainda muita usada em grande escala no Nordeste, eleva a emissão de carbono na atmosfera, o que é ruim e precisa ser combatido. “Por isso, a preocupação em pesquisar o assunto. Geralmente quando nós fazemos a coleta do solo e trazemos para analisar no laboratório, o resultado é negativo”, explica.

Pesquisador Stoécio Maia, do campus de Marechal Deodoro do Ifal (Foto: Edilson Omena)

Apoiado pelo Governo de Alagoas, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapeal), o estudo tem ganhado destaque pela proposta que enuncia: “sequestro de carbono do solo como uma solução baseada na natureza para o semiárido brasileiro”. O estudo é uma das 99 propostas que fazem parte do Programa de Iniciação Científica Júnior (Pibic Jr), no ambiente de nível médio das escolas da rede pública estadual e do Ifal.

O projeto é mais um na história de apoios concedidos ao pesquisador Stoécio Maia, que pela quarta vez conquista fomento em um edital da Fundação. Ele atua na área de manejo e conservação de solos, sempre relacionada à questão das mudanças climáticas e do aquecimento global, pensando em interfaces com a agricultura.

O foco de suas pesquisas tem sido intensificado no clima semiárido, não só na região alagoana, como no âmbito nordestino de modo geral. Esse projeto específico está inserido num contexto maior, vinculado também à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq - USP).

O professor conduz 10 estudantes apoiados com bolsas garantidas com recursos estaduais. Ele destaca que a ideia é envolver os alunos e proporcionar para eles uma experiência diferente de pesquisa: “Neste estudo nós temos coletado solos em várias áreas, uma aqui em Alagoas, mas também na Paraíba, no Ceará e em Sergipe. Estes alunos estão fazendo parte de todo o processo, contribuindo com as análises e tendo a oportunidade de acompanhar dois discentes da pós-graduação do Ifal e da Ufal”, frisou o pesquisador.

Foto: Edilson Omena

Durante o período de desenvolvimento das verificações e etapas de laboratório, o professor também solicitou que dentro da programação fossem construídas cartilhas relacionadas ao tema pelos estudantes.

O acadêmico dividiu a equipe em subgrupos e surgiram três cartilhas relacionadas a assuntos sobre a qualidade do solo, sequestro de carbono e soluções baseadas na natureza, sendo, este último aspecto, o “guarda-chuva” do projeto. “A gente pensa no solo e nestes sistemas como soluções de base natural”, afirma.

PESQUISA AMPLIADA

De 2014 até 2017, conforme o professor, essa mesma pesquisa foi ampliada para os estados da Paraíba e Bahia, sendo identificado um impacto de carbono em torno de 15 a 20% no solo envolvendo a agricultura e pastagem. Nessa ampliação, a pesquisa ganhou a parceria com a Universidade de São Paulo (USP), reunindo 60 pesquisadores do Brasil, sendo Stoécio Maia o responsável pelo Nordeste.

Para ele, zerar carbono não é uma equação fácil e o Nordeste ainda está sendo avaliado no sentido dos sistemas integrados. “Mas já começamos a perceber uma resposta melhor, é um bom sinal mesmo no semiárido por conta do clima, do tempo, diferente do Cerrado que chove regularmente. O mundo está fazendo um esforço de zerar as emissões, mas para ser bem sincero, acho muito difícil zerar ou neutralizar carbono, porque tudo que fazemos gera carbono”, destaca Stoécio Maia.

Ele ressalta a importância das energias limpas, como solar e eólica, e manejo do solo com o componente florestal para diminuir a emissão de CO2. Também de projetos de conservação e reflorestamentos de matas. "Trazendo o exemplo do projeto Nosso Mangue, o mangue em si tem um potencial gigantesco, porque acumula muito carbono. Então o manguezal é uma possibilidade muito boa e interessante”, menciona.

Professor conduz 10 estudantes apoiados com bolsas garantidas com recursos estaduais (Foto: Edilson Omena)

O professor avalia também a iniciativa dos produtores da Caatinga. “Outra iniciativa é da associação e cooperativa em Delmiro Gouveia, que está numa empreitada grande, de muita coragem, porque tem que juntar produtores, bem como a metodologia, tendo em vista ter que provar que aquela área tem condições de estocar tantas toneladas de carbono, além de monitorar a área para mostrar que está sendo permanente”, detalha o pesquisador.

Laboratorial

Trabalho traz contribuição para a região do semiárido

O professor Stoécio Maia explica que a maior parte do trabalho conduzido no Pibic Jr é laboratorial, com solos de quatro locais do semiárido nordestino. Ele frisa o estudo do carbono da terra para entender o potencial de sequestrar o elemento nestes sistemas. Além disso, outras análises relacionadas têm sido igualmente construídas, para tentar examinar a qualidade dos campos nestas regiões.

É importante frisar que os resultados principais já estão sendo gerados nesta fase da pesquisa: uma parte já está finalizada e outras ainda estão sendo computadas. Assim, o pesquisador acredita que até o final do mês de maio toda a parte analítica deverá ser encerrada.

A ideia, segundo ele, é transformar as descobertas em publicações acadêmicas, mas pensando também em materiais para outro público-alvo, que não somente o grupo científico.

Neste contexto, o agrônomo frisa que os resultados de todas as avaliações também possuem empregos externos ao escopo acadêmico, desenvolvendo uma aplicação real para Alagoas, além de cooperar com o Inventário Nacional de Emissões e Remoções de GEE.

Integração

Estudo pode ajudar no inventário nacional de GEE

O coordenador do estudo, professor Stoécio Maia, diz que existe a necessidade de gerar informações precisas, porque o semiárido, segundo ele, ainda é muito carente de informações, principalmente no Nordeste.

“O conhecimento pode ajudar no inventário nacional de GEE, auxiliando também a identificar como é que estão estes sistemas integrados e de pastagens, e isso servirá para subsidiar os produtores, indicando, por exemplo, se o sistema está dando o resultado que se espera ou, se não, quais são os ajustes possíveis de se fazer”, pontua o professor.

Por outro lado, Stoécio Maia explica que é possível encontrar outras aplicações para isto em um âmbito político, em um momento em que o Brasil está revisando todo o seu Plano Nacional do Clima. Ele destaca que esse conhecimento é fundamental porque vai edificando de fato os dados e informações para ajudar a traçar as estratégias corretas e de acordo com a realidade local.

As cartilhas “Qualidade do Solo” e “Soluções baseadas na Natureza – SBN” estão disponíveis para download gratuito no site da Fapeal.