Petrucia Camelo
AVAREZA CIVILIZADA
No leito seco de um rio, a lama, enxuta e esturricada pelo sol, em lodaçal o leito transforma, não deixando que se vejam saliências de pedras, de troncos de madeiras, pois perderam todas as arestas, nas outroras ondulações das águas. E, se, por um momento, esse rio viesse a encher e transpor as margens, não haveria coisa alguma onde o náufrago poderia agarrar-se para não sucumbir.
Essa situação é comparada ao coração de indivíduos desalmados, que, recolhidos em si mesmos, formam uma redoma arenosa em redemoinho que não deixa que falem, nem batem em direção a outrem; não veem a importância de olhar ao redor e estirar a mão ao náufrago que se debate em meio às necessidades, pedindo-lhes milagres e prodígios. A paixão que os move diz respeito apenas ao que está ao redor do próprio umbigo. E de modo algum tentam disfarçar tamanha alma perversa que inflama as influências negativas.
O que é preocupante é que, hoje, é dada à avareza uma fisionomia diferente. Não somente há os sete pecados capitais; há um sentido mais amplo, gestado em todas as classes sociais; não somente no desejo sórdido do apego ao acúmulo de riquezas, mas é um leque aberto na diversidade de formas errôneas, no sentido de adquiri-las. Ao promover condições para se abarrotar de bens, o indivíduo constrói, no sentido de ganhar mais com menor esforço, mas sem a preocupação de promover o bem, o certo; o que leva tempo!
Olhando o passado, visualiza-se o tempo denominado de a corrida de ouro, o tempo do garimpo, da ganância para se acharem pepitas cada vez maiores. Era quando se morria soterrado, pelo desabar das minas por falta de equipamentos adequados, de conhecimentos técnicos, de escavações e de geologia; sem esses recursos, provava-se que era preciso ser bom, ter faro, para realizar o sonho de descobrir ouro. Era o tempo de se perseguir a riqueza de maneira rudimentar, com o esforço do próprio trabalho visto como legal, apropriado, válido. Era pesado, difícil, mas era considerado legal.
Hoje, há a corrida do dinheiro generalizada que leva as pessoas, seja de que nível forem, letradas ou não, a se autodestruírem em mil maneiras. São marionetes do apego ao dinheiro, do lucro fácil em tempo recorde. Não há mais o contentamento de se esperar o tempo suficiente, preciso, para achar ouro no garimpo, pois há pressa para se alcançar não mais o sucesso de um talento, de um sonho, mas pressa para manter-se no apogeu dos recursos financeiros, embora duvidosos, instáveis, adquiridos sem base, de qualquer maneira, com superficialidade.
Instala-se o vício de ser delinquente delineado na sociedade, uma barbárie disfarçada em boas imagens, em linguagem aparentemente correta, mas formando afluentes do rio seco. Há escassez do bom, do melhor, do ótimo, não há água e nem céu, não há a que se apegar, somente a avareza de pegar o que não lhe pertence, como se estivesse vivendo sobre um alicerce de areia movediça.
A sociedade urbana, substanciada pela descrença, pelo medo, pelo individualismo, pelo materialismo, faz-se ver aos seus indivíduos que, talvez, tenham-se perdido pela falta do sussurro das águas, do vento, do canto dos pássaros, da mesa farta, composta de familiares, dos cenários puros e bucólicos, de suas origens, da presença das luzes do céu pelo atraso das decisões governamentais.
Por motivos óbvios, não há garimpo para todos escavarem a terra para extraírem riquezas, para serem bons na arte de encontrá-las com esforços próprios, para observarem a arte de mestres formando discípulos. Hoje, sai-se à esquina de beca e de intelecto vazio para arrancar do outrem alguma coisa que satisfaz a ganância imediata, numa procura instantânea de bens fáceis, que transforma em dinheiro, inclusive com o poder de tirar a vida do próximo. Não precisa ser adulto, ter idade suficiente para cometer atrocidades, ser de origem pobre ou rica; basta ser aprendiz de delinquente, com a consciência de que, para ser respeitado no reino do crime, precisa ter a natureza perigosa, perversa, e ser periculoso em ações criminosas.
Um componente arbitrário facilitador dessas ações é o artificialismo existente nas medidas tomadas, que diferem das medidas cabíveis, e ainda mais, há quem encontra brechas para encaixe do cinismo, da continuidade da coisa vã, criminosa.
Há uma atmosfera de espera da coisa sã; também há a inquietação, fadiga por tanta espera, que leva o olhar à passagem de coisas adulteradas, sem serventia, que não são recicláveis, que parecem dispostas em tonéis de material radiativo, indo até outras plagas. Lê-se em (v.14.11º O diálogo, Paulus, 1984) "Vê onde está o engano dos pecadores sendo-lhes possível possuir-me, fugir da angústia, viver alegres e consolados, preferem o mal de um bem aparente, correm atrás do ouro"
Enfim, na sociedade todos perdem vivenciando situações difíceis, mas é em suas bases que se refletem os efeitos mais perversos do apego, das ações da avareza que traz às gerações um sofrimento calado que as faz padecerem das intransponíveis limitações, como se estivessem emparedadas, sobrepostas umas às outras, onde não se caminha pelo amor; caminha-se pela dor.
A avareza civilizada empana e destila veneno mortífero, como se a sociedade estivesse a conviver com serpentes, sem poder mudar de caverna. Passam longe os ensinamentos de Jesus Cristo, e ficam cada vez mais longínquos da realidade atual: Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza, porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui. (Lucas 12:13-14).
Petrucia Camelo
Sobre
Petrucia Camelo é Assistente Social, nasceu em Viçosa-AL. Casada com o médico e escritor Arnaldo Camelo. Possui 14 livros publicados, dois livros premiados. Pertence a Academia Alagoana de Letras. Sócia Honorária do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Sócia da UBE-PE. Fundadora e Presidente do Clube Café, Vinho e Arte - CCVA.




