Enio Lins

A eterna idade do futuro, da rebeldia e do inconformismo

Enio Lins 26 de setembro de 2025

“Volver a los diecisiete/ Después de vivir un siglo/ Es como descifrar signos/ Sin ser sabio competente/ Volver a ser de repente/ Tan frágil como un segundo/ Volver a sentir profundo/ Como un niño frente a Dios/ Eso es lo que siento yo/ En este instante fecundo”

CÁRMEN LÚCIA DANTAS flui como a canção de Violeta Parra, reverberada Brasil acima, desde 1976, na voz de Mercedes Soza, com a rica parceria de Milton Nascimento. Já se vão quase 50 anos daquela gravação e a sirilla chilena segue viva, brotando como el musquito em la piedra, verdejando sem idade.

AO COMPLETAR 80 ANOS, Cármen Lúcia rejuvenesce-se a cada ano. A olhos vistos, com se pode ver – e ouvir – nas manifestações pelos direitos mais amplos da cidadania. “Vive la fuerza de tus diecisiete años”, poderia cantar Violeta. Provavelmente, aos 17, nos idos de 1962, a garota penedense não tenha se posicionado sobre o embargo total decretado pelo presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, contra Cuba (em fevereiro); nem comentado sobre “O discurso da lua”, pronunciado pelo Papa João XXIII, em outubro, quando da abertura do Concílio Vaticano II; talvez nem tenha discursado sobre a criação do 13º salário pelo presidente João Goulart, em 13 de julho; ou nem mesmo avaliado a reunião entre os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos, Goulart e Kennedy, ocorrido em abril, na Casa Branca, em Washington. A garota de 80 anos, portanto, está mais energizada que a menina-moça de dezessete, dando uma lição sem idade para quem possa se interessar por cidadania, conscientização e engajamento.

DENTRE AS LIÇÕES DADAS por Carmen Lúcia Dantas para Alagoas, está a Museologia. Graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao regressar ao território alagoano, trouxe não só a formação técnica nessa área, mas uma visão humanista avançada, e aqui a aprofundou com a aplicação das concepções sociológicas e antropológicas cujo foco é a raiz popular, a memória e a vida lutada pelas populações periféricas – sem apagar, nem marginalizar, as contribuições das elites culturais. Salvar do apagamento histórias em risco sempre foi a opção prioritária da museóloga penedense. Essa atitude teve como um dos primeiros campos de trabalho, iniciado há cerca de 50 anos, a coleção reunida pelo pesquisador Théo Brandão (1907/1981) e organizada exemplarmente hoje no museu que leva o nome do grande estudioso da cultura popular alagoana. Noutra vertente, sua assinatura está na formatação do Museu da Fundação Raimundo Marinho, em Penedo, referência para a “Pérola do São Francisco”. E, há cinco dias, esse mesmo cuidado (e talento) guiou a reorganização do Museu Manoel da Marinheira, na área rural de Boca da Mata, apresentando a fantástica coleção Jorge Tenório. Três exemplos para apresentar o que está feito. E no item “para fazer”, a prefeitura de Marechal Deodoro já cerca a guru da museologia para o futuro museu da cidade, destinado à contação das histórias da povoação de Santa Maria Madalena da Alagoa do Sul.

AOS 79 ANOS, 11 MESES E 21 DIAS de idade, essa combativa cidadã estava nas ruas, no alto de um caminhão de som, sob o sol do meio-dia, a discursar em defesa da Democracia e contra todos os tipos de golpes e violências. Quantas meninas, meninos e/ou menines de 17 anos se dispõem a essa batalha civilizatória nesses dias tumultuados? Uma emblemática sequência de fotos capturadas pela esposa, a jornalista e escritora Cíntia Ribeiro, mostra a jovial Cármen (sob um boné vermelho, quiçá dos sem-terra) a discursar para uma multidão reunida no ponto dos Sete Coqueiros, em Pajuçara – numa poderosa lição pública de vida, cidadania, consciência política e engajamento.
Assim, neste aniversário, parabéns para Alagoas por ter uma cidadã como Carmen Lúcia Dantas. Siga adiante, revolucionariamente como sempre.