Enio Lins
Marco na história: o sesquicentenário do jornalão das elites
Comemorando 150 anos de circulação, o diário O Estado de São Paulo, vulgo Estadão, merece umas linhas a mais. Do baú das memórias, lembro como se fosse ontem, quando, há 41 anos, na capital paulista, onde estava de passagem, a folhear, junto com um magote de militantes (em sua maioria, gente da Comunicação), a Folha de São Paulo em sua eletrizante cobertura sobre a campanha das Diretas Já, ouvimos de João Amazonas (1912/2002), também jornalista: “Vocês se encantam muito com a Folha. Mas eu prefiro ler o Estadão. Eles escrevem como pensam, não disfarçam, nem procuram ganhar a simpatia de quem lê. Expõem as ideias deles e pronto, e isso é o que interessa para nós também” – mais ou menos assim, pois não anotei. Mas nunca tirei o conceito da cabeça: para entender o pensamento da elite brasileira, ler o Estadão é fundamental.
MARCA HISTÓRICA
Fundado em 4 de janeiro de 1875, surgiu amparado no ideal republicano, como registra a Wikipédia. Usou o nome “A Província de São Paulo” até o surgimento da República. Não é o jornal mais longevo do Brasil, pois o é o Diário de Pernambuco, criado em 7 de novembro de 1825, e que soprará neste ano 200 velinhas, também mantendo o título de mais antigo em circulação na América Latina; O Globo veio ao mundo em 29 de julho de 1925, no Rio de Janeiro, e a Folha de São Paulo nasceu no dia 19 de fevereiro de 1921. Fiquemos por aí, respeitando a idade provecta de todas essas mídias palpáveis, impressas no velho e bom papel. Aplaudir a longevidade de todas essas empresas de comunicação significa reconhecer a importância delas na história e na construção do jornalismo profissional brasileiro. Concordar com as linhas editoriais desses veículos são outros quinhentos, mas as diferenças políticas e ideológicas não justificam cancelamentos dos fatos históricos.
FONTE CONFIÁVEL
De minha parte, digo que cada dia mais leio o sesquicentenário Estadão. Entendi, depois de quarenta anos, a diretiva do velho Amazonas. No quesito político, procuro especialmente matérias e reportagens sobre o governo Lula – dispensando, obviamente, colunistas alvoroçados pelo puro rancor direitista, pois aí não se extrai nada de útil. Mas as críticas consubstanciadas, expressadas pelo ponto de vista das elites pensantes, mas com argumentos e dados, são de leitura indispensável. É o Estadão perfeito? Acima do bem e do mal? Óbvio que não. Lógico que se pode enxergar qualquer coisa, ou pessoa, pelo que se considere o “lado ruim”. Por esse olhar, ver-se-á um monte de defeitos não só n’O Estado de São Paulo, mas em qualquer veículo midiático. Mas fico com a opinião do saudoso João, sem deixar de frequentar (como ele fazia) a BBC, o Globo, a Folha etc.
LONGA HISTÓRIA
Assim como a maioria da chamada “grande mídia”, o Estadão apoiou o golpe de 1º de abril de 1964. Com a imposição do Ato Institucional nº 2, em 1965, extinguindo os partidos políticos, o jornal passou a externar posições críticas ao governo dos generais. Depois da institucionalização da censura prévia, imposta pelo Decreto-Lei nº 1.077, de 21 de janeiro de 1970, foi do vetusto Estadão a forma mais criativa e ousada de resistência e denúncia contra o atentado cometido pelos militares contra a liberdade de imprensa. A cada notícia censurada, o Estadão a substituía por textos inusitados, como trechos do Lusíadas ou receitas de bolo, inclusive na primeira página. Há dois anos, reportando o 8 de janeiro de 2023, sua primeira página foi um libelo acusatório – enxuto, direto e preciso – contra a tentativa de golpe de estado. Enfim, ao diário O Estado de São Paulo, os parabéns deste leitor que vos escreve. Que venham mais 150 anos, no mínimo!
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.