Enio Lins
A eterna idade do futuro, da rebeldia e do inconformismo

“Volver a los diecisiete/ Después de vivir un siglo/ Es como descifrar signos/ Sin ser sabio competente/ Volver a ser de repente/ Tan frágil como un segundo/ Volver a sentir profundo/ Como un niño frente a Dios/ Eso es lo que siento yo/ En este instante fecundo”
CÁRMEN LÚCIA DANTAS flui como a canção de Violeta Parra, reverberada Brasil acima, desde 1976, na voz de Mercedes Soza, com a rica parceria de Milton Nascimento. Já se vão quase 50 anos daquela gravação e a sirilla chilena segue viva, brotando como el musquito em la piedra, verdejando sem idade.
AO COMPLETAR 80 ANOS, Cármen Lúcia rejuvenesce-se a cada ano. A olhos vistos, com se pode ver – e ouvir – nas manifestações pelos direitos mais amplos da cidadania. “Vive la fuerza de tus diecisiete años”, poderia cantar Violeta. Provavelmente, aos 17, nos idos de 1962, a garota penedense não tenha se posicionado sobre o embargo total decretado pelo presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, contra Cuba (em fevereiro); nem comentado sobre “O discurso da lua”, pronunciado pelo Papa João XXIII, em outubro, quando da abertura do Concílio Vaticano II; talvez nem tenha discursado sobre a criação do 13º salário pelo presidente João Goulart, em 13 de julho; ou nem mesmo avaliado a reunião entre os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos, Goulart e Kennedy, ocorrido em abril, na Casa Branca, em Washington. A garota de 80 anos, portanto, está mais energizada que a menina-moça de dezessete, dando uma lição sem idade para quem possa se interessar por cidadania, conscientização e engajamento.
DENTRE AS LIÇÕES DADAS por Carmen Lúcia Dantas para Alagoas, está a Museologia. Graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao regressar ao território alagoano, trouxe não só a formação técnica nessa área, mas uma visão humanista avançada, e aqui a aprofundou com a aplicação das concepções sociológicas e antropológicas cujo foco é a raiz popular, a memória e a vida lutada pelas populações periféricas – sem apagar, nem marginalizar, as contribuições das elites culturais. Salvar do apagamento histórias em risco sempre foi a opção prioritária da museóloga penedense. Essa atitude teve como um dos primeiros campos de trabalho, iniciado há cerca de 50 anos, a coleção reunida pelo pesquisador Théo Brandão (1907/1981) e organizada exemplarmente hoje no museu que leva o nome do grande estudioso da cultura popular alagoana. Noutra vertente, sua assinatura está na formatação do Museu da Fundação Raimundo Marinho, em Penedo, referência para a “Pérola do São Francisco”. E, há cinco dias, esse mesmo cuidado (e talento) guiou a reorganização do Museu Manoel da Marinheira, na área rural de Boca da Mata, apresentando a fantástica coleção Jorge Tenório. Três exemplos para apresentar o que está feito. E no item “para fazer”, a prefeitura de Marechal Deodoro já cerca a guru da museologia para o futuro museu da cidade, destinado à contação das histórias da povoação de Santa Maria Madalena da Alagoa do Sul.
AOS 79 ANOS, 11 MESES E 21 DIAS de idade, essa combativa cidadã estava nas ruas, no alto de um caminhão de som, sob o sol do meio-dia, a discursar em defesa da Democracia e contra todos os tipos de golpes e violências. Quantas meninas, meninos e/ou menines de 17 anos se dispõem a essa batalha civilizatória nesses dias tumultuados? Uma emblemática sequência de fotos capturadas pela esposa, a jornalista e escritora Cíntia Ribeiro, mostra a jovial Cármen (sob um boné vermelho, quiçá dos sem-terra) a discursar para uma multidão reunida no ponto dos Sete Coqueiros, em Pajuçara – numa poderosa lição pública de vida, cidadania, consciência política e engajamento.
Assim, neste aniversário, parabéns para Alagoas por ter uma cidadã como Carmen Lúcia Dantas. Siga adiante, revolucionariamente como sempre.

Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.