Violência contra a mulher dispara no país e reforça necessidade de políticas de prevenção

Para especialistas, combate se faz com proteção, informação e amparo legal

Por Evellyn Pimentel e Lucas França / Revisão: Bruno Martins | Redação

Os dados são aterrorizantes: a cada 60 segundos uma mulher é agredida no Brasil. A cada 10 minutos, uma mulher é estuprada. A cada 7 horas uma mulher é vítima de feminicídio. Os dados são do Anuário da Segurança Pública 2022 e apontam ainda que a realidade em Alagoas segue o padrão nacional de aumento de todos os indicadores de violência: lesão corporal dolosa (+20%), ameaça (+27%), estupro e estupro de vulnerável (+3,6%), tentativa de estupro (+34%), assédio e importunação sexual (+117%). Entre os anos de 2006 e 2021 os números de casos de feminicídio cresceram 44%.

Se por um lado a violência tem crescido, por outro a quantidade de pedidos de proteção também apresenta alta. O Anuário aponta que houve um aumento de 95% nos pedidos de medidas protetivas de urgência no Estado. De acordo com dados do Ministério Público Estadual (MP/AL) as Promotorias de Justiça de Maceió registraram de janeiro a agosto deste ano mais de 800 pedidos de medidas protetivas para vítimas de violência doméstica. Além disso, foram 3.400 atuações do órgão em processos relativos à violência contra a mulher.

Cabe ressaltar que a violência contra a mulher ocorre de forma escalonada, ou seja, se inicia de forma progressiva desde ameaças e agressões até a tentativa e propriamente o feminicídio. Ou seja, quando a vítima pede apoio do Poder Público geralmente a situação já se arrasta há algum tempo. Conforme destaca o Anuário da Segurança Pública, em todo o país foram registradas 67.779 denúncias de violência doméstica contra a mulher. Destas, quase 12% envolvem descumprimento de medidas protetivas.

Segundo o MP a maior parte dos crimes registrados envolve ameaças, um total de 566. “O crime de ameaça foi aquele com maior incidência, somando 566 casos. Outros ilícitos como lesão corporal, estupro, sequestro, cárcere privado, apropriação indébita, maus tratos, dano qualificado, violação de domicílio, constrangimento ilegal, difamação e injúria também foram registradas”, pontua o órgão.

De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quase 2 mil casos de feminicídio e de tentativa de assassinato de mulheres foram levados à julgamento em 2021, um aumento de 193% em relação a 2020.

“O crescimento da violência doméstica nos dois primeiros anos da pandemia também ficou evidenciado no total de medida protetivas de urgência concedidas pelo Poder Judiciário: 839 mil, superando todos os anos acompanhados pelo Painel de Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. Em 2020, o número de medidas chegou a quase 400 mil (399.547) e em 2021 foi de 438.682”, diz o CNJ.

Jovem é agredida por namorado no interior de Alagoas (Foto: Reprodução)

HORROR

As estatísticas corroboram com a realidade, mas não representam a totalidade do horror vivido por mulheres dentro de seus lares. A advogada e pesquisadora especializada em direito das mulheres Anne Caroline Fidelis salienta que o crescimento da violência demonstra que as mulheres ainda precisam muito da proteção do poder público e da sociedade.

Basta uma rápida pesquisa online para constatar a dura realidade. Todos os dias os noticiários são atualizados com episódios de barbárie. Exemplo disso é o caso da jovem Maria Vitória Vieira dos Santos, de 20 anos, moradora da cidade de Capela, no interior de Alagoas, que teve o rosto desfigurado após sofrer agressões do namorado. Ela segue internada no Hospital Geral do Estado (HGE) desde o dia 16.

Pelas redes sociais, Maria Célia dos Santos, tia da vítima, pediu Justiça.

"Não é justo um bandido fazer um negócio desse e ficar por isso mesmo. Ele não pode ficar impune", denuncia. Ainda de acordo com a postagem, o homem também teria agredido e roubado a avó de Vitória. "Ele levou dois celulares e arrombou a casa da minha mãe. Ele não tem pudor, é vingativo e violento".

O agressor foi identificado pela Polícia Civil de Alagoas (PC/AL) e se trata de Carlos Rondinelly Borges Lopes, de 32 anos. Dois dias após o crime, a PC pediu a prisão do homem, que segue foragido. O delegado Gustavo Pires, responsável pelo caso, informou que Carlos Rondinelly já tem passagem pela polícia e foi condenado em dois processos, um pelo crime de assalto e outro por crime de homicídio, pelo qual foi preso em flagrante. Neste segundo processo, de 2012, recebeu uma pena de 16 anos de reclusão, para ser cumprida em regime fechado.

De acordo com o Ministério Público Estadual, o órgão registrou 3.400 atuações em processos relativos à violência contra a mulher no primeiro semestre de 2022

"Números apresentam a 'ponta do iceberg'", afirmam especialistas

Muitos casos sequer chegam ao conhecimento das autoridades. Apesar das estatísticas crescentes, especialistas alertam que os números representam a "ponta do iceberg". A realidade é muito mais dura e envolve subnotificação, por medo, vergonha ou pela impunidade.

Para a professora e pesquisadora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Elaine Pimentel, a proteção das mulheres contra qualquer forma de violência é fundamental para o estado democrático de direito.

"Ações educativas e políticas públicas são caminhos relevantes para esse enfrentamento, porque implica o Estado e a sociedade na proteção das mulheres vitimadas pela violência para que as mulheres denunciem. É fundamental que haja uma rede de acolhimento, escuta e encaminhamento. É preciso que as mulheres vítimas de violência saibam que caminhos percorrer, que instituições procurar", comenta a professora.

Ainda segundo a pesquisadora, são muitos os medos de uma mulher em situação de violência: novas violências, violência contra os filhos, dificuldades financeiras, impunidade, insegurança. "Esses medos fazem com que a vítima se sinta insegura", finaliza Pimentel.

Pesquisadora Elaine Pimentel (Foto: Acervo pessoal)

A advogada e pesquisadora especializada em direito das mulheres Anne Caroline Fidelis avalia que o aumento das estatísticas reflete também o fortalecimento das denúncias.

"Destaco dois pontos: a falha do Estado em proteger mulheres, mas também que, para além do aumento do número de feminicídios, temos o aumento dos casos onde se reconhece a questão de gênero como determinante na ocorrência da violência, aumentando a pena em face da qualificadora do feminicídio. Fica evidente que a questão da violência contra as mulheres precisa ser tratada em todas as suas dimensões, em especial a partir do viés preventivo, bem como do estímulo à denúncia e qualificação do acolhimento no pós denúncia", enfatiza a advogada.

Políticas públicas são as principais armas de combate

Todos os anos o Ministério Público realiza a campanha Agosto Lilás com o objetivo de reforçar a necessidade de efetivação de políticas públicas de prevenção e combate à violência contra a mulher. Este ano, a campanha reforçou a importância de denunciar todos os tipos de violência, incluindo a psicológica, que muitas vezes inicia o "ciclo da violência".

Conforme explicou à época a coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher do Ministério Público, Hylza Paiva, é preciso o entendimento de que todos os tipos de violência são danosos.

"Infelizmente, muitas vezes, ainda há quem pense que a mulher, de alguma forma, contribui para aquela determinada situação de violência. E quando se trata da violência psicológica, isso se torna ainda mais comum, porque esse é o tipo de violação mais difícil de ser comprovada, já que as marcas atingem a saúde mental da vítima, e não o seu corpo físico ou o seu patrimônio. Faz-se urgente a sociedade entender que todo tipo de violência, seja ele de qual modalidade for, é extremamente danoso", enfatizou.

Um exemplo de política de amparo é a Patrulha Maria da Penha. A cabo da Patrulha Maria da Penha, Priscila Santa Cruz, explicou como funciona o trabalho da equipe. "Nós atendemos mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Nosso trabalho consiste na realização de visitas periódicas às residências para verificar o cumprimento das medidas protetivas de urgência determinadas pela Justiça e reprimir eventuais atos de violência. Apesar da Patrulha funcionar apenas em Maceió e Arapiraca, estamos fazendo também um trabalho educativo em todo o Estado, em parceria com as prefeituras, onde realizamos rodas de conversa e palestras educativas, mostrando a importância de saber identificar e denunciar esse tipo de violência", ressaltou a militar.

Patrulha Maria da Penha da Polícia Militar de Alagoas em ação (Foto: Assessoria)

De acordo com a coordenadora do Gabinete da Mulher, Ana Paula Mendes, o silêncio acaba por fortalecer o agressor.

"A violência precisa ser combatida e denunciada, porque o silêncio fortalece o agressor. A prefeitura está com uma série de políticas públicas para esse enfrentamento. O prefeito JHC assinou um decreto em janeiro garantindo que as mulheres vítimas de violência doméstica tivessem preferência na entrega dos conjuntos habitacionais", destaca.

A coordenadora da Casa da Mulher Alagoana, Erika Lima, ressalta sobre o funcionamento da instituição e como as mulheres podem fazer para pedir ajuda e sair do ciclo da violência. Ela conta que a Casa, que conta com parceria do Município, fica localizada na Praça Sinimbu, no Centro de Maceió, e funciona todos os dias, das 7h30 às 19h.

"A Casa da Mulher foi pensada para facilitar a busca das mulheres por ajuda, nós temos psicólogas e assistentes sociais que atendem a necessidade de cada uma, além de oferecer abrigo enquanto a medida protetiva é solicitada em até 48 horas".

Coordenadora do Gabinete da Mulher da Prefeitura de Maceió, Ana Paula Mendes (Foto: Alisson Frazão / Secom Maceió)

Lei Maria da Penha

A Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, ganhou este nome em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, que por 20 anos lutou para ver seu agressor preso.

Ferramenta on-line possibilita que mulheres solicitem ajuda para medidas protetivas sem sair de casa

Em decisão inédita, o juiz Alexandre Machado de Oliveira determinou no dia 28 de agosto o cumprimento de medidas protetivas de urgência em favor de uma vítima de violência doméstica que solicitou ajuda por meio do Sistema Ártemis – Atendimento à Mulher. O magistrado também incluiu a vítima no rol de mulheres protegidas e acompanhadas pela Patrulha Maria da Penha de Arapiraca (AL).

A ferramenta online do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL) foi lançada no dia 18 de agosto possibilitando que as vítimas de violência doméstica denunciem e solicitem medidas protetivas sem sair de casa. A aplicação Ártemis está disponível, inicialmente, para Maceió, Arapiraca e Craíbas.

Para o juiz, a vítima demonstrou, em seu relato, que se encontrava em um ciclo de violência física, moral e psicológica, situação que a motivou a realizar a solicitação das medidas protetivas, entre elas o afastamento do lar do suposto agressor. "Sobre a possibilidade de concessão de medidas protetivas de urgência a partir do requerimento da vítima e com base em suas declarações, o Superior Tribunal de Justiça firmou orientação da possibilidade de restrição de ir e vir do agressor quando esta estiver em conflito com a necessidade de preservação da integridade física, psicológica e moral da vítima."

Sistema Ártemis do Tribunal de Justiça de Alagoas (Imagem: Divulgação - TJ/AL)

Além de sair de casa, o acusado ficou proibido de se aproximar da mulher, estando ela ou não na residência, e de quaisquer testemunhas das agressões, devendo manter uma distância mínima de 500 metros de quaisquer dessas pessoas. Ele também está proibido de frequentar lugares ou estabelecimentos de frequência habitual da vítima ou das testemunhas, tais como residência de familiares, locais de trabalho, entre outros. O agressor não poderá fazer contato com a vítima nem por telefone.

O descumprimento de qualquer uma das medidas protetivas, que tem validade de seis meses, poderá acarretar na decretação da prisão preventiva do acusado. Alexandre Machado também determinou que a vítima seja acompanhada por assistente social e psicóloga da Casa de Direitos de Arapiraca. Como a medida de urgência foi ajuizada por meio do aplicativo Ártemis, a vítima foi intimada a identificar o advogado ou defensor público no prazo de 10 dias.

Trabalho da Patrulha Maria da Penha consiste na realização de visitas periódicas às residências para verificar o cumprimento das medidas protetivas de urgência determinadas pela Justiça e reprimir eventuais atos de violência