Enio Lins
Posse de Trump: muita zoada por velhas notícias, e uma única surpresa
Como seus primeiros passos eram de conhecimento público, não houve novidades durante a posse de Trump. Toda mídia cobriu por dever de ofício, sem sustos. Mas a peroração da bispa sacolejou o bonde do cerimonial como um inesperado freio de arrumação – mas com discreta cobertura pela imprensa.
LUGARES-COMUNS
Nada de novo em Trump dizer que os Estados Unidos são donos do mundo, que só existe masculino e feminino, que vai expulsar todos os migrantes ilegais, que vai tomar o Canal do Panamá, anexar a Groelândia e o Canadá... Nada de novo na família Biroliro & patriotários brazucas (sem convites para os eventos oficiais) ficarem à toa, zanzando nas calçadas, debaixo da neve a -6ºC. Nesse carnaval de mesmices, apesar de não surpreender, chamou a atenção o gesto fascista do trilionário-mimado Elon Musk, que se esfalfou por mais uns minutos de fama: rodopiou no palco, fez mungangas e trejeitos, revirou os olhinhos – ganhou incontáveis memes, mas sem conteúdo relevante. No mais, mais do mesmo. Menos a bispa: Ela botou pocando.
BISPA CORAJOSA
Mariann Edgar Budde é o nome da heroína na posse de Trump. Bispa da Diocese Episcopal de Washington. A BBC reportou que “ela atua como líder espiritual de 86 congregações episcopais e dez escolas episcopais no Distrito de Columbia e quatro condados de Maryland — a primeira mulher eleita para essa posição”. Tem 65 anos e nome reconhecido pela capacidade intelectual e pela defesa dos Direitos Humanos. Mariann proferiu um sermão de apenas 15 minutos – e foi catapultada à posição de celebridade internacional. “Deixe-me fazer um apelo final, senhor presidente. Milhões depositaram sua confiança em você. E como você disse à nação ontem, você sentiu a mão providencial de um Deus amoroso. Em nome do nosso Deus, peço que tenha misericórdia das pessoas em nosso país que estão assustadas agora”. Trump trancou a cara, mas ouviu mais.
CONTRA A OPRESSÃO
Disse ela: “Há crianças gays, lésbicas e transgêneros em famílias democratas, republicanas e independentes, algumas que temem por suas vidas”. Mais: “As pessoas que colhem nossas safras e limpam nossos prédios de escritórios; que trabalham em granjas avícolas e frigoríficos; que lavam a louça depois que comemos em restaurantes e trabalham nos turnos noturnos em hospitais, elas — elas podem não ser cidadãs ou ter a documentação adequada. Mas a grande maioria dos imigrantes não é criminosa. Elas pagam impostos e são boas vizinhas”. E fechou com chave de ouro: “Peço que tenha misericórdia, senhor presidente, daqueles em nossas comunidades cujos filhos temem que seus pais sejam levados embora. E que ajude aqueles que estão fugindo de zonas de guerra e perseguição em suas próprias terras a encontrar compaixão e boas-vindas aqui. Nosso Deus nos ensina que devemos ser misericordiosos com o estrangeiro, pois todos nós já fomos estrangeiros nesta terra”.
RESISTIR É PRECISO
Trump já sabia da inevitabilidade dalguma lapada, pois, lembra a BBC: “Em junho de 2020, ela [a Bispa Mariann] escreveu um artigo de opinião para o jornal The New York Times criticando o então presidente por usar a polícia para evacuar a Lafayette Square, perto da igreja de St. John's, em meio aos protestos sobre a morte de George Floyd e o surgimento do movimento Black Lives Matter”. Durante o sermão, Donald tugiu, mas não mugiu. Ouviu as verdades com a cara fechada, sem dar um pio. Depois postou um mimimi qualquer em sua própria rede, a Truta Social. Para os Estados Unidos e para o resto do mundo, a Bispa Mariann deixou – com elegância e firmeza – uma mensagem de resistência, destemor e determinação.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.