Petrucia Camelo

CARNAVAL E A HORA

Petrucia Camelo 13 de fevereiro de 2025

Retira-se do palco a manjedoura, guardam-se os arranjos natalinos e a fé no canto religioso do coração. Dá-se lugar às manifestações que remetem à festa de Momo, em uma entrega ao carnaval que dita regras com o passo em ritmo alucinante, sempre reafirmando que o frevo é o gênero carnavalesco que promove a alegria a pessoas de todas as idades, nas mais variadas vertentes culturais, vestidas com inusitadas fantasias.

Dentro da sociedade brasileira, o que o carnaval acrescenta? Em termos de benefícios, promove o turismo, o intercâmbio cultural, o aumento da movimentação do comércio, gera o aumento da arrecadação do ISS para o município. Para o bem-estar dos foliões, o carnaval é a hora de mudança de postura, de maneirar o peso da seguridade humana, de soltar as rédeas, os diabinhos interiorizados: é hora de descontração e de alegria.

Pelo fato, ondas de foliões invadem as avenidas, as ruas da orla lagunar ou marítima, embora o chão das ruas do centro e da periferia também seja palco de foliões que, de passagem com braços dados com o frevo, apresentam-se em blocos de rua que levam à frente seus estandartes, permitindo a darem passos com o sentimento de liberdade, ao se embriagarem ao som da orquestra de instrumentos vibrantes, contagiantes, que os acompanha a tocar o frevo no ritmo da alegria, levando-os ao ponto de improvisações bizarras coloridamente, loucamente extraídas das evocações carnavalescas, traduzindo a força invencível do brasileiro na expressão da alegria oriunda da alma e da arte da cultura popular.

A paisagem carnavalesca deve ter ares de endiabrado enlevo da alegria de viver, porém não deve ser encarada como momento de degeneração, pois por trás da máscara alegre, existe o lado exibicionista do indivíduo, que pode aflorar nos mais exaltados o acometimento de riscos desmedidos, para si e para outrem; para esses, talvez, implique a medida de sofrer, de morrer pelo carnaval. Portanto, é bom se deixar levar pela liberdade momesca com certa prudência, e não deixar que o exagero leve a outras plagas.

No período carnavalesco, o dia não surge mansamente; a inquietude começa cedo, voltada para o aproveitamento do espaço largo da liberdade que define o carnaval como o momento de delírio, de esquecimento dos problemas do resto do ano. Para repor as evasivas, logo cedo o folião procura trazer à tona a criatividade e com muita graça faz alusões a fatos e personagens da época, de exaltação aos valores da cultura, ou reminiscências de tempos idos, ou, mais ainda, bota para fora inspirações coerentes com o momento carnavalesco.

O carnaval não tem uniformidade; ele permite evoluções regionais; o carnaval do nordeste tem maiores repercussões nos estados de Pernambuco e Salvador. O folião da cidade de Olinda – PE tem outras opções para se deleitar; além do frevo contagiante, os espaços são ocupados pelo samba, axé, pelos bois, os afoxés, o coco, os bonecos, além dos magníficos espetáculos do encontro dos maracatus e da noite dos tambores silenciosos. O frevo e o afoxé definem o carnaval da Bahia, comandado pelos trios elétricos, como uma festa de rua. Os estados das demais regiões, como o Rio de Janeiro e São Paulo, trazem a marca maior das escolas de samba como uma linha de continuidade, com desfiles apoteóticos propensos a prêmios.

Mas o que é surpreendente no carnaval é que ele não se importa com o tempo escrito em seu rico painel de carnaval brasileiro, ele não tira a liberdade folgazã do folião; é como se o carnaval dissesse: “uma vez folião, sempre folião”. Por isso, ainda se encontra folião de carnavais do passado a maravilhar-se com o som contagiante dos blocos, sem faltar o tradicional frevo com a sua força identitária.

Os foliões animados nunca estão sozinhos; eles promovem um carnaval aberto, democrático para que todos brinquem, sem distinção, sempre com distinção, com entusiasmo, mesmo tendo o carnaval no decorrer do tempo sofrido mudança em suas características, como bem se lê nos versos do poema Saudosismo de carnaval de Jose Santos Antologia do carnaval
de Cássio Cavalcante e Telma Brilhante: Pierrôs, Colombinas, os mascarados, pessoas fantasiadas/ Cabeças com plumas, lança-perfumes, confetes e serpentina animavam a festa/ Nos clubes nas ruas, nas praças...Tudo era carnaval/ E quando chegava a quarta- feira de cinzas/Ah! Tinha o gosto de quero mais.

Por fim, o que não tem fim, chega-se à quarta-feira de cinzas; quebra-se o encanto de uma festa colorida e alegre, belíssima e, sobretudo, embriagadora de muita exaltação. O folião, ao despertar ao meio dia da quarta-feira, numa ressaca horrorosa, exausto, sem saber o que se passou de fato, o que foi que pintou até então, e talvez nunca saiba, prepara-se para enfrentar a realidade que não demorará a sobressaltá-lo.



Publicada no Jornal Tribuna Independente, 24 de fevereiro de2017