Petrucia Camelo

CHUVAS DE ROSAS

Petrucia Camelo 24 de outubro de 2025

É primavera. As flores voltaram, apresentam o eterno de suas breves vidas, mostrando que, apesar das intempéries, sobrevivem. Retornam com o simbolismo da harmonia e do amor, como a dizer que se pode sobreviver com dignidade, mostrando que Deus as está vendo.

E a rosa caprichosa, enigmática com sua singular beleza, parece sorrir, prendendo o olhar de seus admiradores na maciez de suas perfumadas pétalas. Ah! se o ser humano atentasse para a valorização da terra que a produz, por certo se orgulharia dela.

As flores primaveris que aí estão, são de princípio passivo; talvez, por isso, muitos as olhem como se elas já estivessem mortas, pois são ceifadas de suas cepas e levadas em borbotões para os mercados de flores de todo o mundo. Quem as chora, então? Como choram as lágrimas de mães que perdem suas filhas viçosas para o mundo obscuro ou tal qual se ceifa a vida de centenas de outros jovens em plena floração, a servirem em guerras estúpidas sem explicação.

O signo da flor é representado por tudo o que é belo, nobre e precioso. Lê-se em Dicionário de símbolos que São João da Cruz faz da flor as imagens das virtudes da alma; e do ramalhete que as reúne, a imagem da perfeição espiritual. O ser humano precisa interiorizar esse exemplo, procurando aprender com as flores, que, sem se importar com o contraditório, expõem beleza, cor e perfume ao sol primaveral.

Mas as flores oferecem momentos breves; parece que não se adaptam ao mundo exterior; parece que, ao viverem, vivem, apenas consigo mesmas, talvez porque o Belo compõe-se de palavra, atos e atitudes, que, como filigranas, asseguram a fortaleza ao passar por entre o nefasto, que aparece, muitas vezes, com uma força descomunal, fazendo-o forçosamente recolher-se ao mais profundo de sua intimidade, por perceber que aqui não é somente o paraíso, e por não encontrarem respostas de Deus às suas indagações, talvez, por isso, as flores procurem apenas encontrar-se consigo mesmas, nem que seja num pequeno vaso.

No entanto, a primavera sempre virá, apresentando as flores como um de seus atributos, como se elas fossem o seu estandarte maior, restaurando a cor cinza da vida, oferecendo-as como um mistério dos ritos e símbolos, como um troféu colorido e perfumado, para momentos alegres, festivos, sacramentais ou mesmo tristes, saudosos, mas sempre harmoniosos em favor do ser humano e do divino. Sua representatividade, sem se importar com matizes, pode ser apresentada por apenas uma flor isolada, ou em guirlandas, ou, mais ainda, produzidas em profusão em terras de cultivo floral.

A primavera traz as flores que confortam, pois impregnam de beleza tudo e todos em derredor, como se dissessem segundo a palavra de Santo Agostinho: “Eia, Senhor, agi, despertai-nos e chamai-nos! Vinde abraçar-nos e arrebatai-nos, inflamai-nos, enchei-nos de doçura: amemos... e recebendo a luz se veem iluminadas”.

As flores, revestem-se de um repertório de interpretações, que servem não apenas de ornamentos, mas de inspirações para poetas e artistas visuais, que enriquecem, com muita frequência, suas obras de arte com imagens florais; para as floristas, as rendeiras, as bordadeiras que apresentam seus trabalhos de artes manuais em jogos de ponto de sombra, de cor e de luz. Também, as flores evocam o sagrado, o simbolismo e reiteram as crenças religiosas, como as rosas de Santa Terezinha, copiadas de suas palavras: Depois de minha morte, farei chover chuvas de rosas.