Na home page do Instagram “Amor 21”, Instituto localizado em Maceió formado por pais, familiares e amigos de pessoas com Síndrome de Down, a mensagem é direta e leva à reflexão: “Faça a diferença: enquanto a pobreza, a injustiça e a desigualdade persistirem, nenhum de nós pode realmente descansar — o amor não conta cromossomos”, diz o enunciado.
E foi exatamente com a força dessas palavras que a advogada Olivia Brito — uma das dezenas de mães associadas à instituição —, saiu da teoria à prática ao ver, semana passada, o filho caçula Davi Brito conquistar uma significativa vitória, ao se tornar o primeiro jovem com Down a completar uma prova de triatlon em Alagoas.
Davi é um jovem de apenas 19 anos, mas já enfrentou muitos obstáculos em seu caminho até chegar ao final feliz de uma competição. Vivendo sempre com as dúvidas dos outros em relação às suas capacidades, o jovem se superou e reescreveu sua história, ressignificando as limitações durante a prova que envolveu vários atletas, entre cadeirantes e com Down, na orla de Maceió.
Além da Síndrome de Down, Davi ainda nasceu com um problema severo de articulação de fonemas chamado de Apraxia de Fala na Infância (AFI), que é um tipo de transtorno motor de fala que afeta a habilidade para sequenciar os movimentos necessários para a produção dos sons.
Nesse transtorno, a criança tem ideia do que quer comunicar, mas seu cérebro falha ao planejar e programar a sequência de movimentos, de gestos motores da mandíbula, dos lábios, da língua e de outros articuladores, responsáveis por produzir os sons que formam sílabas, palavras e frases. Por esta razão, não temos uma frase de Davi nesta reportagem, mas compartilhamos de sua alegria, principalmente no olhar terno entre mãe e filho durante a produção desta matéria.
“Foi um sonho antigo realizado, porque sempre quis que ele participasse dessa prova. Eu queria que ele participasse exatamente com essa galera, porque em todos os eventos abrem um espaço para a inclusão”, completa Olivia, mãe de Davi
Olívia e o filho Davi com medalhas conquistadas em várias competições: uma parceria que é exemplo de vida e de amor incondicional (Foto: Adailson Calheiros)
A mãe de Davi, cuja família sempre foi ligada ao esporte (Olivia chegou a jogar basquete pelo CRB), foi fundamental nesse passo do filho desde tenra idade, sempre o estimulando para ter a sua vida o mais independente possível.
Durante a prova, o triatleta foi acompanhado por um ente que Olivia chama de “anjo” na vida dele e da família e que deu suporte e assistência, Bruno Albuquerque. O genro é namorado da filha mais velha de Olívia, Amanda, também esportista e praticante de triatlon. Júlia, a gêmea de Davi, também é atleta.
A prova de Davi envolveu três etapas. Ele participou com o mini Sprint, que é uma categoria para iniciantes, não só para deficientes. Começou com a prova de 400 metros no mar, depois pegou uma bike e rodou 10 km e, na sequência, correu e andou 2 Km. “A gente fez um treino com ele e nada muito bem, mas em piscina. Pode parecer coisa de mãe, mas achei surpreendente porque ele terminou e só fez apenas dois treinos no mar”, conta Olivia.
“Foi um sonho antigo realizado, porque sempre quis que ele participasse dessa prova. Eu queria que ele participasse exatamente com essa galera, porque em todos os eventos abrem um espaço para a inclusão”, completa Olívia.
Dessa forma, Davi — embora não tivesse sido proclamado “campeão” do triatlon — foi o primeiro triatleta Down alagoano a completar a prova. “Então isso para mim, a família e os amigos, bem como a torcida presente ao evento, foi como a conquista de um campeonato, pela simbologia que a mensagem dele leva, que é possível vencer dentro das limitações”, destaca a mãe de Davi.
No triatlon, em provas para atletas não deficientes, as categorias são a mini sprint: 750 metros de natação; 20 km de ciclismo e 5 km de corrida.
A alegria da família só não foi completa no dia do evento porque o professor e técnico das irmãs de Davi, Pedro Sérgio Reis, sofreu um infarto e foi internado às pressas. Atualmente, Reis se encontra ainda sob os cuidados médicos.
Amor 21 - uma prática de inclusão
A instituição Amor 21 conta com cerca de 200 famílias associadas, tendo como objetivos: promover ações na área de educação, saúde, esporte, cultura e lazer, além de informar à sociedade sobre as potencialidades das pessoas com Síndrome de Down, defendendo a inclusão efetiva, ampla, geral e irrestrita dessas pessoas em todos os segmentos da sociedade, promovendo a garantia de seus direitos, de acordo com a Constituição Federal de 2008. A síndrome de Down (SD) ou trissomia do cromossomo 21 é uma alteração genética produzida pela presença de um cromossomo a mais, o par 21. Isso quer dizer que as pessoas com síndrome de Down têm 47 cromossomos em suas células em vez de 46, como a maior parte da população. A primeira descrição clínica dos sinais característicos da pessoa com SD ocorreu em 1866. O termo “síndrome” significa um conjunto de sinais e sintomas observáveis e “Down” designa o sobrenome do médico pediatra inglês John Langdon Down, que realizou a primeira descrição da SD.
Problemas de articulação, sobrevivência e sustos, a vida dura do pequeno campeão
As dificuldades e os desafios da vida do jovem Davi começaram ainda em tenra idade, na infância. O menino que fez pose com as medalhas conquistadas ao longo a vida e cumprimentava os jornalistas durante todo tempo com um sorriso no rosto enquanto o repórter fotográfico Adailson Calheiros escolhia o melhor ângulo para essa reportagem, deu seus primeiros passos no esporte com apenas 4 anos de vida. E já foi superando algo que poderia ser um primeiro trauma para ele e para a família.
“O início da vida dele entrou logo a natação e foi como uma questão de sobrevivência. Quando fui morar em uma casa no condomínio Aldebaran, tinha acabado de morrer um garotinho afogado na piscina de casa. Ou seja, algo já nos alertou que o perigo já estava logo ali, né? Você já pensa: ‘poxa, o inimigo tá ali, morando perto de você. Então, a gente chamou um professor e introduziu a natação ainda bebê, ele e a irmãzinha Júlia. E os dois pequenininhos fizeram aquelas técnicas de sobrevivência para a borda a tal ponto que foi melhorando nadar, embora ele tivesse uma limitação, que era não bater bem os braços”, conta Olívia.
Davi, o menino de coração generoso e sociável...
Certa vez, numa competição de jiu-jitsu na escola, Davi surpreendeu a todos. A turma do gargarejo, amigos de Davi, gritavam palavras de ordem da arquibancada, no momento crucial da luta: “Raspa! Raspa! Raspa! (gritavam numa espécie de gíria nesse esporte). Davi entendeu a gíria e o incentivo e olhou para os meninos ‘jogarem’ com ele. Botou o adversário de costas e venceu o desafio. E já no pódio, surpreendentemente, Davi promoveu o famoso fair play, porque antes mesmo de comemorar com a torcida, sem ninguém o orientar, foi lá e abraçou o adversário que ele tinha colocado minutos antes de costas, mostrando empatia e generosidade.
Em outra ocasião, a irmã mais velha, Amanda, o levou ao centro espírita onde ela exerce sua fé e fez questão de apresentar o mano aos colegas de instituição. Davi não só foi muito bem acolhido pelos colegas de Amanda, como ofertou largos sorrisos a quem o abraçava, demonstrando sociabilidade e retribuindo os afagos daqueles desconhecidos de seu círculo.
A mensagem de uma mãe a outras mães e pais
Na troca de olhares entre mãe e filho, Olívia é desafiada a deixar uma mensagem a outros pais e mães que têm filhos com limitações. “Nunca duvidem da capacidade de seus filhos deficientes, nunca! Eles são capazes de nos surpreender, eles podem ir longe, apostem neles, nunca desistam, persistam!”, incentiva. “É preciso ter coragem para aceitar como uma missão mesmo e isso trará uma paz tremenda para um pai ou a mãe, porque você lida melhor com tudo aquilo. Quando se fala e se mostra a limitação, você diminui o peso do preconceito. Você começar a lidar com isso de forma leve. Isso eu não posso mudar e isso veio para mim e só me resta aceitar. Claro que não foi sempre assim. Eu disse na maternidade quando recebi o diagnóstico: é um filho que você não esperou”, relata Olívia. E completa:
“Quando a família, os amigos, aceitam e falam sobre a deficiência sobre a limitação, o outro encara isso com mais facilidade, porque é assim que se derrubam as barreiras do preconceito: Tem uma família aqui que eu não vou dizer o nome que, na década de 70, escondeu o filho porque nasceu assim. Ele não saía, ele vivia trancado em casa. Convivendo com crianças ou com pessoas típicas, elas têm chance de desenvolver, perceber como as coisas funcionam e as coisas funcionam. Derrubar barreiras é falar sobre limitação. Você tem que mostrar que as coisas podem acontecer, tem que mostrar que a vida pode voltar a ser normal. Todos nós somos iguais e, por isso mesmo devemos ser tratados na medida da nossa desigualdade. Então o Davi, na prova, foi tratado na vida da desigualdade dele, com um anjo, que foi lá e ajudou ele a calçar o sapato, botou a touca para ele nadar, andar e correr”, diz a mãe do campeão da vida.