Enio Lins

Um pavão nada misterioso mela a toga da Justiça brasileira

Enio Lins 24 de outubro de 2025

VAI REPRODUZIDA nesta coluna a genial caricatura de Hippertt, cujo texto da postagem original (@hippertt) diz, em duas linhas – “‘In Fuks we trust!’ O pavão judiciário com jeito de águia, mas com alma de pombo, daqueles que sujam bastante os espaços públicos” – mais que os 3.858 caracteres contidos nestes cinco parágrafos. Mas como cá temos uma área diagramável fixa para preencher, vamos estender mais o assunto. O tema contém tantos perigos para a Democracia que merece alongamentos.

DILMA ROUSSEFF confiou em quem não devia, atendeu a pedidos de políticos como Sérgio Cabral Filho e Antônio e nomeou Luiz Fux para o STF em março de 2011. Cinco anos depois, Fux procurou “espontaneamente” a facção que direcionava a Operação Lava Jato em benefício da extrema-direita e “disse para contarmos com ele para o que precisarmos, mais uma vez. Só faltou, como bom carioca, chamar-me pra ir à casa dele rs. Mas os sinais foram ótimos” – escreveu via zap Deltan Dallagnol para seu cúmplice Sérgio Moro, que respondeu: “Excelente. In Fux we trust”. Era abril de 2016. Três meses depois, em agosto daquele ano, a presidenta sofreu o impeachment sem ter cometido nenhum delito passível de tal punição.

NOS PRIMEIROS JULGAMENTOS dos peixes miúdos envolvidos na tentativa de golpe bolsonarista em 8 de janeiro, o ministro Fux foi um dos mais duros contra mais de 600 réus. Corretamente, condenou-os. Entre janeiro e março deste ano, ele foi o juiz que rejeitou 99% dos pedidos de habeas corpus impetrados por golpistas processados. Em 18 de julho, entretanto, a Casa Branca anunciou as primeiras retaliações contra ministros do STF pela insistência da corte em julgar o poderoso chefão golpista, Jair. Em 31 de julho, Trump disparou contra o ministro Alexandre de Moraes a famigerada “lei Magnistky”. Mas nem assim Moraes se afrouxou. Firmeza acompanhada pelos demais integrantes da primeira turma – todos, menos um.

EM 10 DE SETEMBRO, Fux leu – ao longo de 13 intermináveis horas – seu voto de 429 páginas. Folhas ao vento. Ocas. Tantas para cansar e inviabilizar a localização de algum nexo, ou justificativa plausível, para mudança tão abrupta de posicionamento. Depois de condenar 600 pilombetas, votava para absolver o tubarão. Votou pela absolvição do chefão Jair e dos principais líderes da sedição, e – contraditoriamente – determinava penas apenas para o golpista general Braga Netto, e para o capitão Cid, o oficial responsável pela delação premiada que trouxe provas importantes para o processo (um juiz castigando um colaborador da Justiça e livrando a cara do criminoso!). Um voto sem pé nem cabeça, numa relinchante pirueta para jair caindo no colo do bolsonarismo mais desavergonhado.

Mas as piruetas não pararam. O magistrado, sem que nem pra que, pediu a devolução do próprio voto “para fazer correções ortográficas” (?!?!), numa manobra para retardar a publicação do acórdão, possibilitando ao poderoso chefão jair usufruir de mais tempo, em confortável prisão domiciliar, para articular manobras em benefício de uma anistia graciosa. Não deu certo. Como revisão ortográfica não altera o conteúdo do voto dado, o acórdão foi publicado. A artimanha seguinte foi pedir para ser transferido para a segunda turma, onde sua presença soma-se aos dois outros colegas com vínculos bolsonaristas; e, mesmo transferido, solicitou continuar votando nos processos que correm contra o falso messias na turma da qual fazia parte. É muito contorcionismo!! O pior dos exemplos de pequenez e malandragem, num momento em que o Poder Judiciário brasileiro se agiganta e faz história ao processar, julgar e punir envolvidos em tentativa de golpe de Estado, e ousa resistir às pressões tremendas da maior potência mundial.