Enio Lins
A injustiça e o incentivo à letalidade dos “treinados para matar”
Julgamento, anteontem, no Superior Tribunal Militar (STM) expôs uma velha luta interna castrense entre o rigor da lei e a mansidão do corporativismo. Ganhou, novamente e infelizmente, a condescendência para com o crime, e de complacência com criminosos, reduzindo penalidades anteriores a patamares cosméticos, com a redução de penas (para homicídios do tipo hediondo) na faixa de 90%, coisa de 30 para 3 anos. O placar apertado, 8x6, entretanto, sinaliza uma luzinha no túnel. Oxalá não seja a lâmpada de ré.
BALAS PERDIDAS E BALAS ACHADAS
Falo sobre o julgamento dos assassinos do músico Edvaldo Rosa e do catador de lixo Luciano Macedo, cometidos em 7 de abril de 2019. O duplo homicídio, sem quaisquer justificativas, aconteceu em plena luz do dia, às 14 horas, no Rio de Janeiro. Oito militares do Exército realizaram cerca de 257 disparos durante o ataque, segundo as investigações. Desses projeteis, a perícia indicou que “62 tiros perfuraram o veículo de Edvaldo, tendo oito atingido o músico, que morreu na hora. Luciano Macedo, que passava pelo local, também foi baleado ao tentar ajudar as vítimas. Ele chegou a ser socorrido a um hospital da região, mas não resistiu” como noticiou O Globo.
O CRIME E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS
Edvaldo Rosa e Luciano Macedo foram executados apenas quatro meses depois de encerrada oficialmente a desastrosa intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro. O chocante episódio pode ser entendido como uma extensão do período nebuloso desabado sobre a população carioca entre 21 de fevereiro de 2018 e 1º de janeiro de 2019. Certamente por puro acaso, aquela ocupação do Exército no cenário carioca coincide com a campanha eleitoral na qual um ex-capitão acabaria eleito presidente da República. Comandada pelo general Braga Netto, a intervenção teve como resultado mais conhecido o assassinato da vereadora Marielle Franco (e do motorista Anderson Gomes), em 14 de março de 2018. A imisção sob a batuta de Braga Netto provocou também, segundo a Wikipédia, um “aumento recorde de 36,1% de mortes através de agentes do estado”. Certamente por puro acaso, o duplo assassinato cometido por militares do Exército contra Edvaldo e Luciano coincida com o primeiro ano do mandato presidencial daquele ex-capitão “treinado para matar”.
VAIAS MERECIDAS, E APLAUSOS IDEM
Tradição infeliz, a leniência nas cortes marciais brasileiras pode ser localizada, além do exemplo citado, na descondenação do então capitão Jair Messias. Oficial indisciplinado e terrorista confesso (em entrevista concedida à revista Veja), foi absolvido pelo STM, numa sessão secreta, no dia16/06/1988, por 9x4. Esse julgamento condescendente anulou condenação de instância anterior contra o mesmo meliante, em janeiro de 1988, numa unanimidade de 3x0, por “desvio grave de personalidade e uma deformação profissional”, “falta de coragem moral para sair do Exército” e “ter mentido ao longo de todo o processo” (informações do jornal O Estado de S. Paulo). A história provou, tragicamente, que o primeiro julgamento estava correto. Deste júri de dezembro de 2024, sobre os homicídios contra Edivaldo Rosa e Luciano Macedo, ficam para a história, além dos seis votos pelo apenamento, os termos do voto da Ministra Maria Elizabeth Teixeira Rocha: “A ação delituosa dos agentes não buscou identificar os supostos meliantes, não visou prendê-los ou trazê-los à Justiça, mas sim executá-los sob a ótica do ‘bandido bom é bandido morto’, o que fere sobremaneira o Estado Democrático de Direito” (segundo reportagem de Daniel Gullino publicada n’O Globo). Nem tudo está perdido, apesar dos revezes do humanismo.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.