Petrucia Camelo

CARNAVAL

Petrucia Camelo 06 de fevereiro de 2025

Para o folião, é chegado o momento de andar carnavalizando, ao som do trevo, com a máscara da alegria a talhar a face e a fantasia a traçar os contornos da descontração. É hora de deixar a casa e ir com a família por dias, ou ir sozinho pousar em outras plagas, a se reunir com a parentela, com a vizinhança, amigos e fazer novas amizades; é hora de pisar o sargaço, sentir a brisa da maresia, de frequentar o botequim, a escola de samba, o bloco de rua, hora de viagem, do permitir-se ir, com toda a bagagem de precaução.

O carnaval é uma cultura tradicional. Apesar de não perder a essência, por ser um fato social, é inovador, como se observa na diferenciação do carnaval das cidades brasileiras: o carnaval de Recife e o de Salvador não são os mesmos do Rio de Janeiro. Entretanto, a explosão de alegria é comum a todos e é sempre direcionada a serrar os grilhões do cotidiano, a promover inúmeras opções; é nesse parêntese que se têm, entre outras, a orla lagunar e a marítima, a servirem de porto para o andar, velejar embaixo do céu anil, frequentar os botequins vestindo a moda fresquinha, deixando o vento desalinhar os cabelos e o sol dourar a tez.

No carnaval do passado, lantejoulas, paetês e vidrilhos, entre outros, faziam o brilho da festa; e para confeccionar as fantasias, protegiam-se os dedos com dedal para pregá-los com agulhas de mão num bordado de sinuosos contornos, formando ramalhetes florais coloridos e grandes, deixando-os bem à vista sobre os tecidos de vários tons, em especial tecidos sedosos. A purpurina e as cores fortes maquiavam a face do folião, a transformação também saltava de dentro para fora, vestida de alegria.

Os foliões, após acompanharem os blocos, suados, bêbados e cansados, ficavam a perambular pelas ruas até caírem no chão, tais quais os carros alegóricos que, ao quebrarem, ficavam parados no asfalto, encostados no meio-fio. E alguém parasse e os olhasse bem de perto, pelas máscaras, logo percebia que eram intérpretes de Pierrô e Colombina e, se observasse melhormente, viria o Arlequim.

E então, onde está o carnaval, senão no âmago do próprio folião?

Na folia do hoje, não há preocupação com fantasias. O folião sempre está onde a vida se apresenta de corpos nus, onde o vento passa sem limite e o sol brilha sem cessar; ainda, encontra ao redor dos trios elétricos, nas frequentes idas e vindas às barracas na orla, com cheiros saborosos de frituras, com o sabor acentuado do tempero, do sal e pimenta, sempre acompanhadas de bebidas quentes e ou geladas, como garantia de que se pode ter um oásis em meio ao calor do sol da curtição.

O carnaval não é propício para reflexão, porém há os que vivem a vida como ermitões e aproveitam os dias do carnaval para fazerem aquela arrumação: desde as gavetas até um balanço nas contas; há quem faz uma boa leitura, visita parentes etc. Tudo é permissível, mas o que não vale é o isolamento de ficar na horizontal, envenenando-se de pensamentos fixos nas causas da decepção das perdas. É preciso mudar as imagens da tela mental. Que tal fazer um retiro, um novo encontro consigo mesmo? Deus, como um bom brasileiro, também tem o seu carnaval.

No passo ligeiro do frevo da identidade carnavalesca, pela fluidez da alegria espontânea, tudo se permite, mas é sempre bom fazer-lhe uma reserva comportamental, ao menos uma nota de precaução, para não deixar a preocupação do saldo negativo, a saldar depois da quarta-feira de cinzas, ao invés de guardar lembranças agradáveis da animação da folia do sol incandescente, dos óculos escuros, que não desvanecem a harmonia da cor do carnaval de braços dados com a cor do verão a encher de vida a orla e avenidas. Ao bom brasileiro, feliz carnaval!


Publicada no Jornal Tribuna Independente, 8 de fevereiro de 2013