Enio Lins

Santo e profeta na fé popular nordestina, para além da Igreja oficial

Enio Lins 25 de julho de 2025

EM MAIS UMA promoção do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, foi realizado um ciclo de estudos sobre o Padre Cícero, tendo como temas “Vida e Obra de Padre Cícero”, por Inácio de Loiola; “Conflitos entre o Padre Cícero e a Igreja Católica”, com Marcello Fausto; “Padre Cícero e a Economia Criativa do Nordeste”, com Keylle Lima, e Joaquim Cartaxo, “A experiência gerada pela fé no Padre Cícero”, por Elias Romeiro. Iniciativa assinada por Jayme de Altavilla e Luiz Otávio Gomes, com a parceria do SEBRE/AL.

PADRE CÍCERO é um ícone de múltipla importância. Religião, cultura, política, economia são, em resumo, as áreas referenciais para esse personagem de liderança inconteste e duradora, perene até onde a vista possa alcançar. Na economia, criou o mais importante polo urbano de geração de emprego e renda na região do Cariri: Juazeiro do Norte; na política, marcou a história como emancipador e primeiro prefeito de Juazeiro, vice-governador do Ceará e deputado federal (posto que não assumiu), além de ter costurado o famoso acordo entre o governo federal e Lampião, para os cangaceiros darem combate à Coluna Prestes; na cultura, nem precisa falar; na religião está seu contributo mais instigante, brilhando como protagonista nas crenças populares antissistema.

ALAGOAS SE ORGULHA de fazer parte dessa longa história desde os primórdios, onde se destacam fatos como a célebre doação de matrizes bovinas de alta qualidade, enviadas da alagoana Vila da Pedra para o Juazeiro, por Delmiro Gouveia – narrações delmirenses nas quais se destaca o episódio do boi Mansinho, reprodutor zebu que era o xodó do Beato Zé Lourenço, homem de confiança do Padrinho Padre Cícero, mas aí é assunto longo, fica para outro dia. Como aqui escrito na quarta-feira, temos também, a investigar, a tese alinhavada por Flaubert Torres (1940/2019) de que a todo-poderosa Beata Mocinha seria alagoana, nascida na Viçosa, filha do coronel Apolinário Rebelo Pereira Torres (hipótese compartilhada com Aldo Rebelo). E, mui especialmente, Alagoas se envaidece de ser o Estado que mais envia romeiros ao Juazeiro do Norte.

NESSE SEGMENTO FUNDAMENTAL, a romaria ao Juazeiro do Padre Cícero se destaca como a maior das romagens cristãs de motivação essencialmente popular (em termos gerais, considerando todas as manifestações, oficiais ou não, é menor apenas que a romaria à Aparecida do Norte; mas essa movimentação, tendo como epicentro a Padroeira do Brasil, é organizada pela alta hierarquia da Igreja Católica). As procissões ao Padre Cícero são autônomas, independem das instituições religiosas formais. A meu ver, a viagem ritualística ao Juazeiro se parece muto mais com o sentimento da peregrinação mulçumana à Meca do que as andanças católicas à Roma ou outros endereços cristãos. Não é sem motivo que o solo urbano do Padrinho Padre Cícero é chamado de “Meca do Nordeste”. Esse deslocamento é um dos pilares da fé nordestina.

ELIAS ROMEIRO, conferencista na programação do IHGAL, proporcionou, na tarde da quinta-feira, um momento dos mais importantes daquela agenda de debates, ao levar ao público presente a experiência vivida, única, da devoção romeira. Disse ele: “Os pés dos romeiros são como lápis. Nós, pobres, somos de poucas letras. Mas a gente também escreve com os pés. Só que para ler essa escrita precisa conhecer os chãos da vida e das estradas duras. E é preciso curtir os couros dos pés”, e mais: “Na hora da romaria, o peregrino deixa seu centro de referência costumeiro e caminha em direção a outro centro, onde projeta valores, desejos, sonhos que motivam a sua peregrinação na terra. Contrariamente ao que alguns pensam, a romaria não é fuga da realidade diária, mas procura de sentidos, reabastecimento da esperança para viver melhor esta realidade”. Fica aqui, como sugestão, a publicação do discutido nesse Ciclo de Estudos.