Petrucia Camelo

METAMORFOSE DA COR

Petrucia Camelo 30 de janeiro de 2025

Ainda é tempo de “boas festas” na casa. Na toalha branca de linho bordada, forrada sobre a mesa, há uma mancha lilás denotando que ali, animadamente, houvera festa comemorativa familiar, e, deveras na hora do brinde, o vinho servido havia transbordado na taça, mas, agora, no silêncio da sala de jantar, a mancha lilás sobre a toalha era testemunha viva dos momentos que houvera: de alegria, das cores diversas, de troca de presentes, de comes e bebes e de felicitações.

E sobre a mesa, os presentes e a mancha lilás que permaneceu intacta a destacar-se dos lindos embrulhos a serem guardados, como se estivesse a dizer que nunca iria desfazer-se, pois estava diretamente ligada à pessoa que a criou, ao seu olhar alegre, descontraído, mesmo ao tempo em que demonstrara em palavras as desculpas acompanhadas da rapidez das mãos, ao tentar recompor o desajeitado gesto.

No rito de passagem das boas festas, na alegria compartilhada e da gastronomia típica das festas solenes, ficaram os vestígios da cor, que encarna a uva, sobressaindo-se na branca toalha de linho bordada forrada na mesa, como se fosse o artista e seu violão que deixa a emoção do som em meio à multidão, do jeito da cor da pele na miscigenação, do modo que a palavra sugere pensamentos.

Dentre as turbulências transitórias da vida, sentidas pelo ser humano, é preciso que haja momentos que se eternizem, que em sua repetição, não tenham prazo breve para acabar, que venham despertar a mente para a convivência salutar, misturando-se ao sabor, aos enfeites, aos presentes, aos sorrisos das presenças, às luzes, à cor e, por que não, às lágrimas. Porque também se chora de alegria e de felicidade.

Nos momentos de confraternização, que faça chuva ou que faça sol, coisa alguma impede que haja comemoração, que se vivam momentos de prazer, encerrando os inúmeros deveres cumpridos durante o ano inteiro, e quando a festa ocorre à noite, tudo reluz, tudo parece diferente. As pessoas são mais bonitas, os cumprimentos são mais calorosos, são mais aconchegantes. Decide-se até marcar as horas, tendo-as como a hora do início, do término e do clímax da festa, levando todos a se concentrarem no que se pode dizer, fazer, que pode ser o de praxe ou o que sugere a emoção.

A mancha lilás será limpada, retirada e a toalha de linho branco bordada será guardada para uma próxima comemoração, pois o tempo prosseguirá, inexorável, marcando novas datas, novos tempos. Ficarão as lembranças do momento festivo, das presenças dos amigos mais próximos e dos familiares, nas quais ficarão novas promessas e novas esperanças de novos encontros, consolidando a amizade.

Foram-se as presenças com a promessa de, no próximo ano, estarem todos juntos outra vez, por certo pela harmonia sentida, pela amizade que os une e pela importância da data comemorada.

Por certo, a mancha lilás nunca será uma saudade; será uma lembrança de uma atitude que canalizou a alegria desenfreada, que foi levada ao extremo tal qual a metamorfose da uva, que em tresloucado gesto, atende ao comando do deus Baco, transforma-se em vinho, que se dispõe em taças nas mãos daqueles que em alegria e gestos brindam a felicidade.