Solidariedade e musicalização transformam sonhos em realidade

Projetos sem fins lucrativos utilizam instrumentos musicais e incentivam mudanças sociais na vida de crianças e adolescentes

Por Lucas França e Valdete Calheiros - Repórteres / Bruno Martins: Revisão | Redação

A perfeição da melodia formada pelas notas musicais harmônicas desperta os mais nobres sentimentos de solidariedade no ser humano. Não é por acaso que até mesmo o mais cético dos indivíduos sabe que são 7 as notas musicais, são 7 as maravilhas do mundo e o número 7 é o símbolo da transformação, a primeira manifestação do homem para conhecer as coisas do Espírito, as coisas de Deus, a Criação. É também ele, o número 7, o símbolo da Perfeição Divina.

Em uma sinfonia perfeita, ao tocar as notas DÓ – RÉ – MI – FÁ – SOL – LÁ – SI, os ouvidos mais cheios de bondade e amor ao próximo podem fazer uma livre associação à palavra so - li - da - ri - e - da - de em sua separação silábica.

E como em uma composição musical perfeita, os instrumentos musicais são as mãos que moldam a vida de centenas de crianças e adolescentes em Alagoas.

Crianças do Projeto Social Nós do Morro, em Paulo Jacinto (Foto: Edilson Omena)

Como é o caso da meninada que extrai da Legião da Boa Vontade (LBV), do Lar São Domingos, ambos em Maceió, e do Projeto Social Nós do Morro, em Paulo Jacinto, além de música para os ouvidos, a arte de transformar destinos.

Quem participa dos projetos musicais desenvolvidos por ações sociais tinham vidas cujas almas, até então, estavam seladas a um silêncio ensurdecedor de desesperança ou, no máximo, de uma vida sem tom. O tom das notas musicais.

Ensinar a crianças e adolescentes que eles podem, através dos instrumentos musicais, conhecer a apresentar o melhor de si em cima de um palco ou mesmo no chão de terra batida é a missão de vida de dezenas de professores de Música. Educadores musicais cujas vidas também são retratadas e homenageadas pelo Tribuna Hoje às vésperas do dia 22 de novembro, Dia do Músico.

Nós do Morro: projeto atende crianças e adolescentes com aulas de música no interior de Alagoas

Imaginar o que se deseja para a vida adulta faz parte do processo de construção da identidade na infância e adolescência. Porém, parar e pensar em como realizar os sonhos acaba se tornando um desafio e com limitações, sobretudo quando você faz parte de uma classe social com condições financeiras e materiais desfavoráveis dentro do sistema. Mas 15 crianças da cidade de Paulo Jacinto, na Zona da Mata alagoana, estão tendo a oportunidade de sonhar.

Elas são integrantes do Projeto Social “Nós do Morro”, que tem o objetivo de formar cidadãos de bem. Com três meses de criação, a ação pensada e idealizada por três primos já tem levado alegria para as crianças atendidas e seus pais.

O projeto surgiu em setembro deste ano. O músico Rafael Barros, 37 anos, estava em um evento com os primos Rodolfo Barros Belarmino, mais conhecido como Rodolpho Pegação, 20 anos - que também é músico (cantor, compositor e instrumentista) - e Valdemir Barros, 23 anos. Nesse evento, Rafael disse: “tive uma ideia. Que tal a gente organizar aulas de música para crianças em situação de vulnerabilidade social, lá no Conjunto Santa Quitéria II?” A proposta foi abraçada na mesma hora pelos companheiros.

Rodolfo, Valdemir e Rafael são os idealizadores do Projeto Nós do Morro (Foto: Edilson Omena)

“Fizemos o convite às crianças do Conjunto Santa Quitéria II, vulgo ‘Morro dos Macacos’ para incentivar e ensinar elas a tocar instrumentos de percussão e se envolver no mundo da música. E claro, informamos que seria tudo gratuito, elas aceitaram na hora. Atualmente participam 15 crianças de cinco a 14 anos. Daí, o nome do projeto – já que o residencial fica no alto da cidade e um pouco afastado do Centro, é chamado de Morro - tivemos a ideia de o projeto ser chamado de ‘Nós do Morro’”, conta Rodolfo.

Para os primos que já são da área musical, o projeto é um sonho que vem ganhando formas.

“Acolher crianças e adolescentes que tenham interesses em aprender instrumentos musicais e o mundo da arte é um sonho que vem se tornando realidade. Mesmo em pouco tempo já estamos descobrindo talentos, não só nos instrumentos como também na voz, no canto. E isso, nos enche de orgulho. Ainda mais quando sabemos que estamos dando um futuro melhor, transformando cidadãos. O legal de tudo é que estamos tirando as crianças das ruas, dos perigos e possibilitando a elas de forma gratuita um aprendizado que elas não teriam por falta de recursos financeiros. Sabemos que se fosse para pagar, os pais não iriam ter como, a realidade deles é diferente”, ressalta Rafael Barros.

Mas para quem pensa que é só chegar e participar se engana. As crianças e adolescentes precisam estar matriculados na escola e com notas boas.

“Como a gente quer formar pessoas de bem e com uma profissão, formar artistas – colocamos como regras isto, pois o intuito é eles estarem no projeto no horário que não estão na escola. Por isso, estamos em contato com os professores e os pais para saber como cada um está indo. Precisa ser um trabalho conjunto, multidisciplinar”, esclarece Valdemir.

AULAS

Atualmente as aulas são realizadas dois dias na semana, às segundas e sextas-feiras, das 9h às 10h30 em um espaço cedido pelo músico Rodolfo no quintal de sua residência. “São estes dois dias, mas estamos querendo colocar para no mínimo três dias por semana - segunda, quarta e sexta - pois nosso intuito é acolher o máximo de crianças e adolescentes possível, mas por falta de apoio não temos condições de expandir por enquanto”, explica.

Além de bateria, crianças e adolescentes aprendem a tocar percussão e contrabaixo (Foto: Edilson Omena)

Os primos pontuam que o “Nós do Morro” é um projeto sem fins lucrativos que não tem apoio nem de políticos e tampouco da iniciativa privada. “O projeto é mantido com recursos próprios. Umas das maiores dificuldades é a alimentação das crianças, que muitas vezes não temos condições de comprar. Como elas passam uma boa parte da manhã nas aulas precisam ter esse alimento. Às vezes pegamos em uma vendinha/mercadinho aqui do lado os lanches que são simples: biscoitos, sucos, refrigerantes e pipocas para pagarmos entre 15 e 30 dias. Temos este apoio do dono, que é pai de uma das crianças, e ele acaba entendendo a nossa dificuldade. E os custos são divididos entre a gente”, conta o trio.

Os organizadores afirmam que mesmo com as dificuldades encontradas no cotidiano, o projeto não vai parar e a ideia é de fato expandir e se tornar referência na cidade e na região.

"Se a gente conseguir expandir para mais crianças, teremos que ter um espaço maior para acolher e possibilitar o conforto que todos merecem. Por isso que agora estamos disponibilizando a chave Pix com o CPF: 713.254.574-42, no nome de Rodolfo Barros Belarmino, para as pessoas que tenham interesse em nos ajudar. Estamos de braços abertos para receber qualquer ajuda para fortalecer o projeto", disse Rodolfo.

Para ensinar as crianças e adolescentes nas aulas de percussão, contrabaixo e bateria, os primos usam o conceito de fato do que é solidariedade social – que, de forma simples, é o laço que une os indivíduos em uma sociedade, sendo cada um responsável pela coesão social. Por exemplo, se uma comunidade fosse um muro de tijolos, a solidariedade social seria o cimento que os une. Se o muro tiver bastante cimento, os tijolos mantêm-se presos uns aos outros, formando uma unidade. Ou seja, um ajuda ao outro – enquanto Rafael e Rodolfo são os instrutores das aulas, Valdemir segue na função de organizador e de conhecer a realidade e necessidade de cada criança de forma individualizada.

Assistidos ressaltam a alegria em participar do projeto

O adolescente José Carlos da Silva Filho, 13 anos, é um dos participantes do projeto e conta que seu desempenho melhorou bastante dentro de sala de aula e até sua timidez tem diminuído.

“As aulas de música vêm ajudando muito a gente. Eu mesmo estou mais animado para ir à escola e estudar porque sei que isto é importante para meu futuro e os instrutores sempre nos incentivam a ir para a escola, dizem que se a gente faltar ou tiver notas ruins, vamos ser afastados do projeto. Então se a gente quiser realizar nossos sonhos temos que focar neles. Meu desempenho desde quando entrei está muito bom”, disse o adolescente, que além de tocar, agora se descobriu cantor.

“Eu também gosto de cantar, no projeto estou conseguindo soltar a voz e perder a timidez, já me vejo cantando em público e nos projetos da escola”, finaliza Carlos.

Gabriel Barbosa de Lima, de apenas sete anos, também sonha com um futuro no mundo da música. Mesmo com pouca idade, ele é categórico em dizer que quando crescer será artista. “Eu quero crescer e me tornar um grande músico. E eu já tenho o apoio do meu pai”, disse.

PARCEIRO

Para o baterista Antônio Falcão de Barros Neto, a iniciativa dos organizadores do “Nós do Morro” é digna de aplausos.

“Sou músico há bastante tempo, sou professor e atualmente dou aula em Maceió, mas já trabalhei também em São Paulo e vejo este projeto como uma ação social digna de aplausos. Levar arte, ensinar uma profissão a crianças e adolescentes que não têm condições de pagar por isto é algo que não é para qualquer pessoa. Tirar tempo do seu dia, usar um espaço de sua casa e seus instrumentos de trabalho para ensinar o que sabe a estes pequenos sem cobrar nada, é de aplaudir de pé. Quando soube do projeto fiz questão de colaborar com o que sei. E de fato daqui podem surgir grandes músicos, essas crianças estão de fato com muito interesse e isso é muito bom, não é uma ação em vão”, parabeniza Falcão.

Baterista Antônio Falcão de Barros Neto destaca iniciativa do 'Nós do Morro' (Foto: Edilson Omena)

A dona de casa Gilvânia Ancelmo da Silva é mãe do Edval e Adrielle, crianças assistidas pelo projeto. Ela conta que a ação de solidariedade mudou o comportamento deles até em sala de aula.

“Quando esse projeto surgiu aqui no Conjunto Santa Quitéria, eu fiquei muito feliz, inclusive fiz questão de meus filhos participarem. E graça ao ‘Nós do Morro’, meus filhos estão muito comportados na escola, inclusive fazem questão de ir para a escola. Por isso, eu agradeço demais aos organizadores desse projeto incrível, que está ajudando muitas crianças. E digo, se qualquer pessoa tiver como doar para a ação continuar crescendo, faça! Pois ajudará muitas crianças e adolescentes, além de suas famílias”, completa Gilvânia.

Quem quiser conhecer e acompanhar um pouco mais do projeto pode seguir o perfil no Instagram @projetonosdomorropj2023.

Com a instituição do Marco Regulatório do Terceiro Setor, em 2014, o termo Organização da Sociedade Civil se tornou a denominação oficial para o que conhecemos popularmente como ONGs.

Panorâmica mostra em primeiro plano a comunidade do Conjunto Santa Quitéria II, conhecido como 'Morro dos Macacos', de onde veio o nome do projeto 'Nós do Morro'; ao fundo a cidade de Paulo Jacinto (Foto: Edilson Omena)


Maceió: cerca de 60 crianças são atendidas em projeto de musicalização

O gestor administrativo social da LBV em Alagoas, Arivaldo Oliveira, contou que 168 crianças e adolescentes – meninos e meninas dos seis aos 15 anos – são assistidos pela entidade, participam e ingressam na LBV.

Do total, cerca de 60 estão sob os olhos atentos e amorosos da Educadora Social da Musicalização Rosangela Farias, que comanda a Oficina de Musicalização.

Uma das crianças participantes da oficina é a pequena Kamilly Marques dos Santos, sete anos. A menina iniciou sua vida musical no coral. Agora está também tocando pandeiro. Não um pandeiro qualquer, um pandeiro cor de rosa, como a própria menina fez questão de frisar. Bastante desinibida, é o xodó da casa. Na LBV é praticamente a mascote da turma. A mãe Wedja Marques Cavalcante, auxiliar de sala, 33 anos, se derrete em orgulho ao falar das aptidões musicais da filha. A irmã de Kamilly Marques, Jamilly Vitória, 11 anos, também passou pela LBV, onde aprendeu a tocar flauta.

Wedja é auxiliar de sala na LBV e mãe de Kamilly, que toca pandeiro (Foto: Edilson Omena)

“Desde a música, ela passou a se dedicar ainda mais aos estudos e a levar a sério os compromissos, como ensaios e apresentações. Nas vésperas das apresentações, seus olhinhos começam a brilhar de forma diferente”, relatou.

A cozinheira Maria da Conceição da Silva, 42 anos, também se orgulha de ter “entregue” seus dois filhos aos projetos musicais da LBV. O primeiro foi Matheus Eduardo da Silva, 10 anos, quatro deles na LBV. Ele participa do coral e toca violão. Em seguida, seu irmão Miguel Elder da Silva, nove anos, que também canta no coral e está criando intimidade com a percussão. Está na LBV há um ano.

“Se depender de mim e dos meus filhos, eles só saem daqui [referindo-se à LBV] quando a idade não permitir mais. Todos dois eram tímidos, inibidos, estão mudados. Graças à música estão mais animados. E em casa não há mais silêncio. Quando não estão ensaiando para o coral, estão tocando os instrumentos”, detalhou a mãe da dupla musical Matheus e Miguel.

A LBV foi fundada na capital brasileira à época, o Rio de Janeiro, no dia 1º de janeiro de 1950 – Dia da Paz e da Confraternização Universal –, pelo radialista, jornalista, escritor e poeta Alziro Zarur (1914-1979). Atualmente tem como presidente o jornalista, escritor, compositor e educador José de Paiva Netto.

A LBV é uma associação civil de direito privado, sem fins econômicos, com atuação preponderante na Assistência Social, que também oferece Educação Básica, além de realizar ações humanitárias, culturais e de comunicação social e educativa.

Atua nas cinco regiões do país, em prol de pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade social, somando ao auxílio material os valores da Espiritualidade Ecumênica.

Em Alagoas, a instituição caminha para 42 anos de serviços prestados a crianças, adolescentes, jovens, idosos e famílias em situação de vulnerabilidade social.

Atua em Maceió por intermédio de serviços e campanhas emergenciais e de mobilização social. Além do serviço “Criança: Futuro no Presente!”, voltado às crianças e adolescentes, a LBV desenvolve o projeto Vida Plena, que atende pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, visando fortalecer a cidadania e incentivar a participação dos idosos em atividades, a fim de que eles tenham uma vida digna e feliz.

A LBV promove campanhas de mobilização social e emergenciais, tais como a “LBV – Educação: Futuro no Presente!”, que entrega material pedagógico a crianças e adolescentes de famílias que não dispõem de recursos financeiros para a compra dos itens escolares; “Diga Sim”, que atua no combate à fome, oferecendo alimentação saudável aos seus usuários e famílias atendidas por ONGs parceiras ao trabalho da LBV. A maior mobilização solidária da Instituição é a campanha “Natal Permanente da LBV – Jesus, o Pão Nosso de cada dia!” que propicia o acesso à alimentação de qualidade por meio do oferecimento de cestas de alimentos a famílias atendidas ao longo do ano pela LBV e por organizações parceiras.

A entidade investe no futuro de milhares de crianças e adolescentes. Para alcançar tal objetivo, trabalha para impulsionar o desenvolvimento dos seus atendidos desde a mais tenra idade, por meio de serviços de convivência e fortalecimento de vínculos.

Todas as atividades promovidas pela instituição são ricas em experiências reflexivas, vivências lúdicas, culturais, artísticas e esportivas e constituem excelentes meios de expressão, de interação, de aprendizagem, de convivência e de proteção social para as meninas e os meninos assistidos. Essas ações ainda propiciam a eles formação cidadã, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Uma das grandes ações é o “Serviço Criança: Futuro no Presente!”, através do qual a entidade busca o direito à proteção social e ao acesso a ações socioeducativas que propiciem seu desenvolvimento integral. Além disso, oferece tranquilidade às famílias para que possam trabalhar, pois sabem que os filhos estão em um local seguro e saudável e longe da violência das ruas.

“Grupo de canto é formado pelo interesse de cada criança e adolescente”

A oficina de musicalização na LBV é uma das atividades empreendidas pela instituição. Segundo a Educadora Social da Musicalização Rosangela Farias, a oficina traz a proposta de despertar nos integrantes do serviço as musicalidades intrínsecas em cada um de nós, ampliando o repertório dos usuários; educando o ouvido ao apresentar músicas que não são ofertadas no seu dia a dia; incentivando o improviso, a criatividade na construção de instrumentos musicais utilizando-se de materiais recicláveis e sucatas; descobrindo as possibilidades sonoras e corporais; enriquecendo a interpretação musical, gerando conhecimento; e, por fim, fomentando valores que sensibilizem o grupo para uma transformação socioambiental.

“O grupo de canto é formado pelo interesse de cada criança e adolescente, que fazem suas escolhas diante das oficinas ofertadas como Arte e Cultura, Música, Esportes, já as Oficinas de Convívio e Cidadania Irrestrita, essas todos os usuários participam para que possam vivenciar o respeito mútuo em todos os campos do saber humano”, detalhou.

168 crianças e adolescentes – meninos e meninas dos seis aos 15 anos – são assistidos pela LBV (Foto: Edilson Omena)

Ainda conforme as explicações da Educadora Social da Musicalização, a musicalidade na LBV visa incentivar a socialização, os laços de amizade, a consideração e o respeito entre os participantes, despertando em cada um o dever da vivência em prol da coletividade, além do despertar da consciência crítica em relação à música popular e à ampliação do universo artístico e cultural.

O gestor administrativo social da LBV, Arivaldo Oliveira, destacou que a LBV e você – leitor – são a esperança de milhares de famílias! “A Solidariedade não pode parar! Ajude acessando o site www.lbv.org.br ou faça uma transferência bancária pelo PIX: [email protected]”.

A LBV está localizada na Avenida Muniz Falcão, número 964, Barro Duro. Mais informações estão disponíveis pelo telefone (82) 3328-4410.

A MÚSICA E AS SENSAÇÕES CEREBRAIS

Para a professora de Música Joseane da Silva Henrique, qualquer pessoa pode aprender a tocar o instrumento que quiser. “Basta ter vontade”. Para a “tia Josi”, como é carinhosamente chamada pelos alunos, a música provoca bem-estar.

“A música tem ondas sonoras que provocam o cérebro, causando muitas sensações. Tem o poder gigantesco de nos tocar. A música é a moldura de um quadro de sentimentos da gente”, explanou, emocionada, a professora com licenciatura em música e pós-graduação em Musicoterapia, com experiência há mais de 30 anos e que, ao longo dessas três décadas, já perdeu a conta de quantos alunos aprenderam das suas mãos as primeiras notas musicais que tocaram suas vidas.

“A música me realiza de todas as formas, tanto profissional quanto pessoalmente. Amo o que faço, é muito gratificante observar a evolução musical dos meus alunos. Sem a música, a vida seria um erro”, finalizou Joseane da Silva Henrique.

Editora MOL

É a maior editora de impacto social no mundo e em 14 anos doou mais de R$ 41 milhões a mais de 100 ONGs por meio da venda de revistas, livros, baralhos e calendários com renda revertida para causas sociais.

Música é tradição centenária no Lar São Domingos

O Lar São Domingos também desenvolve projeto de Musicalização, através de métodos que buscam na formação de novos valores, trabalhando a percepção, concentração e coordenação motora através de aulas teóricas e práticas.

O trabalho é feito com crianças e adolescentes de nove a 17 anos. O maestro Rozenildo Fidelis Machado afirmou que utiliza músicas nas brincadeiras para a aula ficar mais dinâmica. E passa ensinamentos de iniciação musical, com técnicas labiais e exercícios rítmicos.

As crianças e adolescentes aprendem instrumentos de sopro (flauta doce, clarinete, trompete, sax, trombone e bombardino), teclado e percussão (clave, bumbo, caixa, surdo, pandeiro e bateria).

Lar São Domingos (Foto: Divulgação)

“Ao aprender música, as crianças aprendem sentimentos. Música é vida, é religião, é uma forma de expressão humana. A música é uma forma de tocar dentro e fora da vida de cada pessoa”, contou o professor com licenciatura em Música e que atua no ramo há 16 anos, dos quais seis dedicados ao Lar São Domingos. Já passaram pelos seus ensinamentos mais de 1.500 alunos.

A coordenadora pedagógica do Lar São Domingos, Liliane da Silva Araújo, lembrou ainda que as crianças e adolescentes participam da banda e do coral.

A instituição assiste a cerca de 100 crianças no projeto de Musicalização. Todas entre nove e 17 anos. As aulas acontecem duas vezes por semana, o ano inteiro, nos turnos da manhã e da tarde.

“A musicalidade auxilia na construção da identidade, liberação de emoções negativas, busca por inspiração, autoexpressão, sensação de pertencimento a um grupo, entre outros. Contribuindo assim de forma significativa na educação social dos nossos assistidos”, detalhou Liliane da Silva Araújo.

Música, sociologia e desigualdades sociais

De acordo com o sociólogo Allan Carlos da Silva, em sociedades com desigualdade social imensa, os projetos sociais são fundamentais porque possibilitam que os mais pobres consigam encontrar elementos para superação de dificuldades da sua classe social.

“A música, assim como toda forma de arte, trabalha com empatia e sensibilidade. A palavra ‘arte’ vem do antigo grego ‘estética’, que significa ‘percepção’. A arte auxilia na percepção que os mais pobres têm da condição de desigualdade social”, ensinou.

Na avaliação do sociólogo, todos os projetos sociais funcionam melhor a partir de uma melhor distribuição de renda que o Estado precisa fazer. No Brasil, segundo Allan Carlos da Silva, só os pobres e a classe média pagam impostos. “Nada mais justo que o Estado faça uma melhor redistribuição de recursos públicos que possibilitem a ascensão social dos mais pobres”, resumiu.

PEDAGOGA

Para a pedagoga Danúbia Silvestre, os projetos sociais ajudam as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social mudando sua realidade.

“As oficinas ofertadas servem para trabalhar o engajamento desse público tirando eles de sua realidade e levando para outra realidade. E isso faz a gente saber como está o envolvimento desse público com o meio social. Métodos são usados por esses projetos, estudando a área de atuação, a comunidade e a família dos assistidos”, expõe a profissional.

No áudio abaixo ela explica como é atuação das ONGS e demais projetos sociais sem fins lucrativos e enumera sua importância para uma sociedade mais solidária. Ouça:

Silvestre ressalta ainda a formação dessas crianças como cidadãos: “uma vez que eles estão sendo assistidos, começam a evoluir e se sentir integrados à sociedade. Vão buscar evolução pessoal, profissional e assim sucessivamente. A gente sabe que muitas pessoas que estavam em situação de vulnerabilidade conseguiram vencer na vida através dessas ações sociais”, complementa.

No áudio abaixo a pedagoga deixa explícito que ações como estas citadas pela reportagem do portal Tribuna Hoje são transformadoras e devem envolver todos os setores. Ouça:

Para finalizar, Danúbia diz que as ações sociais podem ser feitas em parcerias com escolas ou não. “Na verdade, não precisa ter essa ligação. Isto não é regra. Existem ONGs que fazem o projeto com as escolas e as que fazem fora, na comunidade, por exemplo, mas usam instrumentos pedagógicos para desenvolver a ação. Os projetos podem ser realizados de forma particular, mas precisa se ter a ideia da metodologia usada para atender o público-alvo. A parceria é importante, mas não é uma regra”, explica.

Quando falar de dinheiro é tabu

Para o Instituto MOL, falar de dinheiro na nossa sociedade é tabu e no terceiro setor não seria diferente. O Instituto MOL é o braço social da Editora MOL. Foi criado em 2020 para que empresas e cidadãos doem mais, melhor e com propósito.

Inclusive, uma das principais lutas no setor atualmente é mostrar que falar de forma mais aberta sobre doações em vários círculos sociais é também uma forma de incentivar outras pessoas a doar, quebrando o tabu de que se trata de “ostentação”.

E opções para escolher onde doar não faltam. No Brasil, estão registradas 815 mil Organizações da Sociedade Civil (OSCs), de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

De acordo com o Instituto MOL, é preciso fortalecer a cultura da doação para fortalecer o terceiro setor. A cultura de doação tem a ver com o envolvimento de toda a sociedade em projetos e causas sociais, criando uma consciência coletiva sobre a importância de doar e apoiar causas relevantes.

No início de 2020, por exemplo, houve um salto considerável no volume de doações no Brasil devido às dificuldades impostas pela pandemia da Covid-19. Nos últimos anos, esse número caiu consideravelmente.

Para que se configure de fato uma cultura de doação é preciso que doar e apoiar causas sejam ações que façam parte do cotidiano da maioria da população, independente de emergência e acontecimentos isolados.

O brasileiro precisa entender cada vez mais seu papel enquanto cidadão e compreender a importância da sua doação. O terceiro setor precisa ser enxergado com outros olhos.

ONGs, o que são

Organizações Não Governamentais é um termo inicialmente usado pela Organização das Nações Unidas (ONU) na década de 1940 para designar instituições sem fins lucrativos, criadas com participação popular, sem interferência de nenhum governo.

Atuam com ações filantrópicas, de solidariedade e mobilização popular, apoiando diretamente causas e populações socialmente excluídas e exercendo pressão sobre políticos e governos.

Primeiro setor é o Estado, a administração pública. Segundo setor é representado pelas empresas privadas. Terceiro setor são as associações sociais sem fins lucrativos que conseguem sobreviver por meio de doações e parcerias com o primeiro ou o segundo setor.

(Arte: Jonathan Canuto)

As OSCs são grupos de pessoas que se reúnem em prol de uma causa de forma voluntária e sem objetivo de ter lucro dessas atividades. As OSCs surgiram no século passado. Uma ONG é um exemplo de OSC.

Cada município brasileiro tem pelo menos uma OSC. O terceiro setor precisa ser financiado pela sociedade civil. Cada cidadão pode se responsabilizar pela mudança que quer ver na sociedade. A doação pode ser feita por opção direta em uma OSC ou por doação propriamente dita. Doação é um ato de cidadania.

As organizações do chamado terceiro setor podem atuar em diversas áreas como saúde, educação, políticas públicas, direitos humanos. Trabalham tanto com a prestação de serviços quanto com a conscientização e pressão pública em prol de uma causa.

Com a instituição do Marco Regulatório do Terceiro Setor, em 2014, o termo Organização da Sociedade Civil se tornou a denominação oficial para o que conhecemos popularmente como ONGs. (Citação)

Doar requer envolvimento, crença necessária de que o dinheiro será bem aplicado. 34% dos brasileiros acreditam que as ONGs são ligadas a partidos políticos.

Segundo dados do Ipea, apenas 3,3% das ONGs brasileiras têm parcerias fechadas com o poder público.

Novas formas de receber doações

De acordo com o Instituto MOL, métodos de pagamento instantâneo, como o Pix e até o WhatsApp Pay estão sendo cada vez mais utilizados por ONGs para facilitar doações individuais e de valores menores, aumentando o engajamento e abrindo o leque de possiblidades de doações.

Atualmente, o Brasil ocupa, conforme o Instituto MOL, o 54° lugar no ranking mundial de solidariedade entre um grupo de 114 países.

O brasileiro é solidário. Se mobiliza em emergências, doa quando aparece um pedido e oferece seu tempo a terceiros. Mas quando o assunto é doar dinheiro ou ser solidário em trabalho voluntário, a participação não é tão numerosa.

Ainda segundo o Instituto, o país tem ainda participação de 63% da população na ajuda a estranhos, de 26% na doação de dinheiro, mas somente 15% em voluntariado.

Os brasileiros com renda de até R$ 10 mil ao ano doam proporcionalmente duas vezes mais do que quem recebe R$ 100 mil ao ano.

Possivelmente devido à crise econômica causada pela pandemia, houve uma queda de 32% para 25% na participação das doações de famílias com renda familiar de até dois salários mínimos. Cidadãos com renda entre seis e oito salários mínimos, por outro lado, passaram de 51% para 58% de participação.

É comprovado que quem confia mais, doa mais e com mais regularidade. Falar sobre doação é falar sobre pessoas. Tanto as que doam, quanto as que recebem.

A ação de doar precisa de uma mudança cultural e o trabalho voluntário tem sofrido transformações ao longo das últimas décadas.

Segundo a pesquisa Doação Brasil, feita em 2020 pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, o IDIS, no país, 83% das pessoas acreditam que doar faz a diferença. No entanto, 66% doam. Como explicar o fato de que os brasileiros acreditam na doação, mas não o fazem?

(Arte: Jonathan Canuto)

Apesar de entendermos a importância de doar, não entendemos detalhadamente o papel das OSCs, como elas atuam, quem será beneficiado com a doação e para onde esse trabalho vai.

Quando as pessoas são tocadas pelas histórias, pelas causas e percebem a seriedade das instituições, se sentem mais confortáveis em contribuir financeiramente.

A pesquisa Doação Brasil de 2015 mostrou que 66% dos brasileiros disseram que o principal responsável pelos problemas sociais é o governo. 21% atribuíam a responsabilidade aos indivíduos, 10% a todos, 2% às empresas e apenas 1% às OSCs.

Na mesma pesquisa feita cinco anos depois, a responsabilidade do governo foi apontada por 39% dos entrevistados. A população foi apontada por 36% das pessoas e 34% atribuíram às ONGs o dever de promover mudanças sociais.

Esse resultado mostra o poder que temos enquanto indivíduos de mudar a realidade. O mesmo levantamento mostrou que apenas 11% das pessoas entrevistadas fizeram algum trabalho de voluntariado em 2020.

Não dá para ignorar todas as mudanças sociais provocadas pelo coronavírus, mas em 2015 o número de pessoas que fez trabalho voluntário girou em torno de 34%.

O número de pessoas que fez alguma doação caiu de 77% em 2015 para 66% em 2020. As doações de bens materiais foram reduzidas de 62% em 2015 para 53% em 2020. E as doações em dinheiro caíram de 46% para 37%. O volume de dinheiro doado em 2015 foi de R$ 13,7 bilhões. E em 2020 foi de R$ 10,3 bilhões.

As pesquisas sobre cultura de doação no Brasil são ainda recentes. E não dá para traçar um panorama muito real sobre o tema. Ainda assim, os dados levantados e apresentados pelo Instituto MOL apontam que as famílias com renda de até dois salários mínimos doavam proporcionalmente mais.

Com as instabilidades política, social e econômica agravadas pela pandemia, algumas famílias passaram da condição de doador para beneficiários de doações.

(Arte: Jonathan Canuto)

As causas que os brasileiros mais defendem também mudaram. Em 2015, saúde e criança eram as principais. Falar de doação dá visibilidade à causa.

Em 2020, o combate à fome e à pobreza chegou a ser citado por 43% dos entrevistados.

Indo além dos números de arrecadação, temos que olhar também para a mudança de percepção que os brasileiros têm do terceiro setor. Estamos entendendo mais sobre a importância do ato de doar.

Para doar dinheiro, ocupamos a posição 70º. Em relação ao trabalho voluntário, ocupamos o 68º lugar.

Em 2015, 57% dos brasileiros achavam as ONGs importantes para mudar o cenário brasileiro. Em 2020, esse número subiu para 74%.

Nas pessoas acima de 50 anos encontramos os menores índices de confiança e entendimento do setor.

Muitas pessoas ainda têm um olhar ressabiado para ações assistencialistas que têm o objetivo imediato de resolver a fome naquele momento. A cultura assistencialista mantém essa família sempre em uma situação de necessidade com um vínculo perene com o doador.

Muitas vezes são ações emergenciais. Enquanto as pessoas não tiverem o mínimo para sobreviver com dignidade, dificilmente conseguiriam quebrar o ciclo que caracteriza o assistencialismo.

A pandemia também incentivou o brasileiro a praticar mais doações. 35% doaram bens materiais; 16%, dinheiro; e 7%, tempo.

Entre os 114 países estudados no que diz respeito à solidariedade, o Brasil ocupa o 36º lugar no quesito ajudar um desconhecido.