Enio Lins

Convergências, divergências, ideologias, afetos e história

Enio Lins 21 de dezembro de 2024

Ao longo de sete décadas quase completadas – e espero passar disso, em condições minimamente razoáveis de saúde, posto desacreditar de outras formas de vida depois da morte –, sempre me relacionei bem com pessoas de ideias divergentes. Tenho me sentido feliz nessa empreitada. Me emociono com lembranças como a de Heider Silveira, ao me encontrar na Padaria Altesa, na Pajuçara, dizer: “aprecio seu trabalho, e inclusive guardei aquela charge que você me caricaturou fazendo a saudação nazista” e ele falar, calmamente, dos porquês da admiração dele por Hitler. E assim a banda tem tocado. Até hoje. E torço para seguir nessa toada, sentindo afeto por gente pensante em linha totalmente oposta, buscando preservar valores além das divergências.

Não pretendo mudar. Tenho muitas amizades em campos opostos de pensamento, desde o quesito religião, até a política, sem passar por time de futebol, aí por total desinteresse meu. Ateu desde criança, estudei em colégio religioso (Educandário Nossa Senhora de Fátima, no oitão da Igreja do Rosário) e, descrente do sobrenatural, considero natural respeitar e investir em parcerias com quem creia no cristianismo, espiritismo, islamismo, judaísmo, umbanda, quimbanda... e, sob convite, compareço alegremente a suas igrejas, mesquitas, sinagogas e terreiros. Bolsonaristas? Nem penso em abrir mão das muitas amizades seguidoras do mito, nem muito menos avento a hipótese de deixar de descer o cipó de aroeira naquela figura execrável. Jamais parei de denunciar a ditadura militar, de combater golpes e golpistas, mas coleciono um magote de homenagens militares. Não sou um ponto fora da curva, pois, como eu, um monte de gente – sem renunciar à sua própria ideologia – segue caminhos não-sectários, não-exclusivistas.

E daí? Choveram críticas à presença do cordão encarnado na solenidade de entrega do Título de Cidadão Honorário de Maceió para o viçosense Aldo Rebelo, ex-militante do PCdoB. Homenagem proposta pelo vereador Kleber Costa (ex-PT, atualmente PL). Plenário lotado pela companheirada canhota das antigas. Estive lá. Não só aplaudi, falei umas palavras. Recuso o apagamento de 51 anos de companheirismo por conta da atual bifurcação de caminhos. Conheci José Aldo Rebelo de Figueiredo em 1973, no 2º Ano Científico no Estadual de Alagoas. Para citar um exemplo, ali, na disciplina ministrada pelo professor Ubireval Alencar, Português e Literatura, formamos a equipe de defesa (eu, ele e Luciano Palmeira) de Rosa Palmeirão, mulher independente, personagem do romance Mar Morto, de Jorge Amado. Advogamos a inocência de Rosa das muitas acusações preconceituosas que lhe atiravam sobre os ombros; vencemos aquele júri na sala de aula. Daí para a UFAL, e para a militância no PCdoB, foi um pulo. Permanecemos na mesma trincheira partidária por mais de quarenta anos. Rebelo se elevou a um personagem de grandeza na história do Brasil, cuja contribuição positiva, revolucionária, é sua marca – desde a reconstrução da UNE até a presença na Câmara Federal, por cinco mandatos, e em três ministérios durante as presidências de Lula e Dilma.

Na atual quadra de tempo, não votamos nas mesmas candidaturas, não participamos das mesmas passeatas, não defendemos as mesmas teses. É duro. Questões transitórias. Ou não. O importante é não perder a ternura jamais. É bom lembrar, dentre muitos fatos notáveis, que Aldo, como ministro dos esportes, enfrentou a campanha “Não vai ter copa”, defendendo a presidenta Dilma do radicalismo feroz de lideranças como Guilherme Boulos – que, oito anos depois, seria o candidato de Lula à prefeitura paulistana. E o Alckimin, hein, gente? Apois, é assim: a História é uma via de muitas mãos e contramãos, curvas e contracurvas, aclives e declives; e o sectarismo, um abismo.