Enio Lins
Santo e profeta na fé popular nordestina, para além da Igreja oficial

EM MAIS UMA promoção do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, foi realizado um ciclo de estudos sobre o Padre Cícero, tendo como temas “Vida e Obra de Padre Cícero”, por Inácio de Loiola; “Conflitos entre o Padre Cícero e a Igreja Católica”, com Marcello Fausto; “Padre Cícero e a Economia Criativa do Nordeste”, com Keylle Lima, e Joaquim Cartaxo, “A experiência gerada pela fé no Padre Cícero”, por Elias Romeiro. Iniciativa assinada por Jayme de Altavilla e Luiz Otávio Gomes, com a parceria do SEBRE/AL.
PADRE CÍCERO é um ícone de múltipla importância. Religião, cultura, política, economia são, em resumo, as áreas referenciais para esse personagem de liderança inconteste e duradora, perene até onde a vista possa alcançar. Na economia, criou o mais importante polo urbano de geração de emprego e renda na região do Cariri: Juazeiro do Norte; na política, marcou a história como emancipador e primeiro prefeito de Juazeiro, vice-governador do Ceará e deputado federal (posto que não assumiu), além de ter costurado o famoso acordo entre o governo federal e Lampião, para os cangaceiros darem combate à Coluna Prestes; na cultura, nem precisa falar; na religião está seu contributo mais instigante, brilhando como protagonista nas crenças populares antissistema.
ALAGOAS SE ORGULHA de fazer parte dessa longa história desde os primórdios, onde se destacam fatos como a célebre doação de matrizes bovinas de alta qualidade, enviadas da alagoana Vila da Pedra para o Juazeiro, por Delmiro Gouveia – narrações delmirenses nas quais se destaca o episódio do boi Mansinho, reprodutor zebu que era o xodó do Beato Zé Lourenço, homem de confiança do Padrinho Padre Cícero, mas aí é assunto longo, fica para outro dia. Como aqui escrito na quarta-feira, temos também, a investigar, a tese alinhavada por Flaubert Torres (1940/2019) de que a todo-poderosa Beata Mocinha seria alagoana, nascida na Viçosa, filha do coronel Apolinário Rebelo Pereira Torres (hipótese compartilhada com Aldo Rebelo). E, mui especialmente, Alagoas se envaidece de ser o Estado que mais envia romeiros ao Juazeiro do Norte.
NESSE SEGMENTO FUNDAMENTAL, a romaria ao Juazeiro do Padre Cícero se destaca como a maior das romagens cristãs de motivação essencialmente popular (em termos gerais, considerando todas as manifestações, oficiais ou não, é menor apenas que a romaria à Aparecida do Norte; mas essa movimentação, tendo como epicentro a Padroeira do Brasil, é organizada pela alta hierarquia da Igreja Católica). As procissões ao Padre Cícero são autônomas, independem das instituições religiosas formais. A meu ver, a viagem ritualística ao Juazeiro se parece muto mais com o sentimento da peregrinação mulçumana à Meca do que as andanças católicas à Roma ou outros endereços cristãos. Não é sem motivo que o solo urbano do Padrinho Padre Cícero é chamado de “Meca do Nordeste”. Esse deslocamento é um dos pilares da fé nordestina.
ELIAS ROMEIRO, conferencista na programação do IHGAL, proporcionou, na tarde da quinta-feira, um momento dos mais importantes daquela agenda de debates, ao levar ao público presente a experiência vivida, única, da devoção romeira. Disse ele: “Os pés dos romeiros são como lápis. Nós, pobres, somos de poucas letras. Mas a gente também escreve com os pés. Só que para ler essa escrita precisa conhecer os chãos da vida e das estradas duras. E é preciso curtir os couros dos pés”, e mais: “Na hora da romaria, o peregrino deixa seu centro de referência costumeiro e caminha em direção a outro centro, onde projeta valores, desejos, sonhos que motivam a sua peregrinação na terra. Contrariamente ao que alguns pensam, a romaria não é fuga da realidade diária, mas procura de sentidos, reabastecimento da esperança para viver melhor esta realidade”. Fica aqui, como sugestão, a publicação do discutido nesse Ciclo de Estudos.

Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.