Enio Lins
Quando o crime impune bate à porta da sociedade globalizada
MAGINE SE AL CAPONE (1899/1947) tivesse tido, entre 1929 e 1931, poder para demitir Eliot Ness (1903/1957) e toda equipe dos “Intocáveis”, e deletar as investigações sobre seus crimes. Imaginou? Pois é isso o que está acontecendo neste ano da impunidade americana de 2025. Al Trump, no dia 27, “demitiu todos os procuradores federais de carreira designados para integrar a equipe do procurador especial Jack Smith, que foi encarregada de investigar e processar o então ex-presidente Donald Trump”, conforme noticiou o site conjur.com.br e todos os demais veículos de mídia no mundo.
“DEMISSÃO DE PROCURADORES DE CARREIRA que processaram Trump abre era de retaliações políticas” é o título da reportagem do conjur.com.br. Por sua vez, a circunspecta BBC, em sua versão original, britânica, noticiou: “O governo do presidente dos EUA, Donald Trump, demitiu mais de uma dúzia de advogados do Departamento de Justiça que trabalharam em dois processos criminais contra ele”, e foi além reproduzindo uma declaração da ex-procuradora dos EUA Joyce Vance à NBC News, “Demitir promotores por causa de casos em que foram designados para trabalhar é simplesmente inaceitável. É contra o Estado de Direito; é contra a democracia”. Arremata a BBC que “os advogados [demitidos] faziam parte da equipe do ex-promotor especial Jack Smith, que investigou o suposto manuseio incorreto de documentos confidenciais por Trump e sua suposta tentativa de reverter sua derrota eleitoral de 2020”.
COMO ESTÃO ESSES PROCESSOS contra Donald? Explica a BBC: “os casos foram encerrados após sua vitória eleitoral em novembro. Os promotores escreveram que os regulamentos do departamento de justiça não permitem o processo de um presidente em exercício”. Incrível! O inquilino da Casa Branca está acima da lei. É a farra verdadeira do crime organizado americano. E pensar que os Estados Unidos posavam de modelo mundial... Um desses processos, hoje destruídos, tratava da tentativa de golpe trumpista em 6 de janeiro de 2021, quando hordas de seguidores de Trump, sob orientação do dito cujo, invadiram o Capitólio para tentar impedir a proclamação de Joe Biden como presidente eleito. Daquela fuzarca, resultaram cinco mortes (dois terroristas e três policiais) e 140 agentes de segurança feridos. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos indiciou mais de 725 tumultuadores trumpistas, e desses “Ao menos 225 indivíduos foram indiciados por agressão ou impedimento da aplicação da lei e 165 se confessaram culpados de crimes federais – dos quais 22 cometeram crimes graves, segundo informações oficiais do governo” relatou a CNN em reportagem veiculada em 6 de janeiro de 2022, quando o inusitado atentado completou um ano. Em janeiro de 2025, Trump passou a borracha em seu crime, apagando o delito dos anais jurídicos, perdoando a si próprio e a todos os seus cúmplices.
EM JANEIRO DE 2025, Trump não só perdoou a si mesmo, mas condenou quem ousou lhe aplicar a lei. É o exemplo mais eloquente da desenvoltura de um delinquente no poder. Igualmente, é o exemplo mais escandaloso de um Estado frágil, vulnerável, de uma nação que expõe a supremacia da Lei e da Ordem como mera cenografia e peça publicitária de campanha enganosa. Isso seria um desastre ético em qualquer país, mas estamos falando da principal potência militar do planeta, de uma das duas economias mais pujantes da terra, de um país que espalha sua cultura e seu modo de vida como paradigmas para a civilização contemporânea. É a supremacia da barbárie, cujas consequências são preocupantemente previsíveis.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.