O combate ao crime organizado em Alagoas

Ministério Público, por meio do Gaeco, movimentou nos últimos 10 anos cerca de 3.800 processos judiciais e procedimentos extrajudiciais variados

Por Lucas França e Luciana Beder - Repórteres / Revisão Bruno Martins | Redação

O combate à criminalidade organizada é, atualmente, um dos maiores desafios em todo o Brasil, no sentido de reduzir a violência e garantir segurança à sociedade de um modo geral. Em Alagoas, o Ministério Público de Alagoas (MP/AL), por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), tem contribuído para uma ampliação desse enfrentamento à criminalidade organizada. Nos últimos 10 anos, o órgão movimentou cerca de 3.800 processos judiciais e procedimentos extrajudiciais variados.

O Gaeco tem a atribuição para oficiar representações, inquéritos policiais, procedimentos investigatórios e processos destinados a identificar e reprimir as organizações criminosas, em todas as fases da persecução penal, inclusive audiências, até a decisão final. Atualmente, o órgão é composto por seis promotores de Justiça e conta com um corpo de apoio integrado por quatro analistas processuais, além de um analista de gestão pública.

“Temos também uma interlocução interinstitucional de extrema importância com os mais diversos órgãos da persecução criminal, ressaltando, aqui, a Secretaria de Estado da Segurança Pública, a Secretaria de Estado da Ressocialização e Inclusão Social, as polícias Militar e Civil de Alagoas, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Agência Brasileira de Inteligência, dentre tantos outros valorosos parceiros”, explica o coordenador do Gaeco, promotor Antônio Luiz dos Santos Filho.

Operações

Desde a fundação do órgão, em 2006, foram realizadas diversas operações. Entretanto, a maior operação conduzida pelo Gaeco até o momento, desde a fase investigatória e resultando em ação penal, foi a chamada Operação Flash Back, em parceria com a Secretaria de Segurança Pública de Alagoas (SSP/AL), com a Secretaria de Operações Integradas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, e com o apoio dos Ministérios Públicos de 11 estados, que, entre os anos de 2019 e 2022, contou com três fases, em um total de 343 denunciados.

Operação do Gaeco; atualmente são 36 investigações em procedimento (Foto: Anderson Macena / Ascom MP/AL)

O objetivo do trabalho foi combater o principal núcleo da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), com base no Mato Grosso do Sul, de onde saem as ordens de justiçamento para todo Brasil, sob comando de um faccionado identificado como ‘Maré alta’.

A operação originária em Alagoas partiu para o enfrentamento ao PCC não com o propósito de apreender armas e drogas, mas de isolar os líderes da nova estrutura, que tem como caraterística a truculência no ‘tribunal do crime’, com mortes bárbaras pelo Brasil, inclusive em Alagoas, com mais registros em Maceió e na região metropolitana da capital. Segundo as investigações, o ‘tribunal do crime’ é formado pelos que detêm maior poder ou funções privativas dentro da facção.

“Há, no entanto, um largo rol de operações deflagradas pelo Gaeco, contra as mais diversas searas do crime organizado, destacando em apertado resumo, as seguintes, conforme a área: corrupção – Operação Primavera, Operação Sepse, Operação Ánomos, Operação Replay, Operação Embolia; crimes praticados por policiais – Operação Pix, Operação Expurgo; e entorpecentes – Operação Devaneio, Operação Veredus, Operação Contenda, Operação Estorvo, Operação Traças, Operação Penumbra”, destaca o promotor.

Coordenador do Gaeco, promotor Antônio Luiz dos Santos Filho (Foto: Anderson Macena / Ascom MP/AL)

A última operação do Gaeco em 2023 ocorreu no dia 30 de novembro, denominada Veredus, foi realizada em parceria com a SSP/AL e teve a atuação conjunta da Promotoria de Justiça de Paripueira. A operação cumpriu 10 mandados de prisão e 12 de busca e apreensão na cidade, que fica ao litoral norte de Maceió. Os 10 alvos foram presos.

O trabalho investigativo visa desarticular uma organização criminosa que atuava no tráfico de drogas no município, mais especificamente nas ruas da Goiaba e Pimenteira. A comercialização dos entorpecentes pela organização criminosa era praticada livremente, o que vinha causando insegurança à população e gerando o crescimento dos indicadores criminais naquela localidade.

A operação Veredus ganhou este nome em razão do termo significar caminho estreito, que exemplifica os becos e vielas onde ocorre o tráfico comandado pelo grupo investigado.

“No entanto, o Gaeco mantém em curso uma série de Procedimentos Investigatórios Criminais, em atuação independente ou em parceria com a SSP e atuação conjunta com diversas Promotorias de Justiça do Interior. Nessas condições, hoje são 36 investigações em curso”, afirma o coordenador do órgão.

No dia 24 de janeiro deste ano, uma dessas investigações resultou na prisão de três investigados, entre eles dois policiais civis, e apreensão de objetos de interesse do inquérito nos municípios de São Sebastião, Arapiraca, Palmeira dos Índios, Cacimbinhas e Maceió.

O procedimento investigatório foi instaurado para apurar possível organização criminosa formada para desviar e vender objetos ilícitos legalmente apreendidos em investigações policiais.

Segundo o procurador-geral de Justiça, Márcio Roberto Tenório de Albuquerque, o Gaeco é um dos órgãos de investigação mais estruturados do país e tem obtido resultados muito relevantes para a sociedade alagoana. “Apesar de nós sermos um estado pequeno e termos um orçamento que está aquém das nossas necessidades, o Gaeco tem essa força no combate às organizações criminosas. Nós atuamos contra as organizações criminosas comuns, as facções criminosas, os grupos criminosos e assim por diante, e também contra as organizações criminosas que atuam diretamente contra o erário público”, destaca.

Gaeco tem atribuição para oficiar representações, inquéritos policiais, procedimentos investigatórios e processos destinados a identificar e reprimir organizações criminosas, em todas as fases da persecução penal, inclusive audiências, até a decisão final

“Não basta apenas realizar buscas e prisões, mas descapitalizar as organizações criminosas”

Para o delegado Igor Diego, que é diretor da Diretoria de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado (Dracco), a parceria entre a Polícia Civil de Alagoas (PC/AL) e o Gaeco tem desempenhado um papel fundamental para combater as organizações criminosas que atuam no estado.

“É uma parceria e uma integração muito importante com o Gaeco. Com isso, diversos trabalhos investigativos e diversas operações já foram realizadas aqui no Estado de Alagoas, com participação do grupo e da PC, também da Dracco, bem como com a Secretaria de Segurança Pública de Alagoas, que faz a coordenação de diversas forças policiais para que o combate ao crime organizado seja cada vez mais efetivo”, pontua o delegado.

Delegado Igor Diego, da Dracco (Foto: Divulgação)

Ainda conforme a autoridade, não basta apenas realizar prisões e buscas, é preciso descapitalizar as organizações criminosas.

“E hoje não basta apenas o trabalho com o objetivo de realizar prisões e buscas para realizar encontros de provas e subsidiar uma possível condenação. É importante também o combate para descapitalizar as organizações criminosas. Então, cada vez mais, a Polícia Civil e o Gaeco têm se especializado em buscar os recursos financeiros que são adquiridos de maneira ilícita pelas organizações criminosas e, com o sequestro e o bloqueio de bens, faz com que essas organizações percam a força e a efetividade dentro do estado de Alagoas. É uma parceria que tem dado certo e que continuará dando certo para o futuro, para que a gente possa, com cada vez mais efetividade, combater o crime organizado no estado”, explica Igor Diego, diretor da Dracco.

Área em constante evolução

Segurança Pública não é uma ciência exata, muito pelo contrário. É uma área que evolui sempre, se altera no espaço e no tempo. Uma das apostas para o enfrentamento ao crime organizado seria o “enrijecimento” da legislação penal atual, para que os criminosos não se beneficiem de leis e das conhecidas “brechas” e para que também não vejamos a impunidade sendo majoritária em muitos crimes. Outro caminho seria um maior incremento no tocante à ferramenta chamada de inteligência policial.

“O crime organizado afeta todas as esferas sociais e os mais diversos âmbitos do país e do estado”

Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública, David Melquíades destaca que a criminalidade organizada alimenta a corrupção e, por conseguinte, o crime violento.

“Essa mazela afeta todas as esferas sociais e os mais diversos âmbitos de nosso país e estado. Suas formas de manifestação sofrem variações também no espaço e nas realidades em que atuam. A criminalidade, em seu resultado final, não é resultado direto da ineficácia das forças de segurança, mas sim da ausência de políticas públicas, como saúde e educação. O diálogo deve ser permanente com os agentes de segurança e com a sociedade para tentar sanar o problema máximo que é o crime. O que mais podemos verificar são os constantes aumentos na circulação de armas, drogas e produtos ilícitos e diante disso é fácil perceber que a atividade criminosa se retroalimenta com a corrupção”, afirma.

Para Melquíades, é necessário mexer em todas as articulações políticas e econômicas que as organizações criminosas têm. “A organização criminosa pode ser comparada a estruturas ‘empresariais’, pois é estruturada hierarquicamente, com suas funções delineadas e tendo como sua finalidade a prática delitiva. O que se pode compreender a partir disso é que essa rede criminosa acaba recrutando muitos jovens, que atuam na linha de frente da criminalidade e muitas das vezes não se consegue identificar a liderança desta organização criminosa. Então, deve-se compreender sobre tais organizações que uma postura reativa não será o melhor caminho. Desarticular o esquema antes de ser montado será menos danoso para a sociedade civil”, pontua.

Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública, David Melquíades (Foto: Arquivo pessoal)

O especialista avalia que a Segurança Pública no Brasil, e em Alagoas de forma específica, é um processo a longo prazo. “Não se consegue resolver de um dia para outro. Porém, existem caminhos que podem ajudar no combate ao crime organizado. Podemos até inferir que a inteligência é um deles e que é uma ótima ferramenta para prevenção, porém as políticas públicas na área de Saúde, Educação, Trabalho e na própria área de Segurança devem atuar de maneira conjunta, integrada. É responsabilidade de todos”, diz.

Melquíades destaca ainda a importância do Gaeco no combate ao crime organizado. “É um mecanismo de execução ímpar para repressão e combate, auxiliando promotorias de Justiça em todo o território alagoano. A somatória de forças quando falamos em Segurança Pública nunca será demais, o próprio artigo 144 da Constituição Federal cita: ‘A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos(...)’, ou seja, um trabalho coordenado e integrado entre os diversos órgãos ligados à Segurança Pública e ao Gaeco promove a prevenção e a neutralização das atividades das organizações criminosas em Alagoas”, ressalta.

“Participação do jovem nas políticas públicas é essencial para evitar o encontro com a criminalidade”

Para o sociólogo Carlos Martins, o crime é universal, transversal e horizontal. “Do ponto de vista da classe o crime é um ato, um produto das relações humanas que está presente em todas as classes sociais. Ou seja, não é um privilégio e não é uma característica das classes de poder econômico mais baixo”, explica.

Martins ressalta que o crime organizado é formado pelo interesse do acúmulo de capital. “Quando o mercado de trabalho falha, quando as políticas sociais sejam elas do Estado ou não falham, é que o jovem vai ter o escape alternativo do atendimento a essa necessidade. Então, políticas públicas fundamentais são aquelas que estão conectadas com o jovem de hoje. Têm que ser políticas públicas que atendam às suas expectativas”, diz.

O sociólogo afirma ainda que a participação do jovem nas políticas públicas é essencial para evitar o encontro com a criminalidade. “Sempre acreditei na participação de jovens no esporte e em demais setores. Pois, ele é prestigiado e isso preenche essa necessidade pelo reconhecimento, acumulando um capital social que vai lhe dando estabilidade emocional, validando conexões sociais e dando caminhos que esses jovens vão trilhar e vão levá-los a não participar desses grupos criminosos”.

O especialista pontua que a responsabilidade não é apenas do Poder Público. “É um dever do Estado, é um direito do cidadão, mas a iniciativa privada também tem grande responsabilidade. Quando a iniciativa privada não é entendida como responsável e ela também não participa desse processo de resolução, a sociedade está cometendo grande erro. A iniciativa privada tem grande responsabilidade pelos processos de exclusão. Então, eles também têm que participar dos processos de resolução do problema”.

O sociólogo expõe ainda que se tivesse um maior interesse para resolver o problema, ele já estaria resolvido. “Muitas organizações como as milícias passam por dentro do Estado. Então, há uma grande questão, porque o jovem aí é o grande alvo. A ausência desses jogos dentro de sistemas simbólicos de reconhecimento legítimo vai fazer com que esses jovens busquem sistemas simbólicos de reconhecimento alternativo. E essas organizações se apresentam aí como essa grande alternativa a eles”, finaliza Martins.