Exclusivo: em Alagoas, Tribuna traz relatos de pessoas que viveram Experiência de Quase Morte

Conceitualmente, o que a maioria dos estudiosos define como EQM é quando a pessoa se vê viva após ser considerada clinicamente morta

Por Wellington Santos / Revisão: Bruno Martins | Redação

Marco dos Corais, orla de Ponta Verde, Maceió. Em um dos points mais privilegiados e cobiçados da capital alagoana, o rotineiro vaivém da parafernália de turistas e nativos em busca do melhor ângulo para a selfie no píer encravado à beira-mar. São por volta de 18 horas. A nutricionista Cássia Melo acomoda-se no aprazível local que ela mesma escolhera para o depoimento à Tribuna, senta-se no banco e, de forma serena, inicia o relato sobre uma experiência de 35 anos atrás. Foi uma cirurgia de abdômen e ela teve uma Experiência de Quase Morte (EQM).

Cássia conta que era para ser uma cirurgia simples. “Me disseram que não era arriscada e fui tranquila para fazer o procedimento”.

“A cirurgia começou tranquila e, de repente, senti um mal-estar. Lembro que começou a ter muito barulho de vozes na sala, máquinas, e aí senti como se tivesse levitando e comecei a me afastar daquele barulho, daquele ambiente. Fui para um local desconhecido e era como se estivesse num vácuo. Estava no meio da cirurgia. Me vi, só não lembro de ter visto os profissionais”, relata.

“Vi meu corpo, me vi deitada, levitando e me afastando. Fui para um local desconhecido. Era um túnel e passei por ele e vi um clarão no fundo. Vi uma luz. E eu indo, mas não fui andando, fui flutuando e uma sensação de paz, muito forte. Mas minha voz interna ordenou: não, não é hora de você ir! Não é para continuar indo para este local. Era claro. E começou a abrir feito um horizonte. A sensação era estranha, uma coisa nova, mas não era apavorante. Era de paz! Mas disse para mim mesma que é para voltar e vi meu corpo voltando”.

Era uma cirurgia simples, mas algo deu errado... Então Cássia relatou ter visto um clarão (Foto: Adailson Calheiros)

“Lembro-me de que acordei chorando na sala de cirurgia e a médica me disse: ‘tá tudo bem agora!’ Mas senti que a médica estava um pouco nervosa. Mesmo assim ela confessou que ‘tive um probleminha, uma intercorrência na cirurgia’. Mas ficou subentendido como se eu tivesse tido uma parada respiratória. E a médica me disse, depois, que tive uma complicação na cirurgia”.

Depois desse fato, Cássia conta que nunca mais foi a mesma pessoa. “Enxerguei a vida de forma diferente, mais humana, e senti-me mais em harmonia com a natureza. Um mundo mais humanizado e de que existe vida além da nossa vida física”, destacou, ao acrescentar que sempre foi católica, mas estava afastada da vida espiritual. “Depois passei a ler sobre coisas de vida após a morte”, completa.

Em função das sequelas da cirurgia, Cássia não pôde ter filhos. Ela tinha, à época, 25 anos. “Soube disso depois de uns dez anos da cirurgia”, revela a nutricionista.

Sobre a EQM, diz que muito tempo depois resolveu fazer um mapa astral com uma astróloga. No mapa, a profissional relatou que Cássia havia feito uma “passagem”. Ou seja, “saiu” da vida para outro espaço. “Eu não lembrava disso, fiquei até confusa, mas depois fiz essa relação com a experiência de quase morte na minha cirurgia e aí entendi o porquê ela disse que fiz uma passagem”.

AFINAL, O QUE É UMA EXPERIÊNCIA DE QUASE MORTE, A EQM?

Imagine a cena descrita como a de Cássia Melo, nossa primeira personagem para esta reportagem que a Tribuna traz à baila: o paciente está em parada cardíaca sendo atendido com urgência pelos médicos e se vê fora do corpo, num ambiente de paz, até voltar a si e à vida. Eis um grosso resumo do que pode ser uma experiência de quase morte (EQM), um dos maiores mistérios a desafiar a ciência.

TÚNEL EM OUTRA DIMENSÃO - A sensação é de se ver fora do corpo, enxergando tudo o que acontece à sua volta; movimento em um túnel: a pessoa sente que atravessa um túnel sem começo (Imagem: Ilustração)

Conceitualmente, o que a maioria dos estudiosos define como EQM é quando a pessoa se ver viva após ser considerada clinicamente morta. Dessa forma, ela ocorre durante o tempo em que o coração para de bombear sangue e o cérebro se “desliga”. Esse tempo é breve e, após 10 minutos sem receber sangue, as células do cérebro morrem e a pessoa é tida como morta.

Durante esse período, nada impede que a pessoa tenha experiências em que ainda se veja viva. Acima de tudo, é uma consciência transcendental, que vai além do que a ciência consegue explicar. Aliás, esse é um tema bastante controverso no meio científico, como algumas explicações mais à frente mostram.

Semelhanças entre os relatos


Pesquisadores afirmam que existe um padrão nas vivências das pessoas que viveram uma experiência de quase morte. Pacientes que tiveram essa consciência transcendental relatam alguns acontecimentos em comum, tais como projeção do corpo: sensação de se ver fora do corpo, enxergando tudo o que acontece à sua volta; movimento em um túnel: a pessoa sente que atravessa um túnel sem começo ou fim, que a leva a outra dimensão.

ALGUNS CONCEITOS - Estudiosos definem Experiência de Quase Morte (EQM) quando a pessoa se vê viva após ser considerada clinicamente morta (Imagem: Ilustração)


Outro aspecto é a visão de luz: sensação de ser atraído por uma luz branca, dourada ou refletida ou sensação de paz e serenidade: a pessoa se sente em paz, sem medo da morte. Outro aspecto comum nos relatos é o encontro com pessoas falecidas: sejam elas conhecidas ou não, além de entidades e seres de luz.

Em resumo, os fatos relatados por pessoas que estiveram em condições próximas da morte, mas que conseguiram resistir e continuar a viver, são a visão de um túnel de luz cujo fim está cada vez mais próximo, seguido por variadas sensações, tais como paz interior, leveza do corpo como se estivesse flutuando, percepção da presença de pessoas ao redor, aceleração ou desaceleração do tempo, entre outras.

A LUZ, PAZ E SERENIDADE - Sensação é de ser atraído por uma luz branca, dourada ou refletida ou sensação de paz e serenidade (Imagem: Ilustração)


Embora o fenômeno da experiência de quase morte seja conhecido pela humanidade há muito tempo, somente na década de 1970 começa a ganhar respaldo científico sério por meio das publicações de Elizabeth Kubler-Ross e de Raymond Moody, autores dos livros “Vida depois da morte” e “Experiências de quase morte”, referências pontuais do tema.

'Vi meu corpo, me vi deitada e depois me vi levitando, me afastando. Fui para um local desconhecido. Era um túnel e passei por ele e vi um clarão, no fundo. Era uma luz. E eu indo, mas não fui andando, fui flutuando e uma sensação de paz, muito forte!'

Cássia revela que muito tempo depois da sua EQM, resolveu fazer um mapa astral com uma astróloga; a profissional então relatou que Cássia havia feito uma “passagem” Ou seja, “saiu” da vida para outro espaço (Foto: Adailson Calheiros)


2 OU 3 “LONGOS” MINUTOS, MAS ELA SE VIU SEPULTADA...

Tarde chuvosa no município de União dos Palmares, terra de Zumbi, berço dos Quilombos, distante 78 km da capital, Maceió. Por lá, a Tribuna foi ao encontro da doméstica Valdelice dos Santos, 62 anos, que durante todo o tempo da entrevista se fez acompanhada do esposo, José Gomes Bezerra, 65.

A residência é humilde e o casal também. Val e Bezerra são bons de prosa. Eles vivem juntos há 26 anos. Quando a prosa envereda para o assunto foco desta reportagem, a Tribuna ouviu relatos que, dependendo de uma visão mais simplista, da medicina ou da ciência, podem ser enquadrados numa Experiência de Quase Morte.

“Val”, como Valdelice é chamada pelo esposo, conta uma experiência que a faz se emocionar - e chorar - tendo como testemunhas a reportagem da Tribuna e um convidado, Elias Ricardo de Souza, um terapeuta holístico com prática em ressonância vibracional que integra um coletivo na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) com cerca de 20 terapeutas. Entre os colaboradores nesse coletivo estão ainda professores que trabalham com algumas práticas corporais que têm evidenciado os benefícios em unir os tratamentos da medicina convencional com as terapias integrativas complementares que têm como principal objetivo trabalhar o estado do ser.

Sob a atenção do terapeuta holístico Elias de Souza Ricardo, da Universidade Federal de Alagoas, o esposo de Dona Val, José Gomes Bezerra, reafirma o episódio em que a mulher teve uma crise de asma e se viu “morta” numa EQM (Foto: Adailson Calheiros)

O trabalho de Elias ocorre também com pacientes em estado sonambúlico e magnético e surgiu a partir de um coletivo de terapeutas holísticos que, em processo de formação junto com a Faculdade de Medicina da Ufal (Famed) e o Movimento Popular de Saúde, trabalha com a população para desenvolver práticas como o reiki e a massoterapia, por exemplo.

E Val começa a relatar que desde jovem sofre com asma e nas crises conta que chega a ficar roxa. “Nunca mais tive, graças a Deus”, diz, em tom de alívio.
Mas, na faixa dos 40 anos, Val lembra que tinha uma crise em cima de outra e uma delas ocorreu quando ainda morava em São Paulo. “Eu vivia mais na Santa Casa do que na minha residência por causa das crises”, lembra a doméstica, na época em que morava com o esposo no bairro de Santo Amaro, na capital paulista.

Mas certo dia, há 17 anos, em uma dessas crises, Val sentiu-se muito mal. “Eram mais ou menos 4 da manhã, e estava cansando demais, a noite passei cansada, até que, a certa altura da madrugada, pedi socorro”. Ela lembra que usava um inalador, mas desta vez o equipamento não funcionou de jeito algum. O marido, vendo o estado delicado da mulher, saiu para a rua em busca de socorro.

“Uma vizinha minha, que considero uma irmã, estava dormindo, acho que já eram umas 4 e meia da madrugada e, de repente, chegou na minha casa acompanhada da filha e disse que havia sonhado com a minha agonia e não foi o meu esposo que a chamou, porque ele havia ido para a rua no sentido de chamar algum carro e me levar a um hospital”, recorda-se.

“Minha vizinha disse que me encontrou no chão e eu já aparentava estar morta, pois estava toda gelada e lembrou do sonho que havia tido comigo”.

Neste instante, Val interrompe a entrevista (silêncio no recinto, baixa a cabeça lentamente e começa a chorar).

“Me perdoem!”.

“Mas é uma cena que me emociono”...

Refeita da emoção, Val dá conta de uma relíquia que guarda em sua casa e que a protege: a imagem de Nossa Senhora Aparecida. E se agarra a ela.

Valdelice dos Santos, “Dona Val”, no instante em que se agarrou à imagem de sua protetora, Nossa Senhora Aparecida, após contar um caso de Experiência de Quase Morte (Foto: Adailson Calheiros)

E continua a descrição à Tribuna: “Eita filha, a Val está morta!”, recorda Val, ao se referir às palavras da vizinha à filha naquela madrugada. “Ela sentiu que algo muito grave havia ocorrido ali e começou a gritar!! Val tá morrendo, Val tá morrendo!”.

LÁGRIMA DA AMIGA E O EPISÓDIO INESQUECÍVEL

E relata o principal episódio naquela madrugada inesquecível para sua vida. “Eu já não estava mais aguentando falar, já tinha perdido as forças. Aí ali no chão mesmo, lembro-me de que senti a lágrima da minha amiga escorrer no meu rosto e, como se fosse um eco ao longe, ouvi seus gritos”...

“Foi quando vi meu corpo descendo num buraco e eu descendo junto já em um caixão e algumas pessoas que eu conhecia jogarem terra em mim. Juro por meus netos!”, afirma Val, ao fazer novamente silêncio e baixar a cabeça diante da reportagem da Tribuna e do terapeuta Elias Ricardo.

“Aquela sensação era como se minha mente estivesse acordada, senti meu corpo descendo no buraco e o pessoal jogando terra em mim, eu sendo sepultada”. Val diz que o episódio lhe deu a impressão de ter ocorrido entre um intervalo de dois ou três minutos.

“É uma imagem muito clara na minha mente. E vi quando a vizinha disse que a Val morreu!”.

Exato momento em que 'dona Val' muda o semblante e se emociona ao relembrar o episódio de uma experiência de quase morte (Foto: Adailson Calheiros)


O esposo Bezerra conta que a vizinha não teve dúvida: “Sem pulso e sem nada, nossa vizinha tinha a certeza de que a Val estava realmente morta, não era dúvida”, completa o esposo.

Foi aí que Bezerra, ao voltar da rua, usou a técnica da respiração boca a boca e viu a mulher, finalmente, ressuscitar. “O coração dela não batia, estava realmente gelada”, diz o marido, que afirma ter trabalhado como motorista de ambulâncias e aprendeu a técnica de “ressuscitação”, durante a profissão. “Foi um susto muito grande porque a sensação realmente era de que estava morta”, completa Bezerra.

Naquela agonia toda daquela inesquecível madrugada para Val, ela foi levada ao hospital e todo procedimento foi feito até ela melhorar.

Numa segunda experiência, essa mais leve, após um show em clube, ela passou mal novamente. Nesta outra, ela afirma que viu o pessoal do socorro e toda a movimentação da equipe médica tentando ressuscitá-la. “Vi um lugar de flores com pessoas diferentes. Meu Deus, estou morrendo! E lá nesse lugar de flores, eu pedi para voltar para meu corpo e vi o pessoal da equipe me medicando e socorrendo”.

“O Universo é vibração e frequência”, diz terapeuta

Ao ouvir atentamente a todo o relato de Val, o terapeuta holístico Elias Ricardo responde à indagação da Tribuna sobre que tipo de experiência passou “dona Val”. Ele inicia sua fala citando uma máxima do físico Nikola Tesla (1856-1943), considerado um grande gênio da ciência, que asseverava que “no dia em que a ciência começar a estudar fenômenos não físicos, ela fará mais progressos numa década do que em todos os séculos anteriores de sua existência”. “Se você quiser descobrir os segredos do Universo, pense em termos de energia, frequência e vibração”, destaca Elias, ao explicar que “o dom do poder mental vem de Deus, o ser divino e se concentrarmos nossas mentes na verdade, ficamos em sintonia com este grande poder”. “O Universo é composto de energia, vibração e frequência. Nós somos este ser divino que estamos habitando, fazendo esta experiência aqui na Terra. Na EQM [Experiência de Quase Morte] há uma projeção de você mesmo a ver seu corpo. Este é momento que você não é só matéria. É como um cordão da centelha divina que o liga à matéria”. E completa o terapeuta: “este caso dela [da dona Val] é uma EQM”, afirma o estudioso, ao completar: “vibramos numa terceira densidade aqui na Terra”.

“DEPOIS DA EQM, NÃO SOU MAIS A MESMA”, DIZ MÉDICA

Roseane Mendonça é um exemplo clássico de coragem. É médica pediatra aposentada e no currículo também Especialização em Medicina Esportiva e ainda está passando por uma experiência única na sua vida. Lá com seus botões, deve ter questionado Deus, algumas vezes, no silêncio das noites mais escuras (e duras) de quem passa pela prova da dor. E por que logo ela, que dedicou grande parte da vida a trabalhar com medicina esportiva, com saúde plena? Sim, Roseane foi acometida de uma doença muito grave e que lhe afetou parte do rosto causada por um câncer agressivo.

Corajosa, assevera à reportagem: “é muito importante tratar de um tema como esse pela complexidade. Quando recebi o diagnóstico do câncer, senti que isso era muito grave. No meu caso, uma doença nos vasos que me custou seis meses de sangramento”. Mas, forte, Roseane vaticinou para a família: “vamos investigar!”.

O resultado foi um câncer de nariz que lhe afetou o rosto mutilando-a bastante. “Era um buraco que até os vizinhos evitavam em me ver”, conta Roseane. “Como médica, sempre proporcionei vida, ainda mais tendo dedicado boa parte da minha à profissão de medicina esportiva”, lembra.

"Depois de encarar aquela Experiência de Quase Morte e adquirir a minha paz interna, o sentimento que tenho é um só: gratidão!”, destacou Roseane Mendonça (Foto: Adailson Calheiros)


Chamado no meio médico de “linha média”, em 2017 a médica descobriu um tumor agressivo e invariavelmente fatal, que envolve as estruturas da tal “linha média”. Surge principalmente na região da cabeça e pescoço, e no mediastino, que pode ser causado por uma vasculite, que é uma inflamação da parede dos vasos sanguíneos de órgãos como rins, articulações, sistema nervoso central e vias respiratórias – seu caso.

Sem uma solução para conter os sangramentos, em 2018, a médica de tradição católica teve que se submeter a uma cirurgia depois e se preparar para encarar uma das maiores provas de sua vida. A biópsia inicialmente deu uma forma de câncer de pele. Abatida, depois foi a São Paulo e a probabilidade na cirurgia, segundo os médicos, era de perder grande área do nariz. E a mutilação nestes casos ela sabia que não iria ser pequena.

Era o dia 9 de setembro de 2018 e Roseane deu entrada pela manhã para o início do procedimento no hospital da Beneficência Portuguesa. No centro cirúrgico sedada, o procedimento se tornou complexo e ela ficou em torno de 20 horas no local. “Já saí com algumas complicações. Mas entre as alternativas, a equipe médica optou pelo enxerto de pele tirado do braço para o nariz e vieram complicações com a temida rejeição, isso sem contar as dores e o desconforto que senti”, relata. Debilitada e a agressão da cirurgia com reconstruções de pele e até de osso, veio a experiência depois de mais de 20 horas no centro cirúrgico.

O IMPACTO, OS PORTAIS, OS FILHOS E A VOLTA...

Quando o anestesista disse que Roseane iria ser entubada acordada, ela sentiu um impacto no peito. “Eu temi, gelei, porque o normal era ser entubada sedada. Eu tinha uma lesão (abertura) no rosto grande e temi por causa da ventilação no meu rosto”, diz a médica.

“E aí, quando fechei os olhos, tive uma experiência muito bonita, bonita mesmo. Vi uma luz intensa. Fechei os olhos e me entreguei completamente e disse para mim mesma: ‘meu Deus, eu quero viver!’”.

Pois bem, veio a experiência de EQM da médica Roseane: “fechei os olhos e me apareceram os portais. Eu vi vários seres ali naqueles portais. Vi aquilo ali e a sensação era muito boa, porque eu estava com dor e medo naquela sala de cirurgia. Mas, para minha surpresa, entrei num túnel e tudo estava tão bom naquilo ali, com leveza”, conta à Tribuna, ao se emocionar.

"Eu vi a imagem de meus filhos e, apesar de ser um momento muito bonito, de muita paz e luz, preferi voltar”, ressaltou a médica (Foto: Adailson Calheiros)


“Mas eu queria voltar!”... E explica: “ah, eu vi as imagens dos meus dois filhos, Renato e Renata, e quis voltar, embora eu estivesse indo em um túnel sem fim e de luz!”.

“Olha, foi uma presença do divino muito forte que me fez enfrentar a cirurgia e renascer”, conta Roseane. Atualmente a médica se diz feliz depois de suportar todos os desconfortos possíveis naquela cirurgia. Atualmente, Roseane ainda faz tratamento, mas perto do que enfrentou, só tem gratidão: “quem passa por EQM não é mais a mesma pessoa e eu consegui uma paz interna e ninguém interfere na minha paz”, ao acrescentar: “nós não fomos educados para encarar a morte com simplicidade, algo natural à vida, mas nossa cultura foi sempre a de ter medo”.

“Eu vi ali que morrer é fácil e que viver é que é o difícil, mas aquele fenômeno me deu muita força”.

“Depois daquela Experiência de Quase Morte e a nova oportunidade de voltar à Terra para encarar o que tinha de ser encarado, o sentimento é um só: gratidão!”, finaliza Roseane.

E AS RELIGIÕES, O QUE DIZEM SOBRE EQM?

Do ponto de vida espiritual ou da religião, a Experiência de Quase Morte tem sido estudada e pesquisada exaustivamente no meio científico.

Em função disso, a Tribuna também procurou ouvir o segmento religioso, pelo menos alguns deles, para saber a visão sobre o tema EQM.

A vida após a morte, reencarnação e a comunicabilidade entre os espíritos encarnados e desencarnados (mortos) é uma realidade incontestável para a Doutrina Espírita, que também é religião, e somente no Brasil tem cerca de quase 4 milhões de adeptos, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística realizado em 2010.

É o que atesta o médico cardiologista e também religioso Ricardo Santos, presidente da Associação Médico-Espírita de Alagoas (AME).

Ele afirma que a Doutrina Espírita se debruça na ciência, ou seja, é também científica (com pesquisa e conclusão sobre aspectos da paranormalidade humana), além da base religiosa e moral. Ricardo diz que o Espiritismo traz conclusões que têm sido comprovadas, por incrível que possam parecer, pelo próprio campo materialista, que a nega.

Segundo Ricardo, ao longo da história da humanidade, a ciência nunca se interessou muito ou recusou qualquer tipo de análise que envolva o elemento espiritual. “A ciência sempre se preocupou em estudar a matéria. No espiritual, a ciência sempre preferiu dizer que este assunto pertence ao âmbito das religiões”, afirma o médico e espírita.

"Publicações de credibilidade científica no planeta têm estudado e provado os fenômenos de EQM”, afirma Ricardo Santos, médico e espírita (Foto: Divulgação)


Ricardo cita que, segundo pesquisas, a EQM ocorre em 20% daqueles que sofrem parada cardíaca, parada circulatória e parada cerebral, são dadas como ‘mortas’, e são ressuscitadas pelas técnicas cardiopulmonares que acontecem principalmente nos prontos-socorros e nas UTIs quando as pessoas recobram a consciência depois de reanimadas.

“Elas sofrem as paradas e o que elas relatam é algo interessante. Elas se veem fora do corpo, têm uma visão como se fosse um túnel e uma luz e veem pessoas já mortas e seres de luz, recapitulação da própria vida e os médicos reanimando aquele corpo (o próprio corpo)”, afirma.

“E nessas visões se sentem muito bem e felizes. A maioria não deseja voltar, mas é aconselhada a voltar ao corpo. A maioria perde o medo da morte e muitos que eram ateus começam a professar alguma religião depois da experiência”, relata o médico espírita.

Ricardo cita, por exemplo, uma das publicações científicas mais respeitadas do mundo para assegurar a seriedade desses estudos de EQM. “O periódico ‘The Lancet’ é considerado uma referência em diagnósticos e pareceres da área médica em todo mundo. Sua credibilidade e isenção garantem uma ampla divulgação de conhecimentos aprofundados em disciplinas-chave da medicina, assinados por médicos conceituados internacionalmente”, diz Ricardo.

Ele cita, por exemplo, o caso de um médico ateu, o neurocirurgião Eben Alexander III, que era um cético com 25 anos de profissão, tendo trabalhado no Brigham & Women’s Hospital e na Escola de Medicina de Harvard, entre outros. “Há quatro anos, após contrair uma meningite bacteriana, ele viveu uma experiência de quase morte (EQM) durante sete dias de coma e escreveu o livro ‘Uma prova do Céu”, contando a história que mudou sua vida”, relembra Ricardo Santos.

No livro ele conta que a consciência não depende do cérebro porque seu neocórtex estava destruído pela meningite bacteriana e, mesmo assim, viveu uma experiência intensa durante o coma.

A Tribuna também conversou com um adepto do segmento evangélico. O pastor Wellington Santos, da Igreja Batista, afirmou, em tom de humildade, que “sobre a temática específica, reconheço minha limitação, mas do ponto de vista da fé e da religião, cito uma carta do apóstolo Paulo, que teria ido em momento de êxtase, ao terceiro céu e o que ele (Paulo) viu foi indescritível”. E pontua: “algumas experiências são difíceis de serem descritas em palavras”, arremata o pastor.

A segunda consideração que Wellington Santos faz é que a ciência não tem que provar que algo exista ou não exista do ponto de vista da subjetividade da fé. E a fé não tem que provar nada à ciência se algo existe ou não existe do ponto de vista da subjetividade.

"O importante é que a fé tem aberto o diálogo com a ciência e vice-versa”, pontua Wellington Santos, pastor da Igreja Batista (Foto: Divulgação)


E arremata: “o importante é que a fé abre o diálogo com a razão e a ciência. Quem sabe tudo não precisa crer em nada. E quem crê não precisa saber tudo”, finaliza Wellington Santos, que durante o processo da pandemia em Alagoas foi uma das vozes mais atuantes em defesa da ciência, quando uma grande parte do segmento evangélico em Alagoas e no Brasil preferiu aderir ao pensamento anticiência, disseminado pela corrente bolsonarista liderada pelo então ex-presidente Jair Bolsonaro.

Budistas

Ainda em um campo mais religioso, segundo um estudo publicado este ano na revista Mindfulness, cientistas aparentemente descobriram que há uma forma de induzir EQMs de maneira segura. De fato, tal habilidade vem sendo aplicada há tempos por monges budistas altamente proficientes na técnica de meditação.

Durante três anos, a pesquisa acompanhou 12 monges budistas conhecidos por serem meditadores avançados. Para serem elegíveis para o estudo, os praticantes de meditação tiveram que alcançar pelo menos 7 – equivalência padrão para identificar uma experiência de quase morte – na Escala Greyson NDE durante uma EQM induzida por meditação.

Eles também tinham que estar livres de quaisquer problemas psiquiátricos em curso e abster-se de drogas.

Em seguida, através de uma série de entrevistas semiestruturadas, a equipe avaliou as EQMs, temas e fases que vivenciaram.

Conforme descrito no estudo, todos os participantes relataram que a EQM começou com eles conscientemente reduzindo o grau de conexão com seu corpo físico.

Os participantes se referiram a isso como um processo de “dissolução gradual”, “liberação do corpo” ou “desamarrar-se”.

Então, durante a fase seguinte da EQM, eles deixaram de ter consciência do tempo e espaço. Mais especificamente, afirmaram ter percebido que “tempo e espaço são fenômenos relativos e que de fato não existem”.

ALGUMAS POLÊMICAS E CASOS DE EQM

Nas polêmicas, a ciência tem opiniões conflitantes quando o assunto é quase morte. Afinal, há uma certa dificuldade para acreditar na possibilidade de vida após a morte. Mas cerca de 20% dos pacientes que sobreviveram a uma parada cardíaca relataram EQM – um número muito significativo para ignorar.

Algumas explicações para essas experiências têm origem na neuroquímica do próprio cérebro. Assim, segundo os cientistas, as EQMs nada mais são do que estímulos de neurotransmissores como endorfina e outros hormônios, que oferecem a sensação de alívio da dor e estresse.

NO LIMITE

Alguns contam que conseguiram chegar à luz. Lá, encontraram apenas claridade ou cenários paradisíacos. Depois da viagem, a pessoa acorda na cama do hospital.

FOI BOM PRA VOCÊ?

Apenas 3% das EQM são descritas como negativas.

ELVIS MORREU...

É bem comum pacientes contarem que, durante a morte clínica, tiveram encontros ou conversas com amigos e parentes já falecidos. Muitos ainda deparam com celebridades nesse momento. O médico e parapsicólogo Raymond Moody, pioneiro nos estudos de EQM, reuniu várias histórias de gente que afirma ter visto Elvis Presley no outro plano. Seria a prova de que o rei do rock bateu as botas mesmo?

EU VI O QUE VOCÊ FEZ...

Histórias assombrosas de EQM são relatadas pelos médicos. Como a de um homem que teve um ataque cardíaco, atendido pela equipe do cardiologista holandês Pim van Lommel. A enfermeira retirou sua dentadura para entubá-lo, e quando o sujeito voltou à vida ninguém lembrava o paradeiro da prótese. Só o paciente, que disparou: “Está no carrinho de instrumentos cirúrgicos”.


“NUNCA VI ATEU EM LEITO DE MORTE”, DIZ ESTUDIOSO EM EQM

Quando se faz pesquisa no Brasil e o assunto é fé, saúde, cura e Experiência de Quase Morte (EQM), o nome de um médico gaúcho logo surge no rol dos primeiros por se notabilizar em responder (e normalmente convencer), em bases científicas, as questões na relação entre espiritualidade, religiosidade e saúde. Ex-seminarista quando jovem, seu trabalho ganhou notoriedade ao dirigir o Hospital São Francisco, um dos sete que compõem o complexo da Santa Casa de Porto Alegre. Ele é o cardiologista e escritor Fernando Lucchese.

Em 50 anos de profissão, 75 de idade, já realizou mais de 100 transplantes cardíacos, além de milhares de outras cirurgias. Recentemente, Lucchese esteve em Maceió e, por iniciativa do deputado e também cardiologista José Wanderley Neto (MDB), recebeu o título de cidadão honorário de Alagoas na Assembleia Legislativa por relevantes serviços prestados ao Estado, como no caso de ter treinado dois cardiologistas pediátricos alagoanos que atuam na Santa Casa de Misericórdia de Maceió.

"Nesses meus 50 anos de profissão, já cansei de ver exemplos de sujeitos que quando veem a hora de acertar as contas (fazer a passagem), dão um jeitinho de se entenderem com a espiritualidade”, relata o cardiologista Fernando Lucchese (Foto: Adailson Calheiros)


A Tribuna conversou com o mais novo cidadão alagoano em sua passagem por Maceió e, naturalmente, consultou o especialista em EQM sobre os casos das três personagens entrevistadas para esta reportagem.

O papo no início da entrevista, embora com um assunto que merece toda a seriedade que saúde e espiritualidade merecem, foi descontraído, leve, com o mais novo cidadão das Alagoas. “Podem perguntar à vontade, afinal estou em minha terra também, ela agora não é só de vocês da Tribuna”, brincou Lucchese, ao responder quando se deu o interesse pela espiritualidade na profissão de médico.

“Posso dizer que minha vida se tornou um divisor de águas lá nos anos noventa e que mudou completamente nessa relação saúde e espiritualidade, ao conhecer um sujeito americano lá na Carolina do Norte, nos Estados Unidos, quando me deparei com uma avalanche de estudos de um neurocientista e vi a importância da oração e da interação dos médicos que falam, rezam ou oram com seus pacientes”, revela Lucchese.

O cardiologista se refere a seu grande mestre e guru, autor do livro best-seller “Da mente para o corpo: como a religião e a espiritualidade podem transformar sua saúde”, do doutor Harold G. Koenig, a maior autoridade mundial no campo da espiritualidade e sua influência sobre a saúde.

Koenig apresenta um panorama das últimas pesquisas na área, mostrando a importância que as emoções têm sobre os sistemas de cura do corpo.
Em outra obra, Medicina, religião e saúde, Koenig lança uma nova luz sobre esta fascinante discussão sobre a EQM e busca uma explicação para esses fenômenos, enfocados sob o olhar da ciência.

Koenig é o maior especialista no campo da espiritualidade e sua influência sobre a saúde, com mais de 40 livros, 300 artigos científicos e 60 capítulos de livros publicados. Suas contribuições demonstram cada vez mais o encontro da ciência com a espiritualidade.

Ateu e o pastor, a hora da verdade...

De família religiosa tradicional católica do Rio Grande do Sul, Lucchese afirma que o paciente que enfrenta uma cirurgia cardíaca delicada normalmente se fragiliza, a ponto de revisar toda sua vida. “Na hora do leito cirúrgico ou mesmo da morte, nunca vi nenhum ateu”, afirma. E exemplifica: “certa vez, um paciente meu que sempre pedia para não rezar e não fazer oração nenhuma, e que se dizia ateu convicto, teve uma arritmia. Fizemos o procedimento e ocorreu tudo bem. Mas no pós-operatório, esse mesmo paciente mandou me chamar e teve que voltar para a UTI. Deu uma alteração. Ele pediu para eu ligar para um número de um sujeito e depois descobri que o tal sujeito do número era um pastor de igreja”, conta Lucchese.

“Nesses meus cinquenta anos de profissão, já cansei de ver na hora que o sujeito começa a pensar que tem que acertar as contas (a passagem) com algo desconhecido ou maior que ele, sempre vi darem um jeitinho de apresentar ali alguma forma de contato com a espiritualidade e voltar atrás no seu ateísmo”, relata. “Não falo de religião tal essa ou aquela, mas algo transcendental, divino, da espiritualidade, que é algo inerente ao sujeito, ao ser, pessoal, sem ser necessariamente uma religião. Religiosidade tem a ver mais com a forma e o ritual de alguma igreja”, completa o cardiologista.

No campo espiritual, Lucchese revela que os estudos apontam que em quem tem algum tipo de fé os resultados têm sido muito bons. “Fato é que o ateísmo diminuiu muito na área médica. E 90% de uma pesquisa que fizemos entre médicos cardiologistas atualmente acreditam em vida após a morte. O médico passou a ter uma visão mais humanista e entende que hoje uma palavra às vezes pode mudar muito o estado de um paciente”, destaca.

"Os casos relatados por vocês [da Tribuna] são, sim, casos clássicos de Experiência de Quase Morte", atesta Lucchese (Foto: Adailson Calheiros)


Por outro lado, em outra pesquisa, acrescenta o cardiologista, os pacientes que tinham alguma fé ou crença antes de fazer um procedimento cardiovascular em que o paciente normalmente está fragilizado, os resultados foram maravilhosos. “Fizemos uma pesquisa na véspera de uma cirurgia para saber se os pacientes gostariam que seu médico fizesse uma abordagem espiritual, religiosa. Setenta por cento quiseram a abordagem”, diz.

Já em outra pesquisa, em pacientes que se submeteram a um pré-operatório numa cirurgia de troca de válvula e que tinham vida ativa em algum núcleo religioso ou buscavam o transcendente, o índice de óbitos era muito pequeno. Naqueles que disseram que não tinham uma vida espiritual, o índice de morte cardíaca foi muito maior. “Depois dessas pesquisas, nós os cardiologistas fomos os primeiros na Medicina a perceber que estava havendo uma mudança de paradigma. Espiritualidade e saúde estavam intimamente ligados nos bons resultados dos procedimentos”, completa Lucchese.

Sobre os casos de EQMs das três personagens entrevistadas pela Tribuna e relatados ao médico cardiologista, ele respondeu: “seja qual for a explicação (científica ou espiritual) para as EQMs, o fato é que a maioria das pessoas que tiveram essa vivência voltam diferentes. Elas retornam desprendidas em relação ao mundo material, entendendo que a vida vai além de símbolos de status e dinheiro. Veem muita luz, geralmente levitando, se veem fora do corpo e assistem à cena da sua ‘morte’ e de sua volta ao local. Esses são os casos comuns aos que a Tribuna relatou e foram, sim, casos de EQM”, atesta o cardiologista.

Além disso, acrescenta Lucchese, o medo de morrer também quase desaparece – e a pessoa passa a viver a vida em todo o seu potencial. Com a consciência da finitude, torna-se mais fácil aproveitar o hoje.

“E uma EQM tem sempre um risco de morte iminente, diferente de outros fenômenos, como catalepsia ou sonambulismo”, explica o médico.