Contaminação tóxica reduz drasticamente pesca na Lagoa Mundaú

Pesquisa da Ufal aponta ambiente aquático poluído e hostil, contaminado por produtos químicos e metais pesados, com baixa oxigenação, assoreamento e salinidade alterada

Por Lucas França e Luciana Beder - Repórteres / Revisão Bruno Martins | Redação

Conhecida como a “mãe” dos que vivem às suas margens, a Lagoa Mundaú é o meio de sobrevivência de quase sete mil pessoas que dependem da pesca. No entanto, os pescadores do bairro do Vergel do Lago, em Maceió, estão lutando pela sobrevivência e contra o futuro incerto, por causa da escassez de peixes na lagoa. Segundo o pescador Cícero Cardoso, já estão há vários meses sem conseguir pescados. “Antes era bagre, tainha, camorim, todo tipo de peixe. Agora, só estamos conseguindo siri. A gente pega siri e o que dá para vender nós vendemos e o que não dá a gente come. Se a gente parar, não tem como sobreviver”, afirmou.

Há 35 anos vivendo da pesca na Lagoa Mundaú, o pescador Antônio Amaro também reclama da escassez. “Passamos quase cinco horas pescando e só conseguimos uma carapeba. Uns dizem que é por causa da Salgema, mas eu não sei, não posso afirmar nada. Quando a maré enche um pouquinho é que a gente consegue um peixe ou outro. Mas, antigamente, nessa época era bagre, mandi, carapeba, camorim. Agora, está muito fraco”, contou.

Os pescadores afirmam que, frequentemente, peixes mortos têm aparecido na Lagoa Mundaú. Para o pescador Dalton Costa, a Braskem tem parcela de culpa na mortandade dos peixes. “Falta de oxigênio e também a Braskem, que está acabando com a lagoa da gente. Começou a aparecer depois das obras deles, estão afundando ali e pegando um sal rosa também. Depois que essa firma chegou aí, prejudicou total e ninguém resolveu nada, nem colônia, nem federação, nem nada. Ontem mesmo tinha uma porção de tainha, carapeba e outros peixes, todos mortos”, disse.

Segundo o presidente da Colônia de Pescadores Z4, de Bebedouro, Mauro Pedro dos Santos, eles sofrem com dois grandes problemas: o assoreamento e o afundamento do solo. “Nós tínhamos um manguezal muito grande e hoje não temos mais. Isso impactou muito na pesca, tivemos muito prejuízo. A gente pescava 100 kg e hoje só conseguimos 2 kg. Nós temos 40% da lagoa prejudicada por causa do solo que cedeu e a pesca diminuiu naquela área, fomos proibidos de pescar. Se formos para a beira do antigo mangue, os vigilantes proíbem a nossa embarcação lá, fora que está sinalizado que é uma área de risco, muito pescador não vai porque é área de risco. Por um lado, o impacto causado pela empresa Braskem. Por outro, o assoreamento”, contou.

Presidente da Colônia de Pescadores Z4, de Bebedouro, Mauro Pedro dos Santos (Foto: Edilson Omena)

Por meio de nota, a Braskem informou que não faz lançamento de qualquer produto químico na Lagoa Mundaú. “O trabalho realizado pela empresa na região está relacionado com o fechamento dos poços de sal, cuja extração foi encerrada em 2019. Todas as atividades são devidamente licenciadas e fiscalizadas pelos órgãos competentes”, afirmou a mineradora.

Sururu: o que antes era ‘ouro no quintal de casa’ para marisqueiros, atualmente está em falta na lagoa

O sururu que antes proliferava nas partes mais rasas da lagoa, dentro da lama e que vivia em colônias numerosas, também está desaparecendo. O marisco crescia, engordava e sobrevivia de acordo com o teor de salinidade da água, que não deve ser nem muito doce, nem muito salgado. O ideal é entre cinco e 15% e somente as águas da Lagoa Mundaú ofereciam essa condição. Mas, nos últimos anos, a poluição tanto pelo lixo quanto por produtos químicos fez com que a espécie não se reproduzisse.

Antes, o sururu era a espécie de maior volume de produção do estado: quase seis toneladas por ano, segundo os marisqueiros e marisqueiras. Mesmo em um processo de desaparecimento nas águas da lagoa, a espécie é um dos Patrimônios Imateriais de Alagoas, sendo o único patrimônio que vem direto das águas da Mundaú.

Para dona Edna de Lima Melo, que saiu de Coqueiro Seco aos 16 anos, a lagoa era a mina de ouro para quem morava à sua margem. Ela conta que há 40 anos trabalha como marisqueira e foi com o sururu que criou as filhas que hoje seguem seus passos. Mas, apesar do orgulho de ser marisqueira, ela conta que o sumiço do marisco vem prejudicando sua família.

Edna (à direita) e suas duas filhas trabalhando com sururu de capote (Foto: Edilson Omena / Arquivo)

“Daqui a gente não pode sair porque a nossa empresa é a lagoa, não dá para irmos para longe. Comprar para revender. Precisamos de uma ação urgente na lagoa, algum estudo para identificar o porquê desse sumiço. Além disso, também queríamos uma organização, uma estrutura mínima para que a gente fique mais segura e confortável. Se o local fosse organizado e limpo chamaria atenção até dos turistas para vir comprar sem ter receio do local”, comentou Edna.

TÉCNICAS PRIMITIVAS

Na exploração do marisco, nada de tecnologia, nada de modernidade. Desde a pesca à distribuição, tudo se faz com muito primitivismo, como há décadas. O trabalho começa antes do amanhecer - o pescador de sururu dirige-se, de canoa, ao ponto onde habita o molusco. Aproveita a maré baixa (a lagoa é ligada ao mar por um estreito canal) e inicia o ofício de cada dia. Mergulha repetidas vezes e retira da lama, com as próprias mãos, o sururu de capote. É um trabalho que passa de geração a geração.

'Antes era bagre, tainha, camorim, todo tipo de peixe. Agora, só estamos conseguindo siri', disse o pescador Cícero Cardoso

(Foto: Edilson Omena)



Valetas da morte: lixo é despejado diretamente na Lagoa Mundaú

Os moradores do Vergel do Lago, na parte baixa de Maceió, que vivem da pesca e do consumo do sururu que é retirado da Mundaú, local onde também deságua 40% do esgoto da capital, reclamam há décadas da poluição causada pelo lixo e esgotamento sanitário.

De acordo com eles, são 13 valetas que levam o lixo produzido por parte da população maceioense direto para a lagoa. Além da falta de garantias e qualidade de vida, os pescadores e marisqueiros ainda vivem com a atual ameaça da extinção dos pescados.

Lixo na região da Mundaú atrai animais como urubus, porcos e até jumentos (Foto: Edilson Omena)

“Há tempos o peixe deixou de ser abundante por aqui. Muitos de nós migramos para pescar em outros locais mais distantes em busca do pescado para levar o sustento para casa. É dia e noite o lixo sendo despejado na lagoa. São 13 valetas da morte que causam impacto ambiental e prejudicam diretamente os moradores, em especial esses que sobrevivem exclusivamente da pesca. Mesmo quando não vendemos os pescados, sobrevivemos com ele. Para muitos é a refeição diária”, contou o pescador Evanildo Amor Divino, o Baiano.

Baiano diz que os moradores tratam a lagoa como uma empresa. “Da região não dá para sair. A lagoa é nossa empresa mesmo com a extinção de algumas espécies. É ela que nos dá o alimento e o dinheiro para sustento de toda a nossa família, mas infelizmente os seres vivos estão morrendo por conta do poder pública”, denuncia.

A reportagem do portal Tribuna Hoje esteve na terça-feira (31/10) às margens da lagoa conversando com os pescadores e marisqueiras e constatou in loco a mortandade de peixes.

No local não era difícil encontrar peixes mortos e sururus (chamados por ele de piolhos – aqueles minúsculos que não crescem). Mas, mesmo com a poluição, crianças ainda se arriscavam em mergulhar e brincar na lagoa. Havia poucas canoas dentro da água, a maioria atracada em margens próximas aos barracos ainda existentes na localidade.

Cena cada vez mais comum às margens da Lagoa Mundaú: vários peixes mortos (Foto: Edilson Omena)

Um dos pescadores, que não quis se identificar, contou que vive da pesca há mais de 60 anos, desde a região da Levada até Coqueiro Seco, e que nos últimos anos a situação tem ficado insustentável.

“Não tem nada, por enquanto não está nascendo nada. No mês de setembro, por exemplo, era para ter sururu e não tem até agora. A gente compra uma corda de caranguejo por quinze reais, aí não compra só uma, compra duas, que são trinta reais. Se conseguir pegar alguma coisa, bem. Se não, a gente perde os trinta reais e o trabalho. Está acabando mesmo a nossa lagoa e, do jeito que vai, vai acabar”, afirmou.

Qualidade de água foi avaliada em pesquisa de 2022

A pesquisa sobre a situação da qualidade da água foi realizada após uma grande mortandade de peixes, registrada pelos moradores do Flexal, em março de 2022. Assim que a denúncia chegou aos pesquisadores, eles pediram aos moradores da região que fizessem a coleta da água nos pontos onde os peixes apareceram mortos. Na análise, foi constatado um ambiente aquático poluído e hostil, contaminado por produtos químicos e metais pesados, com baixa oxigenação, assoreamento e salinidade alterada. Segundo os pesquisadores, foi encontrada uma quantidade enorme de produtos que ocasionaram a mortandade de peixes na Lagoa Mundaú. Entre eles, manganês, hidróxido de potássio, magnésio, pesticida, inseticida, raticida e nitrato.

Pesquisador atribui mortandade de peixes a contaminação tóxica

De acordo com o pesquisador e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Emerson Soares, os eventos de mortandade de peixes na Lagoa Mundaú estão sempre relacionados com a questão do assoreamento, grande quantidade de matéria orgânica e grande fonte de poluentes. “Ali tem três grandes fontes de poluição oriundas da cidade de Maceió e uma quarta fonte, que é o Rio Mundaú, que traz muitos materiais, compostos, pesticidas, entre outros nutrientes que vêm a se somar nessa grande bolsa que é a Lagoa Mundaú”, explicou.

Soares esteve na região em fevereiro deste ano e se deparou com a mortandade. Para o pesquisador da Ufal, os indícios não caracterizam déficit de oxigênio. “A forma e o comportamento dos peixes na água indicam contaminação por algum produto tóxico, a forma também da mancha, uma espuma branca que se estendia desde o Vergel até próximo a Coqueiro Seco, indicava que era oriundo dessa região, porque os peixes vieram descendo. A maioria dos peixes que morreram foram aqueles que têm pouca capacidade natatória. Essa mancha foi descendo e, onde foi batendo, foi causando problemas de intoxicação, os animais subiam para a superfície para respirar, mas não era só questão de oxigênio, era questão de intoxicação pelo modelo do ambiente, da forma como os peixes se comportam, buscando sair da região contaminada”, afirmou.

Soares ressaltou que isso se soma a outros problemas como acúmulo de esgoto e matéria orgânica. “Seguimos a mancha, nos pontos que monitoramos na lagoa, e veio realmente, possivelmente, do Rio Mundaú. É um produto tóxico pelo comportamento dos animais e vimos também no comportamento das próprias garças, que se alimentam dos peixes que estão ali, elas não consumiam esses peixes, justamente porque eles estavam contaminados e elas também sabem que não podem se alimentar”, contou.

Pesquisador Emerson Soares (Foto: Edilson Omena / Arquivo)

Na época, o Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA/AL) esteve na região para coletar amostras e realizar medições através de sondas. Segundo os técnicos do órgão, a verificação nos locais indicou, entre outros parâmetros, a baixa quantidade de oxigênio e alta temperatura na água. De acordo com o IMA/AL, acredita-se que a situação pode ter sido provocada pelas chuvas que incidiram no estado. A água e os sedimentos revolvidos podem ter provocado proliferação de microalgas que, por sua vez, consomem o oxigênio.

Segundo o IMA/AL, ações de monitoramento, fiscalização, balneabilidade e educação ambiental são desenvolvidas no Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba (CELMM). O projeto Barco Escola, por exemplo, promove ações de educação ambiental e mobiliza estudantes de escolas e universidades da rede pública e privada, associações comunitárias e outros segmentos da sociedade, no sentido de chamar a atenção para a importância da preservação do complexo lagunar.

Por meio da Gerência de Laboratório, o IMA faz a coleta de amostras de água em pontos das duas lagunas para verificar semanalmente a balneabilidade. Além disso, o IMA integra com suas equipes de fiscalização o Fórum Permanente As-Lagoas: em Defesa do CELMM, que tem à frente os ministérios públicos Estadual e Federal, e que tem o objetivo de buscar soluções para a revitalização do CELMM.

Em abril deste ano, um laudo realizado por pesquisadores do Centro de Estudos e Ciências Agrárias (Ceca) da Ufal apontando a contaminação da Lagoa Mundaú foi encaminhado ao Ministério Público Federal em Alagoas (MPF/AL).

O coordenador da análise, professor Emerson Soares, classifica o caso como um “crime contra a saúde pública”. “Esse laudo traz um problema gravíssimo. Isso é grave. Do ponto de vista legal isso é criminoso. Usar um produto, um pesticida, que é proibido pela OMS inclusive. O outro composto, o NPK é de fertilizante e agroquímicos também. Por isso, tem que ser analisado. Quem é que trabalha com isso? Cana, plantação às margens? Não é numa área tão longe, porque o peixe não morreu em toda a área, foi em uma certa área. Além de tudo isso, tem a presença de metais pesados que podem estar em algum produto químico que vem sendo acumulado também”, afirmou.

Emerson esclareceu que as análises identificaram a ocorrência de duas situações distintas: o lançamento de produtos químicos que ocasionam a morte dos peixes e o alto nível de poluição na Lagoa Mundaú, resultado de uma contaminação que vem se acumulando. Ainda segundo o pesquisador, não foi possível determinar a origem desse lançamento ilegal.

Degradação ambiental impossibilita desenvolvimento do turismo e do comércio

Para o gestor ambiental, especialista em educação e meio ambiente, Manoel Fabricio Rodrigues Konig, o descaso das mais diversas gestões do Poder Executivo ao longo do tempo vem gerando a degradação ambiental e respectivamente a segregação social no entorno da Lagoa Mundaú, impossibilitando o desenvolvimento do turismo e do comércio, e reforça a visão de que a região é considerada perigosa, como também não apresenta uma infraestrutura mínima. Portanto os problemas ambientais e sociais não podem ser dissociados.

“Os problemas causados pela poluição atingem de forma direta as famílias que sobrevivem da pesca e todos os moradores da região. Aos pescadores e marisqueiras, o maior prejuízo está na redução da renda, uma vez que, a cada ano, menos espécies de peixes podem ser encontradas, obrigando-os a recorrerem ao sururu como fonte de renda principal. O sururu é um marisco de baixo valor de mercado e que exige uma enorme quantidade de trabalho para chegar ao ponto de ser comercializado e agora vem o desaparecimento da espécie também. Nesse sentido, a poluição tem gerado enormes prejuízos econômicos para a região, contribuindo para a expansão da miséria e, consequentemente, da violência. Indiretamente, os maceioenses e todos os consumidores do sururu e do pescado advindos da Lagoa Mundaú estão sendo afetados”, ressaltou Konig.

Gestor ambiental Fabricio Konig (Foto: Reprodução / Facebook)

O especialista afirma que o Poder Executivo estadual tem o dever, junto ao município, de zelar pelo meio ambiente natural e urbano conforme a legislação ambiental nacional. “Agindo em conjunto, eles devem realizar ações de recuperação e redução do impacto ambiental gerado pelo processo de urbanização. A Lagoa Mundaú e seu entorno precisam ser colocados no mapa da cidade legal, precisam receber investimentos em infraestrutura. Para tanto, é necessário acabar com o tipo de administração pública que privilegia os bairros que abrigam a classe média alta e alta de Maceió, como também o perímetro urbano do turismo. O povo precisa compreender que a segregação socioambiental da Lagoa Mundaú e seu entorno é gerada pela ausência de infraestrutura e da oferta dos serviços públicos mais básicos, que é garantido pela Constituição Federal em seu artigo sexto (Dignidade humana, Moradia, Saúde, Educação)”, pontuou.

Para ele, a redução dos impactos socioambientais perpassa pela necessidade de estabelecer uma regulamentação ambiental mais restritiva ao uso do plástico em Maceió, visto que esse é o principal material poluidor, assim como implementar um programa de coleta seletiva e construir pontos filtrantes de resíduos sólidos para evitar que cheguem à Lagoa Mundaú. Outra ação ainda mais eficaz é a construção das Estações de Tratamento de Esgoto.

“Contudo, o município tem que assumir o papel principal de educador ambiental. A Prefeitura de Maceió precisa utilizar continuamente e a longo prazo as mídias de massa e redes sociais com o objetivo de sensibilizar a população de Maceió de que a Lagoa Mundaú pede socorro e a ação de cada indivíduo de Maceió é indispensável para evitar que a lagoa futuramente se torne uma grande poça de lama, visto que as periferias começam a acelerar a verticalização das moradias, aumentando a densidade demográfica e respectivamente gerando mais resíduos líquidos e sólidos”.

VULNERABILIDADE

Konig diz ainda que o problema social da moradia das famílias em situação de vulnerabilidade que se encontram instaladas em barracos de madeira e lona no entorno da Lagoa Mundaú deve ser resolvido a partir da compreensão de que uma Comunidade Tradicional da Pesca não pode ser removida do seu local de moradia, onde a maioria dos pescadores e marisqueiras realizam o trabalho que aprenderam desde que eram crianças e que a necessidade de contribuir com a renda familiar impossibilitou o acesso ao processo educativo formal, fato que inviabiliza qualquer transformação no modo de vida e costumes por eles adquiridos ao longo da vida.

Gestor destaca que situação de vulnerabilidade das famílias que vivem às margens da Mundaú deve ser resolvida compreendendo que eles não podem ser removidos de seu local de moradia tradicional (Foto: Edilson Omena)

“Portanto, qualquer que seja o projeto, ele deve manter os pescadores e marisqueiras em seu local tradicional de vida, como proporcionar melhores condições para a criação de renda voltadas para a pesca. Essas são as diretrizes iniciais que precisam ser realizadas para entrarmos num processo de transformação social e ambiental, revertendo esse status quo que atormenta a sociedade maceioense. A partir desse esboço de ideias, é necessário realizar um trabalho sério com equipes multidisciplinares que possa contemplar da melhor forma e dimensionar corretamente as demandas exigidas para a resolução de tal problemática”, finalizou Konig.

Alagoas propõe criação de comitê para salvar lagoas

No mês de outubro, foi proposta em audiência pública em defesa do CELMM a criação de um Comitê Federal de Bacias para combater a degradação das lagunas Mundaú e Manguaba em Alagoas. O encontro aconteceu na sede do MPF e teve como tema “O assoreamento do CELMM e seus impactos na pesca” para preservação do complexo, que está entre as regiões com maior desenvolvimento produtivo e constitui uma importante fonte de sobrevivência para as populações que vivem em suas margens.

“É um complexo estuarino que vem sendo degradado ao longo dos anos por múltiplas causas. Com bastante ênfase à contribuição das bacias hidrográficas do Rio Mundaú e do Rio Paraíba do Meio para a degradação. Então, um dos nossos focos de atuação tem sido conseguir, junto à ANA [Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico], a criação de um Comitê Federal de Bacias para poder combater esse problema na fonte. A partir dos subsídios que foram trazidos nessa audiência, o MPF vai coordenar, junto com o fórum permanente, a intensificação dessa interlocução com a ANA. Já foi enviada uma moção pela criação desse comitê, mas ainda não foi acatada, e a partir desse novo aporte a gente vai poder insistir no atendimento desse pleito que é muito antigo”, afirmou a procuradora da República Juliana Câmara.

Procuradora da República Juliana Câmara (Foto: Edilson Omena)

Pesquisadores da Ufal apresentaram durante o encontro o histórico do problema do assoreamento e possíveis soluções. Entre elas estão: dragagem no CELMM, para retornar às condições originais de batimetria e aumentar a renovação das águas nas lagunas; combater o problema na fonte, para reduzir as perdas de solo nas bacias hidrográficas; propor um conjunto de regras e ações para mitigar os problemas, como critérios estaduais através de legislação e fiscalização; implantar um programa de monitoramento para fornecer um diagnóstico mais preciso do problema; e implementar o instrumento de pagamento de serviços ambientais.

“Uma das soluções viáveis, além da dragagem, é combater o problema na fonte, que é reduzindo o aporte de sedimentos que vêm das bacias hidrográficas. A dragagem também vai favorecer porque ela vai retornar as condições originais do CELMM e vai aumentar a circulação, mas a gente precisa também ter a consciência de que precisa eliminar esse aporte de sedimentos que está chegando nas bacias através do processo de erosão do solo, com reflorestamento, recuperação de mata ciliar e obras de terraceamento que também são importantes para a gente combater esse processo de erosão nas bacias”, afirmou o professor e pesquisador Ruberto Fragoso.

De acordo com Fragoso, já existe um plano de ações no CELMM publicado desde 2006. “Esse plano orienta as instituições a investirem recursos necessários para reduzir a questão desse problema da erosão do solo, inclusive com valores. Então, é importante que o governo invista nessas ações para combater a erosão do solo nas bacias hidrográficas, que siga o que o plano de ações recomenda para combater de forma efetiva esse problema. A participação pública é fundamental para reverter esse grande problema de assoreamento para que as nossas lagunas se recuperem, tenham sua estabilidade ambiental e econômica para a população de Alagoas”, destacou.

Professor Ruberto Fragoso em audiência pública na sede do MPF/AL sobre o assoreamento do CELMM (Foto: Edilson Omena)

O professor Ruberto Fragoso destacou ainda que, nos últimos 25 anos, a profundidade das lagunas reduziu 25 centímetros. “É preocupante a questão do assoreamento porque, como a gente mostrou, a profundidade reduz 1 centímetro a cada ano, em média. Então, em 50 anos, por exemplo, a profundidade será reduzida em 50 centímetros. Isso faz com que o sistema fique completamente raso e perca sua capacidade de ter os serviços ambientais adequados para gerar os recursos naturais que hoje estão gerando. Então, é importante observar essas questões e tratar desses problemas o mais rápido possível”, disse.

Mais de 600 toneladas de lixo recolhidas da Lagoa Mundaú em menos de um ano

Três catamarãs têm realizado a limpeza da Lagoa Mundaú desde o mês de dezembro de 2022. Os equipamentos, denominados Ecoboats, recolhem o lixo descartado de forma irregular no mangue e os objetos que ficam boiando no ecossistema lagunar. Em 11 meses de funcionamento, os barcos retiraram mais de 600 toneladas de materiais do local.

Entre os itens mais recolhidos estão móveis inservíveis e pneus que são descartados de forma irregular na lagoa. Os equipamentos, que carregam três agentes de limpeza da Autarquia Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Limpeza Urbana (Alurb) cada, utilizam uma espécie de braço hidráulico, junto a uma rede, que capta e despeja o material dentro de sua estrutura para que seja retirado da água.

Ecoboats retiram toneladas de lixo da Lagoa Mundaú (Foto: Secom Maceió)

Além da limpeza realizada no dia a dia na beira da lagoa, a Prefeitura de Maceió já realizou duas atividades do Projeto Lagoa Limpa, em conjunto com outras secretarias municipais, voluntários, cooperativas e ribeirinhos, nas quais recolheu mais de 400 toneladas de lixo que estavam boiando ou presos no mangue da região.

Segundo o diretor-presidente da Alurb, Moacir Teófilo, a gestão tem cuidado bastante do bairro do Vergel do Lago e da Lagoa Mundaú. “Mas, infelizmente, ainda esbarramos muito na falta de consciência ambiental e, por consequência, o descarte irregular, que acaba indo parar na lagoa”, lamentou.