Enio Lins

Um aplauso democrático ao STF e ao conservador Estadão

Enio Lins 27 de dezembro de 2024

Coube ao vetusto Estadão, o jornal mais tradicionalista da chamada “grande imprensa brasileira” resumir em 178 caracteres uma realidade dramática: “A cúpula do Legislativo se desdobrou em 2024 para não cumprir decisão do STF de dar transparência às emendas ao Orçamento. Mas a Corte mostrou que não se deixa enganar facilmente”. Este foi o bigode do editorial publicado em 25 de dezembro, sob o título “A recalcitrância do Congresso custa caro”. O diário paulista analisa ali o problema específico da destinação oculta do dinheiro público, mas o drama democrático é maior e mais amplo, pois a tragédia parlamentar espelha o impressionante avanço dos pensamentos mais autoritários e fisiologistas.

TRAGÉDIA A ENCARAR
Essas teses nocivas não surgiram do nada. É produto de uma decadência moral espelhada em 49,10% dos votos para presidente em 2022. Problema agravado pelo fato de que os 50,90% que elegeram um Chefe do Executivo comprometido com a Democracia e o Humanismo, não se reproduziram em uma representação parlamentar majoritariamente alinhada com os valores democráticos e humanistas. Essa escassa maioria de votos, expressada por 60.345.985 seres humanizados não respaldou uma maioria equivalente, mesmo escassa, no parlamento nacional. A minoria expressiva (na eleição presidencial) se transformou numa temerária maioria parlamentar comprometida com o fisiologismo, autoritarismo, ilegalidades e privilégios. E com gana para atacar os outros dois poderes constituídos. Como o chamado modelo semipresidencialista manieta o Poder Executivo, cabe ao Poder Judiciário a missão de fazer valer a Constituição na hora H. Mas é preciso coragem para enfrentar a rebordosa desse significativo grupamento parlamentar (eventualmente majoritário) – destemor que o STF está comprovando ter.

FATO EMBLEMÁTICO
“No dia 23 de dezembro, o ministro Flávio Dino atendeu a um pedido do PSOL em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e suspendeu novamente o pagamento das emendas parlamentares ao Orçamento. Foram bloqueados tanto os R$ 4,2 bilhões previstos até o fim de 2024 como os cerca de R$ 50 bilhões orçados para 2025 até que alguns deputados e senadores resolvam parar de se comportar como fora da lei e informem para quem e por que enviam tamanho volume de recursos públicos. Não por acaso, Dino ainda determinou que a Polícia Federal investigue as supostas manobras do Congresso para burlar as decisões do STF e, claro, a eventual malversação da dinheirama que já foi liberada” explica o editorial, prosseguindo: “A aprovação de matérias relevantes para o País, como a reforma tributária, entre outras, não tem o condão de apagar toda sorte de ardis engendrados pela cúpula do Congresso em 2024 para se assenhorar de um quinhão inaudito do Orçamento sem a devida transparência nem muito menos isonomia (...). Abusaram de audácia e criatividade para sustar qualquer possibilidade de identificação de patronos e beneficiários das emendas com o claro objetivo de evitar a responsabilização dos parlamentares pela eventual malversação dos recursos públicos, no que se materializou como uma desabrida burla do sistema de freios e contrapesos e, ademais, um abastardamento do próprio ideal republicano”.

Finaliza o editorial: “O tempo dirá que fim levará essa disputa entre Poderes, que, além de se prolongar por um motivo antirrepublicano – a contumácia do Congresso em burlar a Constituição –, ainda causa grande prejuízo à sociedade por dificultar o bom andamento de uma agenda virtuosa para o País”. Aplausos ao Estadão. Aplausos para o Supremo Tribunal Federal.