Projeto ressocializa jovens em conflito com a lei e em situação de vulnerabilidade social

“Recomeçar – Oficina de Jovens Aprendizes”, da 7ª Promotoria de Justiça de Arapiraca, já conta com mais de 617 adolescentes matriculados em cursos profissionalizantes

Por Lucas França e Thayanne Magalhães / Revisão: Bruno Martins | Redação

Uma adolescência em conflito com a lei não significa necessariamente uma vida adulta no mesmo caminho e é por isso que o projeto “Recomeçar – Oficina de Jovens Aprendizes”, do Ministério Público Estadual de Alagoas (MP/AL), realizado pela 7ª Promotoria de Justiça de Arapiraca, busca atuar de forma preventiva, capacitando jovens em situação de vulnerabilidade social para o mercado de trabalho, com foco em adolescentes que cumprem medidas socioeducativas.

O projeto teve início em 2019 e já conta com 617 jovens matriculados no Sistema S, deste total, 371 foram aprovados nos cursos profissionalizantes nas duas primeiras fases.

De acordo com o promotor de Justiça Maurício Wanderley, responsável pelo sucesso do projeto “Recomeçar – Oficina de Jovens Aprendizes”, os adolescentes em conflito com a lei têm a oportunidade de realizar cursos profissionalizantes, em uma parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial em Alagoas (Senac/AL).

Mas, para participar, os jovens precisam ter interesse, sendo assim, o juiz suspende a medida protetiva e, com o acompanhamento do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), os jovens passam a frequentar as aulas.

“Nós fazemos uma ponte com as empresas de Arapiraca para que esse jovem, após o curso, consiga uma vaga no mercado de trabalho. O aproveitamento do projeto é muito bom. Segundo o Creas, cerca de 90% dos adolescentes do projeto conseguem emprego e não voltam a cometer atos infracionais. Realizado desde 2019, o projeto já inseriu mais de 40 jovens no mercado de trabalho”, relata o promotor.

Promotor Maurício Wanderley (Foto: Ascom MP/AL)

O promotor explica que o projeto não atende apenas adolescentes em conflito com a lei e, por isso, oferta cursos para jovens em situação de vulnerabilidade social.

"Do universo de 617 jovens matriculados, cerca de 20% eram jovens em conflito com a lei. Os demais jovens foram escolhidos em razão da situação de vulnerabilidade social em que se encontravam, como forma de medida preventiva. O projeto oferta cursos também àqueles que desejam se profissionalizar”, pontua o promotor.

A ideia, segundo o promotor de Justiça, é atuar de forma preventiva. “Com isso, buscamos evitar que o adolescente entre no mundo do tráfico de drogas, por exemplo. Fazemos um levantamento na cidade sobre o número de adolescentes, vagas de jovens aprendizes e fazemos a ponte”, ressalta Maurício Wanderley.

Para a promotora de Justiça Viviane Karla Farias, o “Recomeçar” permite que os jovens enxerguem novas possibilidades para o futuro. Ela lembra que há casos de adolescentes que tiveram envolvimento com o tráfico de drogas e que, por meio do projeto, conseguiram se colocar no mercado de trabalho e mudar de vida.

“O ‘Recomeçar’ tem transformado vidas, permitindo que jovens possam voltar a sonhar e ter oportunidades concretas de ter suas rotas de vida redirecionadas positivamente. Temos vários exemplos de jovens antes envolvidos com o tráfico de drogas e que, depois da realização dos cursos, puderam se inserir no mercado de trabalho, iniciar um curso de nível superior e terem suas vidas transformadas da melhor forma”, relembra a promotora.

Promotora Viviane Karla (Foto: Ascom MP/AL)


CONSTRUINDO UM FUTURO

E foi com o projeto que Matheus Henrique Farias de Amorim, de 21 anos, teve uma rota de vida redirecionada positivamente. Ele atualmente trabalha como promotor de vendas.

Para ele, o “Recomeçar” foi um ‘divisor de águas’ em sua vida. De acordo com Matheus, só a partir dos cursos profissionalizantes oferecidos no programa que ele teve uma perspectiva de vida e de futuro.

“Só tive a ganhar em participar do projeto, ele mudou minha vida de uma forma positiva. Foi a partir dele que iniciei no mercado de trabalho como jovem aprendiz. Se não fossem estes cursos, essa inserção, com certeza minha vida seria diferente, talvez frustrada e sem reconhecimento. De fato, o projeto só trouxe felicidade e um saldo positivo”, disse o jovem, acrescentando que a vida financeira lhe proporciona independência.

“Com isso, consigo ter mais sonhos realizados e consigo ajudar também em casa. Espero que outros jovens tenham essa oportunidade e busquem participar de projetos como este”, agradece o promotor de vendas.

Feliz com seus resultados, Matheus mostrou para a equipe de reportagem alguns de seus certificados, veja abaixo um deles.

(Foto: Divulgação)

'Segundo o Creas, cerca de 90% dos adolescentes do projeto conseguem emprego e não voltam a cometer atos infracionais', informou o promotor Maurício Wanderley

Cursos profissionalizantes foram adaptados para atender necessidades dos jovens

Maurício Wanderley diz que, em parceria com o Senac em Alagoas, foi realizado um portfólio dos cursos disponíveis, que eram apresentados aos jovens sob a supervisão da equipe do Creas, sendo a escolha baseada na aptidão de cada um e no sentido de viabilizar a inserção dos mesmos no mercado de trabalho local.

“Para se ter uma ideia, atualmente o Creas realiza uma visita guiada com o jovem junto à estrutura do Senac, apresentando laboratórios e em seguida as opções de cursos profissionalizantes disponíveis”, conta.

O promotor ressalta que a metodologia de ensino é aplicada de forma positiva já que o jovem em conflito com a lei tem a oportunidade de realizar um curso profissionalizante ao invés de cumprir a medida socioeducativa. “Tem-se um fator de estímulo e motivação para o envolvimento dele com a prática profissionalizante, especialmente ante a perspectiva de inserção no mercado de trabalho. Os cursos também são escolhidos de acordo com a escolaridade dos jovens, de modo que a metodologia apresentada lhes seja acessível e facilitadora dos objetivos almejados”.

PARCERIAS

Wanderley afirma que as parcerias são primordiais para o êxito do projeto. “O êxito do ‘Projeto Recomeçar’ só foi possível com as parcerias com as instituições externas, sejam elas do setor público ou privado. Entidades do sistema “S”, como Senac, Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial], através da oferta de cursos profissionalizantes, juntamente com a Prefeitura do Município de Arapiraca, através de seus órgãos como CMDCA [Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente] e Creas foram parceiros essenciais à boa execução do projeto. Aliado a isso, tivemos a grande colaboração das empresas que contratavam, como jovem aprendiz ou de forma efetiva, esses jovens após o término dos cursos profissionalizantes, concretizando, assim, a efetiva inserção deles no mercado de trabalho”.

A gerente do Senac Arapiraca, Rosely Alves, conta que a parceria com o MP/AL teve início há alguns anos, com uma turma para formação de promotores de vendas. “Inicialmente o projeto atendia jovens que estavam sob medida educativa. Em seguida foi aberto, após questionamento de alguns jovens que moravam em comunidades vulneráveis, se eles teriam que cometer algum ato infracional para poder ter direito a também participar desses cursos da parceria. Após isso, iniciamos o projeto Recomeçar”, lembra a gerente.

Rosely ressalta ainda que a parceria entre Senac e MP/AL tem transformado a vida de muito jovens de Arapiraca. “Porque de fato, nós entramos nas comunidades, executamos cursos que tenham uma correlação com o mercado local, que colaborem para a empregabilidade desses jovens ou para que esses jovens se tornem futuros empreendedores na área de gastronomia ou beleza, por exemplo”, comenta.

Ainda de acordo com a gerente, o projeto também se estendeu para outras cidades, como Delmiro Gouveia e Santana do Ipanema, no Sertão de Alagoas. “Para os jovens que queriam fazer os cursos, mas moravam em bairros distantes, foi firmado um convênio para garantir o transporte desses jovens. Muitas vidas têm sido transformadas e muitos jovens têm sido beneficiados por essa parceria com o Ministério Público. A qualificação profissional abre as portas do mercado de trabalho para os jovens e a cada ano estamos realizando mais capacitações. Foram 100 jovens recebendo certificados em 2023 e em 2024 vamos aumentar ainda mais esse número”, concluiu.

DESAFIOS

Como todo grande projeto, o “Recomeçar” também passou por desafios e, segundo o promotor de Justiça, um deles é a sensibilização da sociedade em relação aos jovens em conflito com a lei.

Alunos do Senac pelo Projeto Recomeçar (Foto: Divulgação)

“Um dos maiores desafios tem sido a sensibilização da sociedade no que tange ao acolhimento desses jovens, os quais ainda sofrem pelo estigma de terem praticado algum ato em conflito com a lei e/ou por serem inseridos em algum contexto de vulnerabilidade social”, expõe o promotor Maurício Wanderley.

Mas, mesmo assim, a ideia do promotor é expandir os trabalhos e mudar a vida de mais e mais adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

“Atualmente, em articulação com as lideranças comunitárias do Município de Arapiraca, conseguiu-se uma parceria com a gestão municipal para fornecer transporte regular para jovens residentes em comunidades mais afastadas direcionando-os até a sede do Senac, onde os cursos profissionalizantes são ministrados. Em relação específica aos jovens em conflito com a lei, pensa-se ainda na criação de bolsa pecuniária como forma de estimulá-los à permanência nos cursos profissionalizantes, evitando assim a evasão. Para tanto, o Ministério Público já iniciou as tratativas com o CMDCA, no sentido de viabilizar tal iniciativa”.

PROGRAMAS DE PROFISSIONALIZAÇÃO

Mais de 60% dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em unidades de semiliberdade e internação no Estado de Alagoas foram inseridos em programas de profissionalização no ano de 2023. É o que informa o levantamento divulgado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, por meio do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).

No primeiro panorama mais amplo do Sinase, após um hiato de seis anos, Alagoas aparece com 146 adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio fechado. Desses, 118 respondem à internação; 20, à semiliberdade; e oito, à internação provisória. A maior parte é do gênero masculino (140) e apenas um possui deficiência física. Do total, 65,6% encontram-se em profissionalização e 67,1% possuem matrícula escolar.

O Ministério Público do Trabalho em Alagoas (MPT/AL) comemorou o resultado, que ocorre após uma série de ações da instituição em parceria com o Ministério Público do Estado de Alagoas, Superintendência de Medidas Socioeducativas (Sumese) da Secretaria de Estado de Prevenção à Violência (Seprev), Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTb/AL) e integrantes do “Sistema S”.

“É uma grande vitória na efetivação dos direitos fundamentais dos adolescentes em cumprimento de medidas à implementação da aprendizagem profissional em meio fechado em Alagoas. Alcançar o percentual de mais de 60% de adolescentes internos em programas de aprendizagem e profissionalização é um grande resultado”, comemorou a vice-coordenadora nacional da Coordinfância do Ministério Público do Trabalho, Cláudia Soares.

LEVANTAMENTO NACIONAL

O levantamento do Sinase revela um total de 11.556 adolescentes inseridos ao sistema socioeducativo nas modalidades de meio fechado. No estudo anterior, realizado em 2017, constavam 24.803 adolescentes em atendimento nas medidas de semiliberdade e internação.

O documento divulgado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania em dezembro do ano passado destaca a diminuição no número de pessoas cumprindo medidas socioeducativas. No entanto, reconhece que, devido à ausência do acompanhamento nos últimos anos, não é possível afirmar com segurança quais são os fatores envolvidos.

Os dados que constam na publicação foram compilados pelo Governo Federal e se referem à situação do sistema socioeducativo em 30 de junho de 2023, quando as informações foram enviadas pelas unidades federativas de todo o país. Eles servem para formulação de políticas públicas mais efetivas na gestão e atendimento socioeducativo.

PLANEJAMENTO

  • O projeto faz parte do Planejamento Estratégico Institucional, documento que traz uma série de ações a serem implementadas nas mais variadas áreas de atuação do Ministério Público de Alagoas. A assessora de Planejamento e Gestão Estratégica, promotora de Justiça Stela Cavalcanti, acredita que a participação do MP/AL como vencedor do Prêmio CNMP é o reconhecimento do trabalho que vem sendo desenvolvido pela instituição.

  • “O planejamento estratégico institucional tem contribuído com o fortalecimento do MP/AL, trazendo melhorias para a sociedade alagoana, a exemplo do Projeto Recomeçar. Estamos muito felizes com esse reconhecimento, que demonstra estarmos no caminho certo. Esse reconhecimento vem coroar a dedicação e a competência da equipe do projeto no desenvolvimento das ações em prol da comunidade de Arapiraca”, finaliza.

Projeto vence Prêmio CNMP 2023

O projeto é tão importante por mudar a vida de dezenas e dezenas de famílias, que foi reconhecido com o primeiro lugar no Prêmio CNMP 2023, na categoria de “Integração e articulação”, no dia 28 de novembro em Brasília.

E como não podia ser diferente, a notícia foi recebida com muito entusiasmo pela alta gestão do MP/AL. O procurador-geral de Justiça, Márcio Roberto Tenório de Albuquerque, destacou a relevância social do projeto, que tem impactado a vida de jovens na cidade de Arapiraca. Ele aproveitou a oportunidade para parabenizar os promotores de Justiça Maurício Wanderley e Viviane Karla, responsáveis pela coordenação do projeto.

Promotores Maurício Wanderley e Viviane Karla e o procurador-geral de Justiça Márcio Roberto Tenório recebem o Prêmio CNMP (Foto: Ascom MP/AL)

“Estamos celebrando bastante a chegada à fase final dessa disputa. O ‘Recomeçar’ é um projeto que tem transformado a vida de centenas de famílias, em especial, de jovens em situação de vulnerabilidade social de Arapiraca. Parabenizo os promotores de Justiça Maurício Wanderley e Viviane Farias pela dedicação e engajamento à causa da qualificação profissional dessas pessoas. Temos orgulho desses dois membros que engradecem a nossa instituição e trabalham para além dos seus gabinetes”, declarou o PGJ.

Especialistas afirmam que projetos sociais são responsáveis por mudar vidas de crianças e adolescentes

Para a pedagoga Danúbia Silvestre, os projetos sociais ajudam as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, mudando sua realidade.

“As oficinas ofertadas servem para trabalhar o engajamento desse público tirando eles de sua realidade e levando para outra realidade. E isso faz a gente saber como está o envolvimento desse público com o meio social. Métodos são usados por esses projetos, estudando a área de atuação, a comunidade e a família dos assistidos”, expõe a profissional.

Silvestre ressalta ainda a formação dessas adolescentes como cidadãos: “uma vez que eles estão sendo assistidos, começam a evoluir e se sentir integrados à sociedade. Vão buscar evolução pessoal, profissional e assim sucessivamente. A gente sabe que muitas pessoas que estavam em situação de vulnerabilidade conseguiram vencer na vida através dessas ações sociais”, complementa.

Pedagoga Danúbia Silvestre (Foto: Edilson Omena)

Para finalizar, Danúbia diz que as ações sociais podem ser feitas em parcerias com escolas ou não. “Na verdade, não precisa ter essa ligação. Isto não é regra. Existem ONGs que fazem o projeto com as escolas e as que fazem fora, órgãos, empresas públicas e privadas e instituições, fazendo na comunidade, por exemplo, mas usam instrumentos pedagógicos para desenvolver a ação. Os projetos podem ser realizados de forma particular, mas é necessário ter a ideia da metodologia usada para atender o público-alvo. O importante é mostrar um futuro melhor para estes adolescentes que muitas vezes estão inseridos em um ambiente hostil”, explica.

ADULTOS EMOCIONALMENTE ESTRUTURADOS

O psicólogo Carlos Gonçalves ressalta que todo o trabalho voltado para o atendimento aos adolescentes em situação de vulnerabilidade social é de grande importância para torná-lo um adulto com mais estrutura emocional.

“Esse projeto é de grande importância para a estrutura psicológica que esse adolescente precisa para se tornar um adulto mais estruturado emocionalmente. O que percebemos com essa ausência de um auxílio, de um caminho, de uma luz, ou de um lugar em que eles possam enxergar que não seja só a violência, cobranças e não se percebe enquanto um indivíduo que pode ter o sonho de construir uma família, de ter uma casa, e que muitas vezes esses sonhos nem se concretizam porque uma grande maioria não consegue nem chegar na fase adulta em virtude de uma crescente demanda de extermínio, podemos dizer assim, que é o acontece com esses adolescentes”, opina o psicólogo.

“Eu faço um trabalho com as mães de uma instituição e já fiz também trabalhos dentro de uma unidade de ressocialização com adolescentes infratores e todo o acolhimento que chega de alguma forma, pode conseguir transformar a vida dos que se interessam. Vai fazer diferença para que possamos chegar mais perto de uma igualdade social diante de um quadro que é muito triste ainda em nosso país”, continuou.

Carlos Gonçalves diz ainda que nossa sociedade tem, hoje, um quadro de grande problema de saúde mental.

“E esses adolescentes buscam nessa facilidade que às vezes encontram nas drogas ou na questão de fazer os próprios tráficos, uma oportunidade de ser alguém na vida. Então que seja através de trabalhos como esse do Ministério Público, que eles encontrem o seu desenvolvimento”, concluiu.