Enio Lins

Marco na história: o sesquicentenário do jornalão das elites

Enio Lins 08 de janeiro de 2025

Comemorando 150 anos de circulação, o diário O Estado de São Paulo, vulgo Estadão, merece umas linhas a mais. Do baú das memórias, lembro como se fosse ontem, quando, há 41 anos, na capital paulista, onde estava de passagem, a folhear, junto com um magote de militantes (em sua maioria, gente da Comunicação), a Folha de São Paulo em sua eletrizante cobertura sobre a campanha das Diretas Já, ouvimos de João Amazonas (1912/2002), também jornalista: “Vocês se encantam muito com a Folha. Mas eu prefiro ler o Estadão. Eles escrevem como pensam, não disfarçam, nem procuram ganhar a simpatia de quem lê. Expõem as ideias deles e pronto, e isso é o que interessa para nós também” – mais ou menos assim, pois não anotei. Mas nunca tirei o conceito da cabeça: para entender o pensamento da elite brasileira, ler o Estadão é fundamental.

MARCA HISTÓRICA

Fundado em 4 de janeiro de 1875, surgiu amparado no ideal republicano, como registra a Wikipédia. Usou o nome “A Província de São Paulo” até o surgimento da República. Não é o jornal mais longevo do Brasil, pois o é o Diário de Pernambuco, criado em 7 de novembro de 1825, e que soprará neste ano 200 velinhas, também mantendo o título de mais antigo em circulação na América Latina; O Globo veio ao mundo em 29 de julho de 1925, no Rio de Janeiro, e a Folha de São Paulo nasceu no dia 19 de fevereiro de 1921. Fiquemos por aí, respeitando a idade provecta de todas essas mídias palpáveis, impressas no velho e bom papel. Aplaudir a longevidade de todas essas empresas de comunicação significa reconhecer a importância delas na história e na construção do jornalismo profissional brasileiro. Concordar com as linhas editoriais desses veículos são outros quinhentos, mas as diferenças políticas e ideológicas não justificam cancelamentos dos fatos históricos.

FONTE CONFIÁVEL

De minha parte, digo que cada dia mais leio o sesquicentenário Estadão. Entendi, depois de quarenta anos, a diretiva do velho Amazonas. No quesito político, procuro especialmente matérias e reportagens sobre o governo Lula – dispensando, obviamente, colunistas alvoroçados pelo puro rancor direitista, pois aí não se extrai nada de útil. Mas as críticas consubstanciadas, expressadas pelo ponto de vista das elites pensantes, mas com argumentos e dados, são de leitura indispensável. É o Estadão perfeito? Acima do bem e do mal? Óbvio que não. Lógico que se pode enxergar qualquer coisa, ou pessoa, pelo que se considere o “lado ruim”. Por esse olhar, ver-se-á um monte de defeitos não só n’O Estado de São Paulo, mas em qualquer veículo midiático. Mas fico com a opinião do saudoso João, sem deixar de frequentar (como ele fazia) a BBC, o Globo, a Folha etc.

LONGA HISTÓRIA

Assim como a maioria da chamada “grande mídia”, o Estadão apoiou o golpe de 1º de abril de 1964. Com a imposição do Ato Institucional nº 2, em 1965, extinguindo os partidos políticos, o jornal passou a externar posições críticas ao governo dos generais. Depois da institucionalização da censura prévia, imposta pelo Decreto-Lei nº 1.077, de 21 de janeiro de 1970, foi do vetusto Estadão a forma mais criativa e ousada de resistência e denúncia contra o atentado cometido pelos militares contra a liberdade de imprensa. A cada notícia censurada, o Estadão a substituía por textos inusitados, como trechos do Lusíadas ou receitas de bolo, inclusive na primeira página. Há dois anos, reportando o 8 de janeiro de 2023, sua primeira página foi um libelo acusatório – enxuto, direto e preciso – contra a tentativa de golpe de estado. Enfim, ao diário O Estado de São Paulo, os parabéns deste leitor que vos escreve. Que venham mais 150 anos, no mínimo!