Enio Lins
Congresso Nacional sob nova velha direção, com mais dos mesmos desafios

HUGO MOTTA E DAVI ALCOLUMBRE foram eleitos, respectivamente, presidentes da Câmara e do Senado. Representam a mesma tendência já manifestada há muitas eleições, quando um semiparlamentarismo (ou semipresidencialismo) monetiza, além da conta, a relação política entre os poderes Executivo e Legislativo.
ESTE PROCESSO COINCIDE com a ascensão irresistível do chamado “baixo clero” ao comando do Legislativo, cuja ponta do iceberg aflorou em 2005, com a eleição de Severino Cavalcanti (1930/2020), do PP, para a presidência da Câmara Federal. Estigmatizado como folclórico, o deputado do agreste pernambucano foi torpedeado em seu primeiro ano no posto, acusado da prática de “mensalinho” (rudimentar cobrança de propinas, envolvendo, inclusive, uma suposta mensalidade de R$ 10 mil ao restaurante da Câmara). O dito “alto clero” retoma o poder com dois alagoanos muito respeitados como expoentes da elite intelectual do parlamento, José Thomaz Nonô (interino) e Aldo Rebelo (eleito em seguida). Os termos “alto e baixo clero” sempre tiveram um tom preconceituoso, referindo-se às características de formulação política reconhecidas num parlamentar. Como ninguém, fora de seus estados de origem, havia ouvido falar de Motta e Alcolumbre, quando de suas primeiras eleições para as presidências das duas casas, ambos confirmam a supremacia desse estamento antes marginalizado pela crônica dos poderes.
LULA, COMO QUALQUER presidente sob um Congresso encabeçado pelo baixo clero, seguirá enfrentando a insaciabilidade aberta das duas casas. Poderá ter alguma vantagem – pouca – do descaramento desses procedimentos, pois a exposição dos objetivos próprios ao dito fisiologismo parlamentar, vez por outra, funciona como freio. O processo é simples e cruento, mais ou menos como num pesque-pague sem limites: para colocar na sacola uma piaba, paga-se um tubarão. Essa dificuldade é ampliada pelo fato dos partidos de sustentação política para Lula da Silva terem conquistado menos cadeiras no Congresso que o necessário para garantir algum conforto para o governo federal, e dentre as vagas obtidas para matizes ideológicos mais aproximados ao presidente da República, os destaques deixam a desejar na peleja com uma extrema-direita tão espalhafatosa quanto competente nas redes sociais e no plenário. Como se isso não bastasse, os órgãos governamentais encarregados da intermediação com o Poder Legislativo parecem escorregar na maionese desde o início da gestão. Nesse cenário para o derradeiro biênio de seu mandato, o filho de Dona Lindu vai ter de se esfalfar ainda mais num chão de fábrica inóspito, e ter muito mais cuidado para não perder mais dedos.
COM ZERO SURPRESA, as eleições de Motta e Alcolumbre confirmam também o aguçamento de uma pauta perigosa para a Democracia, para além do apetite nas milionárias emendas (pretendidas secretas). No horizonte assombram as sombras da busca pela impunidade ampla, geral e irrestrita para delitos cometidos por políticos. Ao fundo, podem-se ouvir acordes (desafinados) de uma trilha sonora com a Cavalgada das Valquírias mais ou menos como usada por Francis Ford Coppola no filme Apocalypse Now, quando uma esquadrilha de helicópteros americanos decola para massacrar uma aldeia vietnamita. O sonho dessa turma é despejar napalm sobre os tribunais, especialmente o STF, que ousem cobrar Justiça. Mas, em verdade, nada disso é novidade, embora no quadro atual se destaquem mais as cores tenebrosas. Desafios piores já foram enfrentados e vencidos. E Motta, Alcolumbre e Lula são profissionais que entendem a política como uma via cheia de curvas, onde o radicalismo quase sempre é sinônimo de derrapagem – para quaisquer clérigos, sejam dos altos ou dos baixos círculos.

Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.