Os desafios do envelhecimento em Alagoas

Número de idosos cresceu 56% em uma década, mas, ao tempo em que estado acompanha fenômeno global, faltam avanços em políticas públicas para garantir direitos básicos a essa população

Por Ana Paula Omena, Valdirene Leão e Wellington Santos - Repórteres / Bruno Martins - Revisão | Redação

“O ônibus entrou na casa humilde e foi apanhar a velhinha de 42 anos”, manchete do Jornal do Commercio em 1960, mostra o quanto era curta a expectativa de vida do brasileiro naquela época. A esperança de vida média ao nascer era 52,5 anos naquela década, sendo 49,9 anos para os homens e 55,5 anos para as mulheres.

Parece muito curta, mas já foi mais baixa. Na década de 1940, a média era de 45,5 anos. De lá para cá, o índice foi crescendo, chegando a 75,5 anos em 2022. Em nove décadas, a expectativa média de vida do brasileiro subiu 30 anos.

Ao tempo em que a expectativa de vida aumenta, os casais têm tido menos filhos no Brasil e no mundo. Com isso, a população em diversos países tem sido de mais idosos do que jovens. O envelhecimento populacional tem se tornado um fenômeno global.

Com taxas de natalidade baixas, o Brasil passou a ser o país com a sexta maior população idosa do mundo. A previsão do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é de que em 2100 a população de idosos em relação ao total de habitantes pode chegar a 40% no Brasil.

Conforme dados do Censo Demográfico 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Alagoas tem 409.221 pessoas com 60 anos ou mais. O número representa cerca de 13% da população total, que é composta por 3.127.683 habitantes. Em relação ao Censo 2010, o número de idosos em Alagoas cresceu 56%.

À medida que a população envelhece surgem desafios em diversas áreas, como saúde, finanças, sociabilidade, urbanismo, segurança, entre outros. E ainda faltam avanços em políticas públicas para garantir cuidados de saúde adequados e acessibilidade, superar dificuldades financeiras, evitar discriminação e preconceitos, isolamento social e vulnerabilidade à violência e exploração.

Para Tenildo Lopes, as cidades e a sociedade não estão preparadas para lidar com esse público I Foto: Edilson Omena

O professor de Educação Física Tenildo Lopes, especialista em envelhecimento saudável e mestre em Ciências da Saúde, chama a atenção para o processo de envelhecimento da população em Alagoas e no Brasil. Ele destaca que Alagoas será um estado de velhos em 2039. “E um estado ou um país é considerado velho quando você tem mais de 14% da população acima de 60 anos”.

E o maior desafio é chegar nessa fase da vida com saúde, independência e autonomia. Conforme Tenildo Lopes, todas as doenças que vêm com o envelhecimento são patológicas. “No meu TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], a gente investigou 550 idosos aqui em Maceió e vimos que alguns tinham até 13 doenças. A gente procurou saber o porquê tantos tinham tantas doenças e vimos que nenhuma delas foi instalada a partir dos 60 anos. Foi antes. Não foi porque ele virou idoso e ficou doente. A doença foi decorrente do estilo de vida”, reforça.

Lopes destaca a importância de se manter ativo e cuidar da saúde enquanto adulto jovem para evitar chegar à velhice com problemas além dos já inerentes do processo natural de envelhecimento. Esses consistem em perdas da funcionalidade, tais como baixa visão e redução da sensibilidade tátil, auditiva, do paladar e olfato. Com a saúde preservada, o idoso vai poder ter maior autonomia e independência.

Mas essa autonomia e independência dependem também da estrutura oferecida pelo Estado. “O poder público tem a obrigação de cuidar das políticas públicas para a melhor qualidade de vida da população idosa. E a gente vê que o Brasil não está preparado para essa população. O Brasil está envelhecendo muito rápido e você não vê nenhuma política pública efetiva. Você não vê o envolvimento dos políticos, dos gestores em pensar em um plano de mudança para acatar ou para receber essas pessoas. Você não vê nada”, avalia o educador físico.

As cidades e a sociedade não estão preparadas para lidar com esse público. “Não há planos de mudança nas calçadas, nas ruas, no transporte público. Os servidores e profissionais não estão prontos para trabalhar com a população idosa”, diz Lopes.

Ele avalia que é preciso uma mudança de plano a longo prazo. “A gente não vê sequer uma mudança curta. A gente vê investimento em hospital porque a população está doente. Claro, a população vai adoecer porque não tem nenhuma mudança de vida, de comportamento. Tem que começar lá na escola com a educação, saúde, alimentação, atividade física. É preciso pensar na prevenção de doenças. São muitas coisas que o Poder Público não pensa.”

Conforme Tenildo Lopes, o estilo de vida pode ser melhorado ainda mais com o auxílio do Poder Público, oferecendo ruas de qualidade, com calçadas niveladas, educação e saúde para as pessoas no trânsito, promovendo assim a maior independência da circulação dessas pessoas nas ruas.

O especialista alerta também para a questão dos idosos que vivem sozinhos. Conforme o IBGE, aproximadamente 50 mil idosos moram sozinhos em Alagoas. “Muitos não tiveram filhos, vão precisar de alguma moradia e a gente não tem instituição de longa permanência pública em Alagoas. E no Brasil são poucas as que o Poder Público toma conta”, ressalta.

Fenômeno dos octagenários e nonagenários

Um outro fenômeno no Brasil e no mundo é o aumento da população octagenária e nonagenária. Em Alagoas, o número de pessoas entre 80 e 89 anos saltou de 30.493 em 2010 para 45.668 em 2022. Os dados são do Censo demográfico realizado pelo IBGE. Ainda conforme os dados, a população entre 90 e 99 anos no estado subiu de 7.266 para 8.342 em oito anos. Essa faixa etária era apenas 0,23% da população alagoana. Agora representa 0,98%.

Dona Vânia é da geração que não ficava parada I Foto: Edilson Omena


O professor Tenildo Lopes avalia que os octagenários e nonagenários estão muito bem. “São pessoas ativas. Muitos trabalham, tomam conta de casa, fazem suas coisas normais. Então é uma galera que tende a chegar lá aos 90, 100 anos facilmente.”

O especialista em envelhecimento atua em duas casas de repouso em Maceió e como personal trainer a domicílio. Dos 21 idosos a quem ele dá aula particular, 14 têm acima de 80 anos. A aposentada Vânia Valença Cardoso, de 87 anos, é uma das alunas dele. Ela não tem filhos e mora sozinha em uma casa anexa à residência onde vivem seu cunhado e sua sobrinha.

Com treinamento, a aposentada, de 87 anos, ganhou mais força, equilíbrio e agilidade
Com treinamento, a aposentada, de 87 anos, ganhou mais força, equilíbrio e agilidade I Foto: Edilson Omena

Dona Vânia, como é carinhosamente chamada pelo especialista, incorporou o exercício físico a sua rotina há seis meses. Ela não fazia exercícios físicos enquanto jovem adulta, mas é de uma geração que não ficava parada, porque não tinha as facilidades dos tempos atuais. Porém, um problema vascular fez com que ela perdesse a mobilidade.

Dona Vânia tinha baixo nível de força, instabilidade postural, falta de confiança e alto risco de queda. Ela precisava de andador para se locomover dentro de casa e quase não ia mais ao supermercado. Quando ia, ficava sentada e a sobrinha era quem escolhia os itens para ela.

As atividades com peso, caneleira, bolas, elásticos, luvas de boxe e bicicleta, para exercitar força, mobilidade, equilíbrio, coordenação motora e agilidade, já dão resultados. Melhorou a vascularização e as dores nas pernas diminuíram. Com isso, Dona Vânia aposentou até o andador. “Já melhorei bastante. Só falta agora correr”, brinca ela.

Dona Vânia ganhou mais qualidade de vida. “Hoje ela faz todo tipo de atividade de equilíbrio, sente confiança quando está sozinha. Antes ela só se locomovia com o andador. Já vai ao supermercado [com a sobrinha], anda com o carrinho e escolhe os itens da feira dela. Tem uma segurança maior”, conta orgulhoso o treinador.

Dona Vânia diz que não depende muito das outras pessoas. “Só para sair de casa”. Ela se considera independente dentro do lar. Não costuma fazer atividades domésticas, porém, caso necessário, diz que dá conta da louça, da comida, da roupa. Só não da faxina. Quanto aos exercícios físicos, tem vontade de parar de fazê-los. Dona Vânia explica o motivo. “Porque tenho preguiça. Mas eu ando ligeiro”, emenda ela.

Melhor e pior gerações de idosos

A idade vai chegar para todos, sem distinção de classe social. Então, é preciso se preparar para a velhice. O educador físico Tenildo Lopes avalia que as pessoas estão chegando à velhice bem hoje porque vinham se cuidando.

Ele lembra um fenômeno na mudança de comportamento por volta dos anos 2000, 2010. “A geração que era dos 60, 70 anos naquela época passou a se cuidar mais e a entender que a mudança de hábitos iria fazer com eles vivessem mais e melhor. Então, os idosos de hoje, com 80, 90 anos, são as primeiras pessoas que começaram a ter uma mudança do estilo de vida. Consequentemente, elas se cuidaram mais e chegaram muito bem [na velhice].”

Aposentado Abel Cavalcanti Lima: “Eu tenho prazer em fazer a atividade física. Eu me sinto bem fazendo” I Foto: Valdirene Leão

Quem faz parte desse time é o aposentado Abel Cavalcanti Lima, de 78 anos. Ele se aposentou há 26 anos das atividades de engenharia elétrica. Trabalhou ainda por oito anos em outra função. Depois, viu-se ocioso e resolveu fazer exercício físico para ocupar o tempo e se manter ativo. Começou fazendo caminhadas diárias, depois incorporou a musculação. “Eu tenho prazer em fazer a atividade física. Eu me sinto bem fazendo.”

O aposentado cuida também da alimentação, não fuma e nem é adepto do álcool. “Já bebi. Não bebo mais”, diz. Procura sempre manter uma vida saudável. “Sempre quando vou às consultas, os médicos me elogiam. Dizem que as taxas estão normais.”

Hoje, seu Abel não dirige mais por conta da baixa visão decorrente do glaucoma. Porém a pouca visão não o impede de exercitar a mente. Ele faz palavras cruzadas com frequência e acompanha os telejornais e programas de esportes pela TV. E não dispensa momentos de lazer com a família. Um de seus preferidos é passar o final de semana na praia. “Minha família me dá muito prazer. Tenho dois filhos e uma filha, nove netos, dois bisnetos e uma bisneta. Eles e minha esposa são a fonte de minha alegria”.

Ter uma boa qualidade de vida na velhice está condicionada a manter corpo e mente ativos, cuidar da alimentação, usufruir dos benefícios da medicina e aplicar as informações proporcionadas pela nova era.

Mas nem tudo é perfeito. Não é uma sequência lógica do tipo: querer, poder e conseguir. O querer para muitas pessoas esbarra em não poder conseguir se cuidar porque as condições financeiras não permitem.

“Quanto menor o poder aquisitivo mais dificuldades as pessoas passam. Dificuldade para obter remédios e alimentação adequada, de pagar 40% no aluguel, gás. Então, os termos que se usavam antes, principalmente melhor idade, causam muita comoção e muita revolta, porque, para alguns idosos, que têm 60, 70, 80 anos, [essa fase] não é legal pela condição que ele tem hoje de se manter”, reforça Tenildo Lopes.

Conforme o especialista, normalmente, a condição financeira, a renda salarial e o grau de escolaridade influenciam diretamente na qualidade de vida e na expectativa de vida também. “Quanto melhor a renda salarial, quanto melhor o grau de escolaridade, mais acesso aos cuidados com saúde, alimentação e isso interfere diretamente na qualidade de vida”, avalia.

Com mais informações e avanços na medicina, é previsível que as próximas gerações de idosos com boa situação financeira tenham ainda maior qualidade de vida. Só que não. O especialista em envelhecimento saudável avalia que os jovens de hoje serão a pior geração idosos, no sentido da incapacidade funcional. Principalmente os jovens abaixo de 30 anos, a chamada geração Z.

“Essa geração [a Z] é mais inativa, mais sedentária e já tem doenças de velho, como se dizia antigamente. Doenças como hipertensão, diabete, artrite, artrose, tendinite. E, funcionalmente falando, eles já apresentam muitas dores por conta do celular, excesso do computador e as LERs [Lesões por Esforços Repetitivos] e Dorts [Distúrbios Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho]. Então, se essas pessoas mais jovens já têm as doenças que eram antigamente do velho, consequentemente, elas vão ter mais dificuldades lá na frente. Serão pessoas mais doentes, que vão requerer mais cuidados com relação à parte física”, pontua Lopes.

A geração Z tem um estilo de vida bem diferente do que os idosos de hoje tiveram. Quando jovens eles caminhavam bastante, não tinham controle remoto em casa, se movimentavam mais, eram mais ativos.

“Esse processo de vida que os jovens de hoje estão levando vai fazer com que eles sejam uma geração muito ruim de idosos, isso se chegarem à fase idosa. E, na fase dos 40, 50 anos, eles vão ser adultos com vários problemas físicos, que vão ser incapacitantes, que vão trazer mais prejuízo à vida deles”, reforça o especialista.

“As pessoas acham que quanto mais velhas é desnecessário o exercício físico. Quando na verdade é o contrário: tem que fazer ”, reforça Tenildo Lopes

Cônego João Neto e dona Abadia Andrade Menezes, que mora há 10 anos em abrigo: “Sou muito feliz aqui!” / Foto: Edilson Omena


É preciso se manter ativo para reforçar autonomia e independência


O processo de envelhecimento natural já tem as suas perdas da funcionalidade de forma natural e que podem ser agravadas com o estilo de vida inadequado, como bem pontuou o especialista Tenildo Lopes. Porém, com hábitos saudáveis, essas perdas podem ser minimizadas do processo natural de envelhecimento.


Lopes destaca que é importante que o idoso não fique parado, que esteja sempre movimentando o corpo, com atividades físicas e exercícios físicos. Ele explica que a atividade física é qualquer movimento corporal, que tenha um gasto energético maior que o basal. Esse é a energia gasta em repouso, o gasto calórico que o corpo precisa para manter as suas funções vitais, como respiração, batimentos do coração e manutenção da temperatura corporal. Já a atividade física é o movimento corporal que tenha um gasto energético maior que o basal. Então, lavar um prato, arrumar a cama, ir tomar água já é atividade física. E são movimentos que ajudam a diminuir a ociosidade. “Já o exercício físico é aquela atividade organizada, planejada e estruturada”, salienta.

O especialista explica que manter o idoso sempre em movimento é importante para reforça sua autonomia e independência. A autonomia é a capacidade de decisão, de escolha, se o idoso quer sair ou ficar em casa, se quer tomar água ou suco, por exemplo. Já independência é a capacidade de funcionar sozinho, fazer algo sem a ajuda, acompanhamento ou autorização de alguém, como ir à padaria da esquina e voltar.

Na velhice o exercício físico não é opcional. Segundo Tenildo Lopes, ele é obrigatório. Porque nessa fase da vida há perda de massa muscular e aumentam as chances de queda da própria altura, de ficar de cadeira de rodas, de não levantar.

“As pessoas acham que quanto mais velhas é desnecessário o exercício físico, que não podem ou que não precisam fazer, quando na verdade é o contrário: têm que fazer. Quanto mais velho, mais é importante o exercício físico para recuperar a musculatura, para ter força, mobilidade e equilíbrio”, reforça Lopes.

O mínimo que o idoso faça em atividade física ou exercício físico já pode ajudá-lo a ganhar em qualidade de vida, garante o especialista. “A gente pede para que as famílias não deixem seus idosos em casa ociosos. Criem atividade, botem eles para participar de tarefas domiciliares. Se ele não consegue caminhar 15 minutos, que caminhe 10. Não importa a velocidade, o importante é que ele faça. Isso vai ajudar muito na mobilidade, confiança e autonomia.”

É importante se conectar e fazer conexões para um envelhecimento ativo

Assim como o corpo, a mente também merece atenção. Então, é preciso se conectar. E o conectar aqui é no sentido mais amplo. É se socializar, se relacionar, ter amizades, fazer vínculos. E a internet também conta na hora de facilitar essa interação. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua 2022, cerca de 50% da população alagoana com 60 anos ou mais acessaram a internet no ano anterior. Esse contingente seria algo em torno de 205.632 idosos.

Grupo de idosos se conecta na rede social e no happy hour de um supermercado I Foto: Edilson Omena



Está dentro dessa estatística um grupo de idosos que frequenta todas as sextas e sábados o happy hour de um supermercado localizado na Ponta Verde. Alguns participam do evento desde que ele surgiu, há 10 anos. A partir da amizade nascida ali foi criado um grupo no WhatsApp, onde eles marcam de se encontrar, às vezes também em outros eventos. O grupo é formado pelos pioneiros e por quem vai chegando. Sempre cabe mais um.

A médica aposentada Ilda Hora, de 73 anos, faz parte do grupo. Ela é viúva há sete anos, tem duas filhas e dois netos. Foi convidada várias vezes, mas achava estranho ir dançar em um supermercado e sempre recusava. Até que um dia, resolveu seguir o conselho de uma amiga. Foi lá fazer um lanche e observar com a ideia de que, se não gostasse, iria embora. "Com quinze minutos [após chegar], eu disse 'perdi dez anos'. Eu encontrei um grupo de pessoas inspiradoras, alegres, do bem. Desde então, eu só perco quando eu tenho algo que não dá para adiar." As filhas a incentivam: "elas dizem 'vai mãe, vai que é bom'. E eu tenho muito prazer em dançar".

Outra integrante e uma das fundadoras do grupo é a assistente social aposentada Maria de Fátima Uchoa, de 75 anos. Viúva há seis meses, mãe de dois filhos e avó de cinco netos, ela diz que não faz exercícios físicos. Considera-se preguiçosa. Mas deixa a preguiça de lado quando o assunto é se reunir com as amigas no happy hour do supermercado. "Tenho amigas aqui que conheço há 30, 40, 50 anos. Amigas de colégio, de faculdade. Todas as sextas e sábados a gente se encontra aqui. Aí umas 10h, a gente sai daqui e vai pra outro lugar. Chegamos a ficar reunidas até 1h, 2h da manhã", conta Maria de Fátima. Sobre a preocupação da família com a hora que ela chega desses eventos, a assistente social pontua: "só quando eu demoro muito. Eu sou liberada toda."


Maria José da Costa, de 86 anos, não perde um happy hour no supermercado I Foto: Edilson Omena



Maria José da Costa, de 86 anos, também não perde um happy hour no supermercado. Ela casou aos 40 anos, não teve filhos e ficou viúva há 13 anos. Atualmente, mora com o sobrinho e a esposa dele, que também a considera como sobrinha. Em 2020, durante a pandemia do novo coronavírus, teve um problema no coração e precisou colocar um marca-passo. "O coração estava parando. Foi a 26 batidas [por minuto]. Quase morri", diz.

Mas o problema de saúde não é empecilho para fazer o que gosta: dançar. "Eu fico me divertindo. Eu quase não tive juventude", confessa. Segundo ela, o segredo para viver bem é não ficar parada.

E foi em uma festa levada pelo casal de sobrinhos que a octogenária conheceu um pretendente da mesma idade. "Quando eu ia passando, eu dei boa tarde, ele pegou na minha mão", conta. Após a festa eles continuaram se comunicando à distância [ele mora em Aracaju]. Até que um dia ele a pediu em casamento. "A noite de Natal ele ainda passou comigo na casa do meu sobrinho. Depois fomos levá-lo [à casa de parente em Maceió]. Ele queria casar. Aí, meu sobrinho disse 'negativo. Casar ela não vai não'. Eu também disse que não quero. Ele vai ter que arranjar um alguém pra cuidar dele. Eu sou muito agitada, ele é muito parado", emenda.

“Com saúde cognitiva, o idoso terá mais qualidade de vida”

A psicóloga Lucíola Pedrosa explica a importância de fazer essas conexões para um envelhecimento saudável. Segundo ela, no processo de envelhecimento, ocorrem mudanças emocionais, como a diminuição da autoestima e do bem-estar psicológico. Também pode aumentar a ansiedade, levando muitas vezes ao desenvolvimento da depressão, além de, a longo prazo, influenciar no declínio das capacidades funcionais.

É importante que o idoso não hesite em procurar apoio emocional, seja por meio de terapia individual, grupos de apoio ou conversas com familiares e amigos. No caso da terapia individual ou em grupo, a psicóloga diz que ela pode auxiliar na promoção da qualidade de vida do idoso. “É uma importante ferramenta para a promoção da saúde mental, pois ajuda a fomentar espaços de escuta, fortalecimento de vínculos, protagonismo social e a qualidade de vida dos indivíduos”.

Já os vínculos de amizade e interação social melhoram a autoestima e independência. A psicóloga destaca que, como instrumento de socialização, os grupos funcionam estimulando a melhoria da saúde mental dos idosos, uma vez que proporcionam que eles desenvolvam suas potencialidades. Também contribuem para a melhora do humor, autoestima, autonomia e independência. E trazem momentos de bem-estar e aprendizagem. Eles ajudam também na cognição. “E com saúde cognitiva, o idoso terá mais qualidade de vida”, salienta a psicóloga.

Há dois anos, Lucíola realiza um trabalho específico voltado para a saúde cognitiva dos idosos. As atividades são realizadas em grupo e têm como objetivo trabalhar a memória através de exercícios desafiadores. Atenção, memória, linguagem, funções executivas são estimuladas por exercícios, músicas, rodas de conversa, jogos, desenhos e dinâmicas de grupo.

Lucíola Pedrosa explica que todo esse trabalho visa prevenir o envelhecimento cerebral, retardando o declínio cognitivo. “Em cada encontro utilizamos desafios cognitivos diversificados para estimular a interação entre os participantes. Ao mesmo tempo em que o cérebro trabalha, temos momentos de leveza e descontração”, frisa.

“Me tire tudo, mas não me tire a dança”

A professora aposentada Aparecida Mendonça, a Cida, de 67 anos, não perde a oportunidade de movimentar o corpo e a mente em uma atividade que considera sua paixão: a dança de salão. Todos os sábados ela vai a uma casa de shows em Maceió e dança entre quatro e cinco horas seguidas. Sempre em cima do salto. Para garantir a atividade durante todo o show, ela contratou um dançarino, com quem rodopia o salão a noite inteira. “Eu quero envelhecer bem. Eu quero aproveitar o máximo que eu puder da minha vida”, diz com entusiasmo.

Maria Aparecida conta que começou a dançar com o segundo marido, o Marcos, lá pelos idos do ano 2000. Foram 14 anos de parceria na dança. “Deu muito certo, porque a gente se completava na dança. Então, depois que ele faleceu, fiquei dois anos sem dançar e sentia muita necessidade de voltar, porque é uma coisa que me faz muito bem.”

A paixão é tanta que ela não se contentou apenas em dançar por dançar. Era preciso aprender os estilos. Aí ela partiu para escola de dança e fez aulas de bolero. Agora está aprendendo gafieira. “Quando eu terminar, aí eu vou repetir, vou fazer novamente samba de gafieira. Porque samba de gafieira é muito difícil, é o que eu estou tendo mais dificuldade e é o que eu acho mais bonito. Depois, talvez eu faça salsa.” Para manter a vitalidade e aguentar o pique de tantas horas de dança, ela faz aulas de musculação duas vezes por semana, acompanhada pelo filho Endrigo, professor de educação física.

Para aguentar o pique de tantas horas de dança, Maria Aparecida faz aulas de musculação duas vezes por semana, acompanhada pelo filho Endrigo I Foto: Edilson Omena



“Antes de conhecer o Marcos, eu já dançava e gostava de dançar, mas não dançava com tanta frequência assim. Nem fazia aula de dança de salão. Não fazia nada disso. Agora hoje eu faço tudo isso e vou morrer assim, porque a minha paixão é dançar. Me tire tudo, mas não me tire a dança”, afirma Cida.

Recentemente, ela ficou mais uma vez longe dos salões de dança, quando foi acometida por um câncer de mama. “Foi horrível. E depois que passou tudo, voltei novamente a dançar”.

Aparecida revela que os três filhos a apoiam muito. “Como eu não dirijo, eles me levam para eu não pegar Uber e ficam acordados até 2h de manhã esperando que eu termine e ligue para eles irem me buscar. Aí quando um não pode, quando um já está dormindo, o outro vai me pegar e assim é todo sábado e, às vezes, sexta e sábado”.

A paixão pela dança ainda lhe rendeu uma tatuagem. Ela diz que sempre pensava em fazer uma relacionada à dança, mas tinha receio por conta da idade. “E de repente me deu coragem mesmo. Aí eu tatuei nas minhas costas um casal de dançarinos e botei a frase que eu sempre quis botar: ‘danço, logo existo’. O Endrigo [o filho personal trainer] não acreditou. Foi no Instagram e postou: ‘minha mãe tatuou, fez uma tatuagem e eu não tenho coragem’. Achei tão bonitinho. Todo mundo riu dele”, lembra.

Alagoas dispõe de 40 Conselhos de Direitos da Pessoa Idosa nos 102 municípios

O ativista Crismédio Vieira denuncia que em Alagoas só há 40 Conselhos de Direitos da Pessoa Idosa nos 102 municípios. Ele acredita que a única solução para fomentar os direitos da pessoa idosa é pela educação gerontológica, que pense e favoreça o envelhecimento. “As pessoas não estão envelhecendo para sustentar a família e nem serem office boys de filhos, netos, entre outros… Os idosos não perdem desejos, fé e vontade de serem felizes com a velhice… Há muitos tabus que precisam ser quebrados e respeitados”, destaca.

‘Velhice não é peso, é dádiva’

Alagoas é considerado um estado já envelhecido

Alagoas é considerado um estado já envelhecido na estatística demográfica. Essa é a avaliação do gerontólogo Crismédio Costa, fundador do Movimento Nacional Vidas Idosas Importam, que teve início na pandemia diante da difícil realidade dos idosos no período do novo coronavírus. Nascido em Alagoas, o movimento cresceu e está presente em mais cinco unidades da Federação.

Crismédio enfatiza que todas as velhices devem ser acolhidas e respeitadas. “Daqui a alguns anos, seremos a sexta população idosa do planeta. Para que o envelhecimento, a qualidade de vida e a dignidade humana sejam preservados, é preciso acessibilidade e humanismo no trato das pessoas idosas.”

Ele destaca que a temática é relevante, porém ainda imperceptível por vários, principalmente pelos que vivem nos gabinetes, longe das velhices. “No entanto, nas comunidades, a gente vê outra realidade, que é o envelhecimento acontecendo concretamente. É preciso encarar de forma positiva. Há uma desigualdade no envelhecimento, que é o que a sociologia fala a partir dos dados, as pessoas não envelhecem da mesma forma”, salienta.

Violência psicológica é um dos fatores mais incidentes

Sheila Santana, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa (CMDPI) aponta que a violência psicológica atualmente é um dos fatores mais incidentes contra idosos em Maceió. O conselho recebe diariamente diversos casos de violência, como negligência, abandono em casa, família que não dá assistência corretamente ou se apropria do cartão da pessoa. Também situações de violência patrimonial, como a venda do imóvel do idoso ainda em vida, alegando que ele está incapaz.

“Há também outras questões, como violência medicamentosa, quando não oferta o cuidado necessário para que a medicação não falte, ou apropriação indevida da aposentadoria e do benefício, deixando a pessoa numa situação vulnerável à alimentação, medicação, fraldas, enfim, os cuidados básicos necessários”, menciona Santana.

“Ou então as violências psicológica e física, que são também muito recorrentes. Eu digo até que a violência psicológica hoje é um dos fatores mais incidentes. Ela se manifesta quando alguém menospreza ou inferioriza a pessoa idosa por ser velha, por estar incapaz e por achar que ela está inválida para as ações da vida cotidiana. E isso não acontece só em casa. Até na rua mesmo a gente escuta muito pessoas idosas reclamarem dos transportes, que não só os motoristas, mas, às vezes, os próprios usuários acham que por ser velho não deveria estar no ônibus naquele horário, porque atrapalha o pessoal que vai trabalhar. É toda uma violência não só familiar, mas também estrutural, que é aquela que a própria sociedade pratica contra a pessoa idosa”, detalha a conselheira.

Sheila ressalta ainda que as denúncias chegam ao conselho pelos principais canais: WhatsApp, e-mail, de forma presencial ou via telefone. A presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa diz que mais de 50% das denúncias que chegam são por telefone, 27% pelo WhatsApp, 16% por e-mail e 22% de forma presencial.

Os tipos de denúncia geralmente recorrentes são sobre: ameaça, negligência domiciliar e hospitalar, maus-tratos, falta de troca de acompanhante, violência física, psicológica e patrimonial.

Amor sem limites de idade: pesquisadora conta emoção de ser mãe depois dos 60 anos

Ela é energia encarnada. Márcia Ferreira Chaves Gamboa, de 72 anos. Seu currículo é exemplar. Com graduação em Educação Física, é mestra em Estudos de Lazer pela Unicamp, doutora na área de educação e com pós-doutorado em Educação na Universidade Federal da Bahia (FBA) e, de sobra, ainda é pesquisadora e professora aposentada pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Seu dia começa às 5h da manhã, quando acorda. Às 7h, deixa a filha no colégio, depois vai para a hidroginástica e em seguida tem mais duas horas de academia. “Isso todo dia”, diz Márcia, com orgulho. “E já corri 5 km de rua”, completa a idosa.

Mas uma de suas grandes produções na vida é a menina Márcia Chaves Sanches Gamboa, de 11 anos, a Marcita. Não, não é sua bisneta ou neta. Marcita é filha de Márcia, que a gerou aos 61 anos de idade, um fato incomum para a realidade brasileira e, especialmente, a alagoana.

O Tribuna Hoje, dentro da perspectiva de um Brasil e de uma Alagoas que daqui a alguns anos será predominantemente de idosos, traz uma personagem diferente.

VEJA O VÍDEO E CONHEÇA UM POUCO DESSA HISTÓRIA

Etarismo com liberdade

Alagoas não dispõe de proteção integral para o envelhecimento

O gerontólogo Crismédio Costa denunciou que em Alagoas não existe concretamente um amparo que proteja no aspecto da segurança o idoso, como também não há uma residência geriátrica e nenhuma instituição de longa permanência estadual pública.

“Nós temos alguns conselhos estaduais e municipais da pessoa idosa, mas não há a proteção integral para o envelhecimento em Alagoas. É preciso que se envelheça de forma segura, porque não se chega à velhice e vive o deserto da velhice de maneira segura. Por quê? Vou lhe dar um exemplo. Se você se prepara para ir para o deserto, você sabe que no deserto tem muita areia, muita poeira, muito sol, muito calor. E, quando chegar ao deserto, mesmo sabendo, começa a reclamar, mas você sabia que no deserto já tinha isso. Então é como o envelhecimento, a gente está caminhando para a última etapa da vida que é a velhice, no entanto, quando a gente chega lá, se depara e sente na pele a dor”, lamenta.

Em dezembro do ano passado, o gerontólogo alagoano recebeu uma carta do Papa Francisco em resposta à correspondência que ele havia enviado ao pontífice sobre a população idosa no Brasil e o movimento Vidas Idosas Importam. Confira a entrevista completa:


Sobre a questão de Alagoas não investir recursos em casas de repouso, a superintendência responsável pela política da pessoa idosa, ligada à Secretaria de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social (Seades), informou que dispõe de atendimento direto à pessoa idosa vítima de violência no Centro de Direitos da Pessoa Idosa. O serviço funciona no Instituto Médico Legal (IML) em Maceió.

“Também trabalhamos no sentido de ajudar as famílias a entenderem o dever de cuidar, esclarecendo sobre direitos à pessoa idosa e principalmente inibindo a violência financeira e patrimonial. E temos um canal aberto de diálogo e parceria com as Instituições de Longa Permanência para Pessoas Idosas [ILPI] em Alagoas”, disse a pasta por meio da assessoria de comunicação.

Ministério Público como referência na Defesa do Idoso

A reportagem do Tribuna Hoje esteve durante uma tarde na sala 506 onde funciona a 25ª Promotoria de Justiça da Defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência, do Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL), na capital alagoana, e pôde acompanhar o ritmo das atividades coordenadas pela promotora Maria Aparecida Carnaúba.

Promotora Maria Aparecida Carnaúba I Foto: Edilson Omena



Entre uma informação e outra, a promotora também dava atenção aos diversos casos que chegavam para serem atendidos por ela. No total, são cerca de 200 processos que a promotora comanda. São situações variadas sobre a pessoa idosa envolvendo a violação de direitos, como maus-tratos, apropriação indevida de aposentadoria, violência patrimonial, entre outras. As denúncias chegam pelos canais do Ministério Público em Alagoas, principalmente via e-mail [email protected], pessoalmente ou pela Ouvidoria (82) 2122-3512.

“O Ministério Público é referência na Defesa do Idoso e tem o dever de proteger essa população para a garantia de sua dignidade, bem-estar e o direito à vida, conforme prevê a Constituição Federal. Dessa maneira, atua no âmbito coletivo, em casos individuais quando há situação de risco e, ainda, na defesa de idosos institucionalizados. O principal instrumento de que a instituição se serve para atuar em favor dessa parcela da população é a Lei n. 10.741/2003, conhecida como Estatuto do Idoso”, ressalta.

“As denúncias também chegam por meio da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, que são enviadas às promotorias e fazemos uma triagem de acordo com a competência para darmos andamento com o intuito de haver uma reconciliação antes de judicializar, evitando a demora na conclusão da situação”, explica a promotora.

Maria Aparecida enfatiza que atualmente não existe uma Instituição de Longa Permanência para Idosos financiada pelo estado, se restringindo à esfera privada. Indagada acerca da situação em que idosos possam estar vulneráveis, por exemplo, em casa sozinhos sem terem um amparo familiar ou algum cuidador, ela informou que a Defensoria Pública pode acompanhar esses casos e que, dependendo de cada contexto, pode solicitar o Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência (BPC) do Governo Federal, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), com a garantia de um salário mínimo por mês ao idoso com idade igual ou superior a 65 anos.

Para a promotora, o Estatuto do Idoso, que completou 20 anos, ainda está muito aquém. “São duas décadas de estatuto que não chegamos nem na terça parte dele”, frisou.

A presidente do CMDPI, Sheila Santana, destaca a atuação da 25ª Promotoria de Justiça da Defesa do Idoso no sentido de orientar e se fazer presente em uma parceria que ganha forças diariamente. “Quando os conselhos precisam de orientação da parte da Justiça, a promotora Maria Aparecida sempre dá uma assessoria muito grande. Quando é necessária a parte criminal, ela encaminha para outra promotoria”, menciona.

“A Comissão da Pessoa Idosa da OAB também dá um suporte muito importante. Da mesma forma, a Defensoria Pública, entre outros órgãos. Porque, às vezes, a burocracia é muito grande, podendo ter que encaminhar algo para a Justiça e demorar anos… Então, se for possível resolver por outros meios, sem que seja necessário judicializar devido à burocracia, é feito por outros órgãos que possam ser essa rede de apoio à pessoa idosa que está necessitando naquele momento”, reforça Sheila Santana.

TRIO DE PROMOTORIAS

Dentro do MP/AL existem três promotorias em defesa do idoso: a 25ª Cível, a 59ª e a 60ª criminais. Elas podem instaurar a Notícia de Fato a partir da origem do problema ou encaminhar, se a denúncia for de algum município do interior alagoano e de competência da promotoria daquela cidade.

A promotora Maria Aparecida cita uma situação recente em que uma ILPI foi fechada por questões que envolviam pessoas em situação de vulnerabilidade e violação de direitos. “Sabemos que muita gente abraça a causa do idoso, mas também existem aquelas que agem como se fosse mais um negócio e só veem o lado financeiro. Então nosso foco de reuniões realizadas é justamente voltar o olhar para as diversas situações que ocorrem envolvendo esta parcela da população”.

FISCALIZAÇÃO


O MP/AL trabalha para proteger interesses de caráter geral, fiscalizando a formulação de políticas públicas em favor dos idosos, buscando assegurar-lhes benefícios previstos em lei, como atendimento prioritário, gratuidade no transporte coletivo e outros.

Também atua em casos de idosos em situação de risco, providenciando encaminhamentos aos serviços públicos ou, ainda, adotando medidas judiciais de proteção para essas pessoas. Cabe ainda ao Ministério Público exercer a fiscalização de entidades de atendimento e acolhimento de idosos, promovendo uma ação articulada com outros órgãos para verificar a adequação desses serviços às normas previstas para seu funcionamento.

Velhice nos abrigos, lucidez e comparação com Europa

O cônego João Neto, 47 anos, é o coordenador de uma das mais tradicionais casas de abrigo de idosos de Maceió, a Casa do Pobre, localizada no bairro do Vergel do Lago, que completou 92 anos de atividades este ano, no dia 31 de janeiro. Por lá, cerca de 40 idosos são acolhidos pela instituição.

Segundo o religioso, 99,9% dos idosos acolhidos na estrutura da Casa do Pobre são pessoas assalariadas. “E a gente faz todo procedimento no acolhimento conforme o Estatuto do Idoso”, relata o cônego.

Diretamente para lidar com os idosos da casa, a estrutura conta com o pessoal da cozinha, mais uma enfermeira e 13 cuidadores. Somado ao pessoal que cuida da parte de jardim, vigilantes, são 24 pessoas na equipe que trabalha na instituição.

“Sou muito feliz aqui no abrigo”, diz idosa que entrou por opção própria I Foto: Edilson Omena

“Visitei a Europa várias vezes e lá sempre observei que há uma diferença de mentalidade, porque são os próprios idosos que desejam ir para esses abrigos, porque são praticamente hotéis e é uma coisa de uma estrutura totalmente diferente, outra cultura”, diz o cônego.

“Aqui no Brasil a realidade é um pouco diferente, porque existem abrigos que são tidos como abrigos particulares e onde as pessoas que têm uma condição maior de pagar para ter uma certa independência, vira uma espécie de clínica, com uma estrutura parecida com um hotel, mas é uma minoria que usufrui desse tipo de estrutura”, completa.

Sobre a capacidade real de acolhimento na Casa do Pobre, João Neto informa que é de mais ou menos 60 idosos, mas faz uma observação. “Só que nós nos seguramos no máximo até 50 pela experiência anterior de não termos conseguido dar uma qualidade de vida adequada. E hoje temos em torno de 40 pessoas para ofertarmos uma condição de acolhimento com qualidade”, garante o religioso.

Sobre as condições em que os idosos chegam à Casa do Pobre, João Neto classificou em três classes. “A primeira ordem é daqueles que chegam aqui com uma certa independência, sabem a hora de acordar, de dormir e têm mobilidade. Já outros têm algumas comorbidades, como os paralíticos, que não conseguem se levantar para ir pegar alguma coisa, mas se der na mão a pessoa come sem pedir. Na terceira classe é o idoso com dependência total e está ali em cima de uma cama e não conhece ninguém, não entende nada e depende dos cuidadores para tudo e infelizmente esses são maioria aqui”, informa.

Uma dessas que se encaixa na classe dois elencada pelo cônego João Neto é dona Maria Abadia Andrade Menezes, de 79 anos. Cadeirante, com estadia de 10 anos de convivência na Casa do Pobre, Abadia tem 4 filhos e 12 netos e descreveu como se sente.

“Eu aqui sou muito, muito feliz. Meu filho, aqui não me preocupo se a água e a luz aumentaram. Não tô nem preocupada, né?”, diz Abadia, descontraída, ao informar que foi dela a opção de ser acolhida no abrigo e não dos filhos, como ocorre em muitos casos nos abrigos.

Semuc faz levantamento de quantidade de idosos em ILPIs

A Secretaria da Mulher, Pessoas com Deficiência, Idosos e Cidadania (Semuc) de Maceió informou que está realizando um levantamento sobre a quantidade de pessoas idosas atendidas pelas ILPIs do município, mas que sempre realiza ações voltadas à pessoa idosa na capital.

Um deles é o Mapeamento das Instituições de Longa Permanência com visitas feitas pela equipe da Semuc para compreender as necessidades e demandas destes espaços. Há também o Empodera 60+, um programa que leva serviços de autoestima, saúde e apresentações culturais às instituições de Maceió.

Foto: Semuc

Conforme a Semuc, o Cidadania 60+ fornece fraldas geriátricas, medicamentos, materiais curativos e presta assistência médica multiprofissional, inscrições e atualizações de cadastro para o recebimento de cestas básicas e BPC. Promove ainda oficinas de pintura, crochê, dança e música. O programa é realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.

Ainda conforme a Semuc, em breve a secretaria irá oferecer atendimento 24h e residência para as pessoas idosas de Maceió no bairro Ponta Grossa. O espaço, que ainda está sendo preparado, contará com uma praça exclusiva para os residentes, profissionais de saúde, psicólogos e terapia ocupacional.

Idade avançada, debilitação e descaso de plano de saúde

Nos desafios do envelhecimento estão as doenças crônicas. E na maioria dos casos elas chegam. Entre as que mais afetam os idosos estão a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), Diabetes Mellitus (DM), Osteoartrite, as doenças neurodegenerativas, como, por exemplo, as demências, a Doença de Alzheimer e a Doença de Parkinson.

Quem está enfrentando uma delas é a idosa Maria de Fátima Alves, de 70 anos, mãe do bancário Charles Henrique Alves. Ela começou a apresentar os primeiros sinais da demência frontotemporal há três anos.

A doença avança de forma progressiva, global e irreversível, afetando funções cognitivas. A memória é a mais prejudicada. Mas outros sintomas podem ser indicativos da doença, como alterações comportamentais progressivas, com mudanças de personalidade, dificuldade em falar e compreender, irritabilidade, tremores e rigidez muscular.

Os sinais iniciais são sutis, por isso o diagnóstico da demência frontotemporal é difícil e requer atenção dos familiares que convivem com o idoso, que são, geralmente, quem percebe as mudanças.

“A gente procurou um médico, procurou um outro e nenhum diagnóstico, nada. Foi aí que ela foi desenvolvendo, foi piorando. Quando meu pai faleceu houve, aí assim, uma piora tremenda da situação dela”, conta Charles.

O bancário explica que o diagnóstico veio quando o irmão dele a levou a São Paulo para uma consulta com um médico especialista, que receitou algumas medicações. “Mas não surtiu efeito. E nesse processo de piora, ela insistiu em viajar para casa da irmã, em Rondônia. A gente não queria, porque ela já estava piorando. A situação dela já estava bem complicada. E depois, quando chegou lá, era para ficar uns seis meses, mas não chegou a passar dois. Quis voltar e chorava muito”, relata Charles.

A condição se agravou tanto que dona Fátima precisou ser interditada. E nesse processo de piora, Charles reclama do atendimento do plano de saúde quando a mãe mais precisou. “Acredito que pelo plano de saúde, se ela dependesse só deles, já tiria morrido. Isso a gente percebe porque ela tem home care e, mesmo assim, o médico é meio desleixado. Sabe? O processo foi complicado, a gente achava até que o home care mandava alguém também junto para acompanhar, mas só fica um enfermeiro caso a pessoa realmente precise de medicação. E eles disseram que ela ainda não chegou nesse nível. Aí a gente termina arcando com as cuidadoras, principalmente nessa faixa de idade, que é quando eles têm naturalmente mais trabalho e despendem mais recursos financeiros”, finaliza.