Uma briga de casal acabou de forma trágica em São José da Tapera, no Sertão de Alagoas. Mônica Cristina Gomes Cavalcante Alves, de 26 anos de idade, tinha discutido com o marido Leandro Pinheiro Barros em uma festa junina que acontecia na cidade e, temendo ser morta por ele, gravou vídeos falando sobre as agressões que sofria e dizendo que, se alguém encontrasse o seu aparelho celular e ela já estivesse morta, o autor seria seu companheiro.
A jovem foi morta com cinco tiros no dia 18 de junho de 2023, em uma calçada do Fórum da cidade, antes da chegada do socorro médico. Mônica deixou dois filhos: uma menina de 3 anos e um menino de 9 anos.
Carla Janiere da Silva Barros também foi assassinada pelo esposo. O crime aconteceu dentro de sua loja no centro de Murici, Zona da Mata de Alagoas, no dia 14 de novembro de 2023. A vítima foi morta a tiros. Ela morreu antes mesmo de receber socorro. Segundo a Polícia Militar, o marido dela, Jeferson Marcos Timóteo da Silva, deitou-se ao lado do corpo para fingir que estava morto e evitar ser preso, mas os militares perceberam a farsa e o prenderam.
Esses são dois dos 19 casos de feminicídio registrados em Alagoas, durante o ano de 2023, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública de Alagoas (SSP/AL). Para se protegerem de violência doméstica, 3.869 mulheres solicitaram e receberam medidas protetivas pelo Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL) no ano passado. Ainda segundo o órgão, houve um aumento, se comparado com o ano anterior, mas, por um problema na alimentação dos dados, os números de 2022 não foram disponibilizados.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, a violência contra a mulher cresceu em 2022. Em Alagoas, todos os indicadores registraram crescimento. Muitos deles, superiores aos registrados em todo o país.
No estado, os feminicídios cresceram 23,9% em 2022, resultando em 31 mulheres mortas simplesmente por serem mulheres; as agressões em contexto de violência doméstica tiveram aumento de 29,1%, totalizando 1.993 casos; o número de ameaças subiu 8,2%, resultando em 6.004 casos. Além disso, registros de assédio sexual cresceram 31,3% e totalizaram 67 ocorrências em 2022 e importunação sexual teve crescimento de 2,2%, chegando ao patamar de 187 registros no último ano.
“Eu fiz de tudo para a gente ser feliz, mas não deu”, disse vítima
Em um dos vídeos postados (confira abaixo), Mônica Cristina chorando disse: "Quem achar o meu celular, saiba que Leandro me agrediu várias vezes psicologicamente e fisicamente. Eu fiz de tudo para a gente ser feliz, mas não deu. Era um relacionamento extremamente abusivo. Desculpe-me se alguém está triste vendo esse vídeo, mas não fique. Estou apenas tentando me esconder dele. A gente estava em uma festa, sabe? E meu pai fez uma brincadeira que, infelizmente, ele não gostou. Uma brincadeira boba, sabe? Mas, por conta do álcool, ele se alterou. Na verdade, ele já estava alterado. Então, quem achar esse celular e eu estiver morta, foi Leandro Pinheiro Barros, filho de José Milton".
"Eu tenho consciência que fui uma esposa, fiz tudo ao meu alcance para ser feliz no relacionamento, respeitei ele. Mas era um relacionamento extremamente abusivo, sabe? Mas eu fiz de tudo, o que eu pude. Se alguém achasse esse celular, eu gostaria que até conscientizasse as mulheres, se você estiver passando por esse momento, não aceite. A gente merece ser feliz, a gente merece felicidade, paz. Não é culpa sua. Mas se eu for, eu vou em paz, tranquila. Eu só tenho pena dos meus filhos", continuou.
Ainda no vídeo, a jovem pediu para que as mulheres denunciassem os relacionamentos abusivos e que não aceitassem viver dessa forma.
AGRESSÕES
A investigação sobre o assassinato de Mônica Cavalcante revelou que ela aparecia no trabalho com marcas de agressão provocadas pelo marido. "Por meio das oitivas, obtivemos a informação de que a Mônica algumas vezes chegou ao seu local de trabalho apresentando hematomas em virtude das agressões que ela já havia sofrido outras vezes, agressões essas praticadas pelo esposo dela", disse o delegado Diego Nunes.
O delegado afirmou ainda que uma pistola 9 mm de Leandro Barros, que é filho de um sargento lotado na Polícia Militar de Sergipe, foi apreendida na casa em que ele morava com a esposa. No local, também foi encontrada uma camisa manchada de sangue.
"A gente realizou a apreensão de uma arma de fogo que estava no interior da residência do casal, uma pistola 9 milímetros que pertencia ao esposo da Mônica. Encaminhamos essa arma para o Instituto de Criminalística para realização de exame de confronto balístico justamente para que possamos confirmar que foi essa a arma utilizada no crime. Nós também apreendemos a camisa que o autor do crime utilizava quando tirou a vida da Mônica. Essa camisa apresentava grande mancha de sangue e foi encaminhada para o Instituto de Criminalística para realização de exame pericial", contou Nunes.
MP/AL
O Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL) denunciou Leandro Pinheiro Barros pelo crime de homicídio triplamente qualificado contra a companheira dele. Ele teve a prisão decretada pela Justiça, mas continua foragido.
“O acusado praticou feminicídio em desfavor de sua mulher, de forma premeditada, em frente ao fórum da comarca de São José da Tapera, revelando destemor à Justiça e às consequências jurídicas penais”, diz um trecho da ação penal proferida pelo promotor Fábio Bastos Nunes, após receber o inquérito da Polícia Civil.
“O tiro à curta distância, conforme resta evidenciado nos exames periciais, demonstra toda frieza na execução do crime, e denota a periculosidade real do acusado”, enfatizou o promotor.
Na denúncia, o promotor reforçou o pedido. “Frente à imputação ora formulada e em razão da imprescindibilidade da medida, requer que seja decretada a prisão preventiva do denunciado para a garantia da ordem pública e aplicação da lei penal em razão da gravidade em concreto do crime, revelado pelo modus operandi empregado”, argumentou Nunes à época do crime.
“Ele sempre prometia o mundo e a gente via que não era verdade”, expôs amiga de vítima
Em Murici, Carla Janiere, que era conhecida como Janny, foi assassinada pelo marido Jeferson Marcos Timóteo da Silva que, segundo a Polícia Militar, deitou-se ao lado do corpo da vítima para fingir que estava morto e evitar ser preso, mas os militares notaram que o homem estava vivo e o prenderam.
Uma funcionária da loja da vítima gravou Jeferson discutindo e ameaçando a esposa dentro da loja antes dele cometer o feminicídio. Janiere já havia enviado mensagens para a funcionária dizendo que se algo acontecesse contra ela, o marido seria o responsável. Ela também pediu para a família ser avisada.
Uma amiga da vítima informou a polícia à época que Janiere vivia em um relacionamento abusivo, marcado por agressões e promessas de melhora por parte do companheiro, o que nunca acontecia. "Já agrediu ela. Já puxou pelos cabelos. A gente sempre dizia 'Janny... Janny...e ela 'ah, amiga, é porque ele estava com raiva'. [Depois] Ele sempre prometia o mundo, 'vou fazer isso, vou fazer aquilo', e a gente via que não era verdade", disse a amiga.
Para se protegerem de violência doméstica, 3.869 mulheres solicitaram e receberam medidas protetivas pelo Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL) no ano passado
Promotor e presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos de Alagoas, Magno Alexandre Ferreira Moura (Foto: Reprodução / Instagram)
O papel do MP na proteção da mulher e a importância das políticas públicas como armas de combate
O Ministério Público tem uma grande missão, junto à sociedade e ao Estado, de contribuir na proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar. “Nós temos atuado junto aos dois juizados de Combate à Violência Doméstica da capital, com dois promotores no primeiro juizado e mais dois no segundo juizado, com o propósito de reprimir qualquer tipo de ato contra a mulher nesse aspecto, desdobrando ou não em crime propriamente dito”, explica o promotor e presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos de Alagoas, Magno Alexandre Ferreira Moura.
Moura explica ainda que, quando se trata de situações mais graves, como feminicídio, o procedimento tem uma dupla fase de apuração. “Eu até diria três fases de apuração. Primeira, a da polícia, que faz o seu trabalho investigativo, de levantamento de dados, fatos e provas. Segundo, junto ao Ministério Público e junto ao Poder Judiciário, porque o Ministério Público, ao receber este inquérito, vai poder ofertar a denúncia e começar a instrução processual judicial propriamente dita e, uma vez ouvidas testemunhas, as demais provas coligidas aos autos, a exemplo do exame cadavérico, vamos poder manter o pedido de pronúncia daquele réu para que responda pelo crime diante do Tribunal do Júri da comarca”, diz.
Segundo o promotor de Justiça, não tem havido tolerância em relação aos crimes cometidos contra mulheres. “As condenações têm acontecido diuturnamente, não se tolera mais esse tipo de crime porque, quando um homem agride uma mulher, não está só agredindo o ser humano, a pessoa da mulher, mas também está agredindo a toda a sociedade. E o Ministério Público tem todo compromisso firmado, voltado para combater à violência doméstica e colocar a mulher a salvo desta situação”, afirma Moura.
O combate à violência doméstica começa com campanhas institucionais, que são realizadas pelo Ministério Público junto à sociedade. “Buscamos demonstrar que não pode mais esse tipo de conduta machista, sexista e até ultrapassada, de se tratar mulher como um sexo frágil, com desprezo. Então, essas campanhas são deflagradas, geralmente, no mês de agosto, em razão do Agosto Lilás e, com isso, há uma política pública instituída permanentemente no Estado de Alagoas, através da Secretaria da Mulher de Direitos Humanos, e lá o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos tem também atuado para a proteção da mulher e combate à violência. O Ministério Público também tem assento e tem falado da importância desse trabalho realizado”, diz.
Todos os anos, o Ministério Público realiza a campanha Agosto Lilás com o objetivo de reforçar a necessidade de efetivação de políticas públicas de prevenção e combate à violência contra a mulher. No ano de 2023, a campanha reforçou a importância de denunciar todos os tipos de violência.
Conforme explicou à época a coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher do Ministério Público, Hylza Paiva, é preciso o entendimento de que todos os tipos de violência são danosos.
"Infelizmente, muitas vezes, ainda há quem pense que a mulher, de alguma forma, contribui para aquela determinada situação de violência. E quando se trata da violência psicológica, isso se torna ainda mais comum, porque esse é o tipo de violação mais difícil de ser comprovada, já que as marcas atingem a saúde mental da vítima, e não o seu corpo físico ou o seu patrimônio. Faz-se urgente a sociedade entender que todo tipo de violência, seja ele de qual modalidade for, é extremamente danoso", enfatizou.
BRASIL
- Um levantamento atualizado do Laboratório de Estudos de Feminicídios (Lesfem), da Universidade Estadual de Londrina, publicou em 15 de dezembro de 2023, o Monitor de Feminicídios no Brasil (MFB) apresentando dados atualizados e análises preliminares sobre os casos de feminicídio no Brasil, incluindo o período de janeiro a novembro daquele ano.
- O Brasil registrou um total de 2.301 casos de feminicídio, entre consumados e tentados. Só no mês de novembro, mesmo período marcado pelo 25 de Novembro – Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher e início da Campanha de 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher -, foram 307 casos, com 174 feminicídios consumados e 133 tentativas, alcançando uma média diária recorde de 10,23 ocorrências.
- O Boletim é uma ferramenta de informação que busca contribuir para a melhor compreensão sobre as dinâmicas sociais implicadas em crimes contra mulheres, por sua condição de gênero. “Essas mulheres não são meras estatísticas. Elas tinham histórias, sonhos e vidas plenas antes de serem tragicamente interrompidas pelo feminicídio”, ressalta o relatório.
- Entre outras informações, o relatório discrimina a distribuição dos feminicídios por unidades da federação em números absolutos e em taxa por cem mil mulheres.
- O Lesfem produz o Monitor de Feminicídios no Brasil aplicando a definição de feminicídio conforme as “Diretrizes Nacionais Feminicídio: investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres”. A fonte de dados utilizada são as notícias veiculadas na internet pela imprensa escrita.
“Realidade é mais dura, pois envolve subnotificações’’, diz pesquisadora
Para a professora e pesquisadora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Elaine Pimentel, a proteção das mulheres contra qualquer forma de violência é fundamental para o estado democrático de direito.
"Ações educativas e políticas públicas são caminhos relevantes para esse enfrentamento, porque implica o Estado e a sociedade na proteção das mulheres vitimadas pela violência para que as mulheres denunciem. É fundamental que haja uma rede de acolhimento, escuta e encaminhamento. É preciso que as mulheres vítimas de violência saibam que caminhos percorrer, que instituições procurar", comenta a professora.
Ainda segundo a pesquisadora, são muitos os medos de uma mulher em situação de violência: novas violências, violência contra os filhos, dificuldades financeiras, impunidade, insegurança. "Esses medos fazem com que a vítima se sinta insegura", expõe Pimentel.
A advogada e pesquisadora especializada em direito das mulheres Anne Caroline Fidelis avalia que o aumento das estatísticas reflete também o fortalecimento das denúncias.
"Destaco dois pontos: a falha do Estado em proteger mulheres, mas também que, para além do aumento do número de feminicídios, temos o aumento dos casos em que se reconhece a questão de gênero como determinante na ocorrência da violência, aumentando a pena em face da qualificadora do feminicídio. Fica evidente que a questão da violência contra as mulheres precisa ser tratada em todas as suas dimensões, em especial a partir do viés preventivo, bem como do estímulo à denúncia e qualificação do acolhimento no pós denúncia", pontua a advogada.
Para a coordenadora do Gabinete da Mulher, Ana Paula Mendes, o silêncio acaba por fortalecer o agressor. "A violência precisa ser combatida e denunciada, porque o silêncio fortalece o agressor. A prefeitura está com uma série de políticas públicas para esse enfrentamento. O prefeito JHC assinou um decreto em janeiro de 2022 garantindo que as mulheres vítimas de violência doméstica tivessem preferência na entrega dos conjuntos habitacionais", destaca.
A coordenadora da Casa da Mulher Alagoana, Erika Lima, ressalta sobre o funcionamento da instituição e como as mulheres podem fazer para pedir ajuda e sair do ciclo da violência. Ela conta que a Casa, que conta com parceria do Município, fica localizada na Praça Sinimbu, no Centro de Maceió, e funciona todos os dias, das 7h30 às 19h.
"A Casa da Mulher foi pensada para facilitar a busca das mulheres por ajuda, nós temos psicólogas e assistentes sociais que atendem a necessidade de cada uma, além de oferecer abrigo enquanto a medida protetiva é solicitada em até 48 horas".
Em Alagoas há meios para que o crime seja denunciado e locais que oferecem atendimento e acompanhamento para as vítimas de violência.
DELEGACIA DA MULHER
A Delegacia da Mulher, que possui três sedes em Alagoas, é um desses locais. São duas unidades em Maceió e uma em Arapiraca. Nos outros municípios onde não há delegacia especializada, a vítima pode se dirigir a qualquer delegacia da cidade. Além disso, as denúncias também podem ser feitas por canais digitais ou por ligação.
A mulher em situação de violência doméstica também pode recorrer a uma rede assistencial para receber apoio quando não tiver um local seguro onde se abrigar. Veja abaixo:
O serviço de denúncia em Alagoas é direcionado para as três delegacias especializadas que funcionam de 8h às 18h:
1ª Delegacia da Mulher: situada no Complexo de Delegacias Especializadas, em Mangabeiras (82-3315-4976) - funciona 24 horas por dia; 2ª Delegacia da Mulher: no Salvador Lyra, Rua Antônio Souza Braga (3315-4327) - funciona de 8h às 18h; Delegacia da Mulher de Arapiraca: na Rua São Domingos, no Centro (3521-6318) - 8h às 18h.
CENTRAL DE FLAGRANTES I
A Central de Flagrantes I, localizada na Avenida Fernandes Lima, funciona de forma ininterrupta, 24 horas diariamente. Nela, há o Núcleo de Atendimento à Mulher, que atende casos de violência doméstica e sexual. O telefone para atendimento é (82) 3315-1970.
FERRAMENTA ONLINE
O TJ/AL lançou em agosto de 2022 o Sistema Ártemis – Atendimento à Mulher. A ferramenta online possibilita que as vítimas de violência doméstica denunciem e solicitem medidas protetivas sem sair de casa. A aplicação Ártemis está disponível, inicialmente, para Maceió, Arapiraca e outras cidades do sertão alagoano, como Craíbas.
Cresce número de denúncias através do Disque 100
Alagoas registrou um aumento de 17,76% no número de denúncias de violência contra a mulher, por meio do Disque 100, no ano de 2023, se comparado com o ano anterior. Segundo dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), foram registradas 1.498 denúncias no ano passado e 1.272 denúncias no ano de 2022.
De acordo com a ONDH, o número de denúncias representa a quantidade de relatos de violação de direitos humanos envolvendo uma vítima e um suspeito, sendo que uma denúncia pode conter uma ou mais violações de direitos humanos. Já as violações configuram qualquer fato que atente ou viole os direitos humanos de uma vítima como, por exemplo, maus tratos e exploração sexual.
Segundo a integrante da Comissão Especial da Mulher da OAB/AL, Cristiana Maya, o aumento nos casos de violência contra a mulher é de extrema preocupação. “É fundamental que as mulheres que estão vivendo qualquer tipo de violência, seja ela física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, procure ajuda, preste boletim de ocorrência ou procure apoio nos centros de acolhimento, como a Casa da Mulher Alagoana e demais instituições. Quando a mulher procura ajuda, muitas vezes evita que as situações cheguem ao ponto extremo do feminicídio, que é a nossa maior preocupação, pois é quando não podemos fazer mais nada por elas”, afirmou.
Para a secretária de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos, Maria Silva, a violência contra a mulher ainda é uma epidemia a ser erradicada em Alagoas e em todo o país. "O aumento de casos registrados que vem acontecendo demonstra o encorajamento das mulheres vítimas de violência a realizar denúncias. Consequentemente, isso também eleva o número de realizações de medidas protetivas", afirmou.
Segundo Silva, os órgãos do Estado e dos municípios estão se fortalecendo a cada dia para sobrepujar essa realidade, através do trabalho de articulação intersetorial. “Nós já temos exemplos desse trabalho, como a implantação das Salas Lilás em Maceió e no interior, no Terminal Rodoviário, além de uma maior estruturação e capilaridade da Rede de Atenção às Violências”, disse.
A secretária destaca ainda a importância da existência de uma rede de enfrentamento forte e bem articulada, com cada ator tendo sua finalidade bem definida no combate à violência contra a mulher.
“Também é necessário levar a informação sobre os tipos de violência, uma vez que identificada, a mulher pode procurar ajuda e, assim, evitar um feminicídio, além de realizar a denúncia para, nos casos que necessitam de fato, ter à disposição a medida protetiva. Vale salientar que nenhuma mulher acompanhada pela Patrulha Maria da Penha foi vítima de feminicídio, isso comprova a importância da denúncia e do funcionamento da rede proteção à mulher”, ressaltou Maria Silva.
A tenente-coronel Márcia Danielli Assunção, coordenadora da Patrulha Maria da Penha em Alagoas, reforça que todas as mulheres acompanhadas pelo programa têm um atendimento célere e qualificado. “Elas não ligam mais para o 190, passam a ligar para o telefone funcional da Patrulha e a guarnição que estiver de serviço, independentemente de ser aquela guarnição que acompanha semanalmente, vai dar o suporte. Nós já temos a Patrulha em Maceió, Arapiraca, Delmiro Gouveia, Penedo e, recentemente, Marechal Deodoro. E as guardas municipais de vários municípios de Alagoas já foram capacitadas para ajudar no combate à violência contra a mulher”, afirmou.
“Sofri violência e agressões a gestação inteira e agora sofro com a injustiça da Justiça’’
Deyziane Camargo (nome fictício) conta que, mesmo com pouco tempo de relacionamento, sofreu violência durante a gestação inteira, já que o genitor não aceitava a gravidez. O caso é chamado por ela de ‘bizarro e escabroso’.
"Sofri violência doméstica a gestação inteira, após um breve relacionamento e ele não ter aceitado a gravidez. Referia-se ao bebê como uma dívida que teria e mais uma série de agressões verbais e psicológicas. Já tive duas medidas protetivas. Com o passar do tempo, meu filho passou a voltar com hematomas da casa do genitor e apresentar significativas mudanças comportamentais", relatou a vítima.
Camargo conta que recorreu à Justiça, mas o lugar de acolhimento não foi bem o que ela pensou. "Recorri à Justiça, achando que seria um lugar de acolhimento e de proteção, sobretudo ao meu filho, mas essa saga judicial já perdura há mais de um ano, onde o judiciário alagoano ‘prefere’ centrar a questão como sendo um conflito do ex-casal no lugar de realizar o enfrentamento à violência", contou, expondo que "é mais fácil taxar a mãe como exagerada, superprotetora, alienadora ou coisa do tipo. Não levam em conta a questão da violência de gênero e empurram crianças e/ou adolescentes à convivência de homens com histórico violento (até mesmo violentos com os próprios menores)".
A vítima pede que haja uma maior sensibilidade por parte do Judiciário no tocante ao binômio mãe-filho, quando eles são vítimas de violência. "Que houvesse maior rigor na proteção às crianças que ficam reféns, simplesmente, por preferirem taxar a mulher como louca. Eu gostaria que mulheres e mães não fossem mais traumatizadas pelo Judiciário quando procurassem ajuda, que nenhum dos envolvidos fosse tão silenciado e que os hematomas frutos de violência - sejam no corpo ou na alma - valessem mais que simplesmente a palavra de um homem. Meu filho relatou novamente agressões lá na Vara da Infância e o juiz simplesmente deu prazo de 15 dias úteis para o genitor se manifestar", afirmou Deyziane, emocionada.
Deyziane Camargo preferiu não passar mais detalhes sobre o caso, por medo de sofrer retaliações.
Para a coordenadora do Movimento de Mulheres Olga Benário (AL), Lenilda Luna, a Lei Maria da Penha precisa ser aplicada em toda a sua dimensão, garantindo a proteção física, emocional e patrimonial das mulheres vítimas de violência.
"Mas, veja só, mesmo nos casos de feminicídio, com autoria comprovada, é difícil alcançar Justiça. Como as mulheres vão sentir confiança para denunciar seus agressores? Temos vários exemplos em Alagoas e vou citar dois: o caso Joana, onde a vítima foi uma professora que levou 32 facadas do ex-marido. Esse crime bárbaro aconteceu em 2016. Mas o julgamento ainda não aconteceu e só esse ano foi remarcado duas vezes. É frustrante. E, ano passado, tivemos o assassinato de Mônica Cavalcante, que provocou muita comoção porque foram divulgados os vídeos em que Mônica reflete sobre a situação dela, como se já tivesse certeza do desfecho. Ela se despediu, conclamou outras mulheres a lutarem contra a violência, a não se calarem... E foi morta ao amanhecer. Até agora, o assassino, que é muito conhecido em Tapera, não foi preso", avalia Luna.
A coordenadora do movimento fala ainda sobre o caso de Deyziane Camargo, em que a vítima foi obrigada a conceder visitas ao pai suspeito de violentar sexualmente o filho. "Ela foi obrigada a conceder as visitas de finais de semana ao genitor, que é suspeito de estuprar a criança. A mãe estava emocionalmente em frangalhos e se sentindo completamente desamparada", disse.
A ativista ressalta que é necessária uma mobilização social para garantir direito à vida plena e segurança para as mulheres. "No dia 8 de março, estaremos nas ruas mais uma vez, lutando pela vida das mulheres, como fazemos todos os dias!".
Advogada criminal fala sobre atuação em casos de feminicídio
A advogada criminal Sandra Gomes diz que mulheres morrem exclusivamente por serem mulheres desde que o mundo é mundo, mas que só a partir de agora a Lei 13.104/15 foi reconhecida com a figura do feminicídio.
“É importante dizer que, apesar de mulheres morrerem, única e exclusivamente por serem mulheres desde que o mundo é mundo, aqui a gente pode exemplificar isso com o que acontecia antes, como a fogueira da Inquisição, onde frequentemente mulheres eram queimadas por serem taxadas como loucas ou feiticeiras, por irem de encontro a opiniões de outros homens, isso era muito comum acontecer. Então, apesar disso, somente agora, em 2015, através da lei 13.104/15, foi reconhecida a figura do feminicídio, então foi positivado o feminicídio somente agora. Contextualizado isso, nós podemos dizer que, juridicamente, o feminicídio é uma qualificadora do homicídio. E o que é uma qualificadora? É uma causa de aumento de pena. Então, um homicídio classificado como feminicídio incidirá um aumento de pena para o réu", explica a advogada.
Sandra ressalta ainda que o feminicídio é um crime desprezível. "É reprovado pela sociedade e formalmente classificado como crime hediondo. E como crime hediondo, traz grandes prejuízos ao réu, como por exemplo, o cumprimento de pena em regime fechado, a proibição de concessão de anistia, graça ou indulto, além de impossibilidade de pagamento de fiança. Então, esses são os tratamentos diferenciados, juridicamente falando, que podem ocorrer num caso de feminicídio".
A advogada explica que feminicídio pressupõe violência, dominação, subordinação, uma predominância de gênero, e ele subtrai, sob pretextos banais, a dignidade da mulher, ignorando totalmente a igualdade de gênero prevista na Constituição.
"Pode ser considerada ainda a última etapa de diversos atos continuados de violência que levam essa mulher à morte. Normalmente ele precede-se de violências físicas, psicológicas, uma dominação masculina que segue um padrão cultural de subordinação repetido ao longo de várias gerações, e realmente acontece no próprio lar, e não constitui um evento isolado e nem repentino ou inesperado, como dito, ele segue um padrão. Repetido normalmente em dias que o antecede, ou meses, ou até mesmo anos", disse a especialista, esclarecendo que "é preciso frisar que nem todo homicídio praticado contra a mulher vai ser um feminicídio. É feminicídio aquele praticado contra a mulher única e exclusivamente em razão dela ser mulher, em razão daquele ódio que se nutre no coração dos homens contra as mulheres, por elas não se submeterem, não se subordinarem, não obedecerem".
"A prevenção do feminicídio está diretamente ligada à efetivação da Lei Maria da Penha. O aperfeiçoamento de seus mecanismos para que possam resultar numa maior proteção dessas vítimas, tanto para que se sintam seguras em denunciar, quanto uma eficácia para aquelas que já denunciaram".
A advogada diz ainda que a Lei Maria da Penha ajuda muito o especialista na hora do julgamento. "Em todo, não apenas na hora do julgamento, mas em todo o trâmite processual. Sobretudo porque ela traz todos os elementos, tanto aqueles que antecedem ao crime de feminicídio, como os elementos do próprio feminicídio. Então, sim, ela é extremamente importante para todo o momento processual, não apenas o julgamento", finaliza.
LEI MARIA DA PENHA
Sancionada em 7 de agosto de 2006, a Lei nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, objetiva proteger a mulher da violência doméstica e familiar. A lei recebeu esse nome devido à luta de Maria da Penha por reparação e justiça.