Enio Lins

Posse de Trump: muita zoada por velhas notícias, e uma única surpresa

Enio Lins 24 de janeiro de 2025

Como seus primeiros passos eram de conhecimento público, não houve novidades durante a posse de Trump. Toda mídia cobriu por dever de ofício, sem sustos. Mas a peroração da bispa sacolejou o bonde do cerimonial como um inesperado freio de arrumação – mas com discreta cobertura pela imprensa.

LUGARES-COMUNS
Nada de novo em Trump dizer que os Estados Unidos são donos do mundo, que só existe masculino e feminino, que vai expulsar todos os migrantes ilegais, que vai tomar o Canal do Panamá, anexar a Groelândia e o Canadá... Nada de novo na família Biroliro & patriotários brazucas (sem convites para os eventos oficiais) ficarem à toa, zanzando nas calçadas, debaixo da neve a -6ºC. Nesse carnaval de mesmices, apesar de não surpreender, chamou a atenção o gesto fascista do trilionário-mimado Elon Musk, que se esfalfou por mais uns minutos de fama: rodopiou no palco, fez mungangas e trejeitos, revirou os olhinhos – ganhou incontáveis memes, mas sem conteúdo relevante. No mais, mais do mesmo. Menos a bispa: Ela botou pocando.

BISPA CORAJOSA
Mariann Edgar Budde é o nome da heroína na posse de Trump. Bispa da Diocese Episcopal de Washington. A BBC reportou que “ela atua como líder espiritual de 86 congregações episcopais e dez escolas episcopais no Distrito de Columbia e quatro condados de Maryland — a primeira mulher eleita para essa posição”. Tem 65 anos e nome reconhecido pela capacidade intelectual e pela defesa dos Direitos Humanos. Mariann proferiu um sermão de apenas 15 minutos – e foi catapultada à posição de celebridade internacional. “Deixe-me fazer um apelo final, senhor presidente. Milhões depositaram sua confiança em você. E como você disse à nação ontem, você sentiu a mão providencial de um Deus amoroso. Em nome do nosso Deus, peço que tenha misericórdia das pessoas em nosso país que estão assustadas agora”. Trump trancou a cara, mas ouviu mais.

CONTRA A OPRESSÃO
Disse ela: “Há crianças gays, lésbicas e transgêneros em famílias democratas, republicanas e independentes, algumas que temem por suas vidas”. Mais: “As pessoas que colhem nossas safras e limpam nossos prédios de escritórios; que trabalham em granjas avícolas e frigoríficos; que lavam a louça depois que comemos em restaurantes e trabalham nos turnos noturnos em hospitais, elas — elas podem não ser cidadãs ou ter a documentação adequada. Mas a grande maioria dos imigrantes não é criminosa. Elas pagam impostos e são boas vizinhas”. E fechou com chave de ouro: “Peço que tenha misericórdia, senhor presidente, daqueles em nossas comunidades cujos filhos temem que seus pais sejam levados embora. E que ajude aqueles que estão fugindo de zonas de guerra e perseguição em suas próprias terras a encontrar compaixão e boas-vindas aqui. Nosso Deus nos ensina que devemos ser misericordiosos com o estrangeiro, pois todos nós já fomos estrangeiros nesta terra”.

RESISTIR É PRECISO
Trump já sabia da inevitabilidade dalguma lapada, pois, lembra a BBC: “Em junho de 2020, ela [a Bispa Mariann] escreveu um artigo de opinião para o jornal The New York Times criticando o então presidente por usar a polícia para evacuar a Lafayette Square, perto da igreja de St. John's, em meio aos protestos sobre a morte de George Floyd e o surgimento do movimento Black Lives Matter”. Durante o sermão, Donald tugiu, mas não mugiu. Ouviu as verdades com a cara fechada, sem dar um pio. Depois postou um mimimi qualquer em sua própria rede, a Truta Social. Para os Estados Unidos e para o resto do mundo, a Bispa Mariann deixou – com elegância e firmeza – uma mensagem de resistência, destemor e determinação.