Alisson Barreto

Seriam as bolhas instrumentos para o novo reordenamento mundial?

Alisson Barreto 07 de setembro de 2025
Seriam as bolhas instrumentos para o novo reordenamento mundial?
Seriam as bolhas instrumentos para o novo reordenamento mundial? - Foto: Alisson Barreto

Seriam as bolhas instrumentos para o novo reordenamento mundial?


1. O terrorismo das bolhas


Há um terrorismo pouco notado e pouco falado na polarização esquerdo-direitista vigente: por trás da aversão ao lado combatido, há a alimentação de um medo contra o qual se busca reagir.


Na bolha direitista, há diversos medos: como o do comunismo, do ateísmo, do abortamento, da ressignificação de termos e valores, o da perda de valores religiosos, patrióticos, familiares e, em alguns casos, de poder.


Na bolha esquerdista, também há diversos medos: como o da volta da ditadura, da censura, o do crescimento dos ricos e marginalização dos pobres, o da perda de direitos civis, trabalhistas e humanos.


Esses medos são inflados pela crescente descrença nas fontes de informações. Soergueu-se a descrença nas metodologias e eclodiu a busca por narrativas corroborantes com as expectativas das bolhas.


Isso gera retroalimentação “informativa” de pensamentos gerados para fomentar quer a ideologia de esquerda, quer a de direita. Algumas dessas alimentações são tachadas como “fake News”, outras escapam do crivo sensor dos meios de informação.


Com o tempo termos que não pertencem a um polo nem outro passam a ser adotados para designar e dividir. Muitos termos passam a ser ressignificados, gerando distorções, dificuldades de comunicação efetiva, confusões mentais e aumento da polarização.


2. O xadrez russo-estadunidense: teria a Rússia ganhado o jogo da Guerra Fria?


E se, no xadrez da Guerra Fria, a URSS tivesse dado uma peça para conseguir o xeque-mate? E se, tendo identificado caminho de derrota, tenha dado-se como vencida para abocanhar a vitória final?


Já parou se por trás da queda da URSS estivesse uma mudança tática de nome e de roupagem para adquirir tempo para uma guinada fatal? É possível. E se a teoria da conspiração de um presidente patrocinado pelos interesses russos chegasse ao poder estiver certa? É pouco provável, hoje, mas é bem notável que algumas atitudes isolacionistas do atual chefe do executivo estadunidense favorecem o soerguimento do eixo sino-russo.


O fato é que as pessoas dão muito crédito às simbologias das cores e dos nomes, de modo que se ocorre uma engenharia terminológica ou ressignificação de símbolos, poucos são capazes de perceber a tempo a realidade antiga escondida na aparência nova. A aparência de cordeiro com nome de cordeiro oculta lobos periculosos.


Mas não nos limitemos aos escândalos das teorias, prossigamos no texto que é no assunto BRICS que discutiremos muita coisa.


3. O papel do Brasil


1) Diga-me onde investes suas energias e eu te direi a quem tu te direcionas


Sociologicamente, é observável que crenças em líderes carismáticos geram barreiras perceptivas que, como paixões avassaladoras, podem levar seus seguidores a depositarem todas as suas fichas neles, abraçando suas causas, vestindo suas camisas e hasteando bandeiras por eles levantadas. Líderes carismáticos são capazes de erguerem máscaras de mitos cujos seguidores jamais quererão desmitificar, pois a crença em suas verdades subjetivas não lhes permite aceitar a possibilidade de uma verdade objetiva fora daquela verdade subjetiva. Para os seguidores daquele ideal representado pelo líder carismático, atentar contra o líder carismático é atentar contra as crenças de quem o segue. Isso leva a serem eles próprios os porta-estandartes de suas ideologias, não precisam de robôs que façam os trabalhos desejados por seus líderes, eles próprios se dedicam a esse trabalho, pois seus focos e energias estão empenhados em proteger seus ideais, atacar os opositores, criar a realidade em que acreditam.


Isso ocorre no polo direitista e ocorre no polo esquerdista. Os mesmos que em um momento eram contra anistia, tornam-se a favor em outra situação e vice-versa (os mesmos que eram a favor tornam-se contra a anistia, em outra situação). A ocasião pesa-lhes mais que a coerência. Seus empenhos levam-nos, muitas vezes, a crer que os fins justificam os meios ou assim agem sem se darem conta.


Mas quanto ao Brasil: enquanto o mundo envereda por uma disputa geopolítica de proporções imperialmente globalizantes, aqui discute-se se Fulano ou Sicrano deve ser inocentado ou condenado, não em função do agir certo ou errado, mas em função de compactuarem com um ou outro lado. Discute-se também se Beltrano deveria ou não ter sido condenado ou estar preso. Em outros momentos, não é se o julgador age certo ou errado, em abstrato, considerando-o certo ou errado conforme ataque ou não pessoa de uma determinada bolha.


Enquanto isso, a IA é desenvolvida em outros países e aqui é apenas consumida. Países buscam desenvolver computadores quânticos, enquanto o Brasil só assiste a isso, se é que assiste. Enquanto indústrias desenvolvem carros e tecnologias para lucrarem com eles, os brasileiros se contentam com a possibilidade de trabalhar para elas e comprarem seus produtos. Em outras palavras, enquanto o umbigo cresce, o mundo toma seus rumos. Enquanto os peixes se entretêm com as iscas, os pescadores puxam os anzóis. Uns mostram as praias, outros adquirem-nas.





2) O Brasil no mercado internacional: ouro por espelhos?


No início da colonização daqui da América, os nativos brasileiros – por desconhecerem o valor do ouro além-mar – trocavam ouro por espelhos e pedaços de espelhos trazidos da Europa. Essa prática de trocar matérias-prima por produtos industrializados não mudou tanto como muitos pensam: mudou-se o nome e passou-se a chamar exportação de commodities por importação de tecnologias e produtos industrializados.


Alguém pode dizer que hoje temos indústrias. Mais ou menos. Temos muitas montadoras e fábricas estrangeiras que se instalam aqui, vendem o uso de suas tecnologias para os brasileiros e contratam brasileiros para trabalharem para elas. Ou seja, o Brasil entra com a mão de obra e a matéria-prima baratos e adquirem os produto das empresas estrangeiras.


Enquanto o estrangeiro vê o Brasil como um significativo mercado consumidor ter um padrão de vida melhor, o brasileiro olha para o dinheiro levantado no Brasil (muitas vezes para empresas de matrizes estrangeiras fixadas no Brasil) como índice de satisfação com governantes, ainda que o IDH[1]
não evolua e produza muito do essencial para a subsistência do mundo em troca de aperto financeiro e competitividade desleal entre nacionais.


A gente se sacrifica para pegar o ouro e acha bonito ver o dono da mineradora mostrar que o Brasil vende mais ouro do que antes. No fim, contenta-se em ter alguma comida e talvez alguns espelhos em casa ou ver postagens luxuosas em redes sociais. O ouro são o que produzimos e os espelhos são os produtos cujas tecnologias foram desenvolvidas lá fora e para lá vão as divisas.


4. A relevância e o risco da participação no BRICS


O Brasil é um dos cinco membros fundadores do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o qual é composto por dez países, dos quais seis são governados por regimes autocráticos (Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Indonésia). Somam-se aos membros do BRICS os ditos países parceiros: Belarus, Bolívia, Nigéria, Indonésia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. Note que, dos países parceiros do BRICS, apenas um não é de regime autocrático: a Indonésia.


Vale lembrar que, recentemente, um dos países fundadores invadiu um país vizinho: a Rússia atacou e está em guerra contra a Ucrânia, país que se tornou independente da URSS e luta para se consolidar como democracia e ingressar na União Europeia. E não convém esquecer que a China anexou o Tibete e vive uma situação peculiar com Taiwan.


Detalhe: o BRICS já detém cerca de 30% (trinta por cento) do PIB global. Para se ter uma ideia, a EU detém 15%, a zona livre da América do Norte, 25%. O Mercosul é uma união aduaneira com apenas cerca de 3,7%.


Militarmente, até onde se sabe, três dos membros do BRICS são considerados potências nucleares: Rússia, China e Índia.


Ou seja, é um grupo que cresce em números econômicos, mas também militarmente e expande-se sob a crescente liderança de países autocráticos e com inclusão de regimes autocráticos. Em linhas globais, um crescente risco às soberanias e às liberdades civis.


O Brasil é um país cuja Constituição conclama-o à cooperação internacional e à promoção da paz; mas também com sérios desafios ao desenvolvimento humano e econômico, que poderiam ser parcialmente obtidos pelo desenvolvimento do BRICS, ao mesmo tempo que o crescimento do BRICS já passa a ressoar como risco a soberanias e liberdades civis.


5. Como chegamos ao atual cenário global?


A tentativa de a Alemanha de Hitler invadir a URSS levou ao rompimento da parceria entre ambos os países e a Rússia (URSS) entrar na Segunda Guerra ao lado dos aliados. Enquanto isso, o Brasil que outrora fora simpatizante da Itália de Mussolini, acabou entrando na Guerra também do lado dos aliados, após os Estados Unidos contribuírem com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, aqui no Brasil. Após a Guerra, sucedeu-se a Guerra Fria, dividindo o mundo em duas áreas de influência: a capitalista com os Estados Unidos e comunista com a Rússia (sob o nome de URSS). Países do BRICS como Brasil e África do Sul estavam do lado dos Estados Unidos, enquanto Rússia e China pelo lado do socialismo.


Com a queda da URSS, que dominava a Alemanha Oriental e países circunvizinhos como Ucrânia, Letônia e Estônia, muitos países do bloco socialista passaram a ser capitalistas nas relações econômicas internacionais e comunistas na gestão político administrativa interna, abrindo-os para os lucros de um mercado cada vez mais globalizado.


O mundo capitalista, desejoso de espalhar seus valores democráticos, confiou na aparente abertura da Rússia ao mundo democrático. Mas será que dava para confiar que os partidos comunistas com décadas de doutrinação ideológica e muitos espiões disseminados (KGB e nomes que se sucederam) apagariam a chama marxista tão facilmente?


6. A soberania do Brasil estaria em risco?


A curto prazo, provavelmente, não. Não apenas pelas dimensões continentais do Brasil e seu experiente Exército; mas porque os delineamentos ainda estão ocorrendo.


O Brasil não é uma potência nuclear e não tem vizinhos que ameacem sua soberania. No entanto, não o ser é também um risco para o caso de um conflito de maiores proporções. Historicamente, o Brasil tem sido zona de interesse de muitos países, quer por participação em área de interesse na Guerra Fria, quer pela relevância de suas florestas. De modo que, somado à postura proativa na edificação de uma paz global, o Brasil sempre permaneceu sob o amparo de ombros largos e o ringue de disputa “pró-capitalismo x pró-socialismo” deu-se nos cenários sociais, sobretudo, universidades, igrejas e ambientes político partidários.


Hoje, o peso das riquezas naturais já não é relevante por boa parte dos agentes desejosos de reconstrução de impérios: Rússia e EUA, destacadamente. Mas o interesse em dar-se bem com país tão imenso e tão produtor de commodities
tem levado várias nações a respeitá-lo nas relações internacionais. O embate ideológico interno, silenciosa ou ruidosamente, persiste. Recentemente, de forma mais ruidosa, por meio das bolhas sociais.


A longo prazo, porém, é arriscado dizer que o Brasil esteja tão seguro assim. Nenhum país está. Se, por ex., a teoria de que o atual governo estadunidense tenha sido fomentado secretamente pela Rússia (o que até faz sentido, se depositar foco no afastamento que os EUA têm proporcionado em relação a seus aliados históricos, enquanto o eixo sino-russo está de portas abertas a quem quiser fechar acordos com eles. Além disso, eclodiram empenhos em dividir o mundo nas dicotomias esquerda-direita ou ricos-pobres, como é típico em raízes marxistas), as regiões não participantes do eixo sino-russo estariam isoladas e cada vez mais enfraquecidas. Se os Estados Unidos recuarem para um isolacionismo, o mundo estará diante de um sinal claro de ameaça às liberdades e democracias.


Em tal cenário, o Brasil estaria entre (I) aderir a um eixo onde direitos significativos como liberdade de religião, estado de bem-estar social, estado democrático de direito e direitos humanos estariam ameaçados até a extinção efetiva e (II) ser jogado para escanteio até que, não conseguindo acompanhar as tecnologias globalmente disseminadas, tornasse alvo fácil para invasões e dominações. Hipótese na qual o risco facilmente tornar-se-ia uma realidade terrível e avassaladora.


7. Retomando o assunto: as bolhas são instrumentos úteis ao reordenamento mundial?


Diante do exposto, percebe-se que a crença nas informações propagadas nas bolhas, quer ditas de direita, quer de esquerda – alimentam dicotomias marxistas com passional empenho. Alguns empenham-se porque creem nos pastores ou professores que as disseminam, outros porque acreditam estarem de um lado que vê no outro um ícone de dominação do pobre para a implantação de um socialismo ou um ícone de prepotência de ricos evitar um poder “trabalhista” que acabaria com a pobreza.


Na prática, ambos os grupos retroalimentam suas bolhas por meio de medos tantas vezes velados, mas que eclodem em acaloradas discussões. Portanto, facilmente, ambas as bolhas podem ser meras massas de manobra para promoverem o poder de alguns e ideologias que, ocultas ou evidentes, podem propiciar revoluções e fomentar a divisão do planeta entre os novos impérios que estão prestes a se erguer.


Em outras palavras, há um terrorismo velado, disfarçado por diversos nomes e muitas paixões. Um terrorismo que corrói indivíduos por dentro, que destrói famílias e crenças, que consome democracias. Aliás, muitos já se empenham em tais bolhas por acreditarem que já não vivemos em uma.


Sim, as bolhas se alimentam de terrorismos nutridos por crenças e narrativas falaciosas, por mentiras criadas na crença de que os fins justificam os meios, em razão da crença na guerra de versões e descrença na humanidade, nos valores do diálogo, do respeito à liberdade de pensamento e da democracia.


Nesse sentido, as bolhas são geradoras de escravos úteis, de formigas soldados empenhados em proteger a rainha ideológica de suas bolhas.


Mas é claro que sempre, enquanto há vida, uma pessoa pode sair de sua bolha. Lembrando, claro, que pode estar diante do mito da caverna de Platão; pois acredito que nem sempre em terra de pessoa com deficiência visual, quem tem olho seria rei; normalmente, quem enxerga fora da caverna é tido como louco, do contra, merecedor de apelidos pejorativos ou simplesmente um rei a ser crucificado.


Maceió, 7 de setembro de 2025.


Alisson Francisco Rodrigues Barreto











[1]
Índice de Desenvolvimento Humano. Atualmente, o Brasil está em 84º lugar no ranking (atrás da Argentina, 54º, e – como era esperável – da China, 75º, e dos Estados Unidos, 17º. Os cinco primeiros são, respectivamente: Islândia, Noruega, Suíça, Dinamarca e Alemanha).