Enio Lins

A injustiça e o incentivo à letalidade dos “treinados para matar”

Enio Lins 20 de dezembro de 2024

Julgamento, anteontem, no Superior Tribunal Militar (STM) expôs uma velha luta interna castrense entre o rigor da lei e a mansidão do corporativismo. Ganhou, novamente e infelizmente, a condescendência para com o crime, e de complacência com criminosos, reduzindo penalidades anteriores a patamares cosméticos, com a redução de penas (para homicídios do tipo hediondo) na faixa de 90%, coisa de 30 para 3 anos. O placar apertado, 8x6, entretanto, sinaliza uma luzinha no túnel. Oxalá não seja a lâmpada de ré.

BALAS PERDIDAS E BALAS ACHADAS

Falo sobre o julgamento dos assassinos do músico Edvaldo Rosa e do catador de lixo Luciano Macedo, cometidos em 7 de abril de 2019. O duplo homicídio, sem quaisquer justificativas, aconteceu em plena luz do dia, às 14 horas, no Rio de Janeiro. Oito militares do Exército realizaram cerca de 257 disparos durante o ataque, segundo as investigações. Desses projeteis, a perícia indicou que “62 tiros perfuraram o veículo de Edvaldo, tendo oito atingido o músico, que morreu na hora. Luciano Macedo, que passava pelo local, também foi baleado ao tentar ajudar as vítimas. Ele chegou a ser socorrido a um hospital da região, mas não resistiu” como noticiou O Globo.

O CRIME E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS

Edvaldo Rosa e Luciano Macedo foram executados apenas quatro meses depois de encerrada oficialmente a desastrosa intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro. O chocante episódio pode ser entendido como uma extensão do período nebuloso desabado sobre a população carioca entre 21 de fevereiro de 2018 e 1º de janeiro de 2019. Certamente por puro acaso, aquela ocupação do Exército no cenário carioca coincide com a campanha eleitoral na qual um ex-capitão acabaria eleito presidente da República. Comandada pelo general Braga Netto, a intervenção teve como resultado mais conhecido o assassinato da vereadora Marielle Franco (e do motorista Anderson Gomes), em 14 de março de 2018. A imisção sob a batuta de Braga Netto provocou também, segundo a Wikipédia, um “aumento recorde de 36,1% de mortes através de agentes do estado”. Certamente por puro acaso, o duplo assassinato cometido por militares do Exército contra Edvaldo e Luciano coincida com o primeiro ano do mandato presidencial daquele ex-capitão “treinado para matar”.

VAIAS MERECIDAS, E APLAUSOS IDEM

Tradição infeliz, a leniência nas cortes marciais brasileiras pode ser localizada, além do exemplo citado, na descondenação do então capitão Jair Messias. Oficial indisciplinado e terrorista confesso (em entrevista concedida à revista Veja), foi absolvido pelo STM, numa sessão secreta, no dia16/06/1988, por 9x4. Esse julgamento condescendente anulou condenação de instância anterior contra o mesmo meliante, em janeiro de 1988, numa unanimidade de 3x0, por “desvio grave de personalidade e uma deformação profissional”, “falta de coragem moral para sair do Exército” e “ter mentido ao longo de todo o processo” (informações do jornal O Estado de S. Paulo). A história provou, tragicamente, que o primeiro julgamento estava correto. Deste júri de dezembro de 2024, sobre os homicídios contra Edivaldo Rosa e Luciano Macedo, ficam para a história, além dos seis votos pelo apenamento, os termos do voto da Ministra Maria Elizabeth Teixeira Rocha: “A ação delituosa dos agentes não buscou identificar os supostos meliantes, não visou prendê-los ou trazê-los à Justiça, mas sim executá-los sob a ótica do ‘bandido bom é bandido morto’, o que fere sobremaneira o Estado Democrático de Direito” (segundo reportagem de Daniel Gullino publicada n’O Globo). Nem tudo está perdido, apesar dos revezes do humanismo.