Enio Lins
Um aplauso democrático ao STF e ao conservador Estadão
Coube ao vetusto Estadão, o jornal mais tradicionalista da chamada “grande imprensa brasileira” resumir em 178 caracteres uma realidade dramática: “A cúpula do Legislativo se desdobrou em 2024 para não cumprir decisão do STF de dar transparência às emendas ao Orçamento. Mas a Corte mostrou que não se deixa enganar facilmente”. Este foi o bigode do editorial publicado em 25 de dezembro, sob o título “A recalcitrância do Congresso custa caro”. O diário paulista analisa ali o problema específico da destinação oculta do dinheiro público, mas o drama democrático é maior e mais amplo, pois a tragédia parlamentar espelha o impressionante avanço dos pensamentos mais autoritários e fisiologistas.
TRAGÉDIA A ENCARAR
Essas teses nocivas não surgiram do nada. É produto de uma decadência moral espelhada em 49,10% dos votos para presidente em 2022. Problema agravado pelo fato de que os 50,90% que elegeram um Chefe do Executivo comprometido com a Democracia e o Humanismo, não se reproduziram em uma representação parlamentar majoritariamente alinhada com os valores democráticos e humanistas. Essa escassa maioria de votos, expressada por 60.345.985 seres humanizados não respaldou uma maioria equivalente, mesmo escassa, no parlamento nacional. A minoria expressiva (na eleição presidencial) se transformou numa temerária maioria parlamentar comprometida com o fisiologismo, autoritarismo, ilegalidades e privilégios. E com gana para atacar os outros dois poderes constituídos. Como o chamado modelo semipresidencialista manieta o Poder Executivo, cabe ao Poder Judiciário a missão de fazer valer a Constituição na hora H. Mas é preciso coragem para enfrentar a rebordosa desse significativo grupamento parlamentar (eventualmente majoritário) – destemor que o STF está comprovando ter.
FATO EMBLEMÁTICO
“No dia 23 de dezembro, o ministro Flávio Dino atendeu a um pedido do PSOL em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e suspendeu novamente o pagamento das emendas parlamentares ao Orçamento. Foram bloqueados tanto os R$ 4,2 bilhões previstos até o fim de 2024 como os cerca de R$ 50 bilhões orçados para 2025 até que alguns deputados e senadores resolvam parar de se comportar como fora da lei e informem para quem e por que enviam tamanho volume de recursos públicos. Não por acaso, Dino ainda determinou que a Polícia Federal investigue as supostas manobras do Congresso para burlar as decisões do STF e, claro, a eventual malversação da dinheirama que já foi liberada” explica o editorial, prosseguindo: “A aprovação de matérias relevantes para o País, como a reforma tributária, entre outras, não tem o condão de apagar toda sorte de ardis engendrados pela cúpula do Congresso em 2024 para se assenhorar de um quinhão inaudito do Orçamento sem a devida transparência nem muito menos isonomia (...). Abusaram de audácia e criatividade para sustar qualquer possibilidade de identificação de patronos e beneficiários das emendas com o claro objetivo de evitar a responsabilização dos parlamentares pela eventual malversação dos recursos públicos, no que se materializou como uma desabrida burla do sistema de freios e contrapesos e, ademais, um abastardamento do próprio ideal republicano”.
Finaliza o editorial: “O tempo dirá que fim levará essa disputa entre Poderes, que, além de se prolongar por um motivo antirrepublicano – a contumácia do Congresso em burlar a Constituição –, ainda causa grande prejuízo à sociedade por dificultar o bom andamento de uma agenda virtuosa para o País”. Aplausos ao Estadão. Aplausos para o Supremo Tribunal Federal.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.