Enio Lins
Elos entre o crime organizado e o bolsonarismo orgânico
PASSAM DESPERCEBIDAS notícias importantes, infelizmente. Por exemplo: caiu no silêncio uma decisão escandalosa da Comissão de Segurança Pública da Câmara Federal. A instância, “dominada por bolsonaristas, aprovou nesta semana uma proposta que enterra o Núcleo Estratégico de Combate ao Crime Organizado, comitê do Ministério da Justiça criado para mapear e enfrentar facções criminosas. A aprovação, que demorou poucos segundos, aconteceu na última quarta-feira, 15. No último mês, operações policiais têm revelado o avanço do PCC em vários Estados, em diversos setores da economia”, escreveu Eduardo Barreto, dia 18, no Estadão.
ESSE FATO é mais uma reafirmação da sintonia entre o crime organizado e o bolsonarismo-raiz, que sempre tenta a mesma ação ridícula de despiste: critica os setores democráticos por “defender vagabundos”, ataca as políticas de Direitos Humanos, exige uma polícia de alta letalidade etc. – mas na hora H, quando os núcleos centrais do bandidismo são ameaçados, a turma do mito corre para tentar interromper as ofensivas policiais. Jair Messias, deputado federal, em 2005, saiu em desabrida defesa do miliciano e presidiário Adriano da Nóbrega, contumaz criminoso, membro da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em gesto acompanhado pelo filho Flávio “Rachadinha”, na época deputado estadual, que concedeu àquele notório bandido a mais alta comenda da Assembleia Legislativa do Rio. Era a pontinha de um monumental iceberg.
FATOS COMO ESSES expõem a cumplicidade entre o crime organizado e a família de políticos profissionais cujo chefão, vulgo “Mito”, alcançou à presidência da República. Em 2020, quando do assassinato do ex-capitão Adriano da Nóbrega, então fugindo da Justiça, o ex-capitão Jair Messias, na condição de presidente do Brasil(!), teve o desplante de choramingar sobre o bandido morto: “Naquele ano [2005], ele era um herói da Polícia Militar. Como é muito comum qualquer policial militar, em operação, matar o vagabundo, mata o traficante, e a imprensa, em grande parte, vai em defesa do marginal e condenam o policial”. Mas, em 2005, esse citado “herói” do Jair estava preso. Solto, Nóbrega seria um dos acusados pelos assassinatos da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes, em março de 2018, quando a segurança pública carioca estava sob intervenção do general bolsonarista Braga Netto. Ah, sim, quem apontou Nóbrega como um dos assassinos da vereadora foi o ex-sargento da PMRJ Ronnie Lessa, preso pelo duplo homicídio. Ronnie e Jair eram amigos e vizinhos no famoso condomínio Vivendas da Barra. Quer que desenhe?
QUANTO À RASTEIRA dada pela Comissão de Segurança Pública, ela foi aplicada exatamente quando a Polícia Federal aperta a elite, até então intocável, do crime organizado. O rastreamento profundo de quadrilhas como o PCC desvenda as ligações com os andares de cima, alguns encastelados nos píncaros da Faria Lima. A desarticulação do Núcleo Estratégico de Combate ao Crime Organizado, entretanto, pouco efeito terá para a sonhada intocabilidade das elites criminosas: no dia seguinte à votação, a PF deflagrou a segunda fase da Operação Mafiusi, investigando as ligações do PCC com as máfias italiana e albanesa. Que siga adiante, como ou sem núcleo.
DEVE CAUSAR DIFICULDADES à polícia o desmantelamento do Núcleo Estratégico de Combate ao Crime Organizado, é verdade. Mas nada que venha a impedir ações de grande importância, como a Operação Carbono Oculto, que comprovou a presença do PCC em negócios com refinarias, postos de combustíveis, hotéis, motéis e até um terminal portuário estava envolvido no esquema, além das tais fintechs (serviços financeiros digitais de alta tecnologia). Afinal, combater o crime organizado é vital para a Democracia e uma questão de vontade política – o que faltou entre 2019 e 2022.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.





