Prevenção ao suicídio: campanhas, apoio psicológico e presença familiar diminuem estatísticas

Ministério Público e psicólogo alertam para sinais e reforçam necessidade de acompanhamento profissional

Por Lucas França e Thayanne Magalhães / Revisão: Bruno Martins | Redação

O suicídio é considerado um problema de saúde pública mundial pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os indicadores epidemiológicos apontam para um crescimento do comportamento suicida em alguns países do mundo, notadamente no Brasil. Dados e estudos realizados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre os efeitos da pandemia de Covid-19 evidenciaram a importância de considerar o suicídio para além de um problema individual de saúde, tendo em vista sua multifatorialidade e sua relação direta com as desigualdades econômicas e acesso a serviços sociais e de saúde pública.

O mês de setembro foi escolhido no ano de 2015 para o início da campanha Setembro Amarelo, dedicado à prevenção ao suicídio, visando conscientizar as pessoas sobre o assunto, reconhecer os sintomas das pessoas próximas, bem como evitar o seu acontecimento.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 32 pessoas se suicidam por dia no Brasil, o que significa que o suicídio mata mais brasileiros do que doenças como a AIDS e o câncer.

O assunto é envolto em tabus e, por isso, a organização da campanha acredita que falar sobre o tema é uma forma de entender quem passa por situações que levem a ideias suicidas, podendo trazer ajudar às pessoas a partir do momento em que este tipo de pensamento é identificado.

As situações que levam a esse fim podem surgir de quadros de depressão, bem como do consumo de drogas. Em Alagoas, o Ministério Público do Estado (MP/AL) lançou para este ano a campanha Setembro Amarelo, com o tema #SuaVidaePreciosa.

A promotora de Justiça Micheline Tenório, coordenadora do Núcleo de Defesa da Saúde Pública, chamou atenção para o fato de que é preciso respeitar a dor do próximo.

“A gente precisa enxergar com mais sensibilidade as pessoas que estão ao nosso redor e procurar compreender aquela fase ou momento em que elas estão necessitando de auxílio. Estender a mão é um gesto simples e que não nos custa nada. Não podemos julgar e nem lidar de forma preconceituosa. Agindo assim, com tolerância, certamente poderemos ajudar aqueles que estão precisando do nosso apoio. Muitas vezes, essas vítimas só querem ser ouvidas, só querem um pouco de atenção”, disse ela, lembrando que a saúde mental, em 2023, será um dos principais focos de atuação do Núcleo, dentro do planejamento estratégico da instituição.

Micheline Tenório expôs à reportagem do Tribuna Hoje que o Setembro Amarelo – mês de prevenção ao suicídio - já é uma preocupação antiga do Ministério Público e que o trabalho acontece durante o ano inteiro e não apenas no mês dedicado à prevenção.

Promotora de Justiça Micheline Tenório (Foto: Edilson Omena)

“A gente iniciou com uma ação estadual em defesa da vida e concomitante a isso tivemos o projeto da Doutora Ilza - O Mensageiro da Esperança em Coruripe. Por conta da grandiosidade do tema e repercussão desses projetos, além do aumento dos casos de suicídio, tentativas de suicídio e automutilação, resolvemos unir todas essas ações e fizemos a ação Amarelo-Lilás. Achamos por bem juntar os dois projetos, mas as campanhas do Agosto Lilás e do Setembro Amarelo continuarão existindo. E agora com mais força para serem trabalhadas o ano inteiro. Fizemos essa junção porque identificamos que um dos problemas recorrentes nos casos de automutilação e tentativa de suicídio era a violência doméstica. Juntamos porque o suicídio é multifatorial”, explica a promotora.

AÇÕES DE PROTEÇÃO

Micheline Tenório esclarece que as equipes do MP/AL trabalham em conjunto com demais órgãos e poderes e vão às escolas, igrejas, às comunidades e cidades alagoanas com o propósito de mostrar que cada vida é importante.

“Em cada ambiente desses que realizamos ações, a abordagem é diferente – tudo depende do local, da necessidade do local. Recentemente desenvolvemos uma ação na escola da Paróquia São Paulo Apóstolo, no Conjunto Salvador Lyra, foi bem interessante. Além do MP/AL, participaram alguns passageiros como o CVV, o psicólogo Júnior Amaranto e uma série de servidores. Nosso objetivo era debater este tema. A gente quer trabalhar a valorização da vida – que é o que antecede o suicídio, pois se focar muito no suicídio pode fazer com que pessoas que não estejam pensando passem a pensar. E, por isso, o foco é a valorização da vida”, pontua.

''A gente precisa enxergar com mais sensibilidade as pessoas que estão ao nosso redor e procurar compreender aquela fase ou momento em que elas estão necessitando de auxílio'' - Micheline Tenório, promotora de Justiça do MP/AL

MP/AL capacita pessoas para ter uma escuta qualificada sem julgamentos ou preconceitos

O procurador-geral de Justiça Márcio Roberto Tenório de Albuquerque destacou que socorrer as pessoas que precisam de ajuda e estão enfrentando alguma doença emocional deve ser um compromisso de toda a sociedade.

“Temos que encarar com a máxima seriedade o cuidado com a nossa saúde mental e a saúde mental do próximo. Uma pessoa que tenta o suicídio, que enfrenta uma depressão, tem crises de ansiedade ou pratica a automutilação dá demonstrações claras de que está necessitando de apoio, de amparo. Durante uma crise, por exemplo, esse alguém pode perder o controle e destruir a sua própria vida, o que seria uma tragédia. A própria Organização Mundial de Saúde considera o suicídio como um problema de saúde pública e, justamente em razão disso, como temos a consciência de que não é fácil compreender o processo que leva alguém a pensar nesse ato, não nos cabe julgar, cabe-nos unir forças para enfrentar a questão, acolhendo, ouvindo, dando atenção e buscando a rede de atendimento para o suporte necessário a quem necessita”, declarou o chefe do MP/AL.

A promotora Micheline Tenório diz que, paralelo ao trabalho junto às comunidades, esse serviço de capacitação de pessoas é muito importante. “Capacitarmos pessoas para acolher, conversar, identificar e ter uma escuta qualificada sem julgamentos ou preconceitos é essencial. A gente faz também uma capacitação com gestores para verificar o que precisa ser implementado na rede de proteção psicossocial. Se é preciso implementar naquele local um Comitê Municipal de Prevenção e Posvenção ao Suicídio, por exemplo”, ressalta comentando que já é feito um trabalho em conjunto ao Comitê Estadual de Prevenção e Posvenção ao Suicídio.

Campanha do Ministério Público de Alagoas (Foto: Edilson Omena)

“Inclusive este trabalho está dando frutos interessantes. Acabamos de ter duas etapas de um encontro aberto. Nesse encontro participaram estudantes, profissionais de educação, saúde, assistência social, segurança pública. E desse evento tiramos a ‘Carta de Alagoas’ para ser entregue aos candidatos, ao governo, à Assembleia Legislativa, aos vereadores, a todos os Ministérios e a toda essa gama de atores que são importantes nessa discussão, em especial ao controle social – tanto os oficiais de direita do Conselho da Criança e Adolescente como também a sociedade civil organizada – é importante que cada um faça sua parte”, pondera Tenório.

CAMPANHA


Micheline ressalta que a campanha tem o objetivo de acolher e identificar quem precisa de ajuda. “As pessoas estão cada vez mais se sentindo sozinhas sem nenhuma saída. A gente tem que mostrar que estamos de mãos estendidas para elas. Toda vida importa. E a mídia tem ação extremamente importante porque pode tratar o assunto prevenindo para a gente quebrar o tabu. Por outro lado, se não houver cautela pode fazer com que um caso que aconteceu gere outros casos. Por isso é preciso ter um cuidado na abordagem para não influenciar”.


ORIGEM DO SETEMBRO AMARELO

O Setembro Amarelo começou nos Estados Unidos quando o jovem Mike Emme, de 17 anos, cometeu suicídio em 1994. Mike era um rapaz muito habilidoso e restaurou um automóvel Mustang 68, pintando-o de amarelo. Por conta disso, ficou conhecido como "Mustang Mike". Seus pais e amigos não perceberam que o jovem tinha sérios problemas psicológicos e não conseguiram evitar sua morte. No dia do velório, foi feita uma cesta com muitos cartões decorados com fitas amarelas. Dentro deles tinha a mensagem: “Se você precisar, peça ajuda”. A iniciativa foi o estopim para um movimento importante de prevenção ao suicídio, pois os cartões chegaram realmente às mãos de pessoas que precisavam de apoio. Em consequência dessa triste história, foi escolhido como símbolo da luta contra o suicídio o laço amarelo.

Números de suicídio aumentaram durante a pandemia, segundo profissionais

De acordo com Micheline Tenório, os números de casos de suicídio aumentaram durante a pandemia em Alagoas e no cenário nacional, mas esse fato está sendo estudado.

“Aconteceu o seguinte: os casos de tentativas e de lesão diminuíram, mas de suicídio aumentaram – a gente está estudando isso, esse movimento diferente que aconteceu. Queremos saber se foi porque as pessoas estavam mais tempo em casa ou porque não foram procurar as unidades de saúde. Houve uma compressão porque estavam todos mais aglomerados? O que sabemos é que a violência doméstica de forma geral, inclusive sexual, é um fator preponderante para esse aumento de suicídio”.

“Algo que também notamos foi o índice de casos de adolescentes cometendo autolesão, mutilação. Inclusive muita automutilação com idealização suicida e muito sem essa idealização, mas precisamos descobrir o que está acontecendo, ajudar para que não venha a ser mais um caso fatal. A gente quer que esse adolescente, essa criança, tenham perspectiva de vida e de futuro. Que eles se sintam parte da sociedade. Falta essa visão, essa perspectiva, assim como os casos dos idosos – identificamos que nessa faixa etária faltam perspectivas de presente. Isso é marcante nessa população”, pontua Tenório lembrando que está em desenvolvimento um plano de ação para determinadas localidades.

De acordo com um levantamento feito pelo Hospital Geral do Estado (HGE), maior unidade de emergência de Alagoas, foram assistidos, somente no primeiro semestre de 2022, 57 pacientes que tentaram o suicídio. Neste mesmo período em 2021 aconteceram 137 atendimentos.

De janeiro até o último dia 17 de setembro de 2022, o HGE contabilizou 100 atendimentos. Durante todo o ano de 2021 o registro na unidade foi de 266.

Hospital Geral do Estado (Foto: Edilson Omena)

O ano de 2020 contabilizou o maior número de casos de tentativas de suicídio na unidade. De acordo com o levantamento foram 308 casos. Os dados foram fornecidos pela assessoria de imprensa da unidade de saúde.

A promotora diz que o MP/AL sempre é procurado por profissionais nas escolas, membros de congregações e pessoas em geral.

“É um trabalho de formiguinha mesmo. Vamos nesses locais que já têm histórico de casos e necessitam de nossa ajuda, mas isso não impede de irmos a outros locais. Fazemos pesquisa de campo junto às secretarias e identificamos a incidência para atuarmos. Em Alagoas, por exemplo, a sétima região tem um grande número de casos, ali em Arapiraca, Girau do Ponciano e outros municípios”, disse Micheline.

Júnior Amaranto, psicólogo clínico, é terapeuta cognitivo comportamental e doutorando em psicologia. Ele também relata que notou o aumento nos casos de suicídio e automutilação em adolescentes.

“É importante que as campanhas aconteçam durante todo ano, inclusive porque existem muitos adolescentes com pensamentos suicidas e não só isso, tem automutilação - que é um sinal de alerta para os pais. Exemplo: os principais tópicos relacionados à depressão são as decepções amorosas, estamos vivendo na moda da sofrência. E eles costumam falar que não sabem como será a vida sem ela, sem ele – não há como depender da outra pessoa. Por isso, um dos incentivos da campanha é não ter medo de falar do problema, procurar ajuda profissional, falar do que está sentindo para qualquer pessoa, padre, pastor, em casos de religioso, ou um amigo confidente. A ideia de falar é importante demais, pois coloca a tensão para fora e falar é sempre a melhor solução. Vamos incentivar as pessoas a incentivar as outras a procurarem ajuda profissional e ter ajuda para viver”, ressalta o psicólogo.

“Pessoas que pensam em tirar a própria vida passam por uma série de outros problemas”

Para o psicólogo Júnior Amaranto, as pessoas que pensam em tirar a vida passam por uma série de outros problemas e por isso precisam ser ouvidas.

“Pessoas que pensam em tirar a própria vida passam por uma série de outros problemas. Muita gente acredita que só quem pensa em tirar a vida é quem está com depressão, mas não necessariamente. Podem ser vários outros tipos de problemas que levem a esse pensamento. Um detalhe importante a ser lembrado é de que a pessoa que pensa em tirar a vida sempre deixa algum tipo de recado, ela sinaliza para alguém, expressa esse desejo que quer acabar com a sua vida mesmo que não diga com a frase ‘vou me matar’. Mas expressa com frases assim: queria dormir e não mais acordar, essa vida não tem mais sentido para mim, ou seja, não diz diretamente, mas já começa sinalizando o desejo”, ressalta o profissional.

Para Amaranto, a grande preocupação é quando a pessoa está com a depressão profunda. Existe a depressão leve, moderada e a grave. De leve a moderada são aquelas pessoas que saem, conversam com outras pessoas trabalham e quando alguém pergunta como está dizem aquela frase: ‘estou bem!’ Mas quando chegam em casa tiram essa capa da felicidade e choram, mostram o sentimento que está no momento. Já a grave são aquelas pessoas que nem mais querem levantar da cama e já dizem que queriam morrer, sumir, chutar o pau da barraca e desistir de tudo.

“Quando as demais pessoas descobrem que a pessoa se suicidou começam a dizer que tal pessoa não acredita em Deus, que ela fez isso por causa de um homem, de uma mulher, de uma dívida etc. Ou seja, começam a minimizar a situação, isso porque popularmente falando existe um ditado: ‘O sapato só aperta em quem está calçando ele’. E aí nós que somos psicólogos dizemos uma frase muito importante: ‘se a dor não é sua não diga que é frescura – respeite a dor do outro’”, pondera Júnior. Ele afirma ainda que não o problema não é frescura nem falta de Deus. “Por isso trabalhamos primeiramente desmitificando que depressão não é falta de Deus. Eu sou psicólogo e atendo muitos pastores, padres, muitos religiosos que vão até o consultório para falar sobre esse problema. Depressão é uma doença e está no código internacional de doenças. As pessoas pensam na hipertensão, diabetes etc., mas não na depressão”.

ERA DAS DOENÇAS EMOCIONAIS

O psicólogo comenta que estamos vivendo na era das doenças emocionais e que é preciso ter muita atenção. “Nunca se falou tanto sobre ansiedade, depressão, síndrome do pânico, automutilação e suicídio como neste tempo da pandemia. Antes da pandemia tinha muita gente que tinha depressão, ansiedade e síndrome do pânico e no pós-pandemia potencializou. E quem não tinha nada disso adquiriu neste período. Não é à toa que os consultórios dobraram o número de pacientes, inclusive faltaram profissionais para atender à demanda”.

Júnior lembrou que o Hospital do Coração, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e hospitais particulares ficaram lotados de pessoas que achavam ter crises por conta da Covid-19, mas não era a doença, era crise de ansiedade. “Como sintomas tem falta de ar, batimentos cardíacos acelerados, sensação de formigamento nas mãos, nas extremidades – tinha pessoas que achavam que estavam tendo um AVC [acidente vascular cerebral] ou infarto. Chegavam a fazer os exames, mas estavam bem. E o pior que o preconceito é até dessas pessoas que não aceitam isso e falam: ‘nossa, quer dizer que estou ficando louco’. Mas não tem a ver com loucura, tem tratamento e a pessoa tem que aprender a lidar com isso, conviver e entender como funciona. Existem pessoas que têm crise de ansiedade toda vez que vão ao ambiente de trabalho por vários motivos – não gosta do chefe ou de algum colega ou mesmo do local e chega já carregada de tensão, estresse, nervosismo e isso leva à ansiedade – é algo que tem que ser trabalhado a este espaço. Mas pode ser em casa, no namoro, aí tem que descobrir para tratar e recuperar para viver de forma melhor sem crises”.

Psicólogo Júnior Amaranto (Foto: Sandro Lima)

Para Amaranto, observar os sinais e procurar ajuda profissional é prioridade. “Quando a pessoa está com depressão ela precisa procurar ajuda com urgência. As pessoas estão observando as outras de forma acelerada e o que indicamos é que elas comecem a olhar para as outras que estão ao seu redor de forma menos acelerada. Andamos e convivemos com pessoas no ambiente de trabalho, na escola, na faculdade e até mesmo em casa e não sabemos o que está acontecendo com aquela pessoa. Se ela dormiu bem, se se alimentou, se chorou, se está passando por alguma situação. Isso porque a sociedade se tornou mais egoísta. As pessoas não exercem empatia, uma palavra que existe há muito tempo e não está sendo colocada em prática literalmente. Precisamos aprender a olhar o outro de forma devagar. O grande lema da campanha do Setembro Amarelo é: ‘Falar é a melhor solução’. Esta é a frase e foi escolhida justamente para isso, para que as pessoas falem, este é o incentivo. Porque todos os estudos teóricos mostram que a cada 10 pessoas que pensam em tirar a própria vida nove poderiam ser salvas com um único gesto – alguém oferecendo ajuda. Ou seja, isso significa dizer que 90% poderiam ser salvas. Aí está uma problemática, mostra que precisamos sair de nós mesmos e prestar mais atenção às pessoas que estão ao nosso redor”, recomenda.

O profissional diz ainda que todo trabalho feito com as pessoas com depressão é uma parceria com a família. “A pessoa que tem depressão geralmente não sabe o motivo. Às vezes ela sente uma dor profunda que não identifica o que é. Não é à toa que elas falam: ‘Eu não sei, apenas uma tristeza’, ou seja, o tempo determina. Se a pessoa está com sintomas de tristeza, vontade de chorar, sem muita vontade de fazer as coisas, o sorriso desapareceu e isso dura por mais de 15 dias – essas duas semanas a gente já deve começar o diagnóstico, agora se for três a quatro dias chamamos o quadro de tristeza. Nesse caso a pessoa sempre sabe o motivo de estar triste. Seja porque brigou com alguém, nota baixa, time favorito perdeu etc. No caso da depressão, a dica é procurar ajuda. O tratamento é feito por psicoterapia semanal e ajuda farmacológica se necessário. Com ajuda de psiquiatra e medicação. Todo trabalho da pessoa com a depressão é em parceria com a família porque o profissional vê o paciente de uma a duas vezes na semana, mas o restante dos dias fica com a família, ou seja, o profissional vai dar orientações principalmente para as famílias daqueles pacientes que já têm pensamentos suicidas. Dentro de casa eu preciso que tirem os objetos de perfuração e cortantes, que tenha alguém de olho nele na fase crítica, mas quando começa o tratamento esses sintomas começam a desaparecer”.

Júnior Amaranto indica que a família ajude a pessoa com depressão a sair de casa e observar a vida acontecendo. “A pessoa que sofre de ansiedade e depressão precisa sair de casa - isso é intencional para que ele ou ela possa ver a vida ao seu redor. Já faz parte das características da doença esse isolamento, então ela precisa ver a vida acontecer. Precisamos incentivar o paciente a não fazer da casa a prisão dele”.

Junto ao MP/AL, Júnior diz que trabalha ajudando jovens, homens e mulheres que passam por problemas relacionados ao uso de drogas, de substâncias psicoativas que possam gerar pensamentos suicidas, tanto quanto pessoas que tenham problemas relacionados aos transtornos de personalidade, de bipolaridade com ansiedade, depressão, borderline, dentre outros.

“Eu fui ao fundo do poço, mas venci”

O personal trainer José Carlos, de 55 anos, passou pelo menos seis meses lutando contra uma depressão que quase o fez desistir da vida em 2018. “Eu nunca tive problemas relacionados à saúde mental até então. Sempre fui atleta. Mas um certo dia tive problemas com a garganta e fiz um exame, que deu diagnostico de h. pylori. A médica disse que era algo com o qual eu poderia conviver, mas passei a ficar preocupado. Lembrei de um amigo que morreu de câncer de estômago e passei a ter medo da morte. Sentia pânico e chorava muito”, relata.

Ele lembra que perdeu a vontade de ir para a academia, passava dias sem dormir, com insônia. “Eu nem ia para a cama. Ficava com medo de ir dormir e não acordar mais. O medo tomou conta de mim e fiquei com depressão. Comecei a perder músculos e foi difícil lidar porque eu era muito vaidoso. Minha família não entendia a gravidade do problema”, lembra.

O personal conta que passou a ir ao psiquiatra e lhe foram receitados remédios para dormir, mas que não faziam efeito. “Eu não dormia mesmo aumentando a dose. Passei a me ajoelhar e rezar, fortaleci minha fé. Ia para a faculdade para ocupar minha mente e sentia vontade de sair de casa por vergonha da minha família. Eles não pareciam entender”, continua.

José Carlos conta que começou a melhorar quando a família passou a ir às consultas com a psiquiatra e ele recebeu mais ajuda.

“Meu maior medo era ir dormir e cometer alguma besteira comigo mesmo. Tinha receio da minha família estar com medo de mim e evitava ficar muito em casa para não receber críticas. Só depois das idas às consultas que passaram a me entender e recebi ajuda, inclusive do Ministério Público, onde eu trabalhava, e me deram férias. Eu comecei a reagir, porque quando não tomamos a iniciativa, começamos a nos entregar. Comecei a cuidar mais de mim, a me amar, cuidar do meu templo, meu castelo, que é meu corpo”, relata.

O personal conseguiu finalmente superar o problema, segundo ele, com a fé. Hoje ele voltou a cuidar do corpo, está finalizando a pós-graduação e participa de projetos para cuidar de pessoas que passam por problemas parecidos.

“Fui abandonando os remédios assim que pude e hoje durmo bem sem medicação. O caminho da depressão é a má interpretação do externo. É preciso superar os problemas e eu estou feliz por ter vencido. Em muitas causas o depressivo acaba não tendo ajuda, o que leva para uma violência e ao vício em remédios. É muito importante contar com a ajuda da família, mas o mais importante é enfrentar seus medos, traumas e negatividades. Seguir em frente e correr atrás dos seus ideais”, opina.

Personal trainer José Carlos (Foto: Reprodução Instagram)

O Comitê de Prevenção e Posvenção do Suicídio do Estado de Alagoas (CEPPSAL) divulgou a Carta de Alagoas, cujo princípio norteador é a premissa do compromisso pela vida, considerando que o suicídio é reconhecido como um comportamento com determinantes multifatoriais, resultante de fatores psicossociais, biológicos, culturais e socioambientais, que acontece como um grito de socorro.

Tornou-se um problema social e de saúde pública, especialmente em determinadas populações, tais como jovens, negros, idosos, portadores de doenças crônicas, trabalhadores rurais, indígenas, população LGBTQIA+ e pessoas acometidas por transtornos mentais, considerando-se também os relacionados ao álcool e outras drogas.

O aumento da incidência de tentativas e mortes por suicídio, principalmente na população mais jovem (crianças e adolescentes), agregada aos reflexos socioeducacionais decorrentes da pandemia de Covid–19, compromete o presente e o futuro do país e de nosso estado.

O CEPPSAL é composto por representantes de entidades civis como as Organizações Não Governamentais (ONGs), Secretarias de Estado e Municipais, universidades e do Ministério Público do Estado de Alagoas - MP/AL, e foi criado pela Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas (Sesau) em 2019 e realinhado em 2021, com estatuto publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) de 7 de maio de 2021. O comitê tem a finalidade de propor, planejar e desenvolver ações e fomentar políticas públicas de prevenção e posvenção do suicídio, no âmbito do Estado de Alagoas.