Acessibilidade no transporte público garante aos usuários com necessidades especiais o direito de ir e vir

Frota de ônibus em Maceió é 100% acessível, mas usuários ainda cobram atendimento mais humanizado por parte dos rodoviários

Por Lucas França e Thayanne Magalhães / Revisão: Bruno Martins | Redação

Um transporte público digno e totalmente adaptado às necessidades de pessoas com deficiência é um dever de quem oferece este serviço. Em Maceió, o transporte público coletivo possibilita o direito de ir e vir às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.

Em Maceió, segundo a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT), atualmente existem 553 veículos na frota do transporte público. E todos os coletivos contam com acessibilidade através de elevadores, possibilitando que o direito de trafegar das pessoas com mobilidade reduzida seja garantido.

Essa afirmação também é dada pelo presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Maceió (Sinturb), Guilherme Borges. Segundo ele, dos veículos da frota, atualmente 100% estão adaptados para os cadeirantes. “Os ônibus foram adaptados. Mas desde 2016 todos os veículos já saem de fábrica com os espaços de acessibilidade, contendo duas vagas por veículo. Neste ano, as empresas entregam 35 novos ônibus, todos contemplados com dois lugares para cadeirantes. A frota também é sinalizada quanto à existência de vaga, todos possuem o símbolo de acessibilidade do lado de fora do transporte”.

Borges explica que o processo de adequação para atender a este público iniciou em 2015. “O processo começou em 2015 no primeiro ano de licitação e, atualmente, todos os veículos contam com acessibilidade. Com uma ou duas vagas para cadeirantes”, afirma.

E para estes usuários a SMTT diz que dispõe de gratuidade através dos cartões Vamu Especial e Especial com Acompanhante para eles realizarem seu deslocamento no transporte público.

Apesar da frota ser 100% acessível, usuários com necessidades especiais ainda sentem rejeição por parte dos rodoviários.

Para os usuários, os avanços vêm se destacando nos últimos anos, mas ainda há dificuldades com a infraestrutura urbana em geral. Apesar de toda a frota estar 100% adaptada para os cadeirantes, os demais usuários com deficiência e/ou mobilidade reduzida sofrem no dia a dia. É o caso de José Isaac Dantas. Ele conta que enfrenta muitos desafios.

“Nós que temos uma deficiência queremos mais qualidade de vida seja nos espaços públicos, seja nos transportes”, enfatiza Isaac.

Segundo Dantas, a frota de ônibus em Maceió não atende a todos os usuários com alguma deficiência. “São adaptados apenas para os cadeirantes, mas existem outros usuários com outros tipos de deficiência que também têm a mobilidade reduzida. O transporte coletivo tem uma frota antiga. Os degraus são altos, por exemplo, tenho dificuldade para subir e descer - precisando de ajuda muitas das vezes. Além disso, o espaço entre as cadeiras é muito pequeno e isto nos atrapalha. Não é a estrutura adequada”, ressalta.

Isaac denuncia ainda que não todos, mas há motoristas que ainda não sabem atender a esse público e acabam acelerando o veículo antes mesmo das pessoas estarem acomodadas nos bancos. “Isso acaba fazendo as pessoas caírem e até se machucarem”, comenta.

Isaac, que é associado da Associação dos Deficientes de Alagoas (Adefal), diz que denúncias estão sendo feitas frequentemente nos órgãos competentes em relação à mobilidade urbana da capital e ao transporte público. “Em relação ao transporte público, além da estrutura, uma denúncia que fazemos é que na maioria das vezes os motoristas não encostam nas plataformas de embarque dificultando ainda mais nossa locomoção. Mas estamos cobrando melhorias porque é um direito nosso”.

Para o usuário, outra questão que deve ser debatida é a falta de pontos de ônibus com a estrutura adequada. “Aqui mesmo, no Rio Novo, a maioria dos pontos são essas placas 'pregadas' nos postes. Nada de estrutura, nada de bancos para a gente sentar. Agora imagine eu com meu problema no joelho e usando muletas ficar o tempo todo em pé esperando um ônibus, seja na chuva ou no sol”, reclama Dantas.

Isaac reclama da altura dos degraus e da dificuldade que tem para subir (Foto: Sandro Lima)

A cadeirante Maria Cícera da Rocha Santos, que precisa utilizar quatro conduções a cada saída de casa, também percebe a melhora, mas diz que os desafios ainda são muitos.

“A gente que precisa sair para resolver as coisas, fazer tratamento, é muito custoso. E com a pandemia ficou bem mais complicado, a questão de horário, de atraso, muitas vezes a gente precisa pegar o ônibus, mas já tem um cadeirante”, expõe. “E agora após a pandemia, com a frota 100% acessível ainda temos essas dificuldades. São ônibus com elevadores quebrados, ônibus que passam atrasados ou até mesmo com má vontade de motoristas, não todos, mas têm alguns que não ‘gostam’ das pessoas com mobilidade reduzida”, comenta.

A cadeirante disse que no dia 21 de março de 2023, por exemplo, um ônibus passou já com um cadeirante e outro com elevador quebrado. “Essas são as principais denúncias que fazemos. Mas algo bem recorrente é relacionado ao ser humano. Os motoristas acabam levando os problemas de casa para o trabalho e por muitas vezes nos tratam mal. Nem são todos, mas isso está recorrente”, denuncia.

“Mas, no geral, graças às nossas reivindicações, as coisas melhoraram. Temos ônibus mais acessíveis – antes precisava subir com ajuda de outra pessoa ou saía da cadeira e subia de joelhos. Claro que tem muito que melhorar, pois quando falamos de mobilidade urbana não nos referimos apenas ao transporte público, é no geral. Em Maceió, muitos prédios públicos precisam rever o conceito de acessibilidade, faltam rampas, por exemplo”, continua.

Ainda segundo Maria Cícera, não bastassem as dificuldades dentro dos coletivos, os motoristas de transporte por aplicativo também evitam levar um cadeirante. “Eu mesmo já passei por situações constrangedoras relacionadas ao transporte por aplicativo. Além de diversas vezes ter a corrida cancelada, certa vez peguei um carro que quando eu entrei o motorista perguntou se eu ia levar a cadeira. Disse que sim, aí ele achou que iria sujar o banco e disse: ‘a senhora sabe quanto custa para lavar um carro? E continuou: preciso que a senhora desça, não posso continuar a corrida’, me senti muito mal com a situação”.

Ofício

Em agosto de 2022, a Associação dos Moradores dos Residenciais dos Vales (Amorvales), em Rio Novo, parte alta de Maceió, protocolou um ofício na Defensoria Pública do Estado de Alagoas justamente para cobrar melhorias nos transportes que atendem à comunidade, tendo em vista que na região há muitos idosos e pessoas com mobilidade reduzida que precisam se locomover para as necessidades básicas como ir ao médico, à feira etc. O ofício foi assinado pelo presidente interino à época, Cícero de Souza da Silva.

De acordo com a SMTT, estão registrados no sistema um total de 7.359 usuários com necessidades especiais/mobilidade reduzida. Do total, 4.518 utilizam os ônibus diariamente.

Maria Cícera relata que uma das dificuldades é que muitos elevadores estão quebrados (Foto: Edilson Omena)


Adefal aponta falhas no transporte coletivo

Para a presidente da Adefal, Graça Dias, o transporte público de Maceió, apesar de alguns avanços, ainda apresenta inúmeras falhas. “Entre as principais falhas podemos citar as catracas que muitas vezes, para algumas deficiências, se tornam inacessíveis; a falta de sinalização nos espaços de cadeiras reservadas para pessoas com deficiência; mas a maior falha que encontramos são as barreiras atitudinais de muitos motoristas, os quais na maioria das vezes não apresentam nenhum tipo de empatia com o usuário, em especial com as pessoas com deficiência”, reclama.

Outro ponto levantado pela presidente é o fato de os motoristas não estarem cumprindo a Lei nº 7175 de 20/5/2022, que determina que os motoristas de transportes coletivos rodoviários, dentro dos limites do município de Maceió, parem fora do ponto a qualquer hora para os deficientes físicos e idosos.

Graça Dias, presidente da Adefal (Foto: Divulgação / Adefal)

“Também podemos citar a falta de acessibilidade nos pontos de ônibus, o que dificulta o embarque e desembarque dos passageiros com deficiência. Em algumas situações os motoristas param distante das calçadas dificultando ainda mais esse embarque e desembarque. Falta de manutenção dos elevadores dos ônibus é outro fator bastante criticado pelos usuários e ônibus circulando com o equipamento quebrado, o que é proibido”, continua.

Para Graça Dias, campanhas educativas em parceria entre SMTT, empresas de transportes públicos e instituições de luta seriam o primeiro passo para garantir um transporte digno às pessoas com deficiência, além da sinalização das cadeiras reservadas às pessoas com deficiência e uma fiscalização mais efetiva no funcionamento dos elevadores.

DENÚNCIAS

No entanto, apesar da adequação na frota, ainda há alguns registros negativos em relação ao transporte público, em especial para os cadeirantes. Segundo um levantamento da SMTT solicitado pela reportagem, estão registrados no sistema do órgão 148 autuações às empresas de ônibus sobre elevadores sem funcionar ou com defeitos no ano de 2022. E nos primeiros meses de 2023, até o dia 16 de março, são 18 irregularidades reportadas.

Empresas investem em cursos de qualificação para atender ao público cadeirante

Para atender a este público com qualidade, as empresas de Maceió investiram em cursos para os rodoviários. “Qualificação e reciclagem são essenciais para um melhor atendimento”, diz Borges.

Guilherme Borges ressalta que as empresas possuem parceria com o Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest Senat) e, por causa dessa parceria, os rodoviários têm acesso a diversos cursos, entre eles o de atendimento ao cliente.

“Uma das matérias trabalhadas é sobre o atendimento ao público especial, passageiros com necessidades especiais. E é muito enriquecedor para eles porque durante este módulo eles participam de simulações, nos quais utilizam cadeira de rodas e andam com os olhos vendados, simulando entrar em um ônibus, tendo a experiência de sentir na pele as dificuldades que esses passageiros têm. Esse treinamento, além de despertar nos rodoviários a empatia, também muda a forma de atender todos os passageiros. Se colocar no lugar do outro é primordial, além de que durante o trabalho eles passam a atender melhor às necessidades desse público e respeitar”, explica Borges.

A reportagem do Tribuna Hoje acompanhou parte de um treinamento com o rodoviário Letício Montenegro. Ele é rodoviário da Empresa Cidade de Maceió há quase 18 anos e atua há mais de 10 anos como motorista.

Treinamento realizado no Sest Senat (Foto: Edilson Omena / Arquivo)

Na ocasião, ele contou que todos os anos têm curso de reciclagem e um dos módulos é o atendimento ao público especial.

“Todos os anos passamos por reciclagem. E isso é muito importante porque trabalhamos com pessoas de várias idades e temperamentos e cada um tem necessidades específicas. Os cadeirantes, por exemplo, precisam de uma atenção maior – nem todos estão com acompanhantes e precisamos ajudar no embarque e desembarque”, esclareceu o rodoviário.

Ainda conforme o rodoviário e confirmado pela reportagem, nos cursos eles têm a experiência de como é ser um cadeirante ou ter deficiência visual. “Utilizamos a cadeira de rodas no curso para sabermos a sensação e sentir na pele os cuidados que os cadeirantes têm quer ter. E isso é bom porque nos possibilita ter o maior cuidado na hora de atendermos a eles”.

Letício Montenegro mostra o funcionamento do elevador utilizado para acessibilidade de cadeirantes (Foto: Edilson Omena)

O rodoviário falou que já está acostumado a trabalhar com este público e não se queixa. “A linha que faço tem muitos cadeirantes”.

MEDIDAS DE SEGURANÇA

Preparação dos rodoviários é eficaz para melhor atender ao público com deficiência

Na ocasião, a então coordenadora de desenvolvimento profissional do Sest Senat, Thaís Cabral de Almeida Müller, explicou como era feita a preparação dos rodoviários. Ela afirmou que o curso é necessário para a garantia de um bom serviço e atendimento aos cadeirantes.

“Mensalmente temos duas turmas por empresa de transporte de passageiros que passam por uma reciclagem no curso de Qualidade no Atendimento de Pessoas com Deficiência, Idosos e Gestantes. Este curso é obrigatório para todos os motoristas e cobradores para que eles possam estar prontos para o melhor atendimento aos usuários do transporte. Utilizamos uma abordagem prática, fazendo com que o aluno passe por todas as etapas que os usuários passam. Desde a parada quanto ao acesso ao ônibus. Fazemos prática em cadeira de rodas, com elevador para cadeirantes, entre outras práticas. As empresas cedem os ônibus para que os profissionais possam realmente vivenciar todas as situações”.

Thaís ressaltou que, com os cursos, os profissionais estão mais aptos no atendimento dos usuários, especificamente os que mais necessitam da ajuda. “Todos eles passam obrigatoriamente pela capacitação e uma reciclagem anual. As empresas nos enviam uma relação mensal das pessoas que realizarão o curso e a partir daí podem fazer o acompanhamento se o profissional está executando seus atendimentos conforme preconizam as resoluções e conforme o usuário do transporte merece receber. Desde a cordialidade aos equipamentos disponíveis para tal”.

TEORIA E PRÁTICA

O instrutor do Sest Senat Heitor Souza afirma que as medidas de segurança para atender ao público são prioridade e são alinhadas com a prática dos rodoviários.

Instrutor do Sest Senat Heitor Souza (Foto: Edilson Omena / Arquivo)

“No curso, em um dos módulos, os rodoviários aprendem a usar os dispositivos, as tecnologias e seguir as orientações de máquinas para o manuseio dos elevadores. E temos como prioridade esse aprendizado para uma medida de segurança, que é nosso principal objetivo. Como é uma operação que eles já vivenciam, o aproveitamento é muito bom, ou seja, um casamento perfeito: teoria e prática. Eles gostam de aprender e se renovar. Além dos motoristas, os cobradores também passam por este curso, pois eles também necessitam ter essa ideia de operar a máquina para auxiliar os motoristas nesse processo”, explicou Heitor.