Petrucia Camelo

ÁGUAS DE JANEIRO

Petrucia Camelo 27 de dezembro de 2024

Sabe-se que as páginas do passado não ficarão impunes aos efeitos da releitura, e que as do presente começam a ser delineadas com a palavra escrita no papel com cheiro de novo, rebuscada com o brilho da tinta fresca, como se estivesse vestida com brocado de seda, de renda ou mesmo com linho puríssimo; mas não se deve esquivar da certeza de que somente o futuro, que é o depurativo do tempo, far-lhe-á as devidas honras, e nem sempre com cavalheirismo lhe tirará os véus, mas em boa hora rasgará a cortina do tempo ou, mais ainda, com sorte e um bom planejamento, poderá outorgar o prêmio almejado.

O Ano Novo traz a palavra renovada, escrita ou falada, ou mesmo entoada em meio ao alarido da guerra, com risco de reconduzir ao pódio o mais perverso dos indivíduos, porém a saber que necessário se faz entender que governados e governantes devem ter a percepção de que o tempo passa rápido como a fluidez da dança clássica, e deve-se ter a precaução sobre os axiomas, que, por serem verdades inquestionáveis, mesmo as mais simples, não se deve expô-las a controvérsias ou burilá-las a seu bel prazer, pois continuarão em voga, por serem imutáveis.

Os dotados de fé começam a caminhada do Ano Novo sintonizados com o referencial da palavra que engloba a consciência dos ensinamentos bíblicos, colocando Deus em primeiro lugar, na ideia e na prática de tudo o que se planeja e que se pode realizar, atentando para a interpretação do significado da palavra sagrada. Cita-se como exemplo: "Não caminham duas pessoas juntas, sem que antes não tenham combinado? Ruge o leão na floresta, sem que não tenha uma presa? Cai um pássaro por terra na rede, sem que haja uma armadilha? Levanta-se uma rede do solo, sem capturar alguma coisa?..." (Amós 2-3).

Entretanto, o mês de janeiro deve ser interpretado à luz do cristalino das águas que descem dos céus, inundando o leito dos rios, alargando as margens, deixando as terras férteis, formando novos contornos em redor, modificando a paisagem.

Segundo rezam a experiência e a inteligência, janeiro continua sendo o mês de planos e projetos; é o início da jornada da esperança; faz o ser humano prosseguir, transportando a cesta da colheita do ano anterior. Então, deduz-se que se debulha o presente com o apoio do passado, e, nesse ofertório, caminham juntos o homem e a mulher, tecendo a trança do futuro, sem deixarem que roubem o fruto da árvore plantada, ou que lhe cortem a folhagem exuberante que dá sombra continuadamente.

Tem-se a história sagrada do passado, que não se esquiva de mostrar o sonho sonhado: vai-se à gruta onde Jesus Cristo nasceu e foi adorado; rende-se ao bulício da luz comemorativa e volta-se por caminhos de paz imperturbável; arregaçam-se as mangas, as vestes e pisam-se às águas, a pé enxuto; toma-se a ponte construída para os céus, evitando as águas escuras e profundas; segue-se em frente, a embrenhar-se no cotidiano que espera para ser desvendado ao modo da dança dos sete véus.

E no mistério do presente, vê-se o burrinho a trotar no asfalto, transportando a carga que não tem nada a ver com ele, mas, no mistério da vida alada, gestada em casulo, a vida eclode ao alçar voo. Vai a vida ao encontro de jardins floridos, de águas transparentes que cintilam o reflexo do sol, ensejando que o móvel e o imóvel na criatividade de Deus advêm do pó das estrelas. Salve, janeiro, mês das águas que levam à produção!… “Cai do alto, penetra no chão e acorda a semente que produz a planta” (cf. Is 55,10-11).